terça-feira, janeiro 17, 2012

Terreno instável - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 17/01/12



Os dias difíceis da Europa vão continuar pelos próximos meses. A solução não está na linha do horizonte. O calendário está marcado com várias datas em vermelho em todo este primeiro semestre. Ontem, começaram os tremores secundários da redução da nota anunciada na sexta-feira: foi rebaixado o mecanismo criado para salvar a Europa

O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) foi concebido como um instrumento para financiar os países em dificuldade. Como ele depende de aval dos maiores países da Europa, ficou obviamente mais fraco depois do rebaixamento da França e da Itália. Normalmente, depois de revisões de ratings, os bancos, as empresas e unidades administrativas dos países atingidos também são rebaixados.

Ontem foi um dia relativamente calmo, em parte porque já era esperada a redução da nota da França, e em parte porque foi feriado nos Estados Unidos. Menos mal que o governo francês conseguiu vender papéis a juros até menores, mas os efeitos não se esgotam no primeiro dia, nem esse era o único evento que se espera para este começo de ano na Europa.

Como nos terremotos, em que não há um tremor só, a Europa continuará com terreno instável. A França desceu apenas um degrau de uma enorme escada em que estava no topo e continua muito bem posicionada. O problema é que a partir de agora as soluções encaminhadas pelos dois maiores países, França e Alemanha, ficam mais fracas. A decisão de rebaixar a nota de crédito do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira é uma demonstração disso, porque o mecanismo foi pensado exatamente para resgatar países endividados. Ter a nota máxima é o pressuposto básico do instrumento.

A ideia de que os tremores afetam só os países que têm a mesma moeda é equivocada. Os círculos que se espalham a partir de um abalo na Zona da Euro acabam atingindo a economia do mundo todo, a começar pela Inglaterra, que pensa ter se protegido. Ela tem a vantagem de ter sua própria libra. Mas cerca de 45% das exportações inglesas são para a Zona do Euro. Além disso, os bancos ingleses têm alta exposição a dívidas dos governos europeus. Qualquer problema maior afeta a economia britânica, que vai encolher 0,5% este ano e tem previsão de alta modesta de 0,5% no ano que vem.

Depois desta onda de rebaixamento, já esperada, outros eventos estão marcados no calendário. A eleição presidencial e o rebaixamento da França redu zem a capacidade de influência do país na solução dos problemas do euro. A Itália está totalmente neutralizada do papel que exerceu até meados do ano passado, de um dos líderes do bloco. Agora, o país é o maior problema. O governo italiano tem € 130 bilhões para girar até março, mais de € 400 bilhões até o fim do ano, e agora desceu dois degraus na escala da S&P.

Haverá em um dado momento um novo estresse bancário na Zona do Euro. Há novas exigências de capital que terão que ser cumpridas pelos bancos. Isso mostrará a dificuldade de cada um deles. As instituições terão que ir ao mercado se capitalizar ao mesmo tempo em que há maiores temores entre os bancos.

A Grécia terá que encontrar seu caminho. A consultoria inglesa Capital Economics disse, em relatório recente, que em seu cenário de referência a Grécia deixará a união monetária este ano. O país, até março, terá que fechar acordo com os credores. Desde o impasse da sexta-feira há muita apreensão sobre como serão retomadas as negociações entre os gregos e os bancos, sobre o tamanho das perdas que eles terão que aceitar. O melhor cenário é um calote negociado; o pior é um calote desordenado. Se sair do euro será, sem dúvida alguma, desordenado. E vários bancos de outros países da região são credores da Grécia e sofrerão com o baque. Como os próprios bancos já enfrentam suas dificuldades e seus governos não conseguem mais capitalizá-los, a moratória, ainda que muito esperada, pode produzir novos tremores. Atualmente, os maiores credores da Grécia são a França, que emprestou ao país US$ 55,7 bilhões; aAlemanha, com US$ 21,4 bilhões em créditos concedidos; A Inglaterra, com US$ 12,6 bilhões; e Portugal, US$ 10 bilhões.

Tudo é mais difícil administrar num ambiente de encolhimento econômico, e a região pode viver este ano o segundo mergulho. O primeiro foi quando estourou a crise em 2008. Veja no gráfico. Até a Alemanha, que teve um bom desempenho no ano passado, foi engasgando e está entrando em 2012 em compasso de espera. As previsões são de crescimento zero no começo do ano.

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