terça-feira, janeiro 17, 2012

Zé Dirceu Chávez - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 17/01/12


O jornalista venezuelano Alberto Ravell, ex-diretor do canal de TV Globovision, diz no Twitter que José Dirceu e João Santana vão trabalhar na campanha de Hugo Chávez de Cadeia a um novo mandato. A eleição será em outubro.

Tem culpa eu?
A imprensa anda com prestígio em baixa, e não é só em certas áreas políticas. Ontem, no Rio, o advogado do traficante Nem da Rocinha tentou impedir a entrada dos coleguinhas para a cobertura do depoimento do bandido por videoconferência. Não conseguiu.

Teleconferência
Dilma despachou ontem com Guido Mantega pelo telefone.
É que o ministro da Fazenda trabalha de seu escritório em São Paulo para acompanhar de perto a doença da mulher.

Clube dos 70
Mais um grande talento da música faz 70 anos em 2012.
Mestre Nei Lopes vai celebrar a data, dia 9 de maio, com o lançamento de três livros — “Dicionário da hinterlândia” (sobre as origens dos nomes dos bairros do subúrbio e da Zona Norte do Rio); a reedição do seu “Dicionário banto”; e um romance, “A Lua triste descamba”. Todos pela editora Pallas.

Na minha terra
José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança, diz no Twitter que a profissão mais perigosa do planeta é a de “coronel em Sergipe”.Segundo ele, o adicional de periculosidade para coronel da PM ali é de R$ 12.401,60.

Cofrinho GG
Vânia Flor, 27 anos e 104kg, a simpática cheinha eleita musa do Salgueiro, revelada aqui, já começa a encher o cofrinho.
A Duloren quer que a jovem pose para o site da marca com a linha de lingerie de tamanhos extragrandes.

Clinton e o Brasil
De Bill Clinton, ontem, na concorrida convenção anual de varejo da National Retail Federation, que reúne, acredite, 28.000 pessoas em Nova York (1.400 brasileiros):
—- Dos três países que mais se destacam no mundo (China, Índia e Brasil), o Brasil é o mais interessante.

Mas...
Clinton alertou que “um enorme desafio do Brasil é continuar crescendo, com necessidade de ter mais energia”:
— Só que, para conseguir construir novas hidrelétricas, precisa fazê-las na Amazônia. E isto ameaça o ambiente e a chuva da selva, tão fundamental para o mundo.


Alice no samba

Letícia Spiller e Eriberto Leão serão Alice e Chapeleiro Louco no desfile da União da Ilha.
O enredo é “Era uma vez... uma ilha”, sobre Londres.
Aquele abraço
O xerife José Beltrame comemora o último “Mapa da Violência” do Instituto Sangari. O Rio melhorou no ranking de homicídios entre as capitais do país. Caiu do 6o- lugar, em 2000, para 23o-, em 2010. A taxa de assassinatos por 100 mil habitantes encolheu de 56,6 para 24,3. Maceió é a capital mais violenta.

Neve no Rio
O Rio deve ganhar em agosto, na Barra, um parque de neve com pista para esqui igual ao que há no calor de Dubai.
O professor Bayard Boiteux foi contratado pelo empresário belga François de Rotchild para assessorar o projeto.

Aspásia no Iuperj
A cientista social Aspásia Camargo aceitou o convite para ser professora titular do Iuperj, cuja crise levou muitos professores a migrarem para a Uerj.

O outro lado
Em relação à denúncia na 14a-DP contra ele por uma babá do cineasta Andrucha Waddington, o presidente do clube Paissandu, Marcus Arnizaut, diz que “em momento algum se referiu à moça ou a ela se dirigiu de forma racista ou mesmo descortês”.Diz que a babá foi ao clube “sem estar cadastrada e sem trajar roupa branca, como é regra” ali, e teria tratado porteiro e ele próprio de forma deselegante.

No mais
O bar O Pescador, na Praia de João Fernandes, em Búzios, RJ, baixou de R$ 35 para R$ 22 o preço da porção de aipim, motivo de nota aqui.O dono diz que o valor mais alto foi um engano. Ah, bom!

MÁRCIA CABRITA,nossa talentosa atriz, exibe os novos cabelos, com mega hair, depois de tratamento de quimioterapia, em pose para a posteridade com a filha Manuela, de 12 anos. Viva Márcia!

VANESSA DA Matta, acantora, brinca, digamos, de pique-fofu ra com o amigo Selton Melo, o ator, na festa Bailinho

PONTO FINAL Este violento chute de direita de Edson Barboza no rosto do inglês Terry Etim valeu ao brasileiro US$ 130 mil de prêmio, além do delírio e do gozo da plateia. Nesta moda retrô de retomada das lutas romanas, só falta incluir leões na arena. Tô fora.

Hora de Murici - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 17/01/12


O PMDB sabe que o sonho do PT é suplantá-lo em número de prefeituras como já o fez em deputados federais e tentou, mas não conseguiu, em relação aos senadores. Por isso, ninguém tem a ilusão de que este ano será cada um por si



Se a presidente Dilma Rousseff quiser fazer a primeira reunião de todo o ministério com a equipe que tocará o governo durante todo o ano de 2012 terá que substituir Fernando Haddad, da Educação, e Iriny Lopes, da Secretaria de Política para Mulheres, esta semana. Dilma marcou a reunião para a próxima segunda-feira, 23 de janeiro. Esses dois ministros são os pré-candidatos anunciados até agora. Coincidência ou não, o vice-presidente da República, Michel Temer, volta à ativa hoje, depois de um período fora de combate por conta de uma cirurgia.

Além de Michel Temer, retornam a Brasília esta semana alguns líderes do PMDB, prontos para a conversa de largada do ano com o vice-presidente. O encontro dos peemedebistas se dá antes da reunião ministerial de Dilma e às vésperas do programa do PMDB que irá ao ar na quinta-feira em cadeia nacional de rádio e TV.

Quanto às conversas relativas à reforma, a ordem é apurar o mais rápido possível se os peemeedebistas têm alguma chance conquistar mais algum espaço no primeiro escalão. Confirmadas as previsões de que a mudança ministerial será mesmo pontual, a ideia do PMDB é, ao menos, garantir lugares estratégicos no segundo escalão e nas agências reguladoras com vagas em aberto.

Por falar em estratégicos...
Para o programa que irá ao ar na quinta-feira, os peemedebistas dispensaram mensagens a cores com a imagem e a voz da presidente Dilma Rousseff. E isso não foi esquecimento. Foi proposital. No fim do ano passado, quando exibiram seu programa partidário na TV, os petistas não colocaram ninguém do PMDB. Enquanto isso, os peemedebistas, no fim do segundo semestre, se desdobraram em honrarias pró-Dilma em seu programa de TV. A sutil diferença foi registrada.

Desta vez, o PMDB aproveitará parte do tempo de rádio e TV que dedicou à Dilma, em 2011, para fazer desfilar seus pré-candidatos a prefeito de capitais, ao lado dos líderes tradicionais do partido e emergentes, como o senador Eduardo Braga (AM), que surgirá falando do Código Florestal embora ninguém descarte que possa ser um candidato a prefeito em Manaus, uma vez que a mulher dele, Sandra, é sua primeira suplente no Senado. Além de Eduardo Braga, estarão na telinha Gabriel Chalita, de São Paulo; Rafael Grecca, de Curitiba (PR); José Priante, de Belém (PA); Leonardo Quintão, de Belo Horizonte (MG); Gean Loureiro, de Florianópolis (SC); Teresa Surita, de Boa Vista (RR); Hermano Morais, de Natal (RN), Edson Giroto, de Campo Grande (MS) e Marllus Sampaio, de Teresina (PI).

Um dos poucos pré-candidatos a prefeito de capital que não gravou uma participação no programa foi o do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Deixou a tarefa para o governador do estado, Sérgio Cabral, que aparecerá na TV justamente num momento em que a população do estado cobra uma atenção maior de todos os níveis de governo para que providenciem as obras necessárias e reduzam os estragos causados por desastres naturais, como as chuvas intermitentes em vários pontos do Rio. Paes, que concorrerá à reeleição com o apoio do PT, terminou protegido ao não gravar para o programa partidário.

Por falar em PT...
Os peemedebistas já fizeram chegar aos petistas que o papel de "mosqueteiros", ao estilo um por todos e todos por um, vale para os ministros que daqui para frente vierem a se envolver em alguma confusão que eles considerem "coisa da imprensa". Mas, no quesito eleições, será diferente. Os políticos de um modo geral pedem apenas que se faça um pacto de não agressão entre aliados e que a presidente da República fique de fora dos palanques.

Mas o PMDB sabe que o ex-presidente Lula, terminado o tratamento contra o câncer na laringe, estará em campanha pelo PT. Tem plena consciência ainda de que o sonho petista é suplantar o aliado em número de prefeituras — já o fez em número de deputados federais e tentou, mas não conseguiu, em relação aos senadores.

Hoje, o PMDB tem 1.175 prefeitos e 907 vice-prefeitos. O PT tem a metade. Os petistas começam a discutir como ampliar essa marca no sábado, quando reúne seu conselho político. Portanto, a grande briga eleitoral será mesmo entre esses dois partidos, os gigantes da política nacional. Valerá aí a regra de Murici: cada um por si. Dilma sabe que essa guerrilha começa a partir de hoje. Não por acaso a reforma do ministério será pontual.

Outra economia é possível - RENATO CADER


O Globo - 17/01/12


O poder público tem um papel fundamental em promover ações concretas voltadas para a sustentabilidade, e uma das formas é utilizar seu poder de compra por meio da aquisição de bens e serviços ambientalmente corretos. As compras públicas sustentáveis são um meio poderoso de estimular a produção e o consumo sustentável no país. Atualmente, fala-se muito em economia verde, economia de baixo carbono, enfim, surgem constantemente novas terminologias com objetivo de sensibilizar tomadores de decisão a promoverem o tão almejado desenvolvimento sustentável.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente publicou neste ano um relatório sobre o assunto, no qual é destacada a necessidade de investir 2% do PIB global em dez setores chaves com projetos que poderão "esverdear" a economia. A comunidade científica receia que essa perspectiva poderá não passar de um pequeno acréscimo de alguns setores verdes que estão atualmente na moda, como moinhos eólicos, resorts ecoturísticos, pontos de reciclagem de lixo, hortas orgânicas etc - não desmerecendo o estímulo a esses novos setores, mas ressaltando que se tem relegado a segundo plano o principal, que é reduzir os padrões de produção e consumo insustentáveis.

No Brasil, estima-se que aproximadamente 15% do PIB são oriundos de compras públicas. Esse valor revela a importância que os gestores públicos têm no sentido de fomentar de fato uma nova economia com seu poder de compra. Já há no país algumas políticas e planos que refletem um avanço no sentido de fomentar a produção e consumo sustentáveis. Ocorre que tais instrumentos são baseados em orientações e recomendações, o que não significa dizer que haverá ações concretas à altura das intenções existentes nesses documentos. O Brasil vai levar à Rio+20 a proposta de um Pacto Global para a Produção e Consumo Sustentável, o que de certa forma demonstra uma postura propositiva, mas isso não será efetivado na prática se os nossos gestores não se comprometerem com o que está escrito. É necessário sair do papel e projetar ações concretas, de ordem prática.

O maior problema é que nosso país ainda carece de gestores públicos dotados de uma consciência ambiental necessária para uma real mudança de paradigma. Muitos de nossos gestores argumentam que bens e serviços sustentáveis são mais onerosos para os cofres públicos, o que é um equívoco. Se os órgãos públicos comprassem em conjunto por meio de compras compartilhadas sustentáveis, haveria ganho de escala com eficiência econômica, conciliada com menos impacto ambiental.

Uma experiência interessante, premiada recentemente no 16º Concurso Inovação na Gestão Pública Federal, foi o projeto Compra Compartilhada de Almoxarifado Sustentável, coordenado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que contou com a participação de órgãos de peso e capilaridade na administração pública, tais como Fiocruz, Inpi, Receita Federal, UFPE, Unidade do Ministério da Agricultura, entre outros. A compra conjunta gerou uma economia de mais de 700 mil reais, correspondente a 49,89 % do valor estimado. O resultado final obtido demonstra que foi possível comprar produtos sustentáveis pelo mesmo preço e, em alguns casos, até mais barato que os produtos convencionais.

É fundamental, portanto, que o conhecimento e as experiências como essa sejam multiplicados, visando ao envolvimento da administração pública em suas diferentes esferas de atuação. Para que isso aconteça de forma mais abrangente, é necessário, sobretudo, que se tenha um Programa Interministerial de Apoio a Compras Públicas Sustentáveis, que seja elaborado em conjunto pelos ministérios do Planejamento, do Desenvolvimento e do Meio Ambiente, tendo como parceiro fundamental o Inmetro, na definição de critérios de sustentabilidade daqueles produtos e serviços que vão ser definidos nas licitações. Esse é um dos caminhos promissores para alinhar o Brasil à chamada economia verde.

O PMDB quer mais - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 17/01/12


O vice-presidente Michel Temer se movimentou nesse último período para promover o secretário de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco, na reforma ministerial. O PMDB queria que ele assumisse uma pasta de maior projeção como Cidades. O PP seria deslocado para o Transportes. Temer agiu e depois puxou o freio de mão, pois a troca de posições não foi acolhida pela presidente Dilma.

O PMDB e o PT se estranham no Rio
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, se reúne hoje com o presidente do PT do Rio, Jorge Florêncio, e com o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) para discutir a relação com o PMDB. Os ânimos ficaram exaltados depois que o presidente estadual do PMDB, Jorge Picciani, disse que o partido não apoiará candidatos do PT em várias cidades. Lindbergh reagiu lançando seu nome à sucessão do governador Sérgio Cabral. A turma do deixa-disso diz que a opinião de Picciani não é a do PMDB, mas o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que quer concorrer à prefeitura do Rio, cobra um posicionamento de Cabral e de Eduardo Paes. "Os dois deveriam ter vindo a público discordar", disse ele.

"O financiamento público das campanhas é nossa prioridade. Mas precisamos de tempo para costurar um entendimento” — Paulo Teixeira, líder do PT na Câmara (SP), sobre as dificuldades na reforma política.

GUERRA REGIONAL. Quando criticado pelos paulistas, que gostariam de uma atuação mais incisiva do PSDB contra o ministro Fernando Bezerra Coelho (Integração), o presidente do partido, deputado Sérgio Guerra (PE), diz para tucanos do Nordeste: "Aqui na região existe um clima de cem anos de ressentimento. Eu não vou colocar meu peito para ele (Bezerra) furar". O PSDB é fraco no Nordeste. Só tem um governador (AL).

Verde
O ministro Mendes Ribeiro (Agricultura) embarca amanhã para Berlim. Vai participar de reuniões para fechar o documento do Fórum Global para a Agricultura e a Alimentação que será submetido ao debate na Conferência Rio+20.

Alô, Mercadante
Ao entrevistar o ministro Fernando Haddad (Educação) para o seu blog, José Dirceu perguntou o conselho que ele deixaria para seus sucessores: "Educação depende de continuidade", disse Haddad. Aloizio Mercadante assumirá.

Palavra de senador
O líder do DEM, senador Demóstenes Torres (GO), ameaça ir ao STF para impedir o rodízio entre Marta Suplicy (PT-SP) e José Pimentel (PT-CE) na vice-presidência do Senado. Diz que o regimento não permite. Mas os senadores Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Lúcia Vânia (PSDB-GO) também fizeram acordo para se alternar na presidência da Comissão de Infraestrutura. A diferença é que, no PSDB, o combinado está de pé.

SOS
O governo vai antecipar o pagamento do Bolsa Família para atingidos pelas chuvas no Rio, em Minas e no Espírito Santo, e pela seca no Rio Grande do Sul. Meio milhão de famílias poderão sacar o benefício a partir de amanhã em 328 cidades.

Eu já sabia
Parlamentares da bancada da Saúde já esperavam o veto da presidente Dilma à atualização automática do orçamento do setor, sempre que houver revisão para cima do Produto Interno Bruto. Não há empolgação pela derrubada do veto.

FULO. O deputado federal Chico D´Ângelo (PT-RJ) reage ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) por este ignorar sua candidatura à prefeitura de Niterói. "Ele é o maior quadro eleitoral do partido, mas isso não o isenta de cometer equívocos".

O DEM vai reunir seus pré-candidatos às prefeituras no dia 6 de fevereiro para receber orientações jurídicas. O novo marqueteiro do partido, José Fernandes, falará sobre a imagem da sigla.

O PT
 foi avisado que o sucessor do ministro Aloizio Mercadante no Ministério de Ciência e Tecnologia será da cota pessoal da presidente Dilma.

Ingredientes para o desastre - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 17/01/12

É cedo para tirar conclusões sobre o que causou o acidente com o Costa Concordia. Neste momento, interessa a muita gente lançar o máximo de culpa sobre o comandante. De todo modo, se apenas um quinto das histórias que agora circulam forem, de fato, verdadeiras, o excesso de autoconfiança será um dos ingredientes da tragédia.

Não chega a ser uma surpresa. Acreditar em demasia em si mesmo é uma forma de autoengano, e uma definição possível de desastre é: intrusão violenta e dolorosa da realidade sobre nossas ilusões. Alimentados por doses maciças de autoconfiança, os responsáveis pelo cruzeiro julgavam navegar por águas seguras, até serem desmentidos por uma pedra.

Em seu novo livro sobre o autoengano, o biólogo Robert Trivers mostra como acidentes aéreos (e marítimos, podemos acrescentar), em geral, resultam de múltiplas causas, uma das quais costuma ser as ficções que os principais atores impõem a si mesmos. O melhor remédio para prevenir essas tragédias é aperfeiçoar rotinas que promovam a paranoia e o ceticismo, solapando o faz de conta em que amiúde nos exilamos.

Um caso notável é o da Korean Air. Entre 1988 e 1998, o índice de acidentes da empresa era 17 vezes maior que a média dos EUA, o que levou o Exército norte-americano a proibir seus soldados de viajar pela Korean. O Canadá considerava até banir a aerolinha de seus céus.

Consultores externos foram chamados e uma de suas principais conclusões foi a de que o profundo respeito à hierarquia cultivado pelos coreanos impedia os copilotos de questionar as ações dos comandantes, os quais chegavam a esbofetear seus auxiliares por erros menores. Os consultores recomendaram que a Korean reforçasse a independência dos copilotos e os incentivasse a ser assertivos com seus chefes. Desde a intervenção, não houve acidentes.

Um pouco de insubordinação faz bem às instituições.

De aço ou renda - DORA KRAMER


O Estado de S. Paulo - 17/01/12


A falta de unidade no PSDB não é apenas de ação como maior partido de oposição e único concorrente em condições mais ou menos competitivas para enfrentar o PT e área de influência numa eleição.

A divergência é, sobretudo, de pensamento: dependendo da perspectiva do olhar, os tucanos usam punhos de aço ou de renda na análise sobre o que foi até agora o governo de Dilma Rousseff.

Tanto que o balanço sobre o primeiro ano tem duas versões. A original, encomendada pelo presidente do PSDB, Sérgio Guerra, ao ex-vice de José Serra no governo de São Paulo - depois governador durante a campanha - Alberto Goldman, chegou a ser divulgada, mas foi recolhida e substituída por um texto mais ameno assinado pela Executiva, mas não submetido ao exame do colegiado.

As diferenças começam pelos títulos. A versão mais dura chama-se Dilma Rousseff 2011, um governo medíocre. A mais branda ganhou o nome de 2011: um balanço crítico.

O primeiro documento tem oito páginas e o segundo duas a menos. Reduziu-se a introdução e boa parte dos textos em que o governo é analisado ponto a ponto, mostrando as discrepâncias entre o discurso oficial e a realidade da economia, saúde, educação, investimentos etc.

Mas é na apresentação que a diferença de concepção sobre o conceito da maneira de fazer oposição fica patente.

Vamos a alguns trechos do texto original.

"O primeiro ano caracterizou-se pelo desperdício do capital político obtido por ela com a vitória de 2010: foi amorfo e insípido. A presidente não parece alimentar ilusões sobre a dimensão de seu mandato. Não tem direção definida. Comporta-se como aquilo que é: uma atriz coadjuvante escalada, não para ofuscar, mas para refletir o brilho do ator principal e diretor do enredo.

"Dilma foi eleita presidente e se contenta com o papel de síndica do condomínio político constituído por Lula. Este não dá sinal de que pense em transferir o poder efetivo. Os condôminos, a começar pelas múltiplas facções do PT, não admitem abrir mão dos cargos e verbas federais cujo rateio é a razão de ser de sua participação no governo.

"Mais do que o desempenho de sua criatura e curadora (de Lula), é o sistema que deve ser avaliado. O balanço é negativo e preocupante para o País.

"Outros presidentes, no passado, recorreram ao loteamento político da máquina estatal. Nenhum na extensão nem com a desfaçatez de Lula. O efeito mais visível do fisiologismo turbinado por ele foi a sucessão de escândalos no primeiro ano de Dilma.

"O espetáculo de corrupção impune enoja a opinião pública, desmoraliza as instituições, paralisa a administração pública, desvia recursos necessários às demandas da sociedade e desafia as pretensas intenções moralizadoras da própria presidente que troca de ministros quando não pode mais segurá-los, mas não muda a regra do rateio dos ministérios."

Essa introdução foi substituída por outra em que não há referências críticas diretas a Dilma ou a Lula. Segue abaixo a escolhida pela direção do PSDB para divulgação.

"Em um contexto de fortes turbulências econômicas internacionais, se exige do Brasil, assim como do resto do mundo, a adoção de medidas de austeridades e eficiência.

"Não há austeridade nem eficiências possíveis quando pedaços do Estado são entregues a partidos e facções políticas para serem usados como agências arrecadadoras. As contas e indicadores de desempenho da máquina federal, registram o avanço dessa forma perversa de privatização do patrimônio público nesses nove anos.

"Ninguém entregou mais o Estado brasileiro ao apetite desmedido de sua base do que o atual governo.

"A perversão não se limita à máquina estatal. Escândalos recentes puseram em evidência o aparelhamento de entidades da sociedade civil como comitês eleitorais e canais de desvio público por grupos instalados nos ministérios."

A partir daí o textos seguem mais ou menos semelhantes, voltando a discrepar na frase final da introdução.

Na concepção original, o balanço "registra uma constrangedora sucessão de fracassos". Na versão amenizada, o primeiro ano foi marcado por "alguns sérios problemas em diversas áreas".

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 17/01/12



Interior de São Paulo lança marcas de franquias

O interior de São Paulo começa a despontar como polo de origem de marcas que se lançam no mercado de franquias, segundo dados da consultoria especializada Vecchi Ancona.

Se no passado as redes tradicionais procuravam cidades do interior para levar suas bandeiras, neste ano, dezenas de marcas nascidas nessa região devem iniciar seu processo de expansão por meio de franquias.

"Essas regiões, até pouco tempo, não eram significativas em franquias", afirma Paulo Ancona, sócio da consultoria, que cita cidades como Ribeirão Preto, Guaratinguetá, São José dos Campos, entre outros, como as fontes de negócios.

Enquanto o setor em geral cresceu 14% em 2011, as franquias nascidas fora das grandes cidades avançam em torno de 20%, segundo estimativas da consultoria.

O comportamento mais comum é procurar fortalecer o negócio antes de inaugurar unidade na capital, mercado considerado mais difícil pelos "jovens franqueadores".

"Queremos abrir na capital depois de ter dez lojas no Vale do Paraíba. É preciso estar bem estruturado", diz William Freitas, da rede de choperias O Patrão, que tem pontos em Taubaté e Guaratinguetá e está em fase de formatação de franquias. A meta é alcançar 25 lojas em cinco anos.

A rede de moda feminina Letage, de Ribeirão Preto, que já tem mais de dez anos, agora terá franquias, segundo Alessandra Bonfiglioli, diretora da marca. "Em São Paulo, a meta é ter loja própria, para controlar mais. As outras pretendemos levar para Centro-Oeste, Sudeste e Sul".

BOLINHA AMARELINHA

Os hábitos de compra de roupa de banho da mulher brasileira diferem dos de consumidoras estrangeiras, segundo estudo que a fabricante de fios Lycra vai divulgar a confecções clientes a partir desta semana.

As brasileiras são as que mais lavam as peças (86%) depois do uso, penduram para secar (67%) e enxaguam (60%). Isso ocorre porque elas querem que durem mais de um verão, segundo Luiza Barros, executiva da Invista, empresa dona da marca Lycra.

"As americanas não se importam tanto", diz. A pesquisa abordou 2.576 consumidoras de países como Estados Unidos, Alemanha, França e outros.

Qualidade é o primeiro critério adotado na compra, que geralmente é planejada, segundo a pesquisa. "A mulher brasileira está mais exigente, e os atributos identificados pela pesquisa são alta qualidade, conforto e caimento", diz Nicésio Cascone, vice-presidente de operações para as Américas da Invista.

BANDEIRA ESPANHOLA

O grupo espanhol Serhs, que no Brasil atua com dois hotéis no Rio Grande no Norte e um recém-incorporado em Guarulhos, inicia seu projeto de expansão no país.

A empresa pretende incorporar dois ou três hotéis por ano e chegar a 2015 com 15 unidades.

"São Paulo é nosso principal interesse", afirma o diretor da divisão de hotéis do grupo, Josep Maria Bagudà.

Outros Estados do país, como Rio de Janeiro e Santa Catarina, também estão em análise.

As atuais três unidades do Brasil representam cerca de 30% do faturamento do setor de hotéis do grupo.

Bagudà afirma que os negócios da empresa no país não ficarão restritos a esse segmento. "Trabalhamos com agências de viagens, distribuição, catering... Não descartamos nenhuma dessas possibilidades."

Combustível... A Petrocenter, especializada na formação de profissionais para a área de petróleo e gás, abre nas próximas semanas sua segunda unidade no Estado de São Paulo, em Santos.

...em sala Em 2012, a companhia voltará suas atenções para a região do Vale do Paraíba. Além de nova franquia em Taubaté, analisa a instalação de unidade em São José dos Campos, segundo o proprietário da rede, Samuel Pinheiro.

Costura As vendas do comércio atacadista de tecidos registraram queda de 2,8% na primeira quinzena de janeiro, ante igual período de 2011, segundo o Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuários e Armarinho de SP.

Economia... O Banco do Brasil vai inaugurar nesta quinta-feira, em caráter experimental, sua primeira unidade com sistemas que diminuem em até 20% o consumo de energia elétrica e em 30%, o de água, em São Paulo.

...bancária Até o final deste semestre, a região metropolitana de Fortaleza (CE) recebe a segunda filial do projeto, que prevê coleta seletiva e ventilação natural, segundo o banco.

Parceria ilustrada A Fox Film acaba de fechar acordo com o Rei do Mate para que a rede comercialize seu produto com copos ilustrados por personagens da produtora. A expectativa é que sejam produzidos 2,2 milhões de unidades até o final de fevereiro.

Casa... O gasto médio do brasileiro com móveis e artigos de decoração cresceu 56% nos últimos dez anos e chegou a R$ 41 bilhões, de acordo com estudo da consultoria Data Popular.

...decorada As regiões Sudeste, Nordeste e Sul concentram a maior parte do consumo, com 46,7%, 20,9% e 18,9%, respectivamente. O levantamento foi feito com 5.000 pessoas em todos os Estados do país.

Em operação O primeiro motogerador a etanol da Estação da Marinha Antártica Comandante Ferraz, desenvolvido com tecnologia brasileira pela VSE (Vale Soluções em Energia), acaba de entrar em funcionamento.

com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ

Notas para as agências de risco - ANTONIO DELFIM NETTO


VALOR ECONÔMICO - 17/01/12


A reação do grande ex-presidente da França Valéry Giscard D"Estaing à decisão da agência calculadora de risco Standard & Poor"s (S&P) de rebaixar a nota da França de AAA para AA+ foi certeira: "Do ponto de vista financeiro, ela é absurda. Sempre pagamos as nossas dívidas. Depois da Segunda Guerra, eu mesmo fui aos Estados Unidos levar o nosso cheque de pagamento da dívida".
Afinal qual é a delas (S&P, Moody"s e Fitch)? Estarão, como alguns desinformados acreditam, a serviço da volatilidade tão prazerosa dos especuladores financeiros de Wall Street? Terão por acaso melhorado tecnicamente? Há menos de três anos, classificavam como AAA estranhos "pacotes" que seus clientes vendiam a incautos e honestos investidores.
É pouco provável que haja algum efeito dessa decisão que já não estivesse incorporado pelos mercados. Podemos ter alguma volatilidade no curto prazo, mas pequenos efeitos no longo. Uma interpretação benigna é que a S&P estaria tentando acelerar a solução do problema europeu.
Exibicionismo destrutivo da S&P merece uma nota D
No seu comunicado, ela afirma que "as iniciativas tomadas pelos líderes europeus nas últimas semanas podem ser insuficientes para atacar completamente problemas sistêmicos da zona do euro". Puro palavrório. Principalmente quando levamos em conta quando manifesta sua preocupação "com o fraco crescimento", sem esclarecer qual a mágica que poderia melhorá-lo.
Não parece que problemas "sistêmicos" da Eurolândia possam ser melhor solucionados com o rebaixamento da nota da França. Junto com a Alemanha, é fiadora do European Financial Stabilization Facility (EFSF), que toma recursos no mercado a taxas mais baixas para repassá-los aos países que têm dificuldades de colocar os seus papéis. Nesta semana vamos saber qual o efeito da medida sobre a taxa de juros da dívida francesa (que pagava, antes da ação da S&P, 3,08% ao ano para títulos de dez anos).
O comportamento da S&P apoia-se em fato discutível: a solução deveria ser muito mais rápida. Trata-se do típico sinal da arrogância do sistema financeiro. O que fazer com as leis dos países e suas democracias?
A decisão foi extemporânea, principalmente depois da mudança da política do Banco Central Europeu. Este passou a emprestar aos bancos e se esforça para reduzir a possibilidade de uma queda do crédito dentro dos países, o que reduziria ainda mais o crescimento econômico tão desejado (corretamente) pela S&P.
A ação do BCE está ampliando a liquidez e tendendo a desvalorizar o euro. Este fechou em 13 de janeiro, a US$ 1,267, a menor cotação em um ano e meio, o que deve ajudar a ampliar as exportações dos países para fora da Eurolândia.
Isso acrescentará um pouco mais de energia externa ao seu crescimento econômico em 2012, hoje estimado em - 0,7% (Alemanha, 03,%; França, -0,6% e Itália, -1,7%).
A medida foi também extemporânea, porque prejudica a própria "solução" desejada (pelo menos vocalmente) pela S&P. Do ponto de vista lógico, seria difícil à S&P manter a nota AAA para os papéis da EFSF, que ela acabou de rebaixar para AA+. Se o mercado a levar a sério (é o que resta saber), aumentará os custos de sua captação e, logo, os custos dos países que recebem os seus recursos, dificultando a solução e acrescentando mais problemas aos "sistêmicos" referidos por ela.
A dúvida sobre sua credibilidade é perfeitamente razoável diante dos efeitos nos papéis do Tesouro Americano depois do seu rebaixamento de AAA para AA+. Os juros dos papéis de um mês caíram de 0,015% no 3º trimestre de 2011, para 0,010% no dia 12 deste mês; e os de dez anos, de 2,8%, em 2011, para 1,9%.
Entre 10 e 12 de janeiro, o Tesouro Americano colocou nada menos do que US$ 120 bilhões a taxas de juros decrescentes e com demanda/oferta superiores a 4,5 (até 6 meses) e de 3,3 (10 e 30 anos). E o Bundesbank, operador do Tesouro alemão, colocou, em 9 de janeiro, € 3,9 bilhões com papéis de seis meses a uma taxa de juro nominal negativa de 0,0122%, contra uma positiva de 0,0005% em 5 de dezembro de 2011.
A decisão da S&P foi ainda infeliz, porque, em 11 de janeiro, a Itália e a Espanha colocaram € 22 bilhões a custos menores do que anteriormente. Um sinal que os mercados estão acreditando nos novos governos de Mario Monti e Mariano Rajoy.
No caso italiano, colocou-se € 8,5 bilhões em papéis de 360 dias à taxa de 2,735% ao ano, contra 5,95% pagos em meados de dezembro de 2010 para os mesmos papéis. Apenas para dar outro sinal, os papéis do Tesouro espanhol, de três anos, foram vendidos à taxa de 3,384% ao ano, contra papéis de mesma maturidade, que pagaram 5,187% em meados de dezembro de 2011.
Há, portanto, indícios claros de avanço na Eurolândia, com exceção do caso grego, onde as discussões foram suspensas para "novas reflexões entre os credores e o governo", para estimar o "haircut" que deve ser estabelecido...
Que nota uma agência de risco daria ao exibicionismo destrutivo e deselegante da S&P? Um D, naturalmente, pela inadimplência no seu papel na procura de solução dos problemas sistêmicos da Eurolândia!

Alckmin e a polícia - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 17/01/12

O governador de São Paulo parece ser um daqueles que rezam pelas virtudes curativas do porrete da polícia. Não é de hoje que ele expõe a sociedade às "ações enérgicas das forças da ordem", mesmo que a eficácia de tais ações muitas vezes seja próxima de zero.
Há anos, sua polícia envolveu-se em uma operação para exterminar líderes do PCC, isso no caso conhecido como "Castelinho". "Estamos definitivamente livres do PCC", afirmava solenemente o secretário da Segurança. Anos depois, o mesmo PCC parou São Paulo em uma das mais impressionantes demonstrações de força do crime organizado.
Mais ou menos nessa época, militantes de direitos humanos se mobilizaram para exigir o afastamento de membros da polícia acusados de praticar tortura na ditadura. Expressiva maioria dessas demandas permaneceu letra morta.
Só nos anos de 2011 e 2012 vimos mais dois exemplos patéticos de atuação de uma polícia que sempre gostou de confundir segurança com demonstração histérica de força. A primeira ocorreu na USP.
Após a intervenção policial no desalojamento de estudantes que invadiram a reitoria, cresceram denúncias de maus-tratos praticados por policiais.
O último capítulo foi a recente e inacreditável cena de um policial com arma em punho ameaçando um estudante: prova cabal do despreparo de uma corporação acostumada a atirar primeiro e pensar depois. A sociedade deveria ler com mais calma os estudos que se avolumam nas universidades sobre violência policial.
Agora, fomos obrigados a assistir a uma incrível intervenção na chamada cracolândia.
Nada adianta a maioria dos profissionais de saúde mental insistir no absurdo que significa tratar uma questão de saúde pública como um problema de segurança. Nada adianta lembrar que a maioria das pessoas nessa região não são traficantes. São, na verdade, usuários, que devem ser tratados não a bala, mas em leitos de hospital. Afinal, há uma parcela da população que se excita quando vê a polícia "impondo a ordem", por mais teatral e ineficaz que seja tal imposição. Para tal parcela, a polícia é um fetiche que serve para embalar o sonho de uma sociedade de condomínio fechado.
Se tais pessoas, ao menos, se lembrassem de Philippe Pinel, o pai da psiquiatria moderna, talvez elas entendessem o valor nulo de tais ações policiais, assim como da defesa de políticas de "internação compulsória" de viciados.
Aquele que é vítima de sofrimento psíquico (e a drogadição é um deles) só será curado quando o terapeuta for capaz de criar uma aliança com a dimensão da vontade que luta por se conservar como autônoma. Não será à base de balas e internação forçada que tal aliança se construirá.

Inconformados argentinos - ROBERTO LUIS TROSTER


 O Estado de S.Paulo - 17/01/12


Inconformados com a situação na colônia, expulsaram o vice-rei colonizador, emanciparam-se da Espanha, escreveram uma Constituição, foram os primeiros no mundo a erradicar o analfabetismo, inovaram na literatura, destacaram-se nos esportes, revelaram-se na ciência e na diplomacia, ganhando cinco Prêmios Nobel, entre vários outros feitos, e produziram muita riqueza. Enfim, foram eles que fizeram a Argentina acontecer.

Até o começo da década de 1970, os inconformados foram respeitados por muitos e tolerados por todos. O ponto de inflexão foi no governo peronista de 1973-1976, que prometeu desenvolvimento e democracia na campanha, mas só apresentou um populismo inconsequente. Rotulava a todos os que protestavam de montoneros e comunistas, foi o início da intolerância e do terror. O mentor foi o braço direito de Perón, López Rega, que organizou a Aliança Anticomunista Argentina (AAA), uma entidade paramilitar que coordenou a repressão aos opositores do regime.

Estaria ocorrendo uma guerra contra a democracia, o que legitimaria o uso das Forças Armadas e de excessos na luta. Há relatos de que até forjaram alguns atentados para justificar atrocidades. Nesse governo "democrático" foram registrados 600 desaparecidos e 500 execuções, além dos milhares que deixaram a Argentina por ameaças da AAA e/ou por inconformismo.

Entretanto, foram a corrupção e a inépcia que levaram o país a uma crise, abrindo espaço para que os militares assumissem o governo em 1976. A ditadura foi mais implacável e aumentou exponencialmente os números: há registros de 18 mil desaparecidos. Os militares no poder conseguiram ser mais cruéis e também mais corruptos e ineptos. Tiveram de se render, primeiro, aos ingleses, numa guerra que eles mesmos declararam, e, num segundo momento, aos civis, abrindo caminho para a democracia.

O atual governo, iniciado em 2003 por Néstor Kirchner, ganhou popularidade levando aos tribunais alguns responsáveis pelas atrocidades. Todavia omite todos os desaparecidos na "democracia" peronista anterior à ditadura. Vários militares foram levados a julgamento, e alguns foram condenados, mas continuam a receber seus soldos e pensões. Com grande estardalhaço, tirou a foto do ditador Jorge Rafael Videla da Casa Rosada, mas deixou as dos demais presidentes também culpados de brutalidades.

São outros tempos. A viúva de Néstor e sua sucessora, Cristina Kirchner, faz constantes referências aos desaparecidos para validar algumas de suas ações. Ilustrando o ponto, para evitar o "sequestro de gols" subsidia todas as transmissões de jogos pela televisão, ganhando popularidade. Explora o imaginário popular, pois faz parte da geração dos desaparecidos, mas não existe um único fato conhecido que a mostre vinculada aos inconformados.

O mais grave é que a presidente se diz vítima de um "fuzilamento" da mídia, e com isso justifica a repressão ao jornalismo inconformado. As tentativas de calar jornais não alinhados são várias e incluem exageros como piquetes e acusações absurdas a proprietários de empresas de mídia. No mês passado, a sede do canal de televisão do jornal Clarín, um dos mais tradicionais, sofreu a invasão de forças militares - paradoxalmente, motivada por uma decisão judicial torpe, com base numa lei dedicada a 118 jornalistas, parte dos inconformados desaparecidos.

Apertando ainda mais o cerco, a presidente sancionou duas leis, aprovadas pelo Congresso no mês passado: uma dá ao governo o controle do papel de jornal - é um caso único em que a matéria-prima dos periódicos é considerada um bem público; a outra permite que os meios jornalísticos sejam acusados de "terroristas" pelo governo, caso este entenda que eles estejam conspirando. Foram feitas para pressionar jornalistas.

As duas leis violam frontalmente um princípio constitucional que vigora desde 1853, respeitado por todos os governos, inclusive os militares. O artigo 32 da Carta Magna argentina diz: "O Congresso Federal não ditará leis que restrinjam a liberdade de imprensa ou estabeleçam sobre ela a jurisdição federal". A liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia do país e está sendo demolido. É lutuoso que ocorra na Argentina, um país onde muitos inconformados deram a vida para que isso não nunca mais ocorresse.

A bem da verdade, há, sim, uma conspiração contra a presidente, que é a da realidade. O neopopulismo que permitiu sua reeleição está cobrando seu preço com fugas de capitais, inflação mais alta, salário real em queda, perda de competitividade, investimentos baixos e dinâmica de crescimento fraca. A capacidade fiscal de manter os subsídios para tarifas baixas e programas como o Milanesas para Todos está se esgotando. Os fatos estão cada vez mais fortes.

A realidade mostra sinais inequívocos de pobreza, de insegurança e de queda de expectativas de futuro, que se opõem frontalmente ao discurso "social e progressista" do governo. A discrepância entre as informações dos órgãos oficiais e as de empresas de consultoria privadas é grande, tirando ainda mais credibilidade do governo. A presidente chegou ao absurdo de encomendar outra História da Argentina.

A manipulação de estatísticas e do passado e o combate à imprensa vai apenas dar algum tempo, que pode ser usado ou para postergar o início de uma crise ou para corrigir as distorções. Os problemas são graves, mas não insolúveis, e o potencial do país é grande. Há outra Argentina possível e a única maneira de alcançá-la é um choque de racionalidade na política e na economia. Seria a melhor homenagem aos inconformados, desaparecidos ou não. Cristina Kirchner pode reescrever a História ou fazer História. É agora ou nunca.

Conciliação (ainda) - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 17/01/12

O debate sobre o alcance da Lei da Anistia, e o papel que a Comissão da Verdade pode ter no esclarecimento de fatos históricos, têm rendido diversas manifestações de leitores e merecem ser retomados com novas informações. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia me enviou um e-mail lembrando um depoimento do polêmico juiz espanhol Baltazar Garzon ao escritor Manuel Rivas, em recente documentário selecionado para o Festival de Berlim de 2011.
Ele ficou famoso por atuar contra grandes nomes da política internacional, como os generais Pinochet, Galtieri e até Berlusconi, de quem pediu anulação da imunidade parlamentar.
Baltazar Garzon está hoje imobilizado com três ações por abuso de autoridade. Num dos trechos mais polêmicos do documentário, trata da prescrição ou anistia em fatos ou delitos políticos (mortes, torturas ou desaparecimentos). Diz Garzon: "A prescrição (ou anistia) não se aplica sobre os fatos, mas beneficia o autor dos fatos.
"Não são os fatos que estão prescritos (ou anistiados), mas os autores dos fatos. Sendo assim, há que investigar quem foram os autores e, uma vez identificados, aí então se aplica sobre esses autores identificados a prescrição (ou anistia)".
O ex-deputado Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos à época da ditadura, tem opinião semelhante.
Ele ressalta uma curiosidade histórica: tecnicamente, pelo texto apresentado pelo Ministério da Justiça, os torturadores não estavam anistiados. E recorda que, saindo de audiência com o ministro da Justiça Petrônio Portella, depois de receberem o texto que o governo enviaria ao Congresso, disse a Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, que temia pelo acordo, pois a "tigrada" (referência aos militares envolvidos na repressão política) iria ver que não estava anistiada.
Depois de ouvir explicações técnicas de Direito Penal sobre crimes conexos, Ulysses limitou-se a dizer: "Deixa pra lá"".
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei estaria coberta pelo propósito de anistiar os dois lados, o que historicamente se deu, sem enfrentar a matéria penal e pronto, diz Cerqueira: "A lei já produziu seus efeitos. Não proíbe os parentes da vítima de irem a juízo postular o que entenderem. É apurar a verdade, agora".
Recebi também de Terezinha Zerbini, a pioneira no movimento pela anistia com o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), depoimento que merece registro, pela sensatez:
"Mais de 30 anos passaram desde a Lei 6.683 de 1979, assinada pelo então presidente João Figueiredo, em seu programa de conduzir o Brasil rumo a uma abertura lenta, gradual e segura. Tão lenta e gradual que se temeu por retrocessos, até 1985, ano da posse de seu sucessor na Presidência, José Sarney, na qualidade de vice de Tancredo Neves.
"Portanto, a anistia de 1979 foi obtida dentro de uma conjuntura específica, fruto de intensa luta para redemocratização do país. Minha experiência - hoje, uma mulher de 84 anos - ensinou-me que, quando não se pode fazer o que se deve, deve fazer-se o que se pode.
"E a sabedoria prega que não apenas em nível pessoal, mas também no histórico, é difícil digerir o passado como uma totalidade.
"A insistência em se fixar em atos passados, distantes há mais de três décadas, poderia equivaler ao imobilismo, comparando essa mirada àquele olhar bíblico para trás, na fuga dos pecados de Sodoma e Gomorra e na transformação de seres vivos em estátuas de sal.
"As energias disponíveis precisam estar todas voltadas ao futuro e à solução dos impasses da realidade brasileira".
O sociólogo Luiz Werneck Vianna, cuja posição contrária à revisão da Lei da Anistia me parece bastante sensata, e gerou todo esse debate aqui na coluna, envia-me um comentário sobre o contraponto do deputado do PSOL do Rio Chico Alencar, que publiquei na certeza de que o debate democrático é o melhor caminho para o entendimento. Aí vai o depoimento de Werneck Vianna:
"Sem querer, entrei na berlinda. Faz parte. Poucas e ligeiras observações: depois de responder a muitos IPMs nos anos que se sucederam ao golpe militar de 1964, fui preso em 1971 e levado para o Cisa, nas dependências do Galeão, onde, poucos dias antes, foi morto sob tortura Stuart Angel, e, com isso, digo tudo.
"Lá, passei 15 dias sob interrogatório, e basta-me declarar que saí dele com a consciência limpa. Mais tarde, libertado, já morando em São Paulo e de volta à militância política no PCB, escapei, em 1975, por muito pouco, da Oban - estava dando aulas na Unicamp e eles me procuraram na minha residência paulista.
"Vivi cerca de um ano e meio na clandestinidade, homiziado na casa do dramaturgo Paulo Pontes, até que, com a vigorosa reação, liderada pelo Cardeal Arns, à morte sob tortura, nos cárceres da ditadura, de Vladimir Herzog, aos poucos retornei à "legalidade", como então se dizia.
"Sempre pertenci, com muita honra, à tribo dos que preconizavam que só o "povo organizado derruba a ditadura", contraposição aos que, desde 1968, sustentavam a tese oposta da luta militar.
"Mas isso são favas passadas. Ao assunto que interessa: sem querer discutir os méritos de historiador do deputado Chico Alencar nem suas qualidades de político, nossa transição, que o parlamentar desqualifica como negociada e "pelo alto", não teve como motor, como ele enuncia, a luta armada - extinta, no fundamental, nos idos de 1972 -, mas a luta de massas, exemplar no movimento multitudinário das Diretas Já, nas lutas operárias do ABC e no processo eleitoral, que, a partir da eleição de Quércia para o Senado, em 1974, tornou-se determinante para o futuro rumo dos acontecimentos em 1982, com as eleições de Brizola, Tancredo Neves, Franco Montoro e Pedro Simon para governadores em seus estados.
"O resultado dessas lutas está aí com a Carta de 1988, a mais avançada e democrática da nossa História, inclusive porque propiciaram a conquista da Presidência da República por parte de uma ex-liderança do movimento sindical e de um partido com extração na esquerda.
"Houve, e segue tendo seu curso no país, uma revolução democrática progressiva, que nos cabe aprofundar, decerto em meio ao contraditório.
"Contudo, não seremos capazes dessa tarefa permanente se não soubermos valorizar o que nos trouxe até aqui, mistificando o nosso passado recente".

O caso vai avançar - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 17/01/12
Não se trata de expor nomes de juízes sem prova, mas de não acobertar o que já está constatado

O dano já causado ao conceito do Poder Judiciário, a meio da revelação de altos movimentos financeiros de magistrados e outros servidores, vai aumentar em futuro próximo com esperadas constatações. Ainda assim, a peculiaridade desse Poder tende a confirmar-se: o Judiciário é o único dos Poderes em que podem ir a fundo as investigações em si mesmo.
A reação de juízes a investigações da corregedoria, na pessoa impetuosa de Eliana Calmon, e do próprio Conselho Nacional de Justiça, proporcionou a extensão, sobre o Judiciário sem distinções, do dano consolidado pela opinião pública. E da perda dos seculares cuidados com que os meios de comunicação poupavam dissabores ao Poder temido acima de tudo.
No setor da comunicação, sempre foram raros os controladores e as empresas isentos do risco de iniciativas ou decisões judiciais devastadoras. Um título de jornal sem direito claro ao uso, propriedade estrangeira, conflitos acionários, e um colar quilométrico nesta linha.
A do Judiciário, em relação ao Executivo e ao Legislativo, provém de três ingredientes. A indignação de juízes, com grande presença das gerações mais recentes, que pressionam contra os desmandos e as improbidades; a Procuradoria-Geral da República, nas fases em que pratica sua independência, e as congêneres estaduais; e a linhagem dos advogados que elevam a OAB, com frequência, à estatura de reserva vital para a preservação das demais instituições.
Já no Executivo e no Legislativo, o enfrentamento dos casos comprometedores choca-se com a combinação de duas adversidades: o corporativismo, bem irrigado pelo sentimento do "amanhã posso ser eu ou um dos meus", e o fator predominante que é a política. No choque, tudo acaba em nada.
(Não resisto a registrar o que me ocorre agora, com asco pelo episódio e pela pessoa: o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, foi surpreendido extorquindo, mais uma vez, o dono de um restaurante instalado no Congresso mesmo -e em vez de ir para a cadeia, saiu para eleger-se prefeito no interior de Pernambuco.)
A OAB inicia a sua passagem, na polêmica sobre o CNJ e sua corregedoria, dos pronunciamentos para as ações, propriamente.
Wadih Damous, presidente da OAB-RJ, tem o primeiro ato, com o requerimento, à presidência do Tribunal Regional do Trabalho-RJ, da identidade do seu integrante que em 2002 movimentou R$ 293 milhões.
Outras providências se seguem, logo, seguem-se novas revelações aos poucos fatos e muito escândalo atuais.
O requerimento de Damous tem pleno sentido. Governadores, ministros, senadores, deputados, prefeitos não têm o seu nome poupado em casos muito menos aberrantes.
A Constituição, as leis e os regimentos não poupam os nomes de juízes devedores de explicações, inquéritos e processos. Acomodá-los no silêncio é favorecimento incabível. Não se trata de expor sem prova, mas de não acobertar o que está constatado.
O nome e a explicação devidos pelo TRT-RJ são muito propícios para sair-se da polêmica e entrar nas providências que reponham o Judiciário no seu lugar.

Punição e prêmio - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 17/01/12
BRASÍLIA - A maior pena prevista na Lei Orgânica da Magistratura, de 1979, é a aposentadoria compulsória. Um juiz mal intencionado pode fazer o que bem entender, inclusive vender sentenças e, no máximo, irá para a casa, talvez constrangido, mas com contas bancárias gordas e garantidas para sempre.
Como bem disse à Folha o novo secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flávio Caetano, isso precisa ser discutido. Por óbvio. "A aposentadoria não é tida juridicamente como punição. Pelo contrário, é um direito."
Na verdade, aposentadoria não é punição -nem jurídica nem real- nem aqui nem na China. E, no caso de juízes que cometam irregularidades, não é um direito, mas um prêmio, um privilégio, uma forma de amenizar o escândalo e todos lavarem as mãos.
Caetano lembrou que, no caso dos (demais) servidores públicos, quem deve paga com demissão. "Punição é demissão", disse. Ou, como já especificara a ministra Eliana Calmon: "Tem de mexer no bolso".
Avança assim a discussão sobre a falta de transparência do Judiciário, Poder que tem de estar acima de qualquer suspeita, pois analisa, julga e, eventualmente, condena tudo e todos, inclusive ministros, altos funcionários, deputados e senadores -ou seja, de certa forma, está acima do Legislativo e do Executivo.
Nesse contexto, é inviável manter abertas as "operações atípicas" de mais de R$ 800 milhões assombrando juízes e servidores do Judiciário. É preciso exorcizar: separar o legal do ilegal e, nesse caso, mostrar quem, como, onde e por quê.
Pelo país afora, juízes reclamam da "generalização que a imprensa está fazendo". Mas não é a imprensa. O que generaliza o que não é geral é a impunidade, o jeitinho da "aposentadoria", a cultura de deixar pra lá e o medo do julgamento da sociedade. A transparência não é contra, mas, sim, a favor dos juízes. Que não paguem os justos pelos pecadores.

Morrer pelos homens? - JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 17/01/12

Ligo a TV. Notícias tenebrosas sobre os implantes mamários franceses e o risco que representam para milhares de mulheres no mundo inteiro. O meu interesse é cultural, não médico: quem diria que décadas de lutas feministas seriam enterradas por próteses de silicone defeituosas?
As lutas feministas, convém lembrar, tinham uma ambição civilizacional considerável: virar do avesso o mito de Pigmalião, o artista imortalizado pelo poeta Ovídio que, certo dia, esculpiu uma bela figura, apaixonou-se pelas suas formas e, como brinde dos deuses, viu a estátua virar mulher de verdade.
A história sempre me comoveu por motivos essencialmente "românticos": Pigmalião renunciara ao amor antes de esculpir a estátua; mas o destino é irônico e, por vezes, o que consideramos adormecido acaba por despertar novamente. Que a deusa Vênus tenha recebido as preces reprimidas de Pigmalião, concedendo vida à matéria inerte: eis a ideia redentora de que só o amor triunfa sobre a morte.
Mas isso sou eu a falar. Ou a delirar. Porque a sensibilidade feminista é mais literal e menos generosa: o mito de Pigmalião representa apenas a secular submissão da mulher ao homem. E quem é que os homens pensam que são, ao pretenderem "esculpir" a mulher para que ela cumpra os desejos falocêntricos dos machos?
Boa pergunta. George Bernard Shaw, um panfletário com talento, deu a resposta: revisitou o mito de Pigmalião na sua peça homônima e concedeu-lhe um final progressista.
Sim, o prof. Henry Higgins transforma a plebeia Eliza Doolittle numa verdadeira "lady" da retórica e das maneiras. Exatamente como no musical "My Fair Lady", inspirado na peça.
Porém, e ao contrário do que sucede no musical, é legítimo pensar que Eliza dá o seu grito do Ipiranga, abandonando o prof. Higgins no final por não suportar a natureza condescendente e desrespeitosa dele. É o supremo sonho feminista: a criatura liberta-se do criador e decide seguir em frente.
Infelizmente, muitas mulheres não conseguem seguir em frente. Que o digam as mulheres brasileiras, campeãs mundiais em cirurgias estéticas. Motivos do recorde?
Uma parte opta pela cirurgia por razões estritamente médicas: reconstruções do peito depois de doença oncológica ou acidente. São razões compreensíveis e sobre elas nenhuma palavra a dizer.
Mas existe uma vasta legião de mulheres saudáveis que se submete à cirurgia por motivos de "autoestima". A expressão, usada e abusada pelas revistas mentecaptas, pretende iludir uma verdade desconfortável: a "autoestima" das mulheres, sejamos honestos, depende da estima que elas esperam receber dos homens.
Claro que o leitor, e sobretudo a leitora, poderá argumentar que os homens funcionam da mesma maneira em matéria de vaidade física. Quem não conhece casos dramáticos de heterossexuais inseguros que passam horas na academia, em malhação marcial, em busca dos músculos perfeitos?
Verdade. Acontece que não conheço nenhum homem que, para obter o mesmo resultado e conquistar as atenções do sexo oposto (ou até do mesmo sexo), esteja disposto a passar pelo calvário das mulheres siliconadas.
No fundo, não conheço nenhum homem que esteja disposto a deitar-se numa sala de operações; a suportar os rigores da anestesia e do bisturi; a implantar uma qualquer prótese no interior do corpo para simular firmeza ou juventude; e, Deus nos livre, a correr sérios riscos de vida para ficar com aspecto de Adônis. Há limites. Até para conquistar mulheres.
O problema é que não parece haver limites para as próprias mulheres. O que nos leva de volta para o mito de Pigmalião, na sua interpretação literal: foram anos de lutas feministas para que elas deixassem de estar submetidas ao cinzel e ao escopo do escultor falocêntrico.
Mas ninguém esperava que, libertas, as mulheres corressem para o passado e voltassem a se submeter, de forma voluntária, ao escopo e ao cinzel do cirurgião plástico.
Na minha qualidade de homem, admito que tanta dedicação é comovente. Mas, acreditem, minhas senhoras, não vale a pena sofrer e morrer por nós.

Trabalho, competitividade e escolhas do País - JOSÉ PASTORE

O ESTADÃO - 17/01/12

Segundo dados publicados no Estadão de 23/12/2011 e referentes a 2010, o custo do fator trabalho na indústria brasileira é um dos mais baixos entre os 34 países normalmente estudados pelo Ministério do Trabalho dos Estados Unidos. No Brasil, o salário/hora médio do setor manufatureiro ficou em torno de US$ 10. Nos Estados Unidos, foi mais de US$ 34; na Holanda, US$ 40; na Alemanha, US$ 44; e na Noruega, US$ 57 (todos com encargos).

Nessa comparação, a indústria brasileira estaria em condições de competir no campo do trabalho com larga margem. Ocorre, porém, que os países que mais nos incomodam (tirando do Brasil milhões de bons empregos)não são esses, e, sim, os que têm custos trabalhistas inferiores, em especial do Leste Europeu, da Ásia e da América Central. O salário médio industrial da Estônia, que tem alto nível de educação e de produtividade, é menor que o brasileiro-US$9,47 por hora; na Hungria é de US$ 8,40; em Taiwan, US$ 8,36; na Polônia, US$ 8,01; no México, US$ 6,23; nas Filipinas, US$ 1,90; e na China, US$ 1,36 (Bureau of Labor Statistics, International comparisons of hourly compensation costs in manufacturing, Washington, 2011).

O Brasil compete pouco com os países de alta sofisticação tecnológica e elevada produtividade do trabalho como é o caso da Alemanha, Suíça, Bélgica, Dinamarca,Suécia,Japão,Inglaterra e outros. A concorrência é acirrada com as nações emergentes.

O Brasil ocupou o segundo lugar entre os países que tiveram maior aumento de salário entre 2009 e 2010, superado apenas pela Argentina. O custo do trabalho foi afetado também por um rápido aumento dos benefícios negociados, dos pisos salariais e das despesas criadas por intervenções do Estado, como é o caso do aumento do seguro de acidentes, das cobranças de contribuições sociais sobre verbas indenizatórias, das incertezas dos nexos causais nas doenças profissionais, das licenças ampliadas, do novo aviso prévio, da insegurança do trabalho a distância e terceirizado e várias outras.

É verdade que persiste entre nós um forte dualismo: uma parcela imensa da força de trabalho ganha pouco e trabalha na informalidade. Mas, no campo industrial, essa parcela é pequena e cadente. Ali, os profissionais especializados usufruem salários e benefícios que vão muito além da média de US$ 10.

Para o setor industrial o Brasil deixou de ser competitivo no campo do trabalho. Em certa medida isso vale também para o setor agrícola e o de serviços quando se trata de profissionais qualificados e que dominam as tecnologias modernas.

Os últimos dados sobre os Estados Unidos revelam que o setor privado vem reduzindo salários de admissão não só por força da crise, mas também para atrair de volta uma parte dos empregos que foram para a Ásia.

Ao longo de 2010 foram muitas as novas contratações por US$ 12 a US$ 19 por hora, ante US$ 21 a US$ 32 dos empregados mais antigos. Isso ocorre até na indústria automobilística, que sempre foi o paraíso dos altos salários. Os americanos entenderam ser melhor perder alguns dólares nos salários para reter vários milhões de empregos. Esse foi o tema de uma série de artigos bem documentados do The New York Times e que recebeu o sugestivo título de Working for less.

A continuar no ritmo atual, o custo do trabalho no Brasil vai se aproximar do dos Estados Unidos, podendo até ultrapassar, quando se levar em conta o diferencial de produtividade. Muitos já dizem que, em vários setores, o custo unitário do trabalho está mais alto no Brasil do que na América. Estamos diante de um quadro em que a "generosidade" das leis, das ações sindicais e das sentenças judiciais se transforma rapidamente em prejudicial perversidade. Este é um tempo de escolha. Não devemos desprezar as lições dos países em crise.

O CALDO ENTORNOU - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 17/01/12



O chef Eric Jacquin, da brasserie que leva seu nome, em Higienópolis, foi condenado a pagar R$ 62 mil de indenização a um funcionário que diz ter apanhado dele. Matheus Lima Alves, que trabalhava na cozinha, teria levado um tapa e um pontapé do francês. "Ele reclamou que meu cliente não havia cortado pedaços de pato na espessura correta e o agrediu", diz a advogada Maria Valéria Belluzzo.

SEGUNDO TURNO
A decisão é de primeira instância, da 2ª Região da Justiça do Trabalho. Jacquin ainda pode recorrer. Ele disse por meio de sua assessoria que não irá se manifestar sobre o assunto.

PORÕES DA TORTURA
O processo de tombamento da antiga sede do DOI-Codi em SP, na rua Tutoia (zona sul), iniciado em 2010 pelo então secretário-adjunto da Cultura, Ronaldo Bianchi, começou a ser relatado por Cristina Meneguello, doutora em história e professora da Unicamp. O 36º DP da capital está instalado no antigo sobrado do órgão de repressão do regime militar.

SER OU NÃO SER
Cláudio Fontana, ator da peça "Macbeth", programada para maio e que marcaria a volta de Ana Paula Arósio aos palcos, diz à próxima "Contigo!" que a colega desistiu do trabalho. "Ela está fazendo reformas no sítio e não poderia estar em SP." Em 2011, Arósio, que seria a protagonista da novela "Insensato Coração", pediu para deixar a trama.

NOSSA, NOSSA
O Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, se rendeu ao sucesso de "Ai Se Eu Te Pego", de Michel Teló. O grupo cantou a música nas três apresentações de "As Bacantes" em Liège, na Bélgica, no fim de semana, durante o festival Europalia.

EM FAMÍLIA
A primeira escola de samba a participar desta edição do reality show "Big Brother Brasil" foi a Grande Rio, que animou uma festa no sábado. A apresentadora Ana Furtado, mulher do diretor do programa, Boninho, é a atual rainha de bateria da agremiação. "Foi uma coincidência. Várias escolas já participaram do programa", diz a assessoria da Globo.

FLOR BRASILEIRA
A ilustradora carioca Bebel Franco, 44, que assina as imagens da coluna de Danuza Leão na Folha, desenvolveu uma estampa e uma arte inspiradas na flora brasileira para a loja de departamento Macy's, em Nova York. O trabalho virou o cartaz da festa das flores da rede, que começa no dia 25 de março e tem como tema o Brasil.

VALE-TUDO

DE MINISTRO A MALLANDRO

De camisa branca do SUS, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, chega ao HSBC Arena, no sábado, para o UFC Rio. É fã de MMA? "Sou fã dos lutadores que apoiam a luta contra a dengue", diz. Atletas como Vitor Belfort, José Aldo e Wanderlei Silva gravaram vídeos de combate à doença para o ministério. "Faremos parceria para outras ações, de vida saudável e de combate ao crack." Outro ministro, Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, este fã dos combates, evita fotos e entrevistas. "Estou me distraindo particularmente."

A atriz Daniele Suzuki deixou o filho, Kauai, de sete meses, sozinho pela primeira vez para ir às lutas. Já Joana Prado, mulher de Vitor Belfort, um dos astros da noite, deixou suas três crianças com duas amigas, que viajaram para Las Vegas, onde o casal mora, para cuidar delas. A ex-Feiticeira diz não sentir falta da carreira e acha "até estranho" ser chamada de Joana Prado. "Lá eu sou Joana Belfort, esposa, mãe e dona de casa. Já é trabalho demais."

Ela conta que, "por incrível que pareça", foi Belfort quem a consolou quando foi nocauteado por Anderson Silva com um chute no rosto, no ano passado, na luta que popularizou o MMA no Brasil. E não se incomoda que o marido carregue o estigma daquela derrota. "Nos EUA, ninguém fala disso." Silva chega com Neymar, seu colega de agência 9ine. A empresa, aliás, deve homenagear o craque com festa na quarta, em SP, pelo prêmio de gol mais bonito do ano. Uma equipe da Fox Sports pede que o lutador americano Jon Jones, de camisa da seleção, grave uma vinheta falando "Libertadores", torneio que será transmitido pelo canal. Ele tenta: "Libortadores", "Leibetodores", "Libertadodes".

Já passa de 1h quando o ator Marcello Novaes aparece no tapete vermelho. Diz que esqueceu o convite do camarote e é impedido de entrar. Por telefone, pede ajuda aos amigos lá dentro. Bruno Gagliasso o atualiza das lutas pelo celular: "Caramba, o cara apagou aqui! Acho que ele morreu, Marcelão!".

Daniele Suzuki sai antes dos principais combates. "Bebê chamou, acabou." Encontra Novaes na porta e saca o telefone: "Ele tá sozinho aqui fora. Pede para alguém vir buscar". Até Sérgio Mallandro se mobiliza. "Peraí que eu vou te arranjar um do meu camarote." Não precisou. Após 40 minutos e depois de recusar um ingresso para outro setor da arena, Novaes conseguiu um convite. (DIÓGENES CAMPANHA, ENVIADO AO RIO)

Curto-circuito

Reestreia hoje a comédia "Cada Um com Seus Pobrema", de Marcelo Médici. Às 21h, no Teatro Frei Caneca. 12 anos.

A ESPM inicia no dia 23 a Semana da Pesquisa.

O DJ cubano Julio Moracén retoma hoje as picapes do Azucar, a partir das 21h. 18 anos.

Nando Reis faz o "Bailão do Ruivão" no dia 28, no Credicard Hall. 14 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA (interino), LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

Desafio à Europa - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 17/01/12


Não se pode nem superestimar nem subestimar o rebaixamento em massa promovido pela agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P).

Quem acompanhou ontem o comportamento do mercado financeiro pode ter ficado com a falsa impressão de que não houve nenhuma consequência importante. Na verdade, a turbulência dos mercados não se agravou porque, em parte, os cortes dos ratings haviam sido antecipados. E, também em parte, porque o Banco Central Europeu (BCE) voltou ao mercado e recomprou títulos públicos sujeitos a maior rejeição no momento, como os da França, da Itália e da Espanha.

Mas o impacto maior ainda está por vir. Pode ser um impulso mais forte em direção ao ajuste. Ontem, os dirigentes da Alemanha, da Itália e da Espanha fizeram apelos seguidos por aprofundamento das medidas de contenção dos rombos orçamentários. Se vão conseguir avançar ou não são outros quinhentos - o que importa mesmo é que esse rebaixamento tende a funcionar como pressão.

No entanto, quem vê as justificativas dessa pressão feita pela S&P e a maneira como os dirigentes vêm fazendo uso dela em favor de suas políticas tem a sensação de que continua o diálogo de surdos.

Entre as principais razões pelas quais a S&P rebaixou a qualidade das dívidas de nada menos que nove países da área do euro está a falta de empenho de suas autoridades em resolver o problema. Ocorre que, para a S&P, a questão de fundo não é o superendividamento dos países do bloco, mas, sim, a enorme diferença de competitividade entre eles - o que gera brutais distorções nas contas correntes (fluxos de pagamentos).

Se há cada vez maior competitividade da Alemanha, da Holanda e dos países nórdicos ao mesmo tempo que diminui, também progressivamente, o poder de competição dos países do Sul (Itália, Espanha, França, Grécia e Portugal), então não basta somente o ajuste das contas públicas.

Alguns analistas entenderam o problema mais profundo, mas não chegam a apontar solução convincente. Limitam-se a pedir que a Alemanha eleve suas transferências de capital para a periferia do euro e, simultaneamente, aumente os salários e o consumo interno - para que seus custos de produção se equiparem aos das demais economias do euro.

Mas, na medida em que restringem o ajuste à Alemanha, se esquecem de que a principal insuficiência de competitividade do bloco monetário não é dos países mais fracos em relação à Alemanha. Toda a área do euro sofre de baixa competitividade diante do resto do mundo, sobretudo em relação aos emergentes da Ásia e aos Estados Unidos.

Isso significa que o ajuste tem de ser extensivo a todos os países-membros. Se tudo se limitasse ao rebaixamento de salários e impulso do consumo na Alemanha, a área do euro como um todo perderia competitividade.

Falta os dirigentes políticos da Europa compreenderem que estão diante do mesmo Desafio Americano (que inclui a China) que, nos anos 70, tirou o atraso da Europa ante a economia dos Estados Unidos.

Terreno instável - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 17/01/12



Os dias difíceis da Europa vão continuar pelos próximos meses. A solução não está na linha do horizonte. O calendário está marcado com várias datas em vermelho em todo este primeiro semestre. Ontem, começaram os tremores secundários da redução da nota anunciada na sexta-feira: foi rebaixado o mecanismo criado para salvar a Europa

O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) foi concebido como um instrumento para financiar os países em dificuldade. Como ele depende de aval dos maiores países da Europa, ficou obviamente mais fraco depois do rebaixamento da França e da Itália. Normalmente, depois de revisões de ratings, os bancos, as empresas e unidades administrativas dos países atingidos também são rebaixados.

Ontem foi um dia relativamente calmo, em parte porque já era esperada a redução da nota da França, e em parte porque foi feriado nos Estados Unidos. Menos mal que o governo francês conseguiu vender papéis a juros até menores, mas os efeitos não se esgotam no primeiro dia, nem esse era o único evento que se espera para este começo de ano na Europa.

Como nos terremotos, em que não há um tremor só, a Europa continuará com terreno instável. A França desceu apenas um degrau de uma enorme escada em que estava no topo e continua muito bem posicionada. O problema é que a partir de agora as soluções encaminhadas pelos dois maiores países, França e Alemanha, ficam mais fracas. A decisão de rebaixar a nota de crédito do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira é uma demonstração disso, porque o mecanismo foi pensado exatamente para resgatar países endividados. Ter a nota máxima é o pressuposto básico do instrumento.

A ideia de que os tremores afetam só os países que têm a mesma moeda é equivocada. Os círculos que se espalham a partir de um abalo na Zona da Euro acabam atingindo a economia do mundo todo, a começar pela Inglaterra, que pensa ter se protegido. Ela tem a vantagem de ter sua própria libra. Mas cerca de 45% das exportações inglesas são para a Zona do Euro. Além disso, os bancos ingleses têm alta exposição a dívidas dos governos europeus. Qualquer problema maior afeta a economia britânica, que vai encolher 0,5% este ano e tem previsão de alta modesta de 0,5% no ano que vem.

Depois desta onda de rebaixamento, já esperada, outros eventos estão marcados no calendário. A eleição presidencial e o rebaixamento da França redu zem a capacidade de influência do país na solução dos problemas do euro. A Itália está totalmente neutralizada do papel que exerceu até meados do ano passado, de um dos líderes do bloco. Agora, o país é o maior problema. O governo italiano tem € 130 bilhões para girar até março, mais de € 400 bilhões até o fim do ano, e agora desceu dois degraus na escala da S&P.

Haverá em um dado momento um novo estresse bancário na Zona do Euro. Há novas exigências de capital que terão que ser cumpridas pelos bancos. Isso mostrará a dificuldade de cada um deles. As instituições terão que ir ao mercado se capitalizar ao mesmo tempo em que há maiores temores entre os bancos.

A Grécia terá que encontrar seu caminho. A consultoria inglesa Capital Economics disse, em relatório recente, que em seu cenário de referência a Grécia deixará a união monetária este ano. O país, até março, terá que fechar acordo com os credores. Desde o impasse da sexta-feira há muita apreensão sobre como serão retomadas as negociações entre os gregos e os bancos, sobre o tamanho das perdas que eles terão que aceitar. O melhor cenário é um calote negociado; o pior é um calote desordenado. Se sair do euro será, sem dúvida alguma, desordenado. E vários bancos de outros países da região são credores da Grécia e sofrerão com o baque. Como os próprios bancos já enfrentam suas dificuldades e seus governos não conseguem mais capitalizá-los, a moratória, ainda que muito esperada, pode produzir novos tremores. Atualmente, os maiores credores da Grécia são a França, que emprestou ao país US$ 55,7 bilhões; aAlemanha, com US$ 21,4 bilhões em créditos concedidos; A Inglaterra, com US$ 12,6 bilhões; e Portugal, US$ 10 bilhões.

Tudo é mais difícil administrar num ambiente de encolhimento econômico, e a região pode viver este ano o segundo mergulho. O primeiro foi quando estourou a crise em 2008. Veja no gráfico. Até a Alemanha, que teve um bom desempenho no ano passado, foi engasgando e está entrando em 2012 em compasso de espera. As previsões são de crescimento zero no começo do ano.

Como vai o sonho? - PAUL KRUGMAN

O ESTADÃO - 17/01/12

Se Luther King visse os EUA de hoje sentiria que sua obra não está minimamente terminada



“Eu tenho um sonho”, declarou Martin Luther King em um discurso que não perdeu nada de sua força inspiradora. E parte desse sonho tornou-se realidade. Quando Luther King falou no verão de 1963, os Estados Unidos eram uma nação que negava direitos básicos a milhões de cidadãos simplesmente porque sua pele era da cor errada. Hoje, o racismo não está mais embutido na lei. E, embora ele não tenha sido em absoluto banido dos corações dos homens, sua influência é bem menor do que já foi.

Para dizer o óbvio: basta olhar uma foto do presidente Barack Obama com seu gabinete para ver um grau de abertura racial – também para mulheres – que pareceria inconcebível em 1963. Quando observamos o aniversário de Luther King, temos alguma coisa de muito real a comemorar: o movimento pelos direitos civis foi um dos momentos mais grandiosos dos EUA e tornou o país uma nação mais fiel aos seus ideais.

Mas se Luther King pudesse ver os EUA de hoje, acredito que ficaria desapontado e sentiria que sua obra não está minimamente terminada. Ele sonhou com uma nação na qual seus filhos “não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. Mas aquilo em que realmente nos tornamos é uma nação que julga pessoas não pela cor de sua pele – ao menos, não tanto como no passado – mas pelo tamanho de seu salário. E, nos EUA, mais do que na maioria dos outros países ricos, o tamanho do salário de alguém está fortemente ligado ao tamanho do salário de seu pai.

Sai Jim Crow, entra sistema de classe. A desigualdade econômica não é inerentemente uma questão racial, e a desigualdade crescente seria perturbadora mesmo que não houvesse uma dimensão racial. Mas sendo a sociedade americana o que é, há implicações raciais no modo como nossas rendas foram se distanciando. E, de todo modo, Luther King – que estava fazendo campanha por aumentos salariais quando foi assassinado – certamente teria considerado a desigualdade crescente como um mal a ser enfrentado.

Voltando à dimensão racial: nos anos 60, era amplamente aceito que o fim da discriminação aberta melhoraria tanto a economia quanto a situação legal de grupos minoritários. E no começo isso parecia estar ocorrendo. Nas décadas de 60 e 70, um número substancial de famílias negras deslocou-se para a classe média e até para a classe média alta; a porcentagem de famílias negras nos 20% superiores da distribuição de rendas quase dobrou.

Em 1980, a posição econômica relativa dos negros nos EUA parou de melhorar. Por quê? Uma parte importante da resposta é, certamente, que, por volta de 1980, as disparidades de renda nos EUA começaram a se alargar dramaticamente, transformando-nos em uma sociedade mais desigual do que nunca desde os anos 20.

Pensem na distribuição de renda como uma escada, com pessoas diferentes em diferentes degraus. A partir de 1980, aproximadamente, os degraus começaram a se distanciar cada vez mais, afetando adversamente o progresso econômico dos negros de duas maneiras. Primeiro, como muitos negros ainda estavam nos degraus inferiores, eles foram deixados para trás à medida que a renda no topo da escada crescia enquanto a renda perto da base estagnava. Segundo, à medida que os degraus se afastavam, ficava mais difícil subir a escada.

O New York Times reportou recentemente uma revelação bem estabelecida que ainda surpreende muitos americanos: embora ainda nos vejamos como a terra das oportunidades, a verdade é que temos menos mobilidade econômica intergeracional que outros países avançados. Isto é, as chances de alguém nascido em uma família de baixa renda terminar com alta renda, e vice-versa, é significativamente menor que no Canadá ou na Europa. E há boas razões para acreditar-se que a baixa mobilidade econômica nos EUA tem muito a ver com o alto nível de desigualdade de renda no país.

Na semana passada, Alan Krueger, presidente do Conselho de Consultores Econômicos do presidente, fez um importante pronunciamento sobre desigualdade de renda, apresentando uma relação que chamou de “Curva Grande Gatsby”. Países altamente desiguais, ele mostrou, têm baixa mobilidade: quanto mais desigual uma sociedade, maior a medida em que uma situação econômica individual é determinada pela situação de seus pais. E, como assinalou Krueger, essa relação sugere que os EUA em 2035 terão ainda menos mobilidade do que têm hoje, que serão um lugar onde as perspectivas econômicas das crianças refletirão, em grande medida, a classe na qual nasceram.

Não devemos aceitar de cabeça baixa esse desenvolvimento. Mitt Romney diz que só deveríamos discutir a desigualdade de renda, se é que deveríamos discuti-la, em “salas silenciosas”. Houve um tempo em que as pessoas diziam a mesma coisa sobre desigualdade racial. Felizmente, houve pessoas como Martin Luther King que rejeitaram ficar em silêncio. E nós deveríamos seguir seu exemplo hoje. Pois o fato é que o aumento da desigualdade pode fazer dos EUA um lugar diferente e pior – e precisamos reverter essa tendência para preservar tanto valores quanto sonhos americanos.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK