O BCE espera por três coisas ao colocar mais dinheiro na mão dos bancos: que eles melhorem seus balanços, evitando a desconfiança entre eles e uma crise no sistema financeiro; que usem parte dos recursos para comprar títulos dos governos da região; e que repassem o crédito à iniciativa privada, estimulando investimentos das empresas e consumo das famílias. Dos três objetivos, os dois primeiros, de fato, parecem estar acontecendo. A ameaça de uma crise financeira na Europa ficou menor nos últimos meses, as taxas de juros do interbancário caíram. Ao mesmo tempo, os juros pagos pelos governos da Europa para rolagem de dívidas ficaram menores. E isso é bom principalmente para os casos de Espanha e Itália, duas economias grandes demais para serem socorridas.
Mas a indução do crescimento via aumento de crédito não está acontecendo. A demanda na Zona do Euro está fraca, o desemprego está alto, com média de 10,4%, seis países da região estão em recessão, e o mercado já está inundado de liquidez. Não há apetite por mais dívidas e os bancos estão preferindo manter o dinheiro em caixa.
José Júlio Senna, da MCM consultores, explica que o BCE foi obrigado a flexibilizar as exigências de garantias para os empréstimos, para que mais bancos pudessem participar da operação. Isso tirou do radar dos investidores o risco de quebra de alguma instituição e aumentou o apetite por risco nos mercados:
- Os governos da região ganham mais tempo para fazer os ajustes que têm que fazer, como privatizações, corte de salários de funcionários públicos, mudanças nas legislações, aumento da idade das aposentadorias. Mas a operação não muda a essência do problema europeu, que é de um estoque muito grande de dívida por parte dos governos dentro de um ambiente de recessão. Ainda estamos a uma longa distância da linha de chegada.
O estrategista da Pentágono Asset, Marcelo Ribeiro, acredita que a medida não irá resolver o problema de baixa competitividade de vários países da região. Também aponta uma série de riscos que serão contratos para o futuro.
- O grande risco da operação é o excesso de liquidez que será gerado. A Europa tem muitos países com problemas, e os bancos vão pegar esse dinheiro para comprar títulos desses governos. Os juros vão cair, dando a impressão de que o risco ficou menor. Mas na verdade ele continua lá. Teremos uma melhora aparente, que acontecerá via indução monetária. Além disso, haverá um descolamento ainda maior entre ativos financeiros e a economia real. O lucro das empresas continuará baixo, o desemprego continuará alto - explicou.
Newton Rosa, da Sul América Investimentos, ainda não vê um risco iminente de bolhas porque o mundo está crescendo pouco e não há espaço para a valorização forte dos ativos. Mas diz que os bancos centrais terão o enorme desafio de saber quando toda essa liquidez terá que ser recolhida.
- Essa discussão já está acontecendo dentro do Fed, o banco central americano. Alguns dos seus membros estão votando pelo aumento de juros e pelas restrições das políticas monetárias. A dificuldade dos bancos centrais será saber quando reverter essa política - disse.
A operação de ontem do BCE é mais uma das várias operações das autoridades monetárias na mesma linha: uma superexpansão de crédito num mundo já de juros em torno de zero, para através dessas ações evitar o pior da crise. Isso funciona num primeiro momento, mas depois o mercado começa a exigir mais e mais injeções monetárias. Cada evento desses tem um efeito menor e mais curto. E novas enxurradas monetárias são exigidas. Todo esse dinheiro reduz os efeitos da crise, mas começa a causar desequilíbrios como a formação de bolhas ou a distorção em preços de ativos.
Na maioria das economias emergentes as moedas estão ficando muito valorizadas, como no Brasil. Para piorar um quadro já complexo, a China não tem câmbio flutuante. Isso faz com que o maior exportador do mundo tenha a vantagem de um anabolizante cambial tornando seus produtos mais competitivos do que normalmente já seriam. O comércio internacional passa a ser impactado diretamente por toda essa alteração artificial dos preços das moedas.
No momento de desespero, quando houve o colapso do Lehman Brothers, em 2008, havia necessidade dessa expansão monetária para evitar que aquela crise aguda de confiança entre os bancos provocasse uma queda em dominó de instituições financeiras. Agora, há uma crise fiscal crônica e de superendividamento. O que houve ontem foi a administração de mais um pouco da droga para um organismo que já está ficando viciado. Até agora, os maiores bancos centrais do mundo - Fed, BCE, Banco do Japão e da Inglaterra - ofereceram aos bancos em ajuda de liquidez mais de US$ 5 trilhões.
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