segunda-feira, abril 29, 2019

A gargalhada - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 29/04

No Brasil, direita e esquerda parecem pastar como jumentos na grama da guerra fria

Sempre que tenho o prazer de ir ao leste europeu, ouço a mesma resposta quando conto que no Brasil a maior parte dos jovens “informados” e da classe culta em geral são simpáticos a regimes socialistas ou comunistas: uma gargalhada seguida de espanto. “Mas, eles não sabem o que aconteceu aqui nos países comunistas durante décadas?”, me perguntam.

Claro que esta adesão ao socialismo e comunismo como tara intelectual não é um pecado brasileiro. Por todo o ocidente, inteligentinhos brincam de socialistas e comunistas. Diante da violência e miséria que viveram, os habitantes dos países que padeceram sob o regime comunista de fato, só podem dar uma gargalhada como esta.

Arriscaria dizer que só agora começamos a ter a chance de tentar entender, em algum grau, nossa história política desde a guerra fria. O trágico período da ditadura(que nenhum inteligentinho de direita venha dizer que não houve ditadura no Brasil) foi seguido por outro período em que, ao invés de termos uma elite cultural que olhou para o país de uma forma um pouco mais realista (um filósofo diria, “empírica”), tivemos uma elite cultural monolítica que continuou presa a geopolítica da guerra fria. A polarização política no Brasil hoje é anacrônica. Direita e esquerda parecem pastar como jumentos na grama da guerra fria.

Se Bolsonaro e seus seguidores são uma espécie de cadelas hidrófobas que saíram do quarto escuro quase 30 anos depois (a imagem é inspirada em Nelson Rodrigues), nostálgicos de uma ditadura, a elite culta ativa nos “aparelhos culturais e educacionais” pós-ditadura se encastelaram numa narrativa atávica, presa a um “profetismo” marxista (e derivados) que logo estará na lata de lixo da historiografia.

Ao invés de propor uma análise mais complexa e ampla da política, grande parte de nós preferimos transformar as universidades, a mídia, a arte e a cultura em espaços de disputa política baixa, a serviço de interesses de classe, assim como se vê hoje em dia uma parte do poder judiciário fazer a mesma coisa: que se dane o país, contanto que seus privilégios de uma República das Bananas continuem a funcionar.

A historia do pensamento político é essencial para pensarmos qualquer política. A obviedade da afirmação acima é proposital. Referências existem por toda parte, cito aqui apenas uma delas: “On Politics” do professor Alan Ryan, que ensinou teoria política nas universidades de Oxford e Princeton, da editora W.W. Norton & Company.

O debate sobre como fazer a vida em sociedade um pouco menos ruim (porque é disso que se trata a política), desde a Grécia, tem alguns marcadores essenciais. Vou dar apenas dois exemplos importantes.

Um deles é a busca de “regimes mistos”, como buscava Aristóteles em Atenas e Cícero em Roma, ambos na antiguidade, e “Os Federalistas” (James Madison, John Jay e Alexander Hamilton) nos EUA, no final do século 18. “Misto” aqui significa um regime que integre minimante uma “aristocracia” (não de sangue) competente a agentes que representem o “povo”, a maioria, de forma razoável. A busca dessa integração institucional visa evitar a ganância dos poderosos e o ressentimento dos mais pobres.

Política é o campo em que conflitos auto-justificados se organizam institucionalmente a fim de que esses conflitos não destruam a sociedade. Esta tradição atinge seu apogeu justamente nos Federalistas, com a criação de mecanismos práticos e institucionais de pesos e contrapesos que limitem o poder de todo mundo que tem alguma forma de poder.

Outro marcador essencial é o debate acerca da natureza humana (não vou debater com os inteligentinhos o conceito de natureza humana aqui). De um lado, Santo Agostinho, na antiguidade tardia, para quem o pecado faz de nós seres interesseiros que a qualquer hora podem destruir tudo para realizar seus desejos mais mesquinhos e que, portanto, necessitam de uma ordem mínima que os mantenham sob cuidado e atenção. David Hume, cético, já no século 18, pensava que seria uma máxima política justa supor que todo homem pode a qualquer hora agir como um patife, e por isso mesmo, se faz necessário confiar desconfiando, em bom português.

Do lado oposto, a tradição, grosso modo, iluminista, de Rousseau a Marx (e derivados) para quem os homens são vítimas históricas que um dia, libertos da opressão, serão anjos políticos.

Você também está ouvindo a gargalhada de Aristóteles, Cícero, Santo Agostinho, Federalistas e David Hume?

A conspiração dos algoritmos - SAMY DANA

O GLOBO - 29/04

Algoritmos de preços são conjuntos de regras, em geral muito simples, que usam tentativa e erro para obter uma venda

Se você já comprou on-line, sabe como funciona: escolheu um produto, viu quanto custava e fez a compra. Enquanto tudo acontecia, um algoritmo provavelmente definiu o preço que você pagou. Esses programas hoje são importantes para o comércio on-line. A quantidade de produtos é imensa. Na Amazon, por exemplo, são mais de 600 milhões diferentes à venda. Seria impossível contar só com a ação humana, por isso um terço dos preços do site é atualizado por algoritmos.

O problema é que podem custar caro nas suas compras, segundo quatro economistas italianos — Emilio Calvano, Giacomo Calzolari, Vincenzo Denicolò e Sergio Pastorello. Algoritmos de preços podem agir às vezes como vendedores mal intencionados, combinando com os concorrentes para aumentar os preços, sugere um trabalho do quarteto, publicado em fevereiro pelo Centre for Economic Policy Research.

Algoritmos de preços são conjuntos de regras, em geral muito simples, que usam tentativa e erro para obter uma venda. Como um vendedor que tenta seduzir o cliente, esses robôs tentam seguidas estratégias de preços, com dados como os preços dos concorrentes, tentando oferecer um valor atraente para o comprador e o máximo de lucro para o vendedor.

A ideia é usar as estratégias que funcionam melhor. Se uma fracassa, simplesmente tentam de novo com outra até acertar. Mas, no meio do processo, o estudo demonstrou que podem se dar conta que o melhor para lucrar mais é cobrar mais caro em vez de fazer uma guerra de descontos.

Para testar a teoria, os economistas criaram dois robôs de preços e deixaram que um interagisse com o outro. Isto é, quando um baixava o preço, o outro reagia, baixando ainda mais, e quem ganhava era o consumidor. Mas, quando um dos algoritmos mudou de comportamento, o outro parou de dar descontos e o acompanhou. Os preços subiram e voltaram aos níveis do começo do experimento.

Pelo movimento dos preços, a manipulação foi evidente, mas, segundo os pesquisadores, não há traços de como aconteceu. Nenhum dos algoritmos quebrou qualquer regra ou se comunicou um com o outro, os dois apenas reagiram a leis básicas sobre como se formam os preços, escolhendo a estratégia que levava a mais ganhos.

Até agora, estranhas subidas de preços tinham chamado atenção da internet, como uma árvore de Natal de plástico comum à venda por US$ 10 mil no site da Amazon, mas eram consideradas falhas de programação. O estudo sugere outra explicação: talvez algoritmos, competindo, possam elevar preços ao infinito. Mas é uma hipótese em aberto.

Alguns economistas defendem que é impossível algoritmos formarem um cartel, já que não se comunicam. Mas, em um artigo publicado no começo do ano no Oxford Journal of Legal Studies, dois professores de Direito, Ariel Ezrachi e Maurice E. Stucke, citam casos, no Chile e na Alemanha, em que os preços subiram sem combinação prévia quando o governo publicou o valor da gasolina em cada posto. A medida devia incentivar a concorrência, mas, vendo o preço dos outros, cada posto aumentava o seu. Algo parecido ocorreu no experimento dos quatro italianos.

Não se trata de imaginar programas malignos, criados para lesar consumidores. Para as empresas, algoritmos só tomam decisões melhores do que humanos sobre os preços. O problema, os dois estudos sugerem, é quem pode acabar pagando por isso. Seu bolso.

A paralisia do investimento - SERGIO LAMUCCI

Valor Econômico - 29/04
Dúvidas sobre Previdência e demanda fraca travam decisões


O investimento segue travado, mesmo depois de passadas as eleições presidenciais e da queda de mais de 30% no auge da crise. Com a demanda anêmica e as incertezas em relação à aprovação da reforma da Previdência, o setor privado investe muito pouco, ainda mais num cenário em que grande parte das empresas tem enorme capacidade ociosa. O setor público contribui ainda menos, dada a péssima situação fiscal do governo federal e de muitos Estados e municípios.

Sem o investimento ganhar fôlego, o PIB crescerá a um ritmo fraco também em 2019 - não por acaso, aumentam as apostas numa expansão de 1,5% ou menos neste ano. Do lado da demanda, o consumo das famílias, os gastos do governo e as exportações não puxarão a atividade, e o país deverá ter mais um ano perdido em termos de crescimento e redução do desemprego.

O anúncio de investimentos desacelerou significativamente depois da greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, como aponta o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato. Levantamento do banco com base em projetos anunciados na imprensa mostra uma queda mais forte exatamente a partir de junho de 2018. De julho de 2017 a maio do ano passado, a média de projetos divulgados foi de 109 por mês. De junho de 2018 a março deste ano, ficou em 56.

No segundo semestre de 2018, as incertezas relacionadas às eleições seguraram o investimento. Hoje, as dúvidas quanto à reforma da Previdência, fundamental para garantir a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo, mantêm o setor privado em compasso de espera.

Como pano de fundo, uma demanda muito fraca e uma grande ociosidade na economia. Honorato cita a sondagem industrial de março da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em que houve um salto das empresas apontando a "demanda interna insuficiente" como um dos maiores obstáculos. No quarto trimestre de 2018, esse era um dos principais problemas para 31,1% das companhias; no primeiro trimestre deste ano, o número pulou para 37,5%.

A ociosidade é enorme. O nível de utilização de capacidade instalada da indústria de transformação ficou em 74,4% em abril, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV). É um número muito abaixo da média registrada desde 2001, de 80%.

Segundo Honorato, as dúvidas quanto à Previdência afetam mais diretamente um grupo de grandes empresas globais, muitas de capital de aberto, que esperam uma definição sobre o futuro das contas públicas para tomar decisões de investimento. "Há dois canais de transmissão aí", diz Honorato. Se a reforma não passar, a tendência é de haver uma desorganização do ambiente econômico, o que leva as empresas a esperar antes de investir. O outro é o risco de que haja um aumento de impostos no futuro se não houver a mudança do sistema de aposentadorias, gerando dúvidas sobre a rentabilidade dos investimentos.

No caso de empresas de médio e pequeno porte, de capital fechado, o efeito das incertezas sobre a Previdência é diferente, afirma Honorato. Ele se dá porque a indefinição quanto ao sistema de aposentadorias impede mais estímulos para a demanda por parte do próprio Banco Central (BC), por exemplo. Isso poderia contribuir para reduzir mais o custo de capital. É um efeito indireto. Esse empresário só vai investir mais quando perceber a perspectiva de crescimento mais forte da demanda. É obviamente um fator crucial também para as empresas de maior porte, mas uma perspectiva clara de aprovação da reforma da Previdência poderia deflagrar decisões de investimento das companhias maiores, que anteveriam um cenário melhor para a economia, avalia Honorato. Ele espera que a proposta passe em primeira votação na Câmara dos Deputados em julho ou agosto, com aprovação final pelo Senado ainda neste ano.

No primeiro trimestre, a economia foi mal. O Bradesco estima que o PIB tenha recuado 0,1% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Nessa base de comparação, a previsão é que o investimento tenha recuado 0,6%. Por enquanto, Honorato projeta um crescimento do PIB de 1,9% em 2019, número que eventualmente pode ser reduzido. Pelo que indica a pesquisa empresarial do banco, o segundo trimestre se encaminha para uma alta de 0,5%, melhor do que no primeiro, mas que, se confirmada, torna difícil um avanço no ano perto de 2%.

A demora na tramitação e a aprovação de uma versão pouco robusta da reforma da Previdência podem retardar ainda mais a recuperação da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação). Entre o terceiro trimestre de 2013 e o quarto trimestre de 2016, a FBCF caiu 31,6%.

Em recuperações cíclicas que se seguiram a recessões anteriores, o investimento costumava liderar a retomada. Depois de uma queda superior a 30%, não seria absurdo esperar um aumento da FBCF em torno de dois dígitos num primeiro momento. Nos oito trimestres seguintes ao fim da recessão, porém, a FBCF só cresceu 6%. Para Honorato, o problema não é falta de financiamento - a queda dos empréstimos do BNDES já foi mais do que suplantada pelas emissões no mercado de capitais, segundo ele.

Com demanda fraca e o setor público sem espaço para investir, uma opção seria cortar mais os juros, em 6,5% ao ano desde março de 2018. Honorato acredita que a redução da Selic é tema para o segundo semestre. Até lá, deverá ficar claro para o BC que o repique recente dos preços é transitório, como ele e a grande maioria dos analistas avaliam. Se a atividade continuar fraca, a inflação e o câmbio ficarem comportados e a reforma da Previdência estiver bem encaminhada, o BC poderá então baixar mais os juros. Nesse quadro, não seria necessário esperar a aprovação final pelo Senado, diz ele.

Se não for possível estimular a demanda pela redução dos juros, Honorato vê como outras possibilidades promover outras reformas, como a tributária, e intensificar privatizações e concessões de infraestrutura. Hoje, essa agendas estão em segundo plano pela prioridade dada à mudança na Previdência.

Nesse quadro, é fundamental o governo se concentrar na articulação dessa reforma no Congresso, tentando aprovar o mais rapidamente possível uma versão robusta da proposta. A falta de coordenação política da administração de Jair Bolsonaro já cobra o seu preço em termos de crescimento, por adiar a retomada do investimento e dificultar a adoção de outras medidas para estimular a demanda, como novos cortes dos juros.

Twitter: um mundo à parte - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 29/04

O papel do Twitter como um microcosmo da sociedade tem sido supervalorizado


Há poucos dias, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu o CEO do Twitter, Jack Dorsey, no Salão Oval da Casa Branca. Oficialmente, o objetivo da reunião foi discutir medidas a fim de “proteger a saúde do debate público” na rede social tendo em vista as eleições gerais no ano que vem. Entretanto, o presidente americano, ávido usuário da plataforma para se comunicar com o público, aproveitou para reclamar do que chama de “discriminação” da empresa em relação a ele.

Trump alega ter perdido recentemente muitos seguidores no Twitter – 59,9 milhões de pessoas o seguiam na rede no momento em que este editorial foi escrito – e crê que nada há de espontâneo nessa debandada. Em sua visão, ela seria fruto de um ardil da empresa para reduzir o alcance de suas publicações, o tal “tratamento discriminatório” que ele diz sofrer em virtude do viés político-ideológico de seu governo.

Noves fora a preocupação adolescente do chamado líder do mundo livre, alguém que tem sobre a mesa de trabalho questões muito mais sérias a despachar, não resta dúvida de que o Twitter é uma valiosa ferramenta de comunicação e há mais de uma década tem moldado uma nova forma de interação entre pessoas, empresas e instituições.

Não obstante, o papel do Twitter como uma espécie de microcosmo da sociedade tem sido supervalorizado. É o que indica uma pesquisa feita pelo Pew Research Center com 2.791 usuários adultos da rede social nos Estados Unidos. Os resultados foram divulgados na terça-feira passada.

A pesquisa revelou que a idade média dos usuários do Twitter é menor do que a idade média da população americana adulta: 40 e 47 anos, respectivamente. A renda é outro fator que separa os usuários da rede do restante do país: 41% dos pesquisados informaram receber acima de US$ 75 mil por ano, ante os 32% da média nacional. A escolaridade é outro muro que divide os usuários do Twitter e a população americana em geral. De acordo com a pesquisa, 42% dos respondentes têm diploma universitário, 11 pontos porcentuais acima da média nacional (31%).

A metodologia da pesquisa demonstrou o quão descolado da realidade é o debate que se dá no Twitter. O Pew Research Center optou por dividir os usuários em dois grupos: os 10% mais ativos e os 90% menos ativos na rede social. A média de tweets mensais dos usuários menos ativos é de apenas duas publicações. Já a da fração mais engajada é de, pasme o leitor, 138 tweets, o que equivale a quase 5 postagens por dia. Ou seja, uma pequeníssima porção de usuários é capaz de produzir conteúdo suficiente para, não raro, mascarar o que, de fato, ocupa o debate no restante do país. É uma minoria bastante barulhenta.

As preferências partidárias entre os usuários do Twitter também divergem da média da população americana. Na rede, 36% declaram se identificar com os democratas e 26%, com os republicanos, de acordo com o levantamento do Pew Research Center. Entre a população americana em geral, os porcentuais são de 30% em relação aos democratas e 21% em relação aos republicanos.

Questões raciais, de gênero e imigratórias também foram objeto da pesquisa. Entre os usuários do Twitter, para 64% dos pesquisados os negros são tratados injustamente nos Estados Unidos. Entre a população em geral, são 54% os que acreditam nesta afirmação. No que se refere aos imigrantes, 66% dos tuiteiros, ante 57% em geral, acreditam que os estrangeiros fortalecem o país, e 62% dos usuários da rede veem barreiras sociais que tornam a vida das mulheres mais difícil do que a dos homens. Entre a população em geral, os que veem tais barreiras para as mulheres somam 56%.

A pesquisa feita pelo Pew Research Center é importante para mostrar que o Twitter é um mundo à parte, ainda que sua importância para as relações humanas no século 21 seja inegável. Serve de alerta, portanto, para os que tomam as redes sociais como perfeita amostra da sociedade. Não são.

Ainda não se tem notícia de pesquisa semelhante no Brasil. Viria em boa hora.

O desalento começa a prevalecer - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 29/04

Não é mera coincidência o comportamento mais conservador adotado tanto pelo empresariado do comércio como pelo da indústria na gestão dos estoques. Esse comportamento observado recentemente parece antecipar sua percepção de que haverá queda nos negócios nos próximos meses. Têm sido pequenas, até agora, as variações dos índices que medem os estoques nos dois setores, mas elas mostram atitude mais cautelosa dos dirigentes das empresas. O economista Aloísio Campelo, superintendente de Estatísticas Públicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), escolheu uma expressão um pouco mais direta, “desalentador”, para se referir ao cenário que vai se formando no ambiente de negócios a partir dos dados que vão sendo conhecidos.

O índice de adequação de estoques do comércio, calculado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) registrou alta de 5,9% em abril na comparação com o resultado de um ano antes, o que indica que, nesse período, a economia ganhou fôlego. Mas a comparação com dados mais recentes mostra uma tendência menos brilhante. Em relação a março, o índice teve aumento de 1,5%, mas essa variação, como ressaltam os economistas da FecomercioSP, não se deveu à melhora do ambiente econômico. Os empresários do setor já não têm o otimismo que demonstravam no início do ano. O comportamento mais conservador se deve ao fato de que o comércio “já percebe sinais de arrefecimento das vendas”.

Também na indústria o cenário é de estoques ajustados e de pequena melhora na demanda interna, o que levou à alta de 0,4 ponto entre março e abril na prévia do Índice de Confiança da Indústria medido pela Fundação Getúlio Vargas. Mas as expectativas vêm se deteriorando. O resultado preliminar do índice que mede essas expectativas caiu 0,2 ponto entre março e abril, o que o economista Aloísio Campelo interpretou como “uma ducha de água fria” no humor do empresariado industrial.

Outra pesquisa confirma essa tendência. O Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) caiu 3,5 pontos em abril, após queda de 0,2 ponto em fevereiro e de 2,6 pontos em março. A queda deveu-se tanto ao recuo das expectativas como à piora da avaliação das condições de negócios.

O mau desempenho da economia no primeiro trimestre decerto afetou o humor do empresariado. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) caiu 0,73% de janeiro para fevereiro, depois de ter recuado 0,41% em janeiro na comparação com dezembro. São dados que, por anteciparem com razoável precisão os resultados oficiais do Produto Interno Bruto (PIB) calculado pelo IBGE, indicam desempenho negativo da economia brasileira no primeiro trimestre. As revisões para baixo nas previsões para o comportamento do PIB neste ano, por economistas de instituições financeiras privadas e do próprio governo, realimentam a desconfiança do empresariado. Ou o “desalento”, como prefere o economista do Ibre-FGV.

O quadro político-administrativo acentua esse sentimento. As expectativas positivas alimentadas após o conhecimento do resultado das eleições de outubro do ano passado foram sendo paulatinamente corroídas por confusões, retrocessos e notória desarticulação política do governo que tomou posse em 1.º de janeiro.

Há oportunidade e tempo, obviamente, para que aos poucos se vá recompondo a confiança do empresariado e das famílias com relação ao desempenho da economia nos próximos meses. É absolutamente indispensável para isso que avancem as propostas destinadas a assegurar o equilíbrio futuro das finanças públicas, sem o que o País não poderá crescer de maneira consistente. E isso depende do governo Bolsonaro, que precisa demonstrar mais firmeza de propósitos e mais competência política do que apresentou até agora.

"Quem, além do pai, parças, Tite e Edu Gaspar, consegue entender Neymar?" - MAURO CEZAR PEREIRA

GAZETA DO POVO - PR 29/04
"O maior jogador brasileiro da atualidade, brindado pelo destino com imenso talento para a prática do maior esporte do universo, parece imbuído num projeto inequívoco de auto-sabotagem. Não bastasse o cai-cai da Copa do Mundo, que não faz um ano virou meme mundial, Neymar segue se envolvendo em situações que o expõem de maneira negativa.

Sábado, seu time, o milionário Paris Saint Germain, rico desde a incomensurável injeção econômica da família do Emir do Qatar; perdeu um título aparentemente ganho. Campeão francês antecipadamente, abriu 2 a 0 sobre o Rennes na Copa da França. Mas permitiu que o oponente igualasse o placar e depois o derrotasse na decisão por pênaltis.

A reviravolta deu ao 11º colocado na liga francesa o título da Copa nacional, com um orçamento quase sete vezes inferior ao dos parisienses. Um feito e tanto. Um vexame imenso para a equipe que também conta com Buffon, Thiago Silva, Marquinhos, Daniel Alves, Verratti, Di María, Draxler, Mbappé, Cavani e outros destaques do futebol internacional.

O cenário era, obviamente, ruim para o elenco do PSG. E quando seus astros subiam a escadaria rumo às tribunas do Stade de France, um torcedor rival acionou seu celular, começou a filmar e a desferir ofensas aos jogadores derrotados. Neymar largou a mão no rosto do fãs da equipe do Rennes, em momento devidamente registrado em vídeo.

O motorista de entregas Edouard, de 28 anos, como identificado pela imprensa da França, diz que nada fez. “Eu não o insultei, disse que ele era ruim”, alegou ao jornal “L’Equipe”. Contudo, em um dos vídeos da agressão divulgado em redes sociais, ele parece chamar Buffon de “idiota” e Verratti de “racista”. Ao brasileiro diz: “Vai aprender a jogar futebol”.

Não foi a primeira vez que esse tipo de situação aconteceu com o camisa 10. Em meio à festa pela conquista da medalha de ouro no futebol dos Jogos Olímpicos de 2016, discutiu com um torcedor no Maracanã. Furioso, o craque fez questão de ir até o local onde o cidadão estava para tomar satisfações em tom agressivo e sendo contido à margem do campo (abaixo).

Entendo a revolta de Neymar com o torcedor, que se teve a chance de ficar tão próximo, não tem o direito de ofende-los ali, cara a cara, acreditando que jamais reagiriam. Mas ao esmurrar o sujeito, o jogador se posicionou no papel de vilão e permitiu ao agressor verbal se transformar em agredido fisicamente. Melhor seria ignorar, ou confrontá-lo sem atacá-lo.

Um dos maiores problemas do jogador parece ser a redoma onde vive. Cercado por “parças”, os tais amigos que o seguem em todas as partes, pai, agentes, assessores etc, parede sentir-se como se o mundo contra ele estivesse. Algo que até parece ter sido real no auge dos memes sobre cai-cai, ano passado. E o destempero demonstrado algumas vezes só o prejudica.

Segue fresca, viva, a frase “não é fácil ser Neymar”, dita pelo dirigente da CBF Edu Gaspar após a eliminação do Brasil no Mundial do ano passado. Foi uma das mais inacreditáveis declarações paternalistas já registradas no mundo do futebol. “O que esse menino sofre não é fácil”, acrescentou o ex-jogador, atual coordenador técnico da Seleção.

Semanas depois foi a vez de Tite: “Neymar merece elogios por comportamento, pela recuperação, pela disciplina. Mantenho o que disse: ele é top três do mundo”, sentenciou. “O último contato que tive com ele, disse quando dei um abraço: ‘Neymar eu gosto muito de ti. Eu gosto de ti muito mais que tu pensa que gosto. Eu sei o seu valor’”.

Aparentemente quase todos que o cercam tentam protegê-lo, paparicá-lo, dando sequência a um processo de não-amadurecimento, à manutenção do homem no papel de menino. Ninguém o ajudará assim e o próprio não colabora com ele mesmo. A questão é: até que ponto isso seguirá afetando seu desempenho em campo? O tempo está passando e Neymar o desperdiça.

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O contundente 4 a 1 do Athletico sobre um Vasco fragilizado, com técnico interino e desfalcado de seu goleiro (Fernando Miguel) e do melhor zagueiro (Leandro Castán) foi normal. Pela boa fase do Furacão em casa e com tantas dificuldades vividas pelos vascaínos, a goleada não foi surpreendente, absolutamente. O time rubro-negro é forte.

O problema atleticano é a distância da Arena da Baixada. O time perdeu os dois jogos que fez longe de Curitiba pela Libertadores, o mais recente na quarta-feira passada, para o Jorge Wilstermann (antes caiu para o Tolima). E sofreu reveses nos três últimos compromissos fora, perdendo para Londrina e Toledo antes dos 3 a 2 sofridos na Bolívia.

Sim, são times diferentes o campeão paranaense e o que disputa o certame internacional e agora o Brasileiro. Mas esse ponto em comum remete à Série A 2018, quando em 19 pelejas como visitante o Athletico venceu somente duas. Se quiser continuar se infiltrando entre os grandes para nunca mais sair, o time rubro-negro precisa melhorar seu desempenho fora.

Fortaleza, Chapecoense, pelo Campeonato Brasileiro, e Boca Juniors, pela rodada derradeira da fase de grupos da Libertadores, serão os três próximos adversários dos atleticanos, todos fora do Paraná. A ver.

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Badalado, campeão mineiro, antecipadamente classificado na Libertadores com 100% de aproveitamento, o Cruzeiro foi mais do mesmo na derrota para o Flamengo, no Maracanã. Cauteloso, sem apetite ofensivo, incapaz de explorar o momento tenso do rival, derrotado no Equador dias antes pela competição sul-americana, perdeu pela primeira vez em 2019.

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Cuca levou a campo um São Paulo reativo diante de um Botafogo que pode ser identificado como uma das mais fracas equipes que já pisaram um gramado exibindo no peito a estrela solitária. Estreou três bons reforços, Pato, Tchê-Tchê e Vítor Bueno, mas não passou dos 33% de posse de bola, esperando em seu campo o frágil time alvinegro. Desolador.

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Nobre a atitude do Coritiba, distribuindo os ingressos para o jogo contra a Ponte Preta, que marcará a estreia na Série B, com a homenagem ao ídolo Dirceu Krüger. O Couto Pereira estará repleto, 40 mil torcedores são esperados e o Flecha Loira, que morreu na quinta-feira aos 74 anos, será revivido numa noite à altura. Desde que o time nele se inspire."

Uma PEC para a prisão em segunda instância - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 29/04

A melhor solução é mesmo reformar a Constituição e colocar o peso do Congresso sobre a solução do impasse.


Com a confirmação da condenação do ex-presidente Lula da Silva pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso do tríplex do Guarujá e a perspectiva de que avance em segunda instância o processo referente ao sítio de Atibaia, no qual Lula já conta com mais 12 anos de condenação pela juíza Gabriela Hardt, a sombra do ex-presidente vai diminuindo sobre a discussão da execução da pena após condenação em segunda instância. Já não era sem tempo. O tema tem repercussões jurídicas e sociais importantes e está desgastando o capital institucional do Supremo Tribunal Federal (STF), preso a um impasse interno a seus membros. Livre do peso de Lula, o assunto poderá ter um desfecho, que deve vir por emenda constitucional.

O início do cumprimento da pena após a condenação definitiva em segunda instância é a regra geral em quase todos os países do mundo – ela é suficiente para garantir, de forma substantiva, a ampla defesa e o devido processo legal, ao mesmo tempo em que possibilita a duração razoável dos processos e a efetividade do sistema penal. No Brasil, desde que Operação Lava Jato foi deflagrada, em 2014, e o STF retornou a seu entendimento original em 2016, a execução em segunda instância foi apontada como fundamental para o combate à corrupção e aos crimes de colarinho branco. E com razão: é inegável que o Brasil tenha avançado como nunca antes nesse campo e que a espera do esgotamento de todos os recursos nos tribunais superiores frustraria a finalidade do sistema jurídico em garantir a eficácia da lei.

O problema, porém, é que a atual redação da Constituição Federal faz essa interpretação, do ponto de vista jurídico, aproximar-se perigosamente do ativismo judicial. Diz o inciso LVII artigo 5º que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para quem é contrário à execução em segunda instância, a prisão, pelo texto constitucional, só poderia se dar por razões processuais – preventiva ou provisória – ou com o esgotamento de todos os recursos. Esse embate tem dividido a classe jurídica e o Supremo, preso a uma disputa renhida, com direito a idas e vindas e manobras regimentais que enfraquecem a autoridade do tribunal. Enquanto a redação do inciso LVII for esta, não há perspectiva de que a questão seja pacificada e a segurança jurídica, garantida definitivamente.

É alvissareiro, então, que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenha dito em recente entrevista à Globonews que o parlamento não pode mais se furtar a esse debate. Maia sinalizou, inclusive, que o tema pode ser votado ainda em 2019. O ministro da Justiça, Sergio Moro, defende que mudança seja feita por meio de lei, uma vez que o STF já tem interpretação a favor da segunda instância. O PL anticrime enviado por Moro ao Congresso propõe uma mudança no Código de Processo Penal, que passaria a prever que a possibilidade de prisão, além das hipóteses já existentes, em decorrência de decisão “exarada por órgão colegiado”. A lei passaria ainda a dizer que, “ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas”, exceto se houver questão legal ou constitucional relevante que “possa plausivelmente levar à revisão da condenação”.

Embora projetos de lei possam ser aprovados com mais facilidades que emendas constitucionais, a mudança legal não afastaria em definitivo as dúvidas sobre a interpretação do dispositivo constitucional que tanto causa polêmica. Por isso, a melhor solução é mesmo reformar a Constituição e colocar o peso do Congresso sobre a solução do impasse. Já tramitam apensadas na Câmara duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), de autoria dos deputados Alex Manente (CD-SP) e Onyx Lorenzoni (DEM-RS), hoje ministro, que propõem uma nova redação para o inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.

É claro que nem mesmo uma PEC garante que se encerre de vez o assunto, porque existe a possibilidade de o STF ser acionado sob o argumento de que uma mudança dessa natureza violaria um direito fundamental cláusula pétrea da Constituição. Mas, nesse caso, a discussão muda de patamar, uma vez que não haveria tendência alguma, sob uma interpretação razoável, de se abolir a presunção de inocência no país. A mudança do texto não atinge a substância da garantia constitucional. Seja como for, a execução da pena após condenação em segunda instância é requisito de segurança jurídica, estabilidade institucional e efetividade da lei penal. Hoje, o melhor caminho para isso é reformar a Constituição.

A questão indígena - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 29/04

Tribo paresi (MT) quer progredir e decidir seu destino, sem depender da tutela do Estado

A questão indígena é um dos temas mais apaixonantes pelas emoções que suscita, entrando em linha de conta tanto o desconhecimento da situação quanto considerações sobre a liberdade de escolha dos indígenas, passando pela atuação de ONGs e dos mais diferentes tipos de interesse. A ignorância ou a má-fé não deixa de ser um desses seus elementos.

Segundo dados do IBGE, a população indígena no País é constituída por aproximadamente 1 milhão de pessoas, pouco mais de 550 mil em zona rural. O caso de índios urbanos, observe-se, é de natureza diferente, por não envolver demandas fundiárias, mas de saúde, educação, trabalho, condições dignas de vida e luta contra o preconceito. Chega a ser uma vergonha que o País não consiga atender dignamente um contingente tão pequeno de pessoas, pertencentes originariamente a esta terra.

Do ponto de vista territorial, a população indígena restante ocupa em torno de 118 milhões de hectares, correspondentes a 14% do território nacional. Se fôssemos seguir as ONGs indigenistas, deveriam ocupar, segundo cálculos preliminares, 24% do território. Faz sentido?

Isso não significa, evidentemente, que nenhuma área deva ser doravante demarcada, mas um diagnóstico da situação deveria analisar a especificidade de cada tribo. Não é o mesmo uma tribo perdida, sem nenhum contato cultural, na Amazônia, os conflitos ditos fundiários em Dourados e em Mato Grosso do Sul e os paresis em Mato Grosso.

No que diz respeito a essa tribo na Amazônia, salta aos olhos que seu território deveria ser demarcado, é essencial para sua preservação. Daí não se segue, porém, que ela deva ser usada como objeto de manipulação ideológica, como se seu caso servisse de parâmetro para outras tribos. Basta ver como fotos são divulgadas por ONGs nacionais e estrangeiras para constatar a instrumentalização realizada!

No que toca à situação de Mato Grosso do Sul, as partes em confronto têm pretensões de direito aparentemente legítimas, cada uma delas apresentando seu próprio pleito. Nessa região os produtores rurais, em geral, possuem títulos de propriedade centenários, outorgados pelo próprio Estado. Imaginem um(a) produtor(a), depois de décadas morando e trabalhando em determinado lugar, receber um belo dia a notificação de que a terra não lhe pertence. Como assim? Por um suposto laudo antropológico que tudo anula, deve ele simplesmente ser expulso, deixado à própria sorte?

Note-se que não há propriamente desapropriação de terras indígenas, mas simplesmente expropriação, o proprietário não é indenizado pela terra nua, mas apenas pelas benfeitorias. É como se a terra não fosse sua propriedade, sendo ele uma espécie de usurpador. Seriam famílias de usurpadores por todo o País!

Se há conflitos de direitos, deveria o Estado, se fosse o caso, pagar pela propriedade, pela terra nua, podendo os indenizados se instalar em outros lugares, nada perdendo. Nada diferente do que já estabelece a legislação quilombola no País, estipulando que as pessoas indenizadas devem ser pagas em dinheiro, segundo avaliações de mercado. Já ocorre em muitos locais que os proprietários, cansados de disputas intermináveis, de invasões e violências, apenas pretendam uma justa indenização.

No caso tão discutido de Dourados, nem se trata de demarcação, pois a área em questão já está demarcada, isto é, quando se demarca um território como indígena, demarca-se ao mesmo tempo o seu entorno como não indígena. O que lá acontece é uma explosão demográfica dentro da terra demarcada. Em vez da exploração ideológica e de ONGs, bastaria comprar a terra do entorno, conforme valores estabelecidos em acordo com os proprietários. Muitos, porém, vivem da eternização dos conflitos, como se deles dependessem para se justificar.

Outro caso totalmente diferente é o da tribo paresi, que planta em Mato Grosso soja no verão, milho, feijão e girassol no inverno. Trata-se de um caso exemplar, ao pôr em pauta a liberdade de escolha. Querem eles decidir por si mesmos o próprio destino, sem depender do Estado nem recorrer a ONGs. E por isso mesmo estão sendo penalizados, por exigirem para si uma atitude cidadã!

São índios que falam por si mesmos, exigindo ser tratados como agricultores, com os mesmos direitos destes. No entanto, recebem do Estado como resposta que devem ser tutelados, como se não soubessem do que estão falando. Não saberiam dos seus interesses, devendo permanecer sem voz. Calados pelo politicamente correto!

Almejam melhores condições de vida para o seu povo, vivendo do seu próprio trabalho. Não exigem Bolsa Família, nem esmolas. Querem poder escolher o seu trabalho e o seu modo de vida, dependendo apenas de si mesmos. Com uma população de pouco mais de 2 mil pessoas, cultivam soja em 10 mil hectares, com agricultura moderna e mecanizada. Neste ano devem movimentar em torno de R$ 50 milhões em suas duas safras. Note-se que essa sua área de cultivo corresponde a apenas 1,7 % do seu território. Somente isso!

Conforme a mentalidade de uma nova época, criaram uma cooperativa, o que tornou viável a compra comum de insumos, a venda da produção e contratos bancários. Contudo, por serem indígenas, submetidos a tutela, têm dificuldades de acesso ao crédito. Bizarro, não?

Ademais, estão sendo multados em mais de R$ 140 milhões por não terem sido autorizados a produzir monocultura para comercialização e, em caso de outras pessoas da mesma etnia, por fazerem arrendamento. Teriam ainda cometido outro pecado capital, a utilização de sementes transgênicas. Isto é: o seu supremo pecado teria sido o exercício, como qualquer brasileiro, de sua liberdade de escolha!

Se há questões legais envolvidas, muito simples. Basta elaborar uma nova legislação segundo o espírito de um novo tempo!

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

A guerra das fintechs - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 29/04

Experiência mostra que apostar contra a inovação não costuma dar certo


Enquanto um bom punhado de gente acompanha o mundo virtual de "Game of Thrones", há uma outra guerra real e dramática acontecendo em torno da ascensão das fintechs, as startups do setor financeiro.

Essa guerra pode ser resumida por uma única palavra: "unbundling" (desagregação).

Hoje, o modelo dos bancos é agregar o maior número de serviços em uma mesma estrutura monolítica: conta-corrente, investimentos, seguros, crédito, pagamentos, gestão patrimonial e até mesmo loterias, como nos chamados "títulos de capitalização".

Esse modelo, obviamente, dá muito certo. Especialmente porque é um prato cheio para a possibilidade de colocar em prática subsídios cruzados. É fácil escolher um produto altamente popular e zerar o seu preço, desde que ele sirva de ponte para outros produtos altamente rentáveis. Não por acaso as margens de lucro do setor são muito elevadas.

No entanto, há bárbaros cercando o castelo. Lucros exorbitantes são um forte chamariz para a competição (ou ao menos deveriam ser). Como disse o presidente-executivo da Amazon, Jeff Bezos: "A sua margem é a minha oportunidade".

E, obviamente, Bezos já notou as ineficiências do sistema bancário. Para cada um dos serviços que os bancos agregam hoje, a Amazon está lançando um competidor equivalente: Amazon Pay (pagamentos), Amazon Lending (empréstimos), Amazon Cash (conta-corrente), Amazon Protect (seguros), Amazon Prime (cartão de crédito) e assim por diante.

No entanto, a competição está acontecendo mesmo no território das fintechs, as startups que estão desagregando cada um dos serviços que os bancos prestam de forma unificada, criando modelos mais eficientes e de maior qualidade para o consumidor.

No Brasil, já existe uma pletora dessas novas empresas, cada uma atacando uma modalidade de serviço específico.

E, é claro, isso começou a incomodar e gerar reações. A experiência com outras indústrias nos últimos anos demonstra, no entanto, que apostar contra a inovação não costuma dar certo. Em 2006, entre as 5 maiores empresas globais em valor de mercado, havia um banco. Em 2019, todas as cinco maiores empresas do planeta são de tecnologia.

As mudanças ocorrem rapidamente. O que hoje é monolítico em cinco anos pode não ser mais, como gosta de dizer o consultor Anand Sanwal, citando Hemingway: "Como você faliu? De dois jeitos. Gradualmente, depois subitamente".

Chegou o momento em que as fintechs começarão a ter curvas de adoção parecidas com a das empresas de tecnologia. No entanto, esse caminho não vai ser fácil. O papel da regulação do setor e da proteção à competição vai ser determinante.

Quando a indústria da música foi "desagregada" pela internet, tentou ao máximo valer-se da regulação para conter os novos entrantes. Queriam continuar vendendo CDs com 12 músicas para consumidores que queriam comprar só uma. O resultado é que hoje as gerações mais novas nem sabem o que é um CD.

Com os serviços bancários, a banda já começou a tocar dessa forma. Resta saber se a música será um tango argentino ou um abre-alas para a inovação, capaz de construir um futuro sintonizado com os desejos da ponta que mais importa, o consumidor.

READER
Já era Inteligência artificial vencendo humanos só em jogos de tabuleiro (xadrez, go etc.)

Já é IA vencendo humanos em games complexos, como "Starcraft 2"

Já vem
IA vencendo humanos em Magic: The Gathering

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

O poder briga com a sombra - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 29/04

Não importa o que aconteça com Mourão, um governo tão estreito como o de Bolsonaro certamente terá novas tensões internas

O governo deu um passo na reforma da Previdência, mas continua no clima de barraco eletrônico, com grupos internos se atacando.

Não entro em detalhes, nem me interesso por personagens. Persigo um quadro um pouco maior.

Nele, a primeira ideia que surge dessas incessantes brigas é a ausência da oposição, ocupando ampla e seriamente o seu espaço. Na falta dela, o governo não tem com quem brigar e resolve brigar consigo próprio.

A cena agora revela mais abertamente uma tensão entre presidente e vice. É uma dupla singular para quem observa o recente período democrático. Na última viagem a Brasília, o fotógrafo Orlando Brito me mostrou a imagem da posse de Fernando Henrique Cardoso. No carro aberto, o vice Marco Maciel levantava a mão, de olho na altura da mão de Fernando Henrique. Ele não queria que acidentalmente seu braço estivesse mais elevado.

Marco Maciel era rigoroso na interpretação do papel do vice. Entre Temer e Dilma, houve um período em que a relação esquentou, terminando com aquela carta em tom de bolero: você não se importa comigo, sou apenas um vice decorativo.

Era, na verdade, uma carta de despedida. Temer já se preparava para substituir Dilma.

No caso Bolsonaro-Mourão, teoricamente tinham tudo para se complementar. Poderiam ter até combinado uma divisão de trabalho: Bolsonaro falaria para seus adeptos; Mourão faria a ponte com os setores que, por pura rejeição ao PT, votaram sem concordar com tudo.

Mas a política não se faz apenas com teorias. Ela é mediada por nossas paixões humanas. Sem combinar suas posições, agindo desorganizadamente, acabaram caindo na armadilha de sempre: até que ponto o vice pode ser protagonista?

No princípio da campanha, Mourão parecia tão ou mais conservador que Bolsonaro. Com o tempo, foi abrandando seu discurso, voltado para o mercado financeiro, a imprensa, a diplomacia.

Até que ponto Mourão quis apenas manter a amplitude da frente que elegeu Bolsonaro, até que ponto seu protagonismo é a maneira de se diferenciar dele, mostrar-se como uma alternativa?

Isso dá margem para tantas nuances interpretativas que prefiro avançar um pouco na tese inicial. Não importa o que aconteça com Mourão, um governo tão estreito como o de Bolsonaro certamente terá novas tensões internas, sobretudo pela ausência de uma forte oposição. Um efeito colateral dos confrontos entre alas do governo é o tiroteio contra as Forcas Armadas. O que se diz sobre os militares em posts e lives da direita, não se dizia nem nos panfletos da extrema esquerda no tempo da Guerra Fria.

Não me importo com textos que tentam interpretar o golpe de 64 como algo realizado pelos civis, muito menos com a afirmação de que os militares destruíram os políticos de direita.

O mundo da internet é recheado de interpretações, eletrizado por teorias conspiratórias. Por que perder tempo em desfazê-las?

As coisas mudam de figura quando os ataques às Forcas Armadas são postados na conta do próprio presidente da República.

É algo tão grave, em termos políticos, como a postagem do golden shower. Não creio que Bolsonaro compartilhe realmente da tese de que as Forcas Armadas no Brasil são uma nulidade. Todo os que viajam pelo Brasil podem testemunhar a ação positiva do Exército. Se quiser reduzir o aprendizado a duas situações, basta ir à fronteira com a Venezuela, ou mesmo às cidades mais secas do Nordeste, onde o Exército organiza o abastecimento de água.

Quem gosta de ler também pode ter acesso às obras que militares têm publicado. Outro dia, resenhei o livro do coronel Alessandro Visacro sobre “A guerra na era da informação”. Acabo de receber o livro “Direito internacional humanitário”, do coronel Carlos Frederico Cinelli. Um estudo sobre a ética em conflitos armados.

As Forcas Armadas não divagam sobre filosofia ou política, mas cuidam de temas ligados à sua atividade principal.

Quem escolheu um general como vice foi o próprio Bolsonaro. Tem de arcar com sua escolha. Se quiser trocar de vice, que o faça em 2022, se for candidato.

A comparação das fotos de posse de Fernando Henrique e Bolsonaro é sintomática. No carro de FH, Marco Maciel obcecado em ser discreto; no carro de Bolsonaro, a ausência. Em seu lugar, Carlos Bolsonaro, protegendo o pai.

O protagonismo de Mourão foi suprimido no ritual. Naquele momento, o drama, como dizia o poeta Drummond, já se precipitava sem máscaras. Era só olhar.