sábado, janeiro 17, 2009

RUY FABIANO

O terrorista é nosso

BLOG DO NOBLAT

Nos anos 80 do século passado, a diplomacia brasileira comprava uma briga bizarra com a inglesa em torno de um personagem que estava longe de justificá-la: Ronald Biggs, foragido depois de assaltar, em 1963, um trem do correio inglês, que recolhia depósitos de bancos da Escócia e os levava para Londres.

Roubou 631 mil e 784 libras esterlinas em notas miúdas - o equivalente hoje a cerca de 220 milhões de reais. Era o maior assalto naqueles moldes já havido.

Biggs teve melhor sorte que seus comparsas e conseguiu fugir da prisão para o Brasil, depois de passar pela Austrália e Panamá, alojando-se no Rio de Janeiro, em 1970, com a parte que conseguiu salvar do assalto (e que nunca se soube quanto era).

Desfrutava de uma rotina discreta de bon vivant, freqüentando boates e moças da rua Prado Junior, em Copacabana. Quando descoberto, no final dos anos 70, tratou de ter um filho com uma delas, a dançarina Raimunda de Castro, para garantir direitos de cidadania brasileira. E, espantosamente, conseguiu.

Não obstante o empenho do governo britânico, o Itamaraty esmerou-se em preservá-lo. Biggs acabou preso por conta própria: acreditou num acordo com a polícia inglesa, que, em troca de sua entrega, prometia libertá-lo em curto prazo. Não foi assim. Entregou-se e cumpre hoje pena de prisão perpétua na prisão de Belmarsh, de segurança máxima, em Londres.

Na Inglaterra, ao contrário do Brasil, os crimes não prescrevem. Seu filho brasileiro, Michael Biggs, famoso por integrar nos anos 80 a banda infantil Turma do Balão Mágico, da TV Globo, sustenta que ele é prisioneiro político e tenta, em vão, sensibilizar os tribunais europeus de direitos humanos para a situação do pai, que, depois de preso, e hoje com 80 anos, já teve três derrames.

Não há, porém, nos tribunais europeus um Tarso Genro. Se houvesse, é provável que Biggs, a esta altura, já estivesse solto, escrevendo suas memórias. Tarso, como se sabe, acaba de considerar perseguido político – e em decorrência, a lhe conceder asilo – o terrorista italiano Cesare Battisti, de 54 anos.

Battisti foi condenado a prisão perpétua em seu país por nada menos que quatro assassinatos, quando liderava um grupo terrorista denominado Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).

Nada atenua os seus crimes. O seu país não vivia em regime de exceção, o que, em tese, poderia justificar o recurso à ação armada. Vivia, como ainda vive, em pleno Estado democrático de Direito. Foi julgado, portanto, segundo o processo democrático, e considerado terrorista. Pela Constituição brasileira (artigo 5º, incisos XLIII e XLIV), terrorismo, como a tortura, é definido como “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”. É, nesses termos, crime hediondo, “inafiançável e imprescritível”, e “insuscetível de graça ou anistia”. O ministro ignorou, portanto, a Constituição.

Mais: o Brasil mantém acordo de extradição com a Itália, que, com base nele, reclama o terrorista. O Estado brasileiro, antes do inusitado gesto do ministro da Justiça, Tarso Genro, manifestara-se, como não poderia deixar de ser, favoravelmente à extradição.

O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão do próprio Ministério da Justiça, e integrado por representantes do Itamaraty e da Polícia Federal, negou asilo ao prisioneiro. Tarso passou por cima disso, e do Supremo Tribunal Federal (a quem, segundo os especialistas, deveria caber a palavra final), e da Constituição, e considerou o terrorista e homicida “refugiado político”.

Além de semear perplexidade em seu redor – ele, que, paradoxalmente, quer rever a Lei de Anistia para condenar crimes contra a humanidade -, gerou um conflito diplomático absolutamente desnecessário com a Itália. Conflito constrangedor, pois não há razões morais e jurídicas a respaldar a decisão brasileira.

É interessante que o mesmo ministro, que invoca agora razões humanitárias, tenha negado asilo a dois boxeadores cubanos que, em 2007, após o Panamericano, no Rio, pediram para refugiar-se no Brasil, temendo perseguições em Cuba. O governo brasileiro, Tarso Genro à frente, devolveu-os a Fidel Castro, que os encarcerou.

Para que defendê-los? Eram atletas – e ao Brasil só interessam bandidos e terroristas, como Biggs e Battisti, embalados por seus defensores numa aura romântica de heróis contemporâneos. Desistam, italianos: o terrorista é nosso!


Ruy Fabiano é jornalista

DORA KRAMER

No modo empírico

O ESTADO DE S PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva já deu a resposta às autoridades italianas que manifestaram intenção de pedir a ele que reveja a extradição de Cesare Battisti: é não. Segundo ele, trata-se de uma questão de soberania nacional. Lula pede respeito à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, em mais uma demonstração da sua (de ambos) capacidade de escrever errado por linhas tortas.

A soberania do Estado brasileiro não esteve em destaque quando os pugilistas cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara deixaram a comitiva do Pan-Americano, no ano passado, em busca de asilo.Ali se despacharam os esportistas para atender de pronto à ditadura amiga, desconsideraram-se as óbvias circunstâncias e montou-se uma ficção – com a gentil colaboração da miopia nacional – segundo a qual os atletas estavam desorientados, mas loucos para voltar a Havana. Onde os aguardavam as respectivas famílias, reféns do regime, e a interrupção das carreiras a título de punição exemplar.

Aqui, no caso do italiano, simplesmente se ignoraram as posições de instância consultiva do próprio Ministério da Justiça (o Conselho Nacional de Refugiados), do procurador-geral da República, do Itamaraty e se houve por bem interferir no processo judicial italiano.

O presidente da República põe a autonomia do Estado brasileiro na roda por causa de uma questão de cunho ideológico. Pede respeito à decisão de Tarso Genro, mas desrespeita as posições do procurador, do Conare e do Ministério das Relações Exteriores, quando menospreza o contraditório e diz que o ato foi uma "decisão do país".

As instâncias contrárias, ao que se sabe, fazem parte do país. São todas constitucionalmente legítimas, não se pode acusá-las de intromissão indevida nem se deve deixar de considerar a hipótese de que tenham embasado suas posições no processo, na diplomacia, na legislação nacional e internacional e, sobretudo, no bom senso.

A extradição, portanto, não foi uma sentença decretada pelo "Brasil". Foi uma atitude de caráter particular, produto de um modo de pensar. Respeitável, embora não representativo da soberania nacional, muito menos adequado do regime democrático, por autocrático.

A se aceitar a alegação do presidente, chega-se à conclusão de que o Ministério Público, a Chancelaria e o órgão auxiliar do Ministério da Justiça para assuntos afins não se aliam aos preceitos da autoridade moral do Brasil. E para raciocinar por hipótese, em situação de semelhante agressão à soberania estará o Supremo Tribunal Federal, se porventura vier a acatar o recurso do governo italiano.

Tal possibilidade, entretanto, por ora é mera suposição. De concreto, o que se tem é, de um lado, o peso de instituições abalizadas e desapaixonadas e, de outro, o presidente de novo exercendo o hábito de decidir de ouvido.

Segundo consta, Lula não sabia nada sobre o caso até o mês passado e foi convencido pelo ministro da Justiça e pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari de que a extradição obedeceria à tradição brasileira.

Tal relato poderia não ser digno de confiança, mas não são boatos porque combinam perfeitamente com as declarações do presidente a respeito. De acordo com Lula, a decisão se justifica porque o "Brasil é um país generoso" e Cesare Battisti foi condenado "por um crime antigo". Além disso, "passado tanto tempo ele é outra pessoa, é um escritor".

Ademais, pondera, a França concedeu asilo a outro acusado "das mesmas coisas". O presidente Lula não tem, e expõe a evidência, nada mais que uma leve impressão sobre o assunto. Repete de forma superficial o que ouviu de um lado e se abstém de cotejar todas as informações ou ao menos de perguntar ao procurador-geral, ao ministro das Relações Exteriores a razão de seus votos contrários à extradição.

A intuição é um excelente atributo, o empirismo funciona, mas a ausência de conhecimento e de curiosidade em geral induz ao equívoco. Não necessariamente em relação ao conteúdo, mas no tocante à abordagem de um tema quando assume o caráter de polêmica.

É de se esperar que o presidente da República nessas ocasiões esteja preparado para debater em patamar mais elevado e condizente com a soberania nacional.

Quanto pior

No discurso, o DEM e parte do PSDB apoiam a candidatura de José Sarney para a presidência do Senado por respeito ao princípio da proporcionalidade, já que o PMDB é a maior bancada da Casa.

À vera, porém, apoiam porque é o caminho mais curto para o atrito irremediável entre o PT e o PMDB. Experientes do tema, tucanos e ex-pefelistas, hoje democratas, sabem o custo presumido desse tipo de conflito.

Similar

Com o delegado Protógenes Queiroz na chefia de inquéritos, o advogado de defesa é quase um acessório dada sua inesgotável capacidade de abrir brechas para anulação de provas.

LAURO JARDIM

REVISTA VEJA

Panorama
Radar

Lauro Jardim
ljardim@abril.com.br


• Televisão

Record bate Globo e compra Pan de 2015
Na quinta-feira passada, ocorreu mais um embate feroz entre a Globo e a Record na Cidade do México. A vencedora foi a emissora do bispo Edir Macedo. Por cerca de 20 milhões de reais, a Record comprou os direitos de transmissão para o Brasil e para o mundo dos Jogos Pan-Americanos de 2015, cuja cidade-sede ainda não foi definida. Adquiriu os direitos não só para a televisão, mas para todas as mídias. É a quarta vez consecutiva que a Record bate a Globo numa disputa olímpica: venceu também a briga para transmitir os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010, o Pan de 2011 e a Olimpíada de Londres, em 2012.

 

Os quatro temas-chave de Aécio 2010

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O conciliador Aécio: ele acha 
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A estratégia de pré-campanha de Aécio Neves para 2010 não se resumirá a viagens por todos os estados brasileiros entre março e outubro. Aécio não quer debater soluções para o país de mãos vazias. Para isso, encomendou propostas a alguns economistas ligados à Casa das Garças (um centro de pensamento econômico sediado no Rio de Janeiro, fortemente ancorado na turma da PUC-RJ). Aécio quer escolher quatro temas-chave, botá-los debaixo do braço e rodar o país discutindo-os. Seria uma espécie de carta de intenções. Ele tem dito a interlo-cutores mais próximos que um apelo poderoso de sua imagem como político é a conciliação. Algo que não é próprio nem de José Serra nem de Dilma Rousseff. Seria o perfil político mais adequado a um momento de crise econômica.

 

• Eleições 2010

Marta e Dilma
Marta Suplicy tinha planos de ficar na muda neste semestre. Mudou de ideia. Resolveu oferecer em sua casa um jantar de apoio a Dilma Rousseff no dia 13 para tentar espantar os rumores de que não está contente com a escolha de Lula para 2010.

 

 

Beto Barata/AE
O consultor
Dirceu: temporada de dois meses de estudos em Nova York

• PT

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O ex-líder estudantil José Dirceu voltou a estudar. Desta vez, inglês. Desde o início de janeiro, Dirceu está em Nova York, matriculado em um curso intensivo para afiar o seu inglês. É colega de escola do ator Lázaro Ramos. A temporada nova-iorquina de Dirceu, que alugou um apartamento no Upper West Side, termina no fim de fevereiro.

 

• Câmara

Prêmio de consolação
Os aliados de José Sarney na disputa pela presidência do Senado começam a se articular para que o petista Tião Viana fique com o cargo de líder do governo no Congresso – em substituição a Roseana Sarney. Sai Sarney, entra Sarney...

Com a bênção de Lula
A propósito da eleição para a presidência do Senado e da conversa que José Sarney e Lula terão nos próximos dias sobre o assunto, o senador Cristovam Buarque observa: "Esse processo me dá vergonha. Sinto-me como no tempo dos militares, em que o presidente do Senado é escolhido pelo Palácio do Planalto. Que democracia é essa?".

 

• Cerveja

A número 1 de lá
Portugal é testemunha de uma "guerra" que o brasileiro já viu muitas vezes: a das cervejas. A Sagres acaba de destronar a Super Bock, tornando-se a número 1 no país, depois de vinte anos na vice-liderança. A artilharia da guerra de lá veio do publicitário Eduardo Fischer, que detém a conta da Sagres e participou de todas as guerras de cervejas no Brasil.

 

• Cinema

Nossa Hollywood
Depois de virar um filão dos cineastas brasileiros, com Cidade de Deus, Tropa de Elite, Ônibus 174 e tantos outros, a violência no Rio de Janeiro torna-se agora tema de um diretor estrangeiro. Jon Blair, vencedor do Oscar de melhor documentário em 1995, acaba de concluir um filme sobre o faroeste carioca. O documentário recebeu o nome provisório deDancing with the Devil in the City of God (Dançando com o Diabo na Cidade de Deus) e mostra a vida de dois dos dez traficantes mais procurados do Rio de Janeiro, que abrem sua casa, mostram sua família e os territórios que dominam.

 

• Turismo

Dólar bem-vindo

Oscar Cabral
De bolsos abertos
Os turistas estrangeiros quase triplicaram seus gastos em cinco anos

O Banco Central anuncia nos próximos dias que 2008 fechou com um ingresso recorde de dólares trazidos pelos turistas estrangeiros. Eles gastaram 5,7 bilhões de dólares por aqui – 26% a mais do que os 4,5 bilhões de dólares de 2007 e quase o triplo do registrado em 2003. O número de turistas, contudo, permanece inalterado: 5,2 milhões em 2008, na maior parte americanos.

J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

J.R. Guzzo 
Opção inválida

"O problema real não é o estado brasileiro ser
forte ou fraco; o problema é que ele não existe"

Está de novo no ar a discussão em torno da necessidade de estabelecer um "estado forte" no Brasil. O estímulo para o debate, desta vez, é a crise econômica, que turbinou os amigos do "estado forte" pelo mundo afora – eis aí, argumentam eles, a prova de que os governos têm de mandar muito mais do que mandam, para não deixar que problemas tão sérios assim continuem ocorrendo. Os mais esperançosos chegam a imaginar, até, que existe em toda essa história uma demonstração de que o capitalismo, afinal, ainda pode ser derrotado em algum momento do século XXI, após 200 anos de tentativas malsucedidas para acabar com ele. Os menos ambiciosos se contentam com uma situação em que a liberdade econômica é tolerada, mas na qual sempre caberá ao governo dar a palavra final (e a inicial, também) em tudo o que julgar de alguma importância.

Não é por falta de torcedores que o Brasil não desfruta, neste momento, os benefícios do "estado forte". No governo, por exemplo, todo mundo é a favor – e mesmo quem não pensa muito no assunto diz que é, se por acaso alguém perguntar. Os dois nomes mais citados para a eleição presidencial de 2010, a ministra Dilma Rousseff e seu principal adversário, o governador de São Paulo, José Serra, são tidos como grandes amigos do "estado forte". Na verdade, o difícil hoje em dia é achar quem pense diferente – na política em geral, nos meios universitários, nas associações de empresários, nos órgãos de comunicação, nos sindicatos e por aí afora. (Muita gente, é claro, não está nessa discussão a passeio. As empreiteiras de obras públicas, por exemplo, estão sempre entre as mais entusiasmadas admiradoras do "estado forte" neste país.)

A dificuldade de tirar algum proveito efetivo dos discursos sobre o assunto está no seu ponto de partida. O problema real não é o estado brasileiro ser forte ou fraco; o problema é que ele não existe. Não existe em grande parte do território nacional, nem nas realidades práticas da vida diária de milhões de cidadãos brasileiros. Para que ficar pregando as virtudes de um poder público mais forte se ele não é capaz, hoje, de exercer um mínimo de autoridade em questões em que tem obrigação de estar presente? Todo mundo, numa conversa a sério, sabe perfeitamente bem que não se chega a lugar nenhum sem haver, no início de tudo, o entendimento de que as leis e as regras só valem alguma coisa se a maioria dos cidadãos acreditar que elas serão realmente aplicadas – o tempo todo, da mesma forma e para todas as pessoas. É aí que começa, no Brasil, a complicação com o "estado forte". Que motivo alguém teria, por exemplo, para acreditar em certidões produzidas por cartórios de registro de imóveis no interior do Pará? Órgãos do próprio governo, aliás, são os primeiros a não acreditar nelas. Não se acredita, no fundo, na maior parte da documentação fundiária da Amazônia como um todo – e a Amazônia cobre 60% do território brasileiro. O governo manda tanto, nessa questão, quanto manda nos anéis de Saturno.

A inexistência do estado, ali, vai muito além de problemas imobiliários. Uma reportagem recente da Folha de S.Paulo informou que um minério radioativo de exploração ilegal, a torianita, é extraído e contrabandeado livremente no Amapá há quase um ano; a Polícia Federal sabe disso, mas não pode fazer apreensões porque não tem onde guardar o material que for apreendido. A PF quer que a Comissão Nacional de Energia Nuclear cuide dessa torianita; a comissão não quer cuidar – nem ela nem a Polícia Militar Ambiental do Amapá. A PF entrou com uma ação contra a CNEN na Justiça, para obrigá-la a retirar do local o minério que já tinha capturado antes de suspender suas operações. Ganhou, mas o problema está longe de ser resolvido. A CNEN não quer fazer novas retiradas de material, por achar que isso não é obrigação sua, e a PF entrou com uma segunda ação judicial contra ela, ora em andamento. O contrabando continua.

O estado brasileiro não tem força para dar escrituras a milhões de moradores de favelas; o direito de propriedade, para eles, tem de ser assegurado a bala. Não consegue ampliar as pistas do aeroporto de Porto Alegre, por ser incapaz de remover a favela que deixou criar nas suas cabeceiras, nem fazer com que trens de carga andem a mais de 2 quilômetros por hora em áreas que foram invadidas junto aos trilhos, quando o estado era dono dos trens, dos trilhos e das áreas. Não controla nem as obras do PAC, bombardeadas por liminares, ONGs e guerras entre os seus próprios funcionários. Estado forte?

No Brasil de hoje, opção inválida.

ANDRÉ PETRY

REVISTA VEJA

André Petry colunadopetry@abril.com.br
O mal do umbigo

"Pior que o silêncio é o trânsito livre do preconceito contra o estudo no exterior, uma doença que mistura antiamericanismo com o vírus do provincianismo"

Quando o professor Jorge Guimarães, presidente da Capes, a entidade que mais distribui bolsas no exterior, disse que não se devia mais investir no estudo de economia lá fora, o mundo acadêmico deveria ter desabado. A frase exata, dita em entrevista ao jornal O Globo: "Vamos continuar mandando alunos para formar doutores num modelo que faliu o mundo? Esse modelo se mostrou totalmente anticientífico, para dizer o mínimo". Como se sabe, os acadêmicos não reagiram à enormidade do professor. Ficou subentendida a aceitação da ideia de que estudo não é aprendizado, mas doutrinação, sendo inútil estudar solução com quem cria problemas.

Pior que o silêncio é o trânsito livre do preconceito contra o estudo no exterior, uma doença que mistura antiamericanismo com o vírus do provincianismo. Tem cura, mas é contagiosa e pode matar a inteligência. O Institute of International Education, dos Estados Unidos, informou que nunca houve tantos estrangeiros nas universidades americanas. São 620 000. O país que mais despacha estudantes para lá é a Índia, pelo sétimo ano consecutivo. São 94 000 indianos. Pode-se dizer que o domínio do inglês favorece a presença dos indianos nos EUA, mas o segundo país é a China, com 81 000.

Para fechar a lista dos campeões na era dos Brics, seria natural que, depois de Índia e China, viessem Brasil e Rússia. A Rússia não aparece. Talvez julgue lhe bastar sua Academia de Ciências, um dos maiores centros mundiais de produção científica. E o Brasil também não. O terceiro país é a Coreia do Sul, com 70 000 estudantes. Depois, vêm Japão, Canadá, Taiwan, México, Turquia, Arábia Saudita e, completando os dez-mais, Tailândia. No segundo bloco, Nepal, Alemanha, Vietnã, Inglaterra, Hong Kong, Indonésia e – enfim! – Brasil, com 7 500 estudantes, apenas um pouco mais do que a Colômbia.

O número raquítico explica, em parte, o papelão brasileiro nas ciências. A produção brasileira, medida pelo número de artigos publicados nas 
10 000 revistas científicas mais renomadas do mundo, vem crescendo, mas não é compatível com o PIB. Disputamos o 15º lugar com Suécia, Suíça, Taiwan e Turquia. Pior que isso é o número de patentes registradas, um indicador do nível de inventividade. Também tem aumentado, mas é desanimador. Conforme dados da ONU, o Brasil registrou 585 patentes em 2006. Para ficar nos Brics, a China cresce em ritmo fabuloso. A Rússia registrou quase 20 000. A Índia, 2 300. E o Brasil, 585. Rivalizamos com a Romênia, o ex-charco de Ceausescu.

Para chegar ao que julga ser seu destino manifesto de potência, o Brasil precisa aprender a olhar para além do próprio umbigo, sem preconceito. Em sua entrevista, o professor Guimarães só reforçou o preconceito. E deixou uma dúvida. Ele anunciou mais investimentos para bolsas de estudo nas áreas de oceanografia e bioenergia. Mas os países ricos não são os que mais poluem os oceanos e os maiores culpados pelo aquecimento global? Vamos formar doutores nesse modelo falido...?

CLAUDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA

Claudio de Moura Castro
Educação em áreas conflagradas

"É preciso cuidar da educação e, ao mesmo tempo, de uma boa coleção de problemas no entorno da escola"

Atômica Studio


A ciência tomou corpo quando se descobriu ser mais fácil entender o mundo classificando o que se quer estudar. Aristóteles deu a partida. Muito depois, Lineu pôs ordem na biologia, separando os bichos e as plantas ("Esse de seis perninhas vai com o outro, também com seis"). Assim agrupados, fica mais fácil estudá-los e encontrar-lhes outros traços comuns. Para E. Junger, a razão encontra a sua suprema metáfora na classificação das espécies da flora. Classificamos até em um campo desconjuntado como a educação. Para entender os avanços e atoleiros do nosso ensino, proponho repensar as classificações costumeiras. Consideremos as escolas como pertencendo a três categorias. Há as escolas dos grotões, há as escolas das cidades médias e pequenas e, finalmente, há as escolas conflagradas das periferias urbanas e favelas. (Abandonamos aqui as grandes capitais, pois não percebemos generalizações relevantes.)

Os grotões vivem no círculo vicioso da pobreza. A seu favor, são mundos fechados e estáveis, onde cada um é cada um. Mas, na maioria deles, as vantagens da educação não são percebidas. Como consequência, o ensino é ruim e poucos se importam com isso. A depender da sua própria dinâmica, nada vai mudar. Porém, com um bom empurrão de fora, transformações são possíveis. As cidades pequenas e médias vivem em um equilíbrio instável, do ponto de vista da educação. As que são dinâmicas, e estão onde o prefeito acredita em escola, têm tudo de que precisam para progredir. Com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), sabe-se onde elas estão. Aos poucos, as mais inquietas vão aprendendo os caminhos. Em um bom número delas há avanços consideráveis. Algumas tomaram as rédeas nos dentes e dispararam. Passaram na frente das capitais, mais ricas e com mais tradição. E isso aconteceu em todos os níveis. Em São Paulo, até os pesquisadores já publicam mais no interior do que na capital.

Finalmente, temos as favelas e periferias das grandes capitais. Esse é o enguiço mais sério. Não lhes faltam recursos nem atenção. Contudo, estão travadas e perdendo espaço para as cidades menores. Por exemplo, dos 645 municípios do estado, a cidade de São Paulo está no 565º lugar no Ideb. O nó da questão é que são regiões conflagradas. A comunidade local teve seu tecido social dilacerado pelo crescimento atabalhoado ou foi invadida por vagas de imigrantes que não conseguiram se integrar na enorme confusão das periferias. Algumas são como praças de guerra, por seus problemas de insegurança, criminalidade, desemprego, pobreza e desintegração familiar. Nesses casos, faz sentido lembrar a hierarquia do psicólogo Abraham Harold Maslow. Para ele, as pessoas só se fixam em certos objetivos pessoais depois que outros mais importantes já foram resolvidos. Insegurança física, desemprego e condições precárias de vida vêm antes de educação. Sem que essas questões sejam minimamente atendidas, pouquíssimos darão atenção ao ensino.

Portanto, a não ser que se "pacifiquem" essas periferias, estão fadadas ao insucesso as tentativas heroicas dos secretários de Educação de nelas agir. São outras as prioridades, tais como sobreviver às guerras de gangues do narcotráfico. Isso tudo nos leva à necessidade de políticas educativas diferentes para elas. É preciso cuidar da educação e, ao mesmo tempo, de uma boa coleção de problemas no entorno da escola. A tarefa ultrapassa o alcance das secretarias de Educação. Porém, requer uma ação minimamente coordenada com elas. Polícia, assistência social, saúde e políticas de emprego têm de entrar em cena e agir de forma articulada. Há boas experiências no Brasil e devemos aprender com elas. Mas citemos um caso com grande visibilidade: Medellín, na Colômbia. A cidade chamava atenção pela virulência das guerras do narcotráfico (vi soldados empunhando fuzil nas varandas da escola). Mas foi pacificada por um bom prefeito.

Em conclusão, alguns pensam que os grotões podem esperar. Mas, se for para consertar, é possível. Entre as cidades pequenas e médias, as mais dinâmicas começam a se mover. Nas outras, é cutucar os prefeitos lentos e recalcitrantes com respeito à educação. Nas praças de guerra das periferias, só educação não resolve. Ou entramos com programas mais abrangentes, ou nada vai acontecer – além de se repetirem as explosões costumeiras.

"PRÁSTICA"


SÁBADO NOS JORNAIS


Globo: EUA socorrem bancos mas ações continuam em queda

Folha: Maior banco dos EUA recebe ajuda de US$ 117 bilhões

Estadão: Crise bancária se agrava nos EUA

JB: Esperança de cessar-fogo

Correio: Força-tarefa para regularizar lotes

Valor: Citi é pressionado a vender ativos e encolhe no Brasil

Gazeta Mercantil: Crise força empresas a reinventar função do RI

Jornal do Commercio: Dia de transtornos