quinta-feira, março 01, 2012

A cura gay - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA ONLINE - 01/03/12

O clima é de guerra. De um lado, estão os gays e os Conselhos de Psicologia, em suas vertentes federal e regionais, de outro, os cristãos, mais especificamente o povo evangélico. O tema do embate é (aqui não há como evitar as aspas) "a cura da homossexualidade".

O certame teve início nos anos 90, quando militantes do movimento gay, em particular a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), começaram a denunciar aos conselhos os autointitulados psicólogos cristãos, que prometiam curar homossexuais.

A ABGLT pedia punições a esses profissionais com base no Código de Ética do Psicólogo, que, em seu artigo 2º, b, proíbe: "induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais".

Em 1999, depois de alguns casos rumorosos na mídia, o Conselho Federal (CFP) baixou a resolução nº 001/99, que não deixa nenhuma margem a dúvida:

"Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.

Art. 3° - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica".

Evidentemente, a briga continua, mas agora no plano da opinião pública e do Legislativo. Além de nos bombardear com e-mails sobre a "perseguição" a psicólogos cristãos, os evangélicos tentam no Congresso aprovar um projeto de decreto legislativo (PDC 234/11) para sustar artigos da resolução do CFP.

Vale observar que o proponente da matéria, o deputado João Campos (PSDB-GO), também tem projetos de decreto para derrubar a decisão do Supremo Tribunal Federal que legalizou as uniões estáveis homossexuais e a que autorizou as marchas da maconha.

A iniciativa do parlamentar social-democrata (sim, há ironia no adjetivo) é uma tremenda de uma bobagem. Da mesma forma que um médico não pode hoje sair por aí dizendo que cura a doença de Huntington e um físico está impedido de afirmar que faz o tempo correr para trás, um psicólogo não pode proclamar que possui terapias efetivas contra o que seu ramo de saber nem ao menos considera uma doença. Não se pode bater de frente e em público contra os consensos da disciplina.

Não existe algo como psicologia cristã, hidrostática católica ou cristalografia judaica. Idealmente, juízos científicos se sustentam na racionalidade amparada por evidências (mas a questão é mais complicada, como veremos ao final do artigo).

É claro que a ciência, ao contrário das religiões, não trabalha com dogmas. Um pesquisador que pretenda provar que a homossexualidade é uma doença pode tentar fazê-la em fóruns apropriados, como congressos e trabalhos científicos, e sempre apresentando argumentações técnicas, cuja validade e relevância serão julgadas procedentes ou não por seus pares. Se ele os convencer, muda-se o paradigma. Caso contrário, ou ele abandona o assunto ou deixa de falar na condição de psicólogo.

Como cidadão, acredito eu, todos sempre poderão dizer o que bem entendem --além de fazer tudo o que não seja ilegal. Padres e pastores vivem afirmando que a homossexualidade é pecado sem que o céu lhes caia sobre a cabeça. É claro que a ABGLT protesta e de vez em quando um membro do Ministério Público pode tentar alguma estrepolia, mas isso é do jogo. Apesar de alguns atritos, a liberdade de expressão vem sendo relativamente respeitada no Brasil nos últimos anos, como o prova a decisão do STF sobre a marcha da maconha que o representante do PSDB quer derrubar.

Vou um pouco mais longe e, já adentrando em terrenos hermenêuticos menos sólidos, arrisco afirmar que nem o Código de Ética nem a resolução do CFP impedem um psicólogo de, em determinadas condições, ajudar um homossexual que busca abandonar suas práticas eróticas.

Imaginemos um gay que, por algum motivo, esteja profundamente infeliz com a sua orientação sexual e deseje tornar-se heterossexual. O dever do profissional que o atende é tentar convencê-lo de que não há nada de essencialmente errado no fato de ser gay. Suponhamos, porém, que o paciente não se convença e continue sentindo-se desajustado. Evidentemente, ele tem o direito de tentar ser feliz buscando "curar-se". E seu psicólogo não está obrigado a abandonar o caso porque o paciente não aceita a ciência. Ao contrário, tem o dever ético de fazer o que estiver a seu alcance para diminuir o sofrimento do sujeito.

O que a resolução corretamente veta é que o psicólogo coloque na cabeça de seus pacientes a ideia de que ser gay é uma falha moral que pode e deve ser revertida. Impede também que ele faça propaganda em que promete terapias efetivas.

Dito isto, não acho uma boa estratégia a do movimento gay de vincular a defesa dos direitos de homossexuais a uma teoria científica. Este me parece, na verdade, um erro grave.

Para começar, a ciência está calcada em hipóteses que podem por definição ser refutadas a qualquer momento. Vamos supor que o fundamento lógico para eu recusar a discriminação contra gays resida na "evidência científica" de que a homossexualidade tem componentes genéticos e ambientais, não sendo, portanto, uma escolha que possa ser modificada. Imagine-se agora que alguém demonstre de forma insofismável que tais evidências estavam erradas. O que ocorre neste caso? A discriminação fica legitimada?

Não é preciso puxar muito pela memória para lembrar que movimentos por direitos civis e "ciência" (sim, fora dos manuais de epistemologia, ela é uma atividade humana como qualquer outra que caminha ao sabor de circunstâncias políticas e constructos sociais) já estiveram em lados diferentes das trincheiras. Até 1990, a Organização Mundial da Saúde listava a homossexualidade como uma doença mental. Os psiquiatras americanos faziam o mesmo até 1977. Não sei se recomendava ou não o exorcismo, mas certamente autorizava profissionais da saúde mental a tentar a "cura".

O argumento contra a discriminação de minorias precisa ser moral. É errado discriminar gays, negros e membros de qualquer seita religiosa porque não gostaríamos de sofrer tal tratamento se estivéssemos em seu lugar.

Crime e castigo - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 01/03/12
Veja a coincidência. Na semana em que a PF prendeu em Goiás, entre outros, o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, a juíza Maria Tereza Donatti, da 29a- Vara Criminal do Rio, condenou por “corrupção passiva e ativa e crime contra à lei de licitações” Waldomiro Diniz da Silva, ex-presidente da Loterj de Garotinho, e Carlos Ramos, representante do consórcio Combralog.
Respectivamente, as penas são de 12 e oito anos, mais multa de R$ 170 mil e R$ 85 mil.

Segue...
O escândalo estourou em 2004, quando a revista “Época” revelou vídeo em que Waldomiro pedia propina a Cachoeira.
Waldomiro era próximo de Zé Dirceu. Chegou a trabalhar com o ex-ministro na Casa Civil de Lula, como subchefe de Assuntos Parlamentares.

Samba se move
Além de Luizinho Drumond, outro bicheiro carioca avisou que vai se afastar discretamente do mundo do samba.

Rádio Corredor
Dono da CVC, maior operadora de viagens do Brasil, o fundo americano Carlyle está de olho, além da rede de brinquedos Ri Happy, na Tok & Stok.

No mais
Desde que Lula criou o Ministério da Pesca, o cargo foi ocupado por um cientista político (José Fritsch), um veterinário (Altemir Gregolin), uma física (Ideli Salvatti), um metalúrgico (Luiz Sérgio) e, agora, um engenheiro civil (Marcelo Crivella).
Ou seja: a pasta é um blefe.



A COLUNA TEM simpatia, quase amor, por dois prédios históricos do Rio. Aliás, um fica quase em frente ao outro, na Av. Presidente Vargas. O primeiro é este da antiga sede da CEG, construção neoclássica do século XIX, que acaba de passar por nova pintura — desta vez, com tinta antipichação. O outro é o do Hospital São Francisco de Assis, da UFRJ, também neoclássico, onde, pelo visto, enterraram uma caveira de burro. Mês passado, uma licitação para reformar os telhados e as fachadas de cinco dos oito pavilhões chegou ao fim sem vencedor. As duas empresas selecionadas não tinham, acredite, atestado para obras em imóveis tombados, caso do hospital. A licitação deve ser relançada em março. Vamos torcer, vamos cobrar 

Reis do besteirol
Depois de dominar o Orkut e o Facebook, o brasileiro conquistou o 9gag, site de besteirol dos EUA que é febre mundial.
De seus 5,8 milhões de acessos diários, 8% são do Brasil. Mais que EUA (7%), México (7%) e Alemanha (5%).

Mata o velho
O STJ começou a julgar ontem a possibilidade de a SulAmérica rescindir, por conta própria, o plano de saúde de pessoas com mais de 60 anos.
O placar está em cinco a zero a favor dos vovôs e das vovós. Faltam quatro votos.

The Fevers
A desembargadora Maria Regina Nova, da 15a- Câmara Cível do Rio, negou pedido do músico Liebert Ferreira Pinto, do The Fevers, para impedir o ex-integrante da banda Augusto Cezar Teixeira de usar em seus shows a expressão “ex-The Fevers”.
Para a magistrada, Augusto contribuiu para o sucesso do grupo, nos anos 1970 e 1980.

Prefeito Tiririca
Sugestão de um gaiato para slogan de uma eventual candidatura de Tiririca à prefeitura de São Paulo:
— Vote no Tiririca! Pior do que com Kassab... não fica!


Portas abertas
O Teatro Tereza Rachel, em Copacabana, vai reabrir as portas em agosto.
Foi alugado para um grupo paulista. Deve ser reinaugurado com show de Bibi Ferreira.

Segue...
A atriz Tereza Rachel, dona do teatro, conta que está processando sua antiga inquilina, a Igreja Universal:
— A igreja não pagava condomínio e me deixou uma dívida de R$ 500 mil.

Casas separadas
Elza Soares, 75 anos, e Bruno Luccidi, 29 anos, não dividem mais o mesmo teto.

Chora, Vasco
O sucesso sertanejo “Chora, me liga” ganhou uma paródia na internet.
A capixaba Jullia Fiorese, torcedora do Flamengo, criou... “Chora, meu vice”. Em três dias, o vídeo teve mais de 550 mil acessos no YouTube.

Festival de verão
Zeca Pagodinho, Daniela Mercury e Paralamas do Sucesso estarão juntos, sábado, no Engenhão, no Rio Verão Festival.
O evento, produzido pela Adma Entretenimento, entrou para o calendário oficial da cidade.

Cena carioca
Nesse calorão no Rio, um camelô que vende leques na esquina de Av. N. S. de Copacabana com Rua Raimundo Correia anuncia assim o seu produto:
— Olha o “ventilador manual”!
Faz sentido.

A campanha impera - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 01/03/12

O peixe era o símbolo primitivo usado pelos cristãos. Talvez por isso, como ministro da Pesca, Crivella ajude a evitar que parte dos evangélicos façam coro contra Fernando Haddad em São Paulo

Para resolver um problema do PT, o jeito foi sacar um ministério do partido. O anúncio do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) como ministro da Pesca foi lido por muitos como o ingresso da presidente Dilma Rousseff nas articulações em prol da campanha de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo. A ordem da nomeação é tentar evitar que a campanha paulistana, nacionalizada pelo ingresso de José Serra, repita o que houve em 2010.

Para você que não acompanhou, ou já esqueceu, vale lembrar que, no segundo turno de 2010, a campanha presidencial tomou ares de cruzada religiosa. Pela internet, ecoavam blogs e correntes de e-mails tentando apresentar a então candidata Dilma Rousseff como favorável ao aborto e contrária às mais diversas manifestações de religiosidade. Nunca se viram tantas visitas de candidatos a igrejas em período de campanha como ocorreu no segundo turno daquela sucessão presidencial.

Não por acaso, Dilma esteve, em 11 de outubro, na festa da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, na Basílica de Aparecida, no interior de São Paulo, acompanhada do candidato a deputado federal Gabriel Chalita (PMDB) — hoje também pré-candidato a prefeito de São Paulo. No dia da santa, 12 de outubro, foi a vez de José Serra fazer o mesmo caminho acompanhado do governador Geraldo Alckmin. Dilma foi ainda a igrejas em Minas e ao batizado do neto Gabriel, em Porto Alegre. Serra, por sua vez, beijou uma santa. Sua mulher, Mônica, saiu de Aparecida com uma réplica da pedroeira para levar aos mineiros chilenos que ficaram soterrados por mais de um mês. Isso sem contar uma carta contra o PT pregando votos contra a candidata.

Por falar em pregação...
O maior receio dos petistas hoje é o de que a mesma campanha ocorra em São Paulo. Os primeiros sinais de que isso pode ocorrer vieram justamente dos evangélicos, que, em sites ligados às igrejas pentescostais, começavam a falar novamente no material que ficou conhecido como "kit gay" — os vídeos que o Ministério da Educação havia recebido para avaliar se poderiam ser usados numa campanha contra a homofobia. Esses vídeos terminaram nas mãos de pastores que exibiram o material no Congresso. O Ministério da Educação passou um bom período explicando que não pretendia distribuir o material nas escolas, mas o estrago político à época foi grande. E agora grupos evangélicos se preparam para reavivar essa polêmica na campanha paulistana. E, no meio desse tumulto, Crivella vira ministro da Pesca.

É ingenuidade imaginar que a simples nomeação do senador Marcelo Crivella para ministro da Pesca vá estancar esse viés religioso na eleição paulistana. E também não foi só por isso que ele virou ministro. Mas essa pitada de sal contou na hora de receitar a nomeação. Há, no governo, quem diga que Crivella pode, pelo menos, evitar que parte dos evangélicos façam coro contra Fernando Haddad. Amortecer os estragos. O senador é aplicado, habilidoso e discreto do ponto de vista político. Tudo o que o PT precisa para o momento. Se ele entende ou não de Pesca, virou apenas um detalhe. E não dá para esquecer que o peixe era o símbolo primitivo usado pelo cristianismo.

Por falar em eleição paulistana...
Só o fato de o PT não soltar os cachorros em cima do Palácio do Planalto ao perder um ministério deixa transparecer que a ação foi coordenada em nome de um projeto maior, a eleição paulistana. Tanto é que, tão logo os congressistas foram avisados da nomeação de Crivella — e das conversas de Dilma Rousseff com o PR e o PDT —, as votações do Fundo de Previdência dos Servidores Públicos prosseguiram sem muitos sobressaltos. Parece que, no momento, os petistas entenderam que o melhor a fazer é mergulhar. Nem da guerra do Banco do Brasil eles falam mais abertamente. Pelo visto, o ingresso de José Serra provocou mais movimentos do que possa parecer. E talvez até a manutenção da prévia tucana seja um fator que preocupa o PT. Afinal, Serra estará no centro das atenções pelas próximas três semanas, período em que Dilma deve trocar outros ministros. Mas, como ela disse que não entrará na campanha, leitor, vamos tomar essas atitudes como "mera coincidência".

Funcionalismo - nova e privilegiada previdência - ROBERTO MACEDO


O Estado de S.Paulo - 01/03/12


Um dos maiores privilégios no Brasil vem da diferença entre o regime previdenciário do funcionalismo público e o dos trabalhadores cobertos pelo INSS. O contraste é particularmente forte no governo federal, no qual as remunerações são maiores. Alguns dos números que evidenciam isso estavam ontem neste jornal: o déficit previdenciário da União alcançou R$ 56 bilhões em 2011, para cerca de 1 milhão de aposentados e pensionistas; já o do INSS foi de R$ 35,5 bilhões, para 28 milhões nessa condição.

A iniquidade ocorre porque o sistema do funcionalismo garante aposentadoria integral com o último salário da ativa a muitos servidores (os admitidos até dezembro de 2003). Há regras também mais favoráveis para os demais, e para todos eles não há o teto das aposentadorias do INSS, hoje em R$ 3.916.

Embora antigo, o problema só foi enfrentado no governo Fernando Henrique Cardoso, via Emenda Constitucional (EC) n.º 20, de dezembro de 1998, que entre outras medidas abriu a perspectiva de um teto como o do INSS e previdência complementar para servidores públicos, desde que aprovados por lei complementar, que exige quórum qualificado. Em seguida, foi enviado ao Congresso um projeto nessa direção, mas nem chegou a voto, dada a pressão de interesses corporativos.

Depois de FHC esperava-se que o ex-presidente Lula, ex-trabalhador associado ao INSS, reduzisse tal iniquidade, colocando pelo menos os novos servidores sob regime similar ao do INSS e do seu teto. Com isso os interessados em benefícios maiores teriam de recorrer à previdência complementar. Entretanto, Lula sucumbiu a pressões corporativas, também avalizadas pelo seu partido.

Houve, porém, avanço em paralelo, pois logo no início de seu governo, pela EC 41, de dezembro de 2003, limites de idade para aposentadoria (55 anos para mulheres e 60 para homens), já instituídos pela EC 20 para novos servidores, foram estendidos a todos, ainda que com alguma flexibilidade. E mais: foi eliminada a exigência de lei complementar para estabelecer o teto e a previdência complementar desses servidores. Só em 2007, contudo, chegou ao Congresso um projeto de lei ordinária com tal objetivo. E só ontem um substitutivo desse projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados. Isso no seu texto-base, ficando os destaques para votação ontem, segundo este jornal.

Nesse percurso, o noticiário recente concentrou-se no votar ou não, sem entrar no conteúdo e no mérito do projeto. No que tem de bom, a previdência complementar que institui será baseada no mecanismo de contribuição definida. Ou seja, o benefício previdenciário virá dessa contribuição e o valor dele dependerá dos aportes feitos pelo participante e pelo governo federal para constituir reservas que responderão pelo pagamento.

Esse mecanismo se contrapõe ao atual, de benefício definido, no qual este se pauta pelo último salário da ativa ou por médias de salários passados. Como resultado dessa e de outras razões, como a não inexistência de reservas e a política salarial governamental - ou a ausência dela, por força de interesses corporativos -, o sistema é altamente deficitário, como apontado acima.

No que tem de ruim, entre outros problemas o crucial está no § 3.º do artigo 16 do projeto, onde se diz que "a alíquota da contribuição do patrocinador (...) não poderá exceder (...) 8,5%". Aliás, esse aspecto ficou entre os destaques a serem votados ontem, cujo resultado ignorava ao concluir este texto.

Do ponto de vista das finanças públicas, e do cidadão comum, que com seus impostos custeará essa contribuição, essa taxa é o aspecto fundamental. Mas como avaliá-la, se alta ou baixa? Lidei com esse problema por vários dias. Consultando uns poucos casos de empresas que têm previdência complementar, soube ser mais comum a taxa de 5%. E ao recorrer a um especialista em seguros, Francisco Galiza, a quem agradeço, ele me conduziu ao Relatório de Atividades (2010) da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, órgão do Ministério da Previdência Social e, portanto, fonte oficial.

Ora, o relatório diz que no mesmo ano a taxa média de contribuição patronal aos planos em manutenção na modalidade de contribuição definida foi de 4,6%, mostrando que os 8,5% citados estão bem acima dessa média e, assim, constituem um privilégio. Aliás, a taxa é superior até mesmo à média das alíquotas dos planos de benefício definido, que foi de 5,9% no mesmo ano.

Com isso servidores, no novo sistema proposto, poderiam escolher para sua contribuição uma taxa mais custosa para o governo, o que levaria ao privilégio, configurando uma iniquidade. E há outra: quem, por exemplo, tiver um salário de, digamos, R$ 10 mil por mês terá mais condições de optar por taxas mais elevadas do que quem ganha pouco acima do teto ou mesmo abaixo dele, pois este último grupo também poderá aderir à nova previdência. No caso de rendimentos menores, é sabidamente maior a pressão dos componentes essenciais sobre o orçamento doméstico. Em síntese, quem ganha mais receberá proporcionalmente mais do governo.

Notei também que do projeto original, de 2007, para o substitutivo a taxa passou de 7% para 8,5%, por mais pressões corporativas exercidas nos meandros da Câmara. E tudo com muito silêncio, como num funeral no qual se enterrarão as esperanças de que privilégios previdenciários de servidores seriam efetivamente corrigidos.

Se a votação prevista para ontem manteve uma delas, ou outra ainda elevada, só o Senado poderá ressuscitar essas esperanças. Mas precisarei ver para crer, pois no Congresso a equidade social só tem espaço garantido nos discursos. Na hora de votar seus membros costumam se pautar mais pelas pressões dos mais próximos do que pelos interesses dos contribuintes, que deveriam defender.

Europa e austeridade - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 01/03/12


Como se a Europa já não tivesse problemas suficientes, com o naufrágio da Grécia, a recessão e o endividamento, eis que surge um novo problema. A França, que com a Alemanha, são os países mais poderosos da UE, entra em campanha eleitoral. E os seus vizinhos estão diante de um dilema dramático: devem escolher Nicolas Sarkozy, que talvez seja reeleito em maio, ou apoiar seu rival, o socialista François Hollande? No conjunto, eles estão hesitantes.

Dois países apenas fizeram uma escolha clara: a Bélgica, cujo primeiro-ministro, o socialista Elio Di Rupo, expressou seu apoio a Hollande. E a Alemanha, já que a chanceler Angela Merkel deu seu voto para o amigo/inimigo Sarkozy, com quem ela comanda há dois anos toda a economia do continente, particularmente a questão da Grécia.

Os outros países ainda se interrogam. O primeiro critério na escolha é a preferência afetiva. Eles conhecem bem Sarkozy e não o apreciam.

Acham que é um "parlapatão". Quando dois dirigentes europeus se encontram, sobre o que conversam? Segundo um deles, "comentamos as maledicências que Sarkozy falou sobre nós". O duo Merkel-Sarkozy, que se proclamou salvador da Europa, exaspera. Ao mesmo tempo, as pessoas reconhecem que o presidente francês, apesar de suas maneiras vulgares, é enérgico, perseverante e corajoso.

Ideias pueris. E François Hollande, o socialista que pode chegar à presidência dentro de três meses? Ele é pouco conhecido. Não tem a dimensão de Sarkozy. É simpático, mas não se sabe ao certo o que pretende. Suas ideias parecem confusas, desconectadas e apresentadas sem muito convencimento. Seus ataques virulentos e vagos contra o dinheiro e os ricos desagradam. São considerados demagógicos, ou pior, pueris.

Se deixarmos de lado o aspecto do "afeto", que programa os europeus preferem? O de Sarkozy ou o de Hollande? À primeira vista, uma grande maioria de dirigentes europeus está "farta, realmente farta" da política de austeridade imposta pela dupla Merkel/Sarkozy. Estamos assistindo à uma revolta contra a austeridade.

Doze países estão exigindo uma reformulação do sistema imposto pela dupla, em favor do crescimento.

Esses 12 países, às vésperas da reunião, sexta-feira, quando será assinado em Bruxelas um novo tratado de disciplina orçamentária, julgam que a austeridade assustadora infligida à Europa (Grécia, Espanha...) levarão o continente a uma recessão duradoura. E esses países em cólera são liderados pelo italiano Mario Monti. Mas Monti não é considerado um demagogo. É um técnico, não um "político". Ele sucedeu o lunático Berlusconi precisamente para colocar em ordem as contas da Itália. Pois bem, este homem "austero" hoje se declara contra a austeridade do plano Sarkozy/Merkel.

E, aparentemente, ele se coloca ao lado do socialista François Hollande que também exige que aquele plano seja complementado por medidas de crescimento.

Mas, na realidade, essas convergências entre Hollande e os 12 países contrários ao plano de austeridade são ilusórias, imaginárias.

Como Mario Monti e seus aliados pretendem "relançar o crescimento?" Por meio da liberalização, da flexibilidade do trabalho, uma maior abertura comercial do continente, em outros termos, por uma dose de liberalismo econômico mais generosa do que hoje.

E isto é, bem entendido, exatamente o contrário do conceito mais "estatal", bem menos liberal, dos socialistas franceses, e portanto de François Hollande. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Um compromisso histórico na construção - MIGUEL TORRES

FOLHA DE SP - 01/03/12


Empresários da construção e representantes dos trabalhadores tiveram um choque quando os canteiros das hidrelétricas de Santo Antonio e de Jirau, em Rondônia, e de outras obras do PAC se transformaram em palcos de guerra, com violência de parte a parte, trabalhadores tratados "manu militari" e greves como consequência.

A pronta intervenção da Força Sindical (e, posteriormente, das demais centrais), juntamente com os dirigentes das construtoras, notadamente a Camargo Corrêa e a Odebrecht, levou à conclusão de que era preciso um urgente entendimento para se evitar uma tragédia.

Criou-se uma mesa nacional da construção, e a presidenta Dilma Rousseff teve a sensibilidade de designar o ministro Gilberto Carvalho para coordená-la.

Os representados nessa mesa (governo, trabalhadores e empregadores) se reuniram durante nove meses no Palácio do Planalto para discutir um compromisso nacional que pudesse garantir a paz nas obras, o respeito aos direitos trabalhistas por parte dos empregadores e o cumprimento dos seus deveres por parte dos trabalhadores.

Hoje assinaremos, no Palácio do Planalto, na presença da presidenta Dilma, o compromisso nacional da indústria da construção para aperfeiçoar as condições de trabalho, com medidas que serão aplicadas nas grandes obras de infraestrutura da Copa do Mundo e do PAC.

Trata-se de compromisso histórico, por seu ineditismo, e grandioso, por seu porte. O entendimento garantirá a paz e a continuidade das obras, fundamentais para a manutenção do crescimento e para a criação de riqueza e de empregos.

O objetivo do compromisso é propiciar um clima de negociação permanente, inclusive com representação direta dos trabalhadores nos locais de trabalho, para que eles próprios cuidem de manter a paz e deixar acesa a chama do diálogo.

O texto do compromisso definiu diretrizes para o recrutamento, para a pré-seleção e para a seleção de pessoal, o que atingirá de morte a nefanda ação dos "gatos".

Governo e empregadores se empenharão para qualificar mão de obra; foram definidas regras para a saúde e segurança no trabalho; e se estabeleceram normativas para as relações com a comunidade, que não pode ser prejudicada pela ação de obras gigantescas que acabam pressionando o ambiente local.

O compromisso inaugura uma nova fase na negociação trabalhista: a implantação de acordos nacionais. Eles, apesar de não gerarem os efeitos de uma negociação coletiva, avançam quando estabelecem condições mínimas de trabalho, saúde e segurança.

A mesa nacional será institucionalizada como espaço permanente e tripartite de negociação, podendo ser acionada a qualquer momento.

O compromisso não é imposto por lei, mas como consequência de um processo de entendimento que será honrado e cumprido com a adesão das empreiteiras obra por obra.

O exemplo dessa importante vitória nos conduz agora à luta para levar a conquista aos demais setores econômicos onde ainda há problemas entre capital e trabalho. O Brasil está crescendo, modernizando-se e não pode conviver mais com práticas como a do trabalho quase escravo e com o desrespeito às leis, aos bons costumes e à solidariedade entre as pessoas.

Fé na medicina - CONTARDO CALLIGARIS


FOLHA DE SP - 01/03/12
Quem diz se uma mulher apresenta ou não "condições psicológicas de arcar com a maternidade"?

A comissão do Senado Federal que projeta a reforma do Código Penal apresentou publicamente sua proposta (reportagem de Flávio Ferreira na Folha de sábado). O capítulo dos crimes contra a vida trata de eutanásia e aborto (resumo das mudanças:http://migre.me/845Dp).

Sem entrar na complexidade moral das questões, o que me impressiona, na primeira leitura, é a facilidade com a qual a medicina é (sempre) chamada a regulamentar nossa vida.

A liberdade é uma conquista, mas é também um fardo. Para aliviá-lo, faz 200 anos que inventamos um truque, graças ao qual, nos dilemas morais, 1) conseguimos afirmar que estamos decidindo sem obedecer a ninguém (nem a textos sagrados, nem a autoridades morais e religiosas) e, ao mesmo tempo, 2) evitamos o exercício (aflitivo) de nosso foro íntimo. Qual é o truque? Como Michel Foucault cansou de repetir, o truque consiste em deixar as decisões para ciências e disciplinas que administram nossa vida em prol de nossa saúde (e, portanto, para o nosso bem, não é?).

Por exemplo, na reforma proposta, o aborto não seria crime: "Por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade".

Só para começar, o requisito de que seja respeitada a vontade da gestante é uma ideia simpática, mas, infelizmente, problemática.

Há gestantes que suplicam para serem liberadas da gestação, cujas sensações lhes são intoleráveis. Algumas conseguem abortar, mas se culpam e entenebrecem até o fim da vida. Outras levam a gravidez a termo no desespero e no ódio ao feto que carregam como se fosse "Alien, o Oitavo Passageiro". Muitas dessas, no fim, choram de alegria e agradecem que ninguém as tenha escutado quando pediam para abortar.
Inversamente, uma mulher raramente pede para abortar no caso mais certeiro em que ela não teria "condições psicológicas" de ser mãe.

Lembro-me de uma mulher encontrada na banheira de sua casa, cantarolando e brincando com sua bebê morta afogada. Não é muito raro: entre uma e duas mulheres em cada mil partos passam por uma psicose puerperal -ou seja, uma psicose transitória desencadeada pelo parto. Entre elas, há mulheres que, recuperadas, tentam com sucesso outra gravidez. Quanto à mulher encontrada na banheira com seu brinquedo inerte, dois anos antes, ela tinha tido outro bebê, que morrera (misteriosamente) de "morte súbita", no berço.

Quando ela deixou o hospital (livre, pois na hora do infanticídio ela era incapaz de entender e querer), tentamos dissuadi-la de uma nova gravidez. Voltou meses depois, toda feliz, para mostrar à equipe que estava grávida de novo.

Os que viram aquela mulher brincando na banheira pensavam que deveríamos impor um aborto sem o consentimento da gestante. Os que não a viram pensaram que, no fundo, não havia como excluir completamente que a nova gravidez fosse o prelúdio de uma maternidade feliz. Hoje, não sei de que lado eu me situaria.

Naquele caso, os favoráveis ao aborto por falta de "condições psicológicas" podiam invocar os antecedentes e talvez prevalecessem num debate. Mas, na ausência de antecedentes, quem poderia mesmo constatar que uma mulher "não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade"?

Em tese, o psiquiatra e, mais ainda, o psicólogo (porque, numa avaliação prognóstica, é útil recorrer a testes projetivos e de inteligência emocional e cognitiva). Mas não vai ter briga: psiquiatras e psicólogos só lutarão por essa duvidosa prerrogativa se eles precisarem muito pagar as contas do fim do mês.
Obviamente, "o médico" (genérico), sugerido pelo texto da proposta, não teria treino algum para avaliar psicologicamente as gestantes.

Mas se entende que, no texto da proposta, "o médico" não é mencionado por sua suposta competência; ele é invocado como a entidade para a qual delegamos nossa incômoda liberdade moral. Algo assim: não sabemos se, quando e como o aborto deveria ser criminalizado ou não, mas chamem o médico, e que ele decida, na base de suas avaliações "científicas".

Ou seja, não vamos discutir, entre nós ou dentro de nós, sobre o que é certo e o que é errado; é muito mais fácil remeter nossa vida nas mãos de quem nos diz o que é "saudável" ou não.

PS: Para uma reflexão complementar, veja-se este post no blog de um psiquiatra, Leandro Gavinier
(http://migre.me/846qf).

GOSTOSA


Ajoelhou, resta rezar - DORA KRAMER


O ESTADÃO - 01/03/12
A troca de ministro da pasta da Pesca tem vários significados, nenhum deles relacionado à versão palaciana de que o senador Marcelo Crivella "prestará relevantes serviços ao Brasil" depois do trabalho feito (?) pelo deputado Luiz Sérgio ao qual o governo empresta "profundo reconhecimento".

Relação alguma, tampouco, com a necessidade de "prestar uma homenagem" ao falecido vice-presidente José Alencar por ter sido do PRB agora presenteado por Dilma Rousseff.

A substituição diz respeito ao movimento de redução de danos eleitorais que o Planalto vem empreendendo na direção das "igrejas".

Crivella é um líder importante no segmento evangélico (foi eleito senador por isso) no qual o governo federal enxerga um potencial grande de prejuízo se não estabelecer com ele alguns compromissos de caráter preventivo.

A entrega de uma pasta cuja importância é nenhuma, basta? Não, mas é um gesto. Precedido de outro, antes do carnaval, quando a presidente Dilma Rousseff fez do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, seu enviado especial à bancada evangélica no Congresso para dissolver "mal-entendidos".

Basicamente três: a opinião da ministra de Política para Mulheres sobre aborto, as cartilhas anti-homofobia encomendadas pelo Ministério da Edu­­cação na gestão de Fer­­nando Haddad e declarações do próprio Gilberto Carvalho no Fórum Social de Porto Alegre sobre a necessidade de o PT disputar a classe média emergente com "setores conservadores", segundo ele dominados pelos evangélicos.

Como se vê agora pela entrega de um ministério – ainda que desimportante, dado que a generosidade do PT no quesito perda de espaços tem limites estreitos–, a ofensiva continua.

Não por acaso ontem mesmo Haddad tratou de se declarar contra o aborto.

Duas inverdades são esclarecidas nesse episódio: uma a de que a presidente não se envolverá em eleições e outra dá conta de sua recusa a incluir ministérios na mesa de negociações políticas.

Sob essa alegação de princípios Marta Suplicy não ganhou lugar na Esplanada para desistir da candidatura a prefeita. Mas os evangélicos ganharam, na expectativa de que persistam no apoio ao governo.

Calcanhar

Aliados de Serra atestam sua desistência de disputar a Presidência em 2014 a fim de aplicar um antídoto antecipado ao discurso adversário sobre a hipótese de, se eleito, renunciar como fez em 2006 para concorrer ao governo de São Paulo e depois em 2010 para ser candidato à presidencial.

O próprio, quando confrontado com o assunto, diz o seguinte: "O projeto Presidência fica para depois".

Sim, mas depois quando? "Aí tenho de confiar na minha juventude."

O tema, no entanto, vai permear a campanha e na seara tucana há quem tenha argumento engatilhado: se houvesse condenação incontornável a renúncias, Serra não teria sido eleito governador depois de deixar a prefeitura.

Faca de gume duplo que poderá não soar convincente ao eleitorado

Confusão à toa

Militares da reserva insistem em confrontar os fatos e desqualificar autoridade do ministro da Defesa por causa da Comissão da Verdade, segundo eles "um ato de revanchismo explícito e de afronta à lei da Anistia".

Criam um caso, desprovidos de sustentação consistente. A comissão é fruto de lei e não tem poder sequer de sugerir punições: seu objetivo é relatar ao país as agressões aos direitos humanos ocorridas durante o regime autoritário.

A reação desses militares não se justifica entre outros motivos porque o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a anistia é intocável.

Portanto, quaisquer ações judiciais pedindo punições a partir de informações levantadas pela Comissão da Verdade cairiam no Supremo.

A única possibilidade seria o Congresso alterar a Lei da Anistia, o que está inteiramente fora de cogitação.

PT na muda - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 01/03/12


Os petistas não gostaram de perder o Ministério da Pesca, mas decidiram pelo voto de silêncio. Nem o presidente do PT foi consultado ou informado antes da mudança. Mas Rui Falcão se nega a criticar. “Nós temos a presidente da República e os principais ministérios, reclamar a Pesca seria depreciativo para o PT”, diz Falcão. Sobre a relação do PRB no Ministério e as eleições para a Prefeitura de São Paulo, ele minimiza: “O PR e o PSB são mais importantes, por causa do tempo de TV”.

Medindo forças
No Ministério da Defesa, a nova nota divulgada por militares da reserva, entre eles o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reafirmando críticas dos Clubes Militares à presidente Dilma, foi considerada “muito ruim, inaceitável e de confronto”, sobretudo o item que desautoriza o ministro Celso Amorim. Para o governo, os militares da reserva estão tentando se prevenir de eventuais acusações que vierem à tona na Comissão da Verdade. Já a nota divulgada pelo presidente do Clube Militar, general do Exército Renato Cesar Tibau da Costa, foi minimizada por integrantes do Ministério da Defesa. A avaliação é que ele tentou construir uma saída honrosa para o recuo da semana passada.

“O IGPDI é desproporcional e incompatível com a realidade do país” — Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado (AL), sobre a renegociação da dívida dos estados

O RESPONSÁVEL. O Planalto está jogando no colo do senador Blairo Maggi (PR-MT), na foto, a responsabilidade pelo fato de o PR não ter um ministro que represente a bancada. Ele foi convidado várias vezes pela presidente Dilma para assumir a pasta, mas se recusa alegando conflito de interesse. Ocorre que o alvo de Blairo é o Ministério da
Agricultura. Mas a presidente não pretende substituir o ministro Mendes Ribeiro e muito menos entregar para o PMDB a pasta dos Transportes.

Traição
O Planalto está indignado com a postura do PSB na votação do Funpresp. A maioria da bancada votou contra o projeto. Anteontem, para os aliados, Sandra Rosado (PSBRN) garantiu o apoio e na hora de votar encaminhou contra.

Curioso
O governo sabia que o PDT votaria contra a criação do Funpresp. Mas chamou a atenção do entorno da presidente Dilma o fato de o deputado Brizola Neto (RJ), candidato a ministro, ter votado com o governo e contra o seu partido.

Fora do jogo
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) não vai disputar a reeleição em 2014. Ele foi pego pela Lei da Ficha Limpa. Cristovam foi condenado pela Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a pagar multa e ressarcir aos cofres públicos os gastos com a edição de um CD-ROM, quando era governador em 1995. O Ministério Público o acusou de fazer propaganda eleitoral tendo em vista sua reeleição.

Do contra
O relator do Código Florestal, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), não quer atender ao Planalto e apoiar o texto votado no Senado. Ele quer suprimir as partes que tratam da questão urbana e da função estratégica da produção rural.

Engoliram
A demissão do ministro Luiz Sérgio (Pesca) pegou a cúpula do PT de surpresa. Consta que o presidente do PT, Rui Falcão, não sabia de nada. Os petistas não gostaram, mas resolveram silenciar para não passar a imagem de fisiologismo.

OS TUCANOS estão constrangidos com o projeto de decreto legislativo, apresentado pelo deputado João Campos (PSDB-GO), que trata o homossexualismo como doença.

A OPOSIÇÃO faz hoje ato no aeroporto de Brasília para comemorar a privatização dos aeroportos pelo governo do PT. O deputado Mendonça Filho (DEM-PE) vai descerrar uma placa com o valor da leilão.

O MOVIMENTO Por uma Nova Política, da ex-senadora Marina Silva, faz manifestação no sábado, no Vale do Anhangabaú, contra alterações no Código Florestal.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 01/03/12



Indústria pode virar maquiladora, afirma Abimaq

A indústria brasileira de bens de capital está se convertendo em "maquiladoras", nome atribuído a empresas que importam partes e peças e montam equipamentos para o mercado local.

Segundo Mario Bernardini, assessor econômico da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), o processo de desindustrialização do setor avança rápido.

"O que vemos é que a importação está destruindo a cadeia de componentes, itens intermediários que fazem parte de uma máquina pronta. Uma vez destruída essa cadeia, o país não a recupera mais", afirma.

O setor fechou o balanço do ano passado e registrou um deficit de cerca de

US$ 17,9 bilhões. Em 2004, o deficit estava no patamar de US$ 600 milhões.

O crescimento das exportações foi muito mais modesto do que a expansão das importações.

Desde 2004, enquanto as exportações cresceram 60%, as importações ampliaram-se em 290%.

Para a Abimaq, o Programa Brasil Maior, uma tentativa do governo Dilma de organizar uma proposta de política industrial, é um "quebra galho".

"O programa é pequeno, não tem visão estratégica. Ataca questões de varejo, não funciona", diz Bernardini. O Ministério do Desenvolvimento não comenta.

TECNOLOGIA LOCAL

A Investe São Paulo, agência do governo paulista responsável pela atração de novas empresas para o Estado, vai enviar representantes à Alemanha, no dia 5, em busca de recursos estrangeiros para o setor de tecnologia da informação.

O objetivo é atrair ao país, principalmente, provedores de TI, de acordo com Sérgio Costa, diretor de relações institucionais e internacionais da entidade.

"Há muitas empresas no Brasil, de outros segmentos, que ainda contratam provedores de tecnologia situados no exterior", afirma.

O Estado tem, segundo Costa, disponibilidade de energia elétrica, infraestrutura e universidade com centros tecnológicos capazes de prover mão de obra.

VELOCIDADE EM COMPRAS

Apesar da ausência de pilotos brasileiros na disputa pelo título da Fórmula 1 nos últimos dois anos, o mercado ainda demanda produtos ligados ao automobilismo.

A Uracer, que vende acessórios para fãs e praticantes do esporte, começa neste semestre o seu processo de expansão nacional, por meio de franquias.

Até o fim deste ano, a companhia, que acaba de abrir sua terceira loja própria em São Paulo, terá dez unidades fora da capital paulista.

As primeiras inaugurações serão em Vitória, Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

"O brasileiro nasce com a bola em uma mão e o carrinho na outra", afirma Ely Behar, sócio da rede.

Outro caso de expansão no setor é o da Corsa, voltada exclusivamente para os praticantes de automobilismo, que, em 2012, terá novos pontos de venda no Rio Grande do Sul e no Paraná.

Estrangeiros... O Insper e a espanhola IE Bussiness School fecharam parceria para o desenvolvimento de um novo curso, voltado para executivos que desejam investir no Brasil.

...no Brasil O conteúdo do curso envolverá a discussão das principais oportunidades de negócios no país em áreas como energia, infraestrutura e construção, além das perspectivas legais.

Sala... O grupo Multi, detentor da Wizard, espera comercializar 240 franquias da rede Smartz, especializada em complemento escolar de português e matemática, até o final deste ano. Na sexta-feira, serão abertas 11 unidades.

...de aula A UNS Idiomas, por sua vez, abrirá 40 escolas em 2012. Entre os Estados que receberão novas unidades estão São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Pernambuco.

CRISE ANTIDEMOCRÁTICA

A democracia em sete países da Europa Ocidental declinou no ano passado, segundo índice da EIU (Economist Intelligence Unit) que avalia os regimes.

Grécia, Itália, Portugal, Espanha, Irlanda, Alemanha e Finlândia tiveram suas notas rebaixadas.

Entre os principais motivos para o declínio dos índices estão as respostas adotadas para contornar a crise.

Em alguns países, segundo o estudo, as políticas deixaram de ser tomadas pelos governos eleitos e passaram a ser definidas pelos credores, pelos órgãos da União Europeia e pelo FMI.

No Brasil, o índice não apresentou mudanças no último ano. Mesmo assim, o país subiu no ranking.

A violência, associada ao tráfico, e a corrupção são apontados como os fatores que prejudicam a democracia do país.

Seguro... Metade das empresas de seguros já desenvolve produtos com quesitos socioambientais, segundo a Confederação Nacional das Seguradoras.

...ambiental As práticas são implementadas por 75% das pesquisadas. Um quarto das seguradoras aplica critérios sociais e ambientais ao contratar fornecedores.

Nome próprio A Yoguland abrirá a primeira loja fora do Brasil. A marca entra com outro nome em Bogotá devido à empresa de nome parecido.

Sem máquina Mesmo após abrir fábrica em Jundiaí, a Wafios espera queda do custo Brasil para produzir máquinas. Hoje ela faz ferramentas para transformação de arames.

TREINAMENTO EM SÃO PAULO

Executivos estrangeiros do Google estão no Brasil para participar do programa de treinamento da companhia.

Na próxima segunda-feira, dez profissionais da área de marketing visitarão uma escola técnica estadual, na Mooca (zona leste de São Paulo), que é considerada modelo em empreendedorismo.

Os alunos apresentarão miniempresas que foram montadas no ano passado, como parte de um projeto com a ONG Junior Achievement.

As atividades envolveram desde a constituição jurídica das companhias até a comercialização de produtos.

Pagamento... A Nonus, de equipamentos de leitura de códigos de barra, dobrará neste ano a produção de uma ferramenta que permite pagar contas e boletos pela internet.

...doméstico Em 2011, foram vendidas 50 mil unidades desse leitor, sendo 60% das aquisições feitas pela internet, segundo a empresa.

Franquias... A região Sudeste permanece com o maior número de franqueadoras (51%) e unidades em operação no Brasil (15%), segundo estudo da ABF (Associação Brasileira de Franchising).

...mapeadas Dentre as 20 empresas que mais faturam no setor, 11 estão na cidade de São Paulo.

Albatrozes aprovam o aquecimento global - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 01/02/12


Se você sair de Madagascar e navegar em direção ao Polo Sul, antes de chegar à Antártida você se deparará com o Arquipélago de Crozet, com seis ilhas, a maior com 150 km². Desde 1936, elas são uma reserva ecológica, onde os únicos humanos são cientistas que se revezam em uma estação experimental.

Apesar da temperatura amena, o local não é dos mais agradáveis: chove 300 dias por ano e ventos de 100 km/hora varrem as ilhas 100 dias por ano. Isso porque elas estão no caminho de uma corrente de ar que varre os oceanos em volta da Antártida.

Nos últimos 15 anos, por causa do aquecimento global, esses ventos aumentaram de intensidade e mudaram de direção. Essas mudanças climáticas estariam afetando as aves que vivem em Crozet?

Uma colônia da maior espécie de albatroz - de uma ponta da asa à outra são mais de 3 metros -, o Diomedea exulans, vive em Crozet e é estudada desde 1966. Com dados dos últimos 40 anos, foi possível estudar o impacto do aquecimento sobre essa população.

Eles vivem no ar, onde se mantêm por horas sem bater as asas, aproveitando os ventos. Pousam à noite no mar para se alimentar de pequenos polvos e peixes, decolam e só pousam em terra para se reproduzir. São monógamos. A cada dois anos, os casais se reencontram na ilha, produzem um único ovo e dividem o trabalho de chocar e alimentar o filhote. Depois decolam e passam a maior parte da vida no ar, solitários, voando cerca de 500 km por dia.

Desde 1966, cientistas os pesam quando estão em terra, monitoram seu sucesso reprodutivo e colocam um GPS e um radiotransmissor. Como faz 40 anos os dados são coletados, foi possível verificar o que mudou com as mudanças nos ventos.

A primeira descoberta é que a velocidade de voo aumentou. Se em 1990 eles voavam 9 metros por segundo, hoje eles voam de 10 a 12. O número de quilômetros voados por dia passou de 500 para 800. Com isso, eles passam menos tempo na água se alimentando.

Essas alterações comportamentais levaram os animais a voltar para suas ilhas mais fortes. Se antes os machos voltavam do mar a cada dois anos com 9,5 quilos, agora eles pesam 11 quilos. As fêmeas, que antes pesavam 7,5 quilos, ganharam 1 quilo. Esse ganho afetou a capacidade reprodutiva. Na década de 70, apenas 65% dos casais produziam um filhote a cada dois anos; hoje, 80% produzem. A população deixou de diminuir.

Esses dados indicam que os albatrozes se beneficiaram com as mudanças na intensidade e na velocidade dos ventos. Para eles, o aquecimento global tornou a vida mais fácil. Mas isso pode ser transitório - se as mudanças se intensificarem, existe o risco de esse processo ser revertido.

Esse é um de diversos estudos que demonstram como é difícil prever as consequências das mudanças climáticas no planeta. Enquanto muitas espécies estão se extinguindo e muitos ecossistemas estão sofrendo, outros podem estar se expandindo ou iniciando um processo de aumento da biodiversidade. Como tudo o que envolve a diversidade e complexidade dos seres vivos, não existem respostas simples.

Intransferível - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 01/03/12
Em conversa ontem pela manhã com Paulo Sérgio Passos (Transportes), Dilma Rousseff disse claramente ao ministro que deverá precisar de seu cargo para acomodar o PR de volta na Esplanada. A presidente prometeu, ainda, realocar o técnico na pasta, provavelmente na secretaria-executiva, seu posto anterior.

No fim da tarde, o PR reagiu a uma proposta de "permuta" com o PMDB: Mendes Ribeiro iria para os Transportes, e o partido ficaria com a Agricultura. A sigla não só rechaçou a troca como ameaça desembarcar da candidatura de Henrique Alves (RN) à presidência da Câmara, se o PMDB insistir no arranjo.

Negativo Dilma avaliou ontem com a ministra Ideli Salvatti o mapa da votação da criação do Funpresp. O PDT, também à espera de uma vaga na Esplanada, só teve 2 dos 24 votos registrados na sessão a favor do governo. Já o PR registrou placar de 20 votos a 12 pró-Planalto.

Retiro Com a nomeação de Marcelo Crivella, ainda que para o lateral Ministério da Pesca, Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) deixa de ser o interlocutor do Planalto com os evangélicos -condição que perdeu ao fazer críticas ao segmento durante o Fórum Social Mundial.

Náufrago Luiz Sérgio (PT-RJ) disse que "já tinha os detalhes" quando foi chamado para conversa final com Dilma. Questionado se ficou surpreso com a segunda demissão em oito meses, o ex-titular das Relações Institucionais divaga: "Eu sempre disse que navegar é preciso".

Cobertor... O jantar de ministros do G-20 na Cidade do México, no último sábado, foi interrompido por reclamações gerais devido ao frio insuportável do local.

...curto A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, teve de ser socorrida com dois cobertores e casacos. O brasileiro Guido Mantega, precavido, havia colocado uma malha por baixo do terno.

Puro-sangue Entre as opções que o PSB oferecerá para vice de Fernando Haddad está Eduardo Storópoli, mantenedor da UniNove, que conta com 100 mil alunos. O ex-ministro cultiva a ampliação do ProUni como marca de sua gestão no MEC.

Terceira via Do pré-candidato peemedebista Gabriel Chalita, diante dos discursos de PT e PSDB apostando na polarização em SP: "Essa tentativa desesperada de reduzir a eleição a dois partidos mostra o medo que os dois lados têm da minha candidatura".

Voo solo Desafiado por José Aníbal e Ricardo Tripoli a debater com militantes do PSDB, José Serra diz, em privado, que não pretende ir a encontros com os pré-candidatos. Seu grupo constrói agenda paralela de reuniões nas regiões da cidade.

Gol de ouro O placar apertado (10 a 8) em favor do adiamento das prévias para dia 25 acendeu alerta geral no QG de Geraldo Alckmin. O governador esperava maior acolhida ao pleito de Serra.

Hierarquia Nas primeiras declarações como pré-candidato, Serra repete que topou entrar no páreo por insistência de Alckmin. A correligionários diz que esperava ação mais incisiva do Bandeirantes sobre Aníbal.

Na marra Diante da resistência de João Sayad à entrada de Marcos Mendonça no conselho da Fundação Padre Anchieta, o secretário Andrea Matarazzo (Cultura) abriu mão de um dos três assentos que tem no órgão para acolher o desafeto do presidente da instituição. Sayad não esconde a insatisfação.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"A ida de Crivella para o Ministério da Pesca é o milagre da multiplicação, não dos peixes nem do seu pequeno PRB, mas da influência do setor evangélico no governo 'laico'."

DO DEPUTADO CHICO ALENCAR (PSOL-RJ), sobre a troca de Luiz Sérgio (PT-RJ) pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) no comando do Ministério da Pesca como forma de acomodar o PRB, da base aliada, na estrutura do governo.

contraponto

Paredão tucano

Em debate no qual participaram José Aníbal e Ricardo Tripoli na segunda-feira, um dos presentes brincou com a ausência de Bruno Covas e Andrea Matarazzo, que haviam se retirado das prévias do PSDB paulistano um dia antes.

-Está parecendo o "Big Brother". Dois já foram eliminados. Qual será o próximo?

Na plateia, um integrante da direção municipal advertiu, em referência à entrada de José Serra na disputa:

-Mas no próximo debate já vai ter uma terceira cadeira. Com direito a imunidade e prova do líder.

A queda dos aviões - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 01/03/12

A rede mundial de negócios de armamentos e equipamentos militares não tem limites éticos nem legais



A SUSTAÇÃO da encomenda, pelo governo americano, de 20 Super Tucanos da Embraer no valor de US$ 355 milhões, é mais complexa do que as frequentes perdas de negócios. E exige do governo brasileiro cuidados especiais ao tratar do assunto nos Estados Unidos.

As causas da sustação, variadas segundo os autores de considerações sobre o caso, são todas admissíveis até que os americanos exponham as suas com clareza convincente. Atitude, aliás, das menos prováveis, mesmo considerando a rudeza que os americanos se permitem, por falta de algo melhor a conduzi-los ou pelo descaso com interesses que não sejam os seus.

A preliminar do governo brasileiro conviria ser a cautela quanto a incorreções éticas no negócio. A existirem, os americanos podem usá-las para provocar brasileiro, político e moral, na hora em que a elevação internacional do Brasil nos põe fora do seu círculo de manipulação. A atitude de rejeição do governo Obama ao Brasil, depois de pedir-lhe e à Turquia um esforço (bem-sucedido) de apaziguamento do Irã, foi mais do que um agravo.

Apesar de não visto assim no Brasil (fora do governo), foi a declaração oficial de uma linha divisória nas relações Brasil-Estados Unidos.

Nos negócios de armamentos, de modo geral, a corrupção só é um componente menor do que o é nos serviços de obras públicas por empreiteiras. Ambos, no mundo todo. Os equipamentos militares contam, porém, por boas e pelas razões mais abjetas, com a vantagem de ter a cobertura do Estado para processar-se em sigilo, na medida desejada.

A rede mundial de negócios de armamentos e equipamentos militares não tem limites éticos nem legais. Não só porque a concorrência é intensa. Também porque, se houver inconveniência em operar sob sigilo, mas por vias aceitas pelas convenções internacionais, as vias clandestinas de governo a governo, ou de governo a antigoverno, o contrabando e a corrupção são praticados com o mesmo resultado. E em alguma parte do mundo estão acontecendo agora, como em todos os dias, em todas as horas.

(A autorização da ONU, por exemplo, foi para a vigilância aérea sobre a Líbia, mas logo os rebeldes, que viriam a ser governo para as futuras concessões de petróleo, lutaram com farto armamento francês e inglês, e até instrutores e comandos, como provou a mal noticiada morte de um general da reserva francesa.)

A corrupção é o motivo menos citado, entre os já referidos para a sustação. Mas tem citações oficiosas nos Estados Unidos. E é sugerida com menor ou maior clareza, inclusive nas queixas da derrotada Beechcraft. Não quer isso dizer que a Embraer seja o alvo da imputação ou de suspeitas.

A atividade interna dos departamentos de compras militares não se limitam a armas e equipamentos, são repletas de correntes industriais. E, nos Estados Unidos, é mesmo comum que congressistas tenham lugar nas negociações, sejam as visíveis ou as invisíveis.

Fosse, então, para afastar a "Beech" (hoje Hawker Beechcraft) ou outra, ou para incluí-la ou a outra, a sustação da encomenda não tem bom aspecto e requer cautela do governo brasileiro, para o Brasil não se tornar o maior prejudicado na embrulhada.

Se, porém, mostrar-se com mais firmeza um elo entre a dispensa dos Super Tucanos e as dificuldades do F-18 americano na compra de caças pelo Brasil -a capacidade de sedução francesa do polêmico Raphale volta a fazer efeito-, então é aproveitar a oportunidade: nem conversa mais sobre o F-18.

Afinal de contas, ninguém acredita que os americanos transfiram, de fato, tecnologias avançadas e permitam a venda, a quem o Brasil quiser, de F-18 feitos aqui. Tais promessas são conversas de vendedor -o que não quer dizer que o Raphale tenha vendedores com outras conversas.

Os crescentes riscos da China - YAO YANG


Valor Econômico - 01/03/12


Se tudo continuar bem para a China, o país superará os Estados Unidos como maior economia do mundo, em dólares correntes, em 2021 (ou ainda antes em termos reais). Sua renda per capita atingirá o que hoje é a faixa mais baixa dos países de alta renda. Apesar do impulso à frente, a economia chinesa depara-se com riscos à espreita nos próximos dez anos.

O risco imediato é o de continuidade da estagnação, ou recessão, na Europa. Nos últimos dez anos, o crescimento das exportações representou cerca de 30% do crescimento econômico da China e cerca de 30% das exportações chinesas tiveram como destino a União Europeia. Se a situação na Europa continuar a se agravar, o crescimento na China será afetado.

Endurecer excessivamente as políticas macroeconômicas domésticas, especialmente as voltadas ao mercado imobiliário, poderia incrementar o risco de desaceleração. Os preços dos imóveis residenciais na China já estão em queda, afetados por medidas governamentais mais rigorosas. De fato, a situação é bem parecida com a da crise financeira asiática de 1997. Vários anos antes de a crise estourar, a China vinha combatendo a inflação e parecia encaminhar-se a uma desaceleração suave. A crise, no entanto, em conjunto com medidas de austeridade, condenou o país a vários anos de deflação e a um crescimento menor.

Hoje, enquanto a China pensa no médio prazo, o governo precisa abordar os problemas criados por seu papel predominante na economia. Um novo informe do Banco Mundial aponta a falta de reforma das empresas estatais como o maior obstáculo ao crescimento econômico do país. Isso, no entanto, é apenas sintoma de um problema mais profundo: o papel dominante do governo nos assuntos econômicos.

Além de controlar diretamente entre 25% e 30% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo também é responsável pela maior parte dos recursos financeiros. Nos últimos anos, cerca de 35% dos empréstimos bancários foram destinados à infraestrutura, sendo a maior para obras de instituições governamentais. É verdade que o governo admitiu seu excesso de investimentos em infraestrutura e recentemente abandonou vários projetos de trens de alta velocidade que já estavam em construção. O excesso de investimentos governamentais, no entanto, também é flagrante nos vários parques industriais e zonas de alta tecnologia.

O frenesi de investimentos da China faz muitas pessoas recordarem o Japão nos anos 80, quando as linhas de trens de alta velocidade foram levadas aos cantos mais remotos do Japão. A maioria depende de subsídios do governo até hoje. E, embora os subsídios possam melhorar a qualidade de vida das pessoas comuns em vários aspectos, também a prejudicam ao suprimir o consumo doméstico.

Os investimentos em infraestrutura inevitavelmente serão contidos pela lei de diminuição dos retornos marginais. O crescimento no consumo, contudo, não tem limite. Suprimir o consumo, portanto, sufocaria o crescimento futuro, sendo que a participação do consumo doméstico no PIB caiu de 67% em meados da década para menos de 50% nos últimos anos.

O governo chinês é orientado à produção por natureza. A vantagem é que isso ajudou a manter altas taxas de expansão do PIB. O lado negativo, contudo, é igualmente forte. Uma consequência negativa é o aprofundamento persistente da desigualdade de renda. O coeficiente Gini de renda per capita é superior a 50 pontos (100 representa o máximo de desigualdade), o que coloca a China entre os piores 25% em desigualdade no mundo.

O problema pode não ser a desigualdade por si só, mas suas consequências, como a bifurcação do capital humano. O retorno do investimento em educação na China vem aumentando, mas o acesso ao ensino torna-se cada vez mais dividido social e geograficamente. Embora a educação esteja melhorando nas áreas urbanas, as crianças na zona rural deparam-se com um declínio na qualidade do ensino, porque os melhores professores mudam-se para as cidades. Além disso, tendo em vista a disparidade de renda entre o campo e a cidade, a educação nas áreas rurais é mais cara.

Como resultado, a maioria das crianças em áreas rurais entrará na força de trabalho sem diploma universitário. Entre os 140 milhões de trabalhadores migrantes da China, 80% têm apenas nove anos ou menos de educação formal - bem menos do que requerem os países de alta renda.

Apesar do aparente desejo das autoridades de reduzir a desigualdade de renda, o governo da China a agrava ao, entre outras coisas, subsidiar produtores, favorecer indústrias de uso intensivo de capital e manter um setor financeiro altamente ineficiente. Também há, no entanto, sinais promissores de avanço econômico. O governo acaba de anunciar novas regras para o registro familiar, conhecido como "hukou". A não ser nas grandes cidades, as pessoas agora podem escolher livremente seu "hukou" após três anos de residência. Isso ajudará os migrantes imensamente, ao garantir condições iguais de acesso à educação para seus filhos.

Mudar completamente o comportamento distorcivo do governo, no entanto, requer mudanças mais radicais nas políticas. A reforma do "hukou" é um bom começo, já que fortalecerá os direitos políticos dos migrantes nas comunidades locais. Tende em vista seu grande número, sua participação política pode obrigar os governos locais a ficarem mais atentos às necessidades das pessoas comuns. E se os degraus mais baixos do governo começarem a dar mais atenção, é de se esperar que isso acabe chegando às esferas mais altas do poder. (Tradução de Sabino Ahumada)

E se os chineses estiverem certos? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O Globo - 01/03/12


Nem convém falar assim, em público, mas há momentos em que o pensamento rompe nossas barreiras e cogita da eficácia do despotismo esclarecido. A gente observa a desgraça que políticos democraticamente eleitos espalham pelo mundo afora e imagina: e se tivéssemos um líder com capacidade intelectual e visão de futuro absolutamente extraordinárias, uma pessoa do bem, com senso de justiça social? Esse líder, com poderes absolutos - quer dizer, sem os constrangimentos de lidar com políticos interesseiros e populistas - não poderia fazer um imenso bem ao país?

Está falando da China - é, pelo menos, o que se diz lá mesmo. O primeiro déspota teria sido Deng Xiao Ping, que no final dos anos 70 venceu a camarilha dos herdeiros de Mao, e lançou as reformas econômicas pró-capitalismo que trouxeram a China à posição de hoje. Além disso, Deng teria solucionado muito bem um problema difícil para todos os déspotas, esclarecidos ou não, que é a sucessão.

Deng não deixou um sucessor, mas um grupo, um sistema, instalado no Partido Comunista. Assim, a China emplacou três décadas crescendo a taxas anuais de 10% e, mais importante, retirou da pobreza algo como 800 milhões de pessoas - os chineses que hoje vivem na parte urbana e desenvolvida.

E, para deixar o leitor ainda mais perturbado com este pensamento tão incorreto quanto tentador, o sistema chinês oferece neste momento mais duas demonstrações de sua eficiência política e visão de futuro. Primeira, a sucessão: ao longo deste ano, de maneira organizada e pré-anunciada, serão substituídos o presidente do país e chefe do partido, Hu Jintao, e o primeiro-ministro, Wen Jiabao.

A outra demonstração é um surpreendente estudo estratégico que o governo chinês encomendou junto ao Banco Mundial - e que foi preparado por economistas do banco e do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento do Conselho de Estado da China. O título: "China 2030, construindo uma sociedade de alta renda, moderna, harmoniosa e criativa."

É o que parece, uma tentativa de antecipar o futuro, um documento de 468 páginas, "pensando" como a China pode saltar de um país de renda média para alta, ou seja, de emergente para rico. Parte da constatação de que o modelo dos últimos 30 anos - trabalho duro, salário baixo, muita economia, pouco consumo, tudo exportado - não vale mais. Trata-se, pois, de uma troca organizada de sistema.

Reparem: o Banco Mundial é parte do sistema financeiro global, junto com o FMI e Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais. Logo, trata-se do coração do capitalismo global. E, como seria de se esperar, o estudo sugere menos estado e mais mercado, menos governo agindo diretamente na economia e na sociedade e mais espaço para a ação dos indivíduos.

Prestaram atenção? Esse é o estudo preparado com a autorização e o apoio do Conselho de Estado da ditadura do PC chinês. Claro, o relatório não propõe a derrubada da ditadura e a introdução da democracia, mas sugere que não haverá como escapar de uma sociedade mais aberta, em consequência mesmo do enriquecimento e da formação de cidadãos mais expostos ao mundo.

Tudo considerado, como ficamos? A atual versão chinesa do despotismo esclarecido - regime de monarcas europeus do século 18 - pode ser repetida em outros países?

A resposta mais comum é "não". De maneira geral, entende-se que o caso chinês é único sob diversos aspectos. Por exemplo, como sair do desastre sangrento do período maoista para uma democracia liberal clássica, em um país de mais de um bilhão de pessoas, em situações tão diferentes? E como promover a mudança dramática de uma economia rural muito pobre para outra industrializada sem uma marcha forçada pelo regime?

Finalmente, a China seria única pela sorte. Acabou que o poder ficou nas mãos de um Deng Xiao Ping. E se a luta interna tivesse terminado com a vitória da viúva de Mao, Jiang Qing? Isso poderia perfeitamente ter acontecido e a China hoje seria uma imensa Coreia do Norte.

O que nos leva ao outro lado da história. Não se podem colocar as fichas em um regime que depende tanto de acasos históricos. Se começa com um déspota estúpido e mau caráter, fica quase impossível derrubá-lo. Observem como é difícil afastar os ditadores dos países árabes. No Brasil, já tivemos ditaduras variadas, mas não esclarecidas.

Além disso, é preciso colocar na balança os custos da expansão chinesa, a começar pelas pessoas assassinadas na Praça Tiananmen, que justamente reivindicavam mais abertura e benefícios econômicos. É difícil, entretanto, fazer esse balanço: a ditadura esconde seu passivo.

Em resumo: a China já está aí, se prepara para o futuro e ainda nos perturba. Na economia e na política.

Pobre comércio com a China - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 01/03/12


A China descobriu o Brasil muito tarde, há apenas dois anos, e corre agora para recuperar o tempo perdido. Investe em minérios, petróleo e alimentos para se abastecer e influenciar nos preços e não em setores industriais que sustentam seu crescimento econômico. Quer produzir no Brasil o que não tem condições de produzir na China. Não apenas isso, continua exportando para nós o que produz utilizando matérias-primas que importa do Brasil - tecidos, calçados, carros e máquinas.

São essas as conclusões das principais análises das relações bilaterais entre os dois países. Importando a preços menores por causa do protecionismo cambial chinês, o Brasil ganha porque pode conter a inflação e engordar a conta das exportações, mas perde porque exporta essencialmente commodities, o que não só prejudica a indústria, mas, acima de tudo, atentem para isso "empobrece", tese defendida com muitos dados e lucidez pelo professor de Economia da Universidade de Brasília, Jorge Arbache - e muitos outros - em capítulo do livro Brasil e China no Reordenamento das Relações Internacionais: Desafios e Oportunidades, editado pelo Itamaraty.

Empobrece? Sim, afirma Arbache, no livro que recomendamos para quem deseja se aprofundar no assunto. Há pouco mais de dois anos, a China nem figurava no registro do Banco Central dos países que investiam aqui. Tudo mudou nos últimos anos. Em 2010 foram de cerca de US$ 13 bilhões e no ano passado pelo menos US$ 15 bilhões.

Esses valores fornecem uma boa medida do crescente interesse chinês no Brasil. "Obviamente, ele não representa o impacto macroeconômico dos investimentos na economia brasileira, já que a maior parte desses investimentos se refere à troca de controle entre empresas estrangeiras. Se subtrairmos esta troca de controle, obteremos para 2010 um número surpreendentemente inferior a US$ 1,5 bilhão."

Insistimos, porém, que o valor que melhor representa as relações China-Brasil, com todas as implicações que isso pode ter daqui por diante, são os US$ 13 bilhões - já que esse valor marca a consolidação da presença chinesa no Brasil por meio de investimentos, afirma ele.

Mais alimentos, minérios. Uma característica importante é que os investimentos dos chineses no Brasil concentram-se em mineração, alimentos, petróleo, gás e na infraestrutura como portos, ferrovias, necessária para o seu escoamento desses produtos para a China. "Em 2010, a quase totalidade dos investimentos foram direcionados a produtos básicos para exportação, sendo o petróleo o grande destaque. Além de se concentrarem em commodities, 70% desses investimentos ocorreram na modalidade de fusões e aquisições, não em investimentos na criação de novas empresas e geração de novos empregos", assinala Jorge Arbache no estudo.

A China também se tornou importante fonte de crédito externo para o Brasil, mas esses créditos são normalmente vinculados a projetos de produção, logística ou comercialização de produtos básicos. O empréstimo de US$ 10 bilhões à Petrobrás, garantido por exportação de petróleo, é um caso mais marcante e repete no Brasil o que a China faz na África e está fazendo na América Latina. Onde não pode comprar terras, financia e compra antecipadamente a produção.

Primarização empobrece. Dessa forma, a China fomenta e encoraja a crescente primarização da produção no Brasil.

A primarização empobrece por várias razões, diz o professor da Universidade de Brasilia. "Uma delas é que apenas 3% dos trabalhadores com carteira estão empregados no setor agropecuário e menos de 0,5% no setor mineral. Além de empregar pouco, o setor de produtos básicos cria muito pouco emprego quando cresce", afirma ele. Exportar cada vez mais commodities também empobrece porque seus preços são extremamente voláteis, afetando os investimentos e as finanças públicas.

A produção e a exportação de commodities são certamente importantes, como fica evidente sua contribuição para a balança comercial, "mas elas não resolvem nem resolverão os desafios da economia brasileira de crescer de forma sustentada." Para a coluna, não se trata de "conter" as exportações de commodities, mas sim aplicar uma politica que estimule as vendas de produtos industrializados e básicos. Ou isso ou a pauta comercial brasileira vai continuar distorcida desestimulando o crescimento econômico a médio prazo.

Cidade domada - CLAUDIA ANTUNES


FOLHA DE SP - 01/03/12

RIO DE JANEIRO - Na madrugada da segunda-feira de Carnaval, enquanto a Beija-Flor desfilava no Sambódromo, a polícia do Rio fez uma operação no vizinho morro de São Carlos para prender um traficante.

O criminoso foi capturado num tiroteio em que um adolescente de 14 anos foi morto. O São Carlos sedia uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) que enfrenta problemas de adaptação, com reação do tráfico e casos de corrupção de policiais.

Seria saudável que a opinião pública carioca questionasse se valeu a pena arriscar a morte de um garoto pela prisão de um bandido que já deve ter sido substituído na favela. Ainda mais quando se sabe que um dos principais desafios das UPPs é conquistar os jovens, que passam a ter seu cotidiano regulado pela polícia.

Ocorre que no Rio vozes questionadoras têm encontrado pouco eco. A cidade vive uma boa fase, mas o oba-oba dos preparativos para a Copa e a Olimpíada domou seu espírito crítico. A Secretaria de Segurança paira acima de ataques, e restrições às obras urbanísticas raramente são levadas em conta.

O Estado, por exemplo, acaba de inaugurar uma ponte para a cidade universitária que desemboca numa via expressa já saturada, a Linha Vermelha. Por que não concentra os gastos viários numa nova linha de metrô, em vez de fazer só a extensão para a Barra de uma rota, a zona sul-centro, também congestionada?

Agora, há mobilização de urbanistas contra a demolição da primeira hípica da cidade, do século 19, e de um antigo quartel, ambos próximos ao Maracanã. O projeto divulgado para o local é de um parque, mas teme-se que venha a incluir um estacionamento para os Jogos. O Patrimônio municipal diz que ainda analisa o valor histórico-cultural dos edifícios.

O Rio não precisa de novas vagas para carros, mas que existam condições para que eles não precisem ser retirados das garagens.