segunda-feira, maio 02, 2011

CLAUDIO DE MOURA CASTRO - Vinte metros de profundiade


Vinte metros de profundiade
CLAUDIO DE MOURA CASTRO
REVISTA VEJA
Há um século, São Paulo não passava de um vilarejo provinciano, enquanto o Recife, assim como o Rio de Janeiro, era um dos epicentros do país. Lá transbordava cultura e o açúcar pagava as contas. Desde então, essas cidades perderam fôlego. Pode-se até falar em decadência. Alguns de seus governos, fracos, deixaram azedar ainda mais a garapa institucional. A indústria pernambucana de hoje é frágil e acanhada, comparada com a de estados que antes não tinham uma única fábrica.

Mas há boas chances de que um acidente topográfico (submarino) venha a aprumar o estado. Na economia moderna, um navio enorme substituiu vários pequenos. E, é óbvio, quanto maior o navio, mais profundo tem de ser o porto. No Nordeste, onde aportariam os petroleiros gigantes? Aí, Deus fez um favorzinho aos pernambucanos: só em Suape há um porto natural de 20 metros de profundidade.

No Nordeste, onde aportariam os petroleiros gigantes? Deus fez um favorzinho aos pernambucanos: só em Suape há um porto natural de 20 metros de profundidade. O futuro está nas mãos deles. Haverá outra chance de mesmo tamanho?

Como se gastou uma fortuna para construir o terminal petroleiro, o investimento atrai outros. Pululam de operários as obras de uma das maiores refinarias do país. Um enorme estaleiro já está operando. Breve virão dois outros estaleiros. Avançam as obras de duas petroquímicas. A fábrica de turbinas eólicas está produzindo a pleno vapor. A Bunge tem uma moagem. A Fiat decidiu construir uma fábrica em Suape. E por aí afora.

Inevitavelmente, algumas dessas indústrias criam mercados gigantescos para as fábricas locais. Tudo resolvido? Nem pensar! Fazer açúcar em usinas arcaicas é diferente de suprir uma indústria moderna, com exigências de qualidade, especificações rígidas nos produtos, certificação ISO e prazos de entrega sagrados.

Para inaugurar o primeiro estaleiro, mais de 10 000 cortadores de cana foram atraídos. Três mil, minimamente qualificados, receberam formação em soldagem. Mas a cultura fabril vive em outro mundo. Colidem os valores e hábitos de trabalho, faltam os conhecimentos de leitura e matemática, mercê de uma educação péssima.

Boa parte da indústria local, nem tão moderna assim, se ressente de uma longa hibernação. Falta gente qualificada. Os bons cursos profissionais são poucos. Sobra o velho cacoete de mamar na teta do estado. Falta agressividade para buscar os mercados. Por exemplo, importam-se de São Paulo os aventais de solda, parecidos com os jalecos de boiadeiro. Passa-se o mesmo com os uniformes, cuja tecnologia produtiva é a máquina de costura, inventada no século XIX.

Teme-se a invasão de empresas de fora, sejam estrangeiras, sejam do Sul. Elas trazem sua mão de obra e seus hábitos de operar em uma economia agressivamente competitiva e moderna. Muitos empresários locais vão levar uma rasteira? Talvez. Mas, no fundo, uma empresa eficiente é uma escola, mesma sem ter uma só sala de aula. E lá que se podem forjar os hábitos, as práticas e os valores da indústria moderna. Que venham os coreanos e os paulistas! Não terão outras origens as sementes da nova Revolução Industrial do estado.

Os 20 metros garantem alguma coisa, mas não tudo. Praias maravilhosas foram sacrificadas e pecou-se contra o meio ambiente Valeu a pena? Um cenário possível é a cadeia de suprimentos aproveitar a eficiência do porto, a fim de manter suas fábricas em São Paulo ou em Xangai. Podemos também imaginar cenários em que uma indústria parece local mas é satélite de suas matrizes alhures. Ou, quem sabe, renasce uma indústria local, passada a limpo e agressiva?

Qual cenário faz mais sentido? O maior risco é deixar o bairrismo prevalecer e tentar proteger a indústria local, sem sucesso, pois a maioria vive em um círculo vicioso de atraso. O mais seguro é investir maciçamente em educação e formação profissional, pois esse é o grande gargalo, qualquer que seja o dono da fábrica. De fato, apesar dos esforços, os resultados do treinamento não parecem à altura de enfrentar o tsunami da demanda. Em que pese a dedicação do Senai, mal e mal, só deu para oferecer os rudimentos de soldagem. Falta todo o andar do meio, com suas dezenas de ocupações técnicas complexas. O futuro está nas mãos dos pernambucanos. Haverá outra chance de mesmo tamanho?

OTÁVIO CABRAL - O Ataque ás últimas trincheiras


O Ataque ás últimas trincheiras

OTÁVIO CABRAL

Revista Veja 


Na política como na guerra: com a oposição esfacelada e incapaz de reunir as tropas, o PT prepara sua grande investida - a tomada de São Paulo e Minas, cidadelas onde o partido até hoje não conseguiu fincar bandeira. Na linha de frente do ataque, está Luiz Inácio Lula da Silva. Ao ex-presidente nunca faltou senso de oportunidade. Somando-se a isso a sua declarada dificuldade de desencarnar do poder, o resultado é que o petista decidiu dar uma banana para a quarentena a que havia se proposto e já arregaçou as mangas. Lula tem se encontrado com Dilma Rousseff e com dirigentes do PT com o objetivo de montar sua ofensiva. A estratégia tem duas linhas. Na política, Lula busca antecipar a definição das candidaturas municipais e ampliar o leque de alianças do partido. Na área administrativa, o ex-presidente pretende que tudo continue como antes. Ou seja, que a máquina do governo prossiga trabalhando a favor de seu projeto partidário. Tem dado certo. A União aumentou os investimenros nos estados oposicionistas e prepara projetos com apelo eleitoral para lançar até o ano que vem, quando ocorrerão as eleições para prefeito.

Há duas semanas. Lula deixou seu apartamento em São Bernardo do Campo e foi de helicóptero para Osasco, onde passou a tarde de sábado em um churrasco na casa do prefeito da cidade, Emidio de Souza. No almoço, estavam o ministro Aloizio Mercadante, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e o deputado estadual Edinho Silva, presidente do PT-SP. Entre goles de cerveja e fatias de picanha, o ex-presidente defendeu a tese de que a eleição de 2012 é uma prévia da disputa para o governo de 2014. Por isso, o PT precisa eleger uma rede de prefeitos nos trinta maiores colégios eleitorais. Esses prefeitos serão os cabos eleitorais para a campanha ao governo. Lula já trabalha para fechar uma aliança com PMDB e PR em todas essas trinta cidades, o que garantiria tempo de TV superior ao dos adversários. Até junho, quer ter todos esses candidatos definidos. Para comandar o processo, escalou um "estado-maior" formado por Marinho, Emidio e Edinho. O trio terá poder para rifar candidatos indesejáveis, como Marta Suplicy e João Paulo Cunha (veja o quadro abaixo), e intervir em diretórios rebeldes - caso do PT do Guarujá, que resiste a apoiar a reeleição da prefeita do PMDB.

Lula deixou claro quais são os candidatos de sua preferência. Para a capital paulista, insiste que o melhor nome é o do ministro da Educação, Fernando Haddad. "Ele é jovem, simpático e tem uma obra importame no ministério para mostrar", afirmou. Caso Haddad não consiga se viabilizar, a segunda opção é Mercadante. Marta Suplicy está por ora descartada. Ela é boa de largada e ruim de chegada" e tem pouca chance de vencer em dois rumos. Para o governo de São Paulo, a aposta de Lula é Luiz Marinho. Com a intenção de fortalecer seu palanque, ele já declarou ao PMDB que quer apoiar para o Senado o deputado Gabriel Chalita, que se filiará neste mês ao panido. Dessa forma, ficaria fora do páreo Eduardo Suplicy, a quem Lula nunca perdoou por tê-lo desafiado na pré-campanha presidencial de 2002, quando o senador defendeu a ideia de prévia, no partido para a escolha do candidato. Na semana que vem, Lula viajará a Belo Horizonte. Na capital mineira, ele defende o apoio à reeleição de Marcio Lacerda, do PSB, ou a candidatura do ex-ministro Patrus Ananias para o governo. Vontades imperiais à parte, petistas concordam que as pesquisas serão importantes para basear essas escolhas. Desprezados de hoje podem ser candidatos.

A cada duas semanas, Lula se reúne com Dilma para discutir projetos eleitorais. Ele aconselhou a presidente a ir todos os meses a eventos nos dois estados prioritários. E Dilma já aumentou em 50% os investimentos em São Paulo, priorizando escolas técnicas e hospitais. Ela também estuda projetos focados no eleitorado de classe média, como o que prevê o corte de impostos sobre óleo diesel e a desoneração da folha de pagamento de empresas de transportes, o que poderia reduzir em até 40% as passagens de ônibus. A marcha petista está em curso e as próximas batalhas prometem sangue.


Os condenados

Marta Suplicy

Lula e a cúpula do PT descartaram sua candidatura à prefeitura da São Paulo por causa da grande rejeição que tem na classe média. Apesar de sempre largar na frente, nas pesquiss, tem dificuldades para vencer eleições em dois turnos.

João Paulo Cunha

Réu no Mensalão, tem o apoio da máquina do PT para ser candidato a prefeito de Osasco, o secto mais colégio eleitoral do estado. Mas a cúpula quer vetar sua candidatura, para que o julgamento do escândalo não contamine e disputa eleitoral.

Eduardo Suplicy

O comando do PT já negocia com o PMDB o apoio a Gabriel Chalita para a única vaga para o Senado em 2014. Em troca, um petista seria o candidato ao governo. O senador Suplicy, que quer concorrer ao quarto mandato, deve ser rifado.

Roberto Carvalho

O vice-prefeito de Belho Horizonte controla a máquina do PT e quer sr candidato a prefeito. Mas a ordem do comando partidário é apoiar a reeliação de Mácio Lacerda, do PSB, ou lançar a candidatura do ex-ministro Patrus Ananias.

As armas que o PT usará para avançar sobre São Paulo e Minas

Dinheiro de sobra

Abrir as torneiras do Orçamento para as obras nos dois estados. Em SP, neste ano, a média de investimentos é de R58 milhões de reais mensais – 50% a mais do que em 2010

Marcação cerrada


Construir escolas técnicas, universidades e hospitais federais – serviços que beneficiam a classe média – próximo a unidades estaduais

Alianças estratégicas

Fechar já um acordo com o PMDB e PR para as eleições de 2012 e 2014 e retirar as candidaturas do PT nas cidades onde os aliados forem mais fortes

Antecipar a campanha

Definir ainda neste ano os candidatos a prefeito nas principais cidades dos estados para evita disputas internas e pôr a campanha na rua antes dos adversários

Foco na classe média

O governo federal vai lançar proramas de saúde, transporte urbano, educação e habitação voltados especialmente para a classe médias das grandes cidades

Cordão sanitário

Evitar candidaturas e aparições públicas em palanques de mensaleiros aloprados e outros corruptos. Embora, nos bastidores, eles continuem atuando com força total

GOSTOSA

JÚLlA DE MEDEIROS - A joaninha vira marimbondo


A joaninha vira marimbondo
JÚLlA DE MEDEIROS

Revista Veja - 02/05/2011

A zangada prefeita de Fortaleza é atingida por um enxame de novas denúncias

A prefeita mais impopular do País, Luizianne Lins, de Fortaleza, pode ser obrigada a enfrentar um pedido de impeachment. Na última sexta-feira, o movimento Ação Cearense de Combate à Corrupção e à Impunidade pediu à Câmara de Vereadores local que abrisse um processo de cassação contra a petista. Motivo: ela usou o cartão de crédito corporativo que recebeu da prefeitura para pagar contas pessoais. Uma reportagem publicada na última edição de VEJA mostrou que Luizianne se serviu do cartão em lojas de eletrônicos no exterior e de brinquedos no Ceará. Foi o mais grave, mas não o único revés sofrido pela petista na semana passada. A promotoria estadual a denunciou criminalmente por descumprir uma ordem judicial de junho de 2008. Desde então, a petista deveria ter pago 1,5 milhão de reais em dívidas trabalhistas a funcionários da prefeitura. Luizianne contra-atacou. Não com a delicadeza da joaninha que representou no Carnaval, mas como um marimbondo de fogo, daqueles de que o Sarney gosta. Publicou nos jornais cearenses um anúncio ardido. A iniciativa chamou a atenção do promotor Ricardo Rocha, que descobriu que o anúncio foi pago pelo Erário. Rocha viu indícios de crime no episódio e abriu mais um processo contra a petista. Luizianne foi, então, à TV. Recorreu à afiliada cearense da Rede Record para falar sobre os fatos relatados por VEJA. Em entrevista, negou ter erguido um jardim japonês para presentear um amigo ímimo da comunidade nipônica: "Se fosse para homenagear namorados, eu teria de fazer muitos jardins", disse a fogosa joaninha (ou seria borboleta?). Também na TV, disse desconhecer a investigação do Tribunal de Contas dos Municípios sobre seu cartão corporativo. Eis o que se chama contradição. O documento reproduzido nesta página é nada menos que a defesa apresentada por Luizianne ao tribunal. Ele sugere que a petista dispôs do cartão municipal para pagar suas despesas cotidianas numa farmácia de Fortaleza e em um bar da moda na Zona Sul carioca. Também usou o cartão para comprar um notebook em Brasflia e um móvel para decorar seu gabinete.

O Tribunal de Contas aponta que, de janeiro de 2007 a março de 2008, a prefeita petista e seis de seus assessores gastaram 43000 reais com os cartões corporativos, mas só prestaram contas de 3198 reais. Os vereadores de fortaleza investigam, ainda, o repasse de 94 milhões de reais para um tal Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Apoio à Gestão da Saúde, ONG petisra que jamais prestou contas das verbas recebidas. Procuradores federais detectaram também um superfaruramento de 3 milhões de reais nas obras do Hospital da Mulher. Joaninha, joaninha, pare de borboletear...

CARTA AO LEITOR - Além da imaginação



Além da imaginação

CARTA AO LEITOR

Revista Veja 

Imagine um país em que um senador que tinha as contas de sua amante pagas por uma empreiteira, e que perdeu o cargo de presidente da Casa por esse motivo, é indicado na legislatura seguinte para integrar o Conselho de Ética do Senado. Ou seja, para julgar o comportamento de seus pares. Imagine um país em que outro senador arranca o gravador das mãos de um jornalista que lhe fez uma pergunta incômoda, e é apoiado por essa atitude destemperada. Imagine um país em que um deputado federal semianalfabeto, na mais benigna das hipóteses, integra a Comissão de Educação e Cultura da Câmara: Imagine um país em que o partido atualmente no poder concederá perdão ao protagonista do maior escândalo de corrupção da história - e que dá aulas, em seu estado, de Ética Política. Imagine um país em que a nova chefe da Policia Rodoviária Federal tem a carteira de habilitação apreendida por excesso de multas. Em qualquer área, um profissional que comete um deslize é imediatamente afastado de suas funções e, dependendo da gravidade de seu ato, não volta nunca mais à ativa. Mas isso não ocorre na política brasileira. Pelo contrário, os mais enrolados são vistos com admiração por seus colegas, como se professores fossem nas artes da prevaricação e da impunidade, e assim vão galgando postos na contramão da decência.

Em todos os níveis da política brasileira, a ética é afrontada diariamente. Mas em Brasília a situação alcança o surrealismo. Em setembro de 2003, VEJA circulou com uma capa que retratava a capital federal como um pedaço de terra flutuando no ar, com o título "Brasilha da Fantasia". Quase oito anos depois, a lógica de funcionamento da capital federal continua a ignorar as demandas do país. Brasília, como mostra a reportagem que começa na página 78, permanece urna cidade fora do tempo e do espaço, que mantém códigos (i)morais próprios e nutre um insolente desprezo pela opinião pública e pela ética. Imagine um país, prezado leitor, além da imaginação. Esse é o Brasil político.

GOSTOSA

PAULO GUEDES - O jeito brasileiro (e errado) de criar empregos



O jeito brasileiro (e errado) de criar empregos

PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA

São conhecidos os mais desejáveis objetivos de política econômica. O primeiro é o crescimento econômico forte e sustentável. O outro é a estabilidade de preços, ou pelo menos uma inflação baixa. Mas, em resposta ao expansionismo interno de 2009-2010 e às pressões de custos de energia e matérias-primas que vêm de fora, a inflação sobe ininterruptamente e ameaça estourar o teto de 6,5% estabelecido pelo Banco Central.


O pleno emprego consta igualmente entre os alvos a atingir, sendo de particular importância o ritmo de criação de empregos nas faixas de mão de obra menos qualificadas. O equilíbrio das contas externas também constitui importante meta macroeconômica, cujo não cumprimento já nos deu muitas dores de cabeça no passado. E, mesmo quando pareça haver tal equilíbrio, é bom ficar com a pulga atrás da orelha quando prosseguem em ritmo acelerado nossa desindustrialização pelas fábricas chinesas, a invasão de Miami por compradores de imóveis brasileiros e o avanço dos gastos de brasileiros com turismo - deixamos lá fora o triplo do que deixam aqui os estrangeiros. São sinais de alerta de que podemos ter problemas à frente.

De outro lado estão os diversos instrumentos de controle macroeconômico a que recorrem os governos para perseguir tais objetivos. Figuram entre os principais as taxas de juros estabelecidas pelo Banco Central, os gastos públicos e impostos controlados pelo Ministério da Fazenda, o regime cambial praticado e os níveis de salário mínimo e de encargos trabalhistas.

Um dos maiores desafios de qualquer governo é justamente a coordenação eficaz desses instrumentos para a consecução dos objetivos desejados. Trata-se do desafio da "controlabilidade", segundo Jan Tinbergen e Kenneth Arrow, prêmios Nobel de Economia, respectivamente em 1969 e 1972. A resposta ao enigma é a atribuição de metas específicas justamente aos instrumentos de maior impacto sobre os objetivos desejados. Como a meta de inflação atribuída ao Banco Central e o equilíbrio das contas externas atribuído à flutuação cambial.

O gasto público alimentou a inflação e derrubou o consumo, o investimento e as exportações

Exatamente aqui, na escolha de instrumentos para perseguir metas específicas, há algo profundamente equivocado em nossas práticas macroeconômicas ao longo das últimas décadas. Tanto o regime militar quanto os sucessivos governos social-democratas produziram uma trajetória ascendente dos gastos públicos em porcentual do PIB como instrumento de criação de empregos. Ora, qualquer livro de introdução à macroeconomia, mesmo de orientação keynesiana tão ao agrado da plataforma social-democrata, registra a ineficácia dos gastos públicos para a criação de empregos sob regime de taxas flexíveis de câmbio.

Com o Banco Central correndo atrás da inflação e o câmbio flutuando para equilibrar as contas externas num mundo de grande mobilidade de capitais, tentar criar empregos expandindo gastos públicos é um formidável exemplo de descoordenação macroeconômica, de mau uso dos instrumentos. Uma tolice colossal. O crescimento ininterrupto dos gastos públicos exige as elevações de juros pelo Banco Central, o que atrai mais capital e afunda a cotação do dólar. O resultado é que derrubamos simultaneamente as trajetórias do consumo, dos investimentos, das exportações e da produção nacional de substitutos de importações. Chegamos a crescer 8% no ano passado, um ritmo insustentável. Em 2011, talvez cheguemos a 4%.

Enquanto isso, o dragão chinês gera enorme superavit fiscal, garantindo juros baixos e moeda artificialmente desvalorizada. Alinha todos os seus instrumentos em torno de um único objetivo: o ritmo alucinante de criação de empregos. E o mais potente instrumento de seu arsenal é curiosamente uma arma invisível no que deveria ser o paraíso dos trabalhadores: a ausência de encargos sociais e trabalhistas. Justamente o contrário do que temos feito no Brasil, onde os encargos sociais e trabalhistas são uma arma de destruição de empregos em massa.

RICARDO MENDONÇA - Três anos para sair da lama



Três anos para sair da lama

RICARDO MENDONÇA

Revista Época - 02/05/2011

O governo resolveu abrir as obras de aeroportos para a iniciativa privada. Mas demorou tanto que a medida poderá não surtir efeito até a Copa de 2014

A história da construção do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, município a 40 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, simboliza bem o estado atual da política aeroportuária brasileira. As ideias para o local, formuladas há cerca de 15 anos, são grandiosas. Planeja-se um complexo de cargas e passageiros capaz de suportar 11,4 milhões de pessoas por ano, o que o colocaria, hoje, como o quarto maior aeroporto do Brasil, atrás apenas de Guarulhos, Galeão e Congonhas. Em fevereiro de 2008, o governo encaminhou a operação para o Programa Nacional de Desestatização. Era a formalização da promessa de ter em Amarante o primeiro terminal brasileiro administradto pela iniciativa privada. Até hoje, porém, tudo o que há no local é o asfalto das pistas de pouso e decolagem colocado pelo Exército, conforme a foto ao lado, feita na semana passada.

Enquanto as minutas de editais eram submetidas a diversas consultas públicas e análises técnicas, nem as vias de acesso à região foram providenciadas. A estrada ainda é de terra. Também não há notícia de empresa privada interessada em explorá-lo. Especula-se que nesta semana, finalmente, saia o edital definitivo com as regras da concessão. A empresa vencedora terá três anos para concluir as obras, em troca de 25 anos de direito de exploração. Na melhor das hipóteses, o terminal de Amarante começará a operar poucos dias antes do início da Copa de 2014. Um sufoco.

Na semana passada, durante uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, anunciou que o governo também pretende entregar à iniciativa privada as obras de ampliação e reforma de três dos mais importantes aeroportos do país: Guarulhos, Brasília e Campinas. Em troca, as empresas poderão explorar, por tempo determinado, os terminais ampliados. Mais duas concessões em estudo deverão ser anunciadas em breve: Galeão e Confins, em Minas Gerais. A ideia de abrir o setor aéreo para a iniciativa privada era discutida há tempos dentro do governo federal. Mas não foi levada adiante pela gestão do ex-presidente Lula por razões que misturam interesses eleitoreiros (a iniciativa poderia enfraquecer a estratégia petista de tachar o adversário tucano de privatista durante a campanha presidencial de 2010), reações corporativas (a falta de vontade da Infraero, a estatal responsável pela administração dos aeroportos, em ceder espaço) e resistências ideológicas de setores do governo, do PT e das Forças Armadas que adotam o discurso nacional estatista.

A medida de entregar à iniciativa privada as obras de ampliação e reforma dos aeroportos demorou tanto que não há nenhuma garantia de que ela vá surtir efeito até a Copa do Mundo de 2014, apesar do otimismo propalado pelo ministro Palocci, que prometeu os primeiros editais de concessão para maio. Nos próximos meses, o governo deverá tomar outra medida de impacto para o setor: a abertura de capital da Infraero, constantemente acusada de irregularidades, ineficiência e empreguismo. O ato, defendido pela presidente Dilma Rousseff desde a campanha de 2010, não chegou a ser mencionado por Palocci, mas é aguardado com ansiedade pelo mercado.

O anúncio das três primeiras concessões parciais, bem recebido por técnicos e especialistas do setor, foi uma resposta política do governo ao aumento de uma inquietação: há muito tempo os aeroportos brasileiros não atendem ao crescimento da demanda. Desde 2003, o movimento de passageiros no país cresce 10,2% ao ano, em média. É um índice bem maior que o da infraestrutura aeroportuária, a cargo da Infraero. Os resultados são salas cada vez mais lotadas, atrasos, desconforto, desperdícios e perda de eficiência. O símbolo dessa situação de saturação foi o apagão aéreo de outubro de 2006, série de colapsos que resultou na paralisação dos principais aeroportos do país. A situação atual não é muito mais confortável. No ano passado, 14 dos 20 maiores terminais de passageiros do país operaram acima do limite.

Causou especial embaraço dentro do governo um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que deixa explícita a dimensão dessa precariedade. De olho na Copa, o governo já havia assegurado à Infraero a disponibilidade de R$ 5,6 bilhões para investimentos em 13 aeroportos estratégicos do país até 2014. Esse montante é três vezes superior à média de investimento em aeroportos observada no período 2003-2010. O trabalho do Ipea mostrou que nem o improvável cumprimento integral desse turbinado plano de investimento seria suficiente para aliviar a situação dos aeroportos brasileiros até 2014. No atual ritmo de crescimento da demanda, o Brasil chegaria à Copa com nove dos 13 aeroportos já saturados.

O cenário descrito acima é o mais otimista. Os pesquisadores Carlos Campos Neto e Frederico de Souza também calcularam os tempos médios para elaboração de projetos de infraestrutura (12 meses), obtenção de licenças (38 meses), licitação (seis meses) e execução de obras (36 meses). Compararam esses dados com os atuais estágios de intervenção nos 13 aeroportos prioritários. Eis a conclusão “alarmante”, conforme a expressão dos próprios pesquisadores: “Se tudo ocorrer dentro dos prazos vigentes no país, nove aeroportos não terão condições de finalizar seus empreendimentos a tempo de receber o evento”.

O estudo do Ipea desconsidera eventuais interrupções de obras por suspeita de irregularidades, situação que, no Brasil, jamais poderia ser classificada como incomum. Hoje, dois importantes aeroportos vivem problemas dessa natureza. Em Vitória, as obras iniciadas em 2005 foram interrompidas em junho de 2008 depois que o Tribunal de Contas da União constatou irregularidades. Tudo permanece parado até hoje. Em Goiânia, as reformas estão congeladas desde 2007, quando se constataram projeto básico deficiente, sobrepreço acima de R$ 70 milhões e falta de projeto de engenharia atualizado. Até hoje o consórcio e a Infraero brigam na Justiça. Não é por acaso que Vitória e Goiânia lideram o ranking nacional de estrangulamento aeroportuário (leia na tabela abaixo). A Infraero diz que fez uma atualização da metodologia para calcular a capacidade dos aeroportos e trabalha com números menos alarmantes.

Apesar de várias construtoras e grupos internacionais terem manifestado interesse nas concessões parciais anunciadas por Palocci, as condições básicas para as operações privadas ainda não são conhecidas. Os investimentos privados substituirão ou se somarão aos investimentos públicos já anunciados? As empresas precisarão fazer investimentos em aeroportos menos rentáveis? Companhias aéreas poderão participar das licitações? Em que proporção? Quais serão os prazos de concessão?

A própria Casa Civil talvez não tenha respostas imediatas para boa parte desses questionamentos. Uma hora antes de falar na reunião do Conselhão, na terça-feira 26, o tema concessão de aeroporto nem sequer estava previsto para entrar no discurso de Palocci. Dilma mandou que ele fizesse o anúncio apenas meia hora antes do início de sua fala. Segundo integrantes do governo, o objetivo da presidente, nesse momento, era mais político do que técnico: demonstrar o senso de urgência e preocupação com o tema.

UM SANTO BANDIDO

GUILHERME FIUZA - A Polícia Rodoviária ensina a dirigir sem carteira



A Polícia Rodoviária ensina a dirigir sem carteira

GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA

O senador Aécio Neves viveu um pesadelo inesperado. Parado numa blitz no Rio de Janeiro, recusou-se a fazer o teste do bafômetro e foi flagrado com a carteira de habilitação vencida. Em se tratando de um potencial candidato à Presidência da República, a conduta ilegal teve repercussão ruidosa. Poderia dirigir o país um homem que dirige seu próprio carro à margem da lei? O senador mineiro submergiu, afastando-se dos holofotes para tentar aplacar o prejuízo político. Mal sabia ele que estava se preocupando à toa.

Uma semana depois, ficou provado que dirigir com a carteira de habilitação irregular no Brasil não tem o menor problema. Desta vez, a protagonista da bandalha era uma personagem muito especial: Maria Alice Nascimento Souza. Talvez o leitor não esteja ligando o nome à pessoa. Trata-se da diretora-geral da Polícia Rodoviária Federal. Maria Alice, a guardiã da lei nas estradas brasileiras, estava com sua carteira de habilitação suspensa. Como revelou o Fantástico, ela tinha perdido o direito de dirigir pelo acúmulo de infrações cometidas (estacionamento irregular e excesso de velocidade).

Mesmo assim, a diretora-geral da Polícia Rodoviária continuou dirigindo seu carro. Depois da denúncia na TV, resolveu entregar sua carteira ao Detran. Mas continuou dirigindo a Polícia Rodoviária. Numa boa.

Como se vê, Aécio Neves não tem com o que se preocupar. Aliás, nenhum brasileiro em falta com as leis do trânsito tem mais com que se preocupar. Se a autoridade máxima das estradas dribla as regras de direção, por que os motoristas têm de andar na linha? Maria Alice ultrapassou a lei pelo acostamento, foi flagrada no delito, e o que fez o governo federal? Nada. Se a diretora-geral da Polícia Rodoviária faz uma barbeiragem dessas e não tem de entregar o cargo, por que o prezado leitor teria de entregar sua carteira numa blitz qualquer?

A manutenção de Maria Alice à frente da Polícia Rodoviária Federal é mais um marco revolucionário do governo popular. É mais ou menos como se aquele pagodeiro que esbofeteou a esposa fosse convidado para assumir a Secretaria dos Direitos da Mulher. Chega de preconceito.

O Brasil é um país tolerante. A diretora-geral da Polícia Rodoviária está cursando a autoescola para um curso de reciclagem. É o país da piada pronta. Os humoristas vão acabar desempregados. Quem sabe possam arranjar uma boquinha no Detran.

Se a autoridade máxima das estradas dribla as regras de direção, por que os motoristas têm de andar na linha?

O conceito de autoridade no Brasil é muito peculiar. O senador paranaense Roberto Requião arrancou o gravador de um repórter, apagou a entrevista, e a primeira voz em sua defesa foi a de José Sarney: "É uma questão de temperamento", disse o presidente do Senado. Sarney tem autoridade para falar da relação entre política e imprensa. Acusado de tráfico de influência no Congresso, ele teve a sorte - autoridade tem de ter sorte - de ver a ação de censura prévia ao Estadão cair nas mãos de um desembargador amigo da família. A censura vai completar dois anos e Sarney foi reeleito presidente do Senado. Uma questão de temperamento.

Se uma motorista com a carteira suspensa tem crédito para dirigir a Polícia Rodoviária, um senador que amordaça a imprensa tem crédito para defender um senador que rouba gravador de repórter. Depois de declarar que o ato de Requião "não foi uma agressão à liberdade de imprensa", Sarney instalou o Conselho de Ética do Senado. Entre seus membros destaca-se o aliado Renan Calheiros, duas vezes processado por quebra de decoro. O julgamento da ética, pelo visto, também será uma questão de temperamento.

Com a volta triunfal do nosso Delúbio ao PT, e o périplo de Lula ao lado de mensaleiros como José Dirceu e João Paulo Cunha para preparar a campanha de 2012, fica consagrada a sentença do ex-presidente em 2005: caixa dois todo mundo faz. Dirigir com carteira suspensa também. Relaxa, Aécio.

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA - Riscos cada vez mais constantes



Riscos cada vez mais constantes

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

Como a habilitação e a fiscalização do trânsito são feitas de forma pouco rigorosa, as respostas dos motoristas às tensões se tornam cada vez mais agressivas

Mais uma vez as estatísticas apontam o crescimento do número de acidentes nos feriados prolongados. Ainda que a comparação da Polícia Rodoviária Federal entre o total de mortos nas estradas no carnaval e no feriado de páscoa mostre um número menor de vítimas, a comparação entre a páscoa deste ano e a do ano passado traz o desenho contrário.

Além disto, como dito pelo porta-voz da Polícia Rodoviária Federal, em se tratando de um feriado religioso, eles não esperavam um número tão elevado de autuações por conta do consumo de álcool. Consumo que eleva o porcentual de acidentes graves, contribuindo significativamente para o total dos mortos e dos feridos.

Quando a Seguradora Líder do DPVAT indeniza mais de 50 mil mortes por ano, fica claro que o trânsito brasileiro é uma das mais eficientes máquinas de ceifar vidas à disposição do ser humano. E o pior é que não há nada que indique uma mudança para melhor nos próximos anos. Ao contrário, a situação deve se agravar mais. A razão é simples: nunca a indústria automobilística nacional vendeu tantos veículos zero quilômetros como nos últimos tempos.

Essa realidade impõe duas situações dramáticas. A primeira é o número de veículos trafegando pelas ruas e estradas nacionais ser maior do que a capacidade de vazão destas vias. E a segunda é o fato de que grande parte dos novos motoristas tem pouca experiência no volante. A soma é catastrófica. Num trânsito permanentemente tenso, a falta de prática agrava o risco de acidentes, além de levar ao cometimento de infrações graves, por conta da irritação decorrente dos congestionamentos e do tempo perdido nas ruas e estradas.

Como a habilitação dos motoristas e a fiscalização do trânsito, em todo o país, costumam ser feitas de forma pouco rigorosa, as respostas dos motoristas às tensões a que são submetidos vão se tornando cada vez mais agressivas, refletindo-se nas manobras proibidas ou de alto risco cometidas como se fossem normais.

É aqui que surge um novo problema. E problema sério porque não se restringe somente ao trânsito. A falta de respeito às normas vai minando a sociedade brasileira.

Cada vez mais é comum nos depararmos com gente que sem qualquer pudor fura filas de cinemas, teatros, bancos ou restaurantes. É também comum vermos pessoas absolutamente saudáveis se valendo de vantagens oferecidas aos que necessitam de cuidados especiais.

A falta de respeito ao próximo pode ser vista, ou melhor, ouvida, nas proximidades de dezenas de templos das mais variadas religiões e seitas, que pouco se importam com o direito do próximo e ligam seus alto-falantes no volume máximo, como se Deus fosse surdo.

Todas estas manifestações impactam negativamente os resultados da atividade seguradora. Cada uma delas é um passo na direção do aumento dos riscos a que as pessoas são submetidas. Riscos de brigas, de assassinatos, de violência contra o próximo, de atos de covardia, como os ataques aos homossexuais ou às mulheres, que se repetem com regularidade impressionante e, por causa disto, não causam mais o horror que deveriam causar.

Como cada uma dessas ações implica o aumento do risco, aumenta também a ocorrência dos sinistros, parte dos quais tem cobertura de seguro. Quando alguém vai pela pista de fora, passa todo mundo e depois subitamente faz uma conversão fechando os que vêm atrás, para virar para dentro, o acidente se torna quase certo.

Da mesma forma, quando alguém fura uma fila, ou gratuitamente agride outras pessoas, a reação lógica dos agredidos pode levar a brigas com desfechos dramáticos, representados pelas estatísticas estarrecedoras que apontam os jovens até 25 anos como as maiores vítimas da violência.

Seguro existe para proteger o patrimônio e a capacidade de atuação da sociedade. Quando parte dos integrantes da sociedade deliberadamente passa a correr mais riscos, em todos os tipos de atividades, não há como o seguro não custar mais caro. É a velha máxima dos bons pagarem pelos maus.

SÓCIO DA PENTEADO MENDONÇA ADVOCACIA, PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E COMENTARISTA DA RÁDIO ESTADÃO ESPN

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - Falta o Plano Real dos juros



Falta o Plano Real dos juros
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

Em 2003, ao receber da Ordem dos Economistas o prêmio de Economista do Ano, Pérsio Arida observou: "Nossa economia já teve uma característica singular - a indexação legal e generalizada de contratos -, e para ela encontramos uma solução igualmente original - a Unidade Real de Valor (URV) e a reforma monetária. Temos, agora, uma outra característica singular a enfrentar. A singularidade do nosso desafio no passado esteve no combate à inflação crônica; agora é a busca de alternativas que possam reduzir a taxa estrutural de juros".

De lá para cá, o mundo mudou muito. Tivemos o período de forte crescimento global, que beneficiou amplamente o Brasil, e depois o colapso financeiro de 2008-2009, seguido da crise das dívidas públicas na zona do euro. Teorias e práticas de política econômica sofreram forte impacto no mundo e aqui, entre nós.

A realidade econômica também mudou muito. Por exemplo: em vez de crises externas por falta de dólares, os países emergentes exportadores - Brasil incluído - lidam com o problema inverso, o excesso de dólares e moedas locais valorizadas.

Mas continuamos com a taxa estrutural de juros muito alta e muito maior do que a de países parecidos. Ou seja, o desafio sugerido por Pérsio Arida continua aí.

É verdade que a situação melhorou um pouco. Em 2003, a taxa real de juros estava na casa dos 8% ao ano. De uns tempos para cá, roda entre 5% e 6%, e parece empacada aí. Além disso, as taxas caíram no mundo todo, estando hoje entre zero e 2%, de maneira que a posição comparativa do Brasil não se alterou.

De outro lado, nos últimos dois anos, a inflação brasileira mais alta, em torno dos 6% anuais, tem feito parte do trabalho de derrubar os juros reais. E não é o que queremos.

Tudo considerado, ficamos com inflação e juros mais altos, um desafio até mais complicado.

Com inflação alta por vários meses seguidos, reaparece o problema da indexação (a última medida legal de restrição à indexação é de 1995!). Acrescentem ao quadro o real muito valorizado e se percebe o tamanho da questão.

Em 2003, Pérsio Arida apelava aos colegas. "No momento, cabe a nós, economistas, propor à sociedade, através de uma reflexão crítica sobre nossa singularidade, um conjunto de políticas que consiga reduzir a taxa estrutural de juros".

Houve muitos estudos de lá para cá. E há, no momento, muita gente quebrando a cabeça de novo, tentando entender como lidar com o pós-crise. Continuariam os juros sendo o principal desafio brasileiro?

Parece que sim. Pela comparação: moeda valorizada e inflação mais alta é uma combinação comum em vários países emergentes, incluindo os latino-americanos. Mas os juros brasileiros são imbatíveis, assim como a nossa carga tributária (e parece que são pontos correlacionados).

Estariam no centro da agenda nacional?

Para retomar a comparação de Arida, falta, atualmente, algo que havia em 1993, no lançamento da URV/reforma monetária: a disposição política de fazer uma mudança estrutural. Os talentosos economistas da época não teriam ido longe sem a mobilização e a liderança de Fernando Henrique Cardoso.

De sua parte, Fernando Henrique trazia uma visão mais ampla de modernizar o País, o que foi feito em grande escala.

Lula não se empenhou em nenhuma mudança estrutural. No início do primeiro mandato, na gestão de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, ainda foram feitas algumas reformas microeconômicas. Depois, quando a economia entrou no embalo do crescimento global, Lula surfou a onda e não quis saber de mais nada complicado ou politicamente difícil, como uma reforma tributária. Aproveitou a boa arrecadação para aumentar gastos, boa parte de eficácia duvidosa, e foi buscar votos.

E Dilma Rousseff? Começou no quebra-galho, administrando heranças difíceis, especialmente a inflação. Mas também teve de tentar deter a queda do dólar e segurar o gasto público. E tirar o atraso de obras da Copa do Mundo de 2014.

Como faz isso? Numa mistura de instrumentos ortodoxos - regime de metas, Banco Central, superávit primário - e antigos, como restrições ao crédito e impostos sobre a entrada de capitais.

Mas não se vislumbra uma doutrina, um plano de mudanças estruturais. A presidente diz que será rigorosa contra a inflação, mas que não aceita derrubar o crescimento econômico. Assim, na teoria, fica bem. Mas quanto de crescimento se exige e quanto de inflação se tolera para isso?

E, sobretudo, não se vê nada em relação ao desafio dos juros elevados. A presidente já disse, até mesmo na campanha eleitoral, que tinha o objetivo de reduzi-los. Mas não disse qual caminho pretende seguir para isso.

Parece improvisado. Um dia é o dólar; no outro, o crediário; depois, a inflação.

De uns dias para cá, depois do anúncio da privatização dos aeroportos, membros do governo têm vazado algumas informações sobre planos de combate à indexação, simplificações tributárias e outras modernizações.

Mas, de novo, falta o Plano Real dos juros - uma concepção teórica, um mapa do caminho prático, a liderança política e a disposição de aplicá-lo.

A oposição nem passa perto disso.

GOSTOSA

MARCELO DE PAIVA ABREU - Rumo à diplomacia de resultados



Rumo à diplomacia de resultados
MARCELO DE PAIVA ABREU

O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

São animadoras as recentes declarações presidenciais sobre a política externa. Em especial a ênfase em objetivos substantivos, em detrimento dos fogos de artifício a gosto do governo anterior, sob o patrocínio de Amorim, Garcia & Guimarães.

E, no entanto, iniciativas do atual governo ainda lembram a diplomacia de "gogó". Exemplo disso é a insistência do ministro Mantega em viabilizar o tratamento das implicações comerciais das "guerras cambiais" na Organização Mundial do Comércio (OMC). Tal insistência é para a plateia, não leva em conta a divisão de trabalho entre Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Gatt-OMC, que emergiu das negociações multilaterais pós-2.ª Guerra. De fato, a forte resistência ao tratamento de questões cambiais em Genebra está implícita no entendimento de que desequilíbrios cambiais não servem de pretexto para a imposição de medidas comerciais.

O foro adequado para tratamento de desequilíbrios macroeconômicos, inclusive cambiais, deveria ser um FMI turbinado, radicalmente ajustado para refletir os pesos das economias nacionais e reconstruído nas linhas do que foi aprendido na constituição do Gatt-OMC. Com agenda que incluísse definição de objetivos, instrumentos e regras, montagem de sistema de solução de controvérsias e provisões para a implementação de disciplinas.

A crise de 2008 ensejou a criação do G-20 como foro de líderes políticos mundiais que se sobrepôs ao G-20 que já funcionava, desde 1999, reunindo autoridades da área econômico-financeira de um grupo restrito de países. Em 2008 fazia sentido maximizar o peso político dos esforços de coordenação de políticas macroeconômicas que evitassem o agravamento da crise, bem como a orquestração do saneamento de instituições financeiras. O papel do G-20 foi crucial para atenuar a tendência, na crise, a tentar transferir custos para outras economias, o clássico beggar your neighbour ("empobrecer o seu vizinho"). O papel foi menos bom na definição de uma estratégia global de re-regulação do sistema financeiro. E, à medida que se desenha cenário de recuperação, tem demonstrado ser ainda menos eficaz na administração das tensões macroeconômicas e na remoção de obstáculos ao bom funcionamento da economia mundial. Talvez o exemplo mais chocante da ineficácia do G-20 seja o naufrágio que se anuncia da Rodada Doha, após dez anos de negociações e a despeito de solenes declarações de que sua conclusão seria essencial.

As pautas das reuniões de cúpula parecem variar de acordo com os interesses dos países anfitriões. O interesse francês nos preços de produtos agrícolas, por exemplo, suscitou a desconfiança dos países exportadores desses produtos, pois tais preocupações não ocorreram quando os preços das commodities estavam deprimidos. Falta aos esforços do G-20 plano de jogo. Principalmente quanto à institucionalização de mecanismos multilaterais permanentes e capazes de influir na definição de políticas nacionais de grandes economias que desestabilizam a economia global.

A menos de paixões nacionais, o diagnóstico sobre as fontes de instabilidade da economia mundial teria de incluir as políticas de intervenção cambial adotadas pela China e, ainda, o afrouxamento quantitativo que vem marcando a política monetária dos EUA. É natural que chineses e norte-americanos se recriminem mutuamente, inclusive para atenuar as críticas às suas próprias políticas desestabilizadoras dos "vizinhos". E que, dependendo de circunstâncias, autoridades de outros países tendam a enfatizar o papel deletério das políticas econômicas de uma ou outra das grandes economias mundiais. O nosso ministro da Fazenda, por exemplo, tem sistematicamente denunciado o afrouxamento quantitativo dos EUA e ignorado a manutenção do yuan depreciado.

É difícil imaginar que reuniões de cúpula do G-20 possam contribuir decisivamente para um processo de desmantelamento de tais políticas. Em qualquer caso, num ambiente dominado pela política como as cúpulas do G-20 o papel do Brasil será menor, mesmo que haja muito otimismo quanto a significativo aumento de sua influência no passado recente. Se, e quando, o processo de compatibilização multilateral de políticas macroeconômicas for institucionalizado, será possível lentamente acumular reputação e credibilidade - como ocorreu no Gatt-OMC, quanto às negociações comerciais - de forma a compensar o modesto peso do Brasil.

No terreno econômico, o fracasso das negociações na OMC e a ineficácia do G-20 no formato atual bloqueiam a esfera multilateral como locus em que a diplomacia brasileira possa obter resultados, como deseja Dilma Rousseff. As alternativas são mais ou menos evidentes: recauchutagem do Mercosul, envolvendo o relançamento político do tema; conclusão das negociações comerciais com a União Europeia; ampliação dos vínculos comerciais e financeiros com os parceiros Brics, talvez com prioridade para a África do Sul; e retomada da agenda econômica possível com os EUA. É preferível, para o País, fracassar ao tentar obter de forma séria resultados substantivos com a sua diplomacia do que regozijar-se infantilmente com a sua retórica independentemente de resultados concretos, como fez no passado recente.

EVERARDO MACIEL - O outro lado da reforma política



O outro lado da reforma política
EVERARDO MACIEL

O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

No Brasil, costumamos condicionar a solução de problemas a um mítico conceito de reforma, que consiste em abandonar tudo o que antes existia e instituir uma nova realidade. Não se tem clareza quanto à natureza e amplitude dos problemas, muito menos consenso sobre o que minimamente se deva fazer. Ainda assim, as "reformas" são a panaceia para problemas políticos, tributários, previdenciários, trabalhistas ou qualquer outro que propicie um adjetivo conveniente para a palavra reforma.

Em lugar de buscar soluções para problemas específicos, opta-se por aguardar uma abrangente reforma, que somente prospera em ocasiões excepcionais, como rupturas da ordem institucional, catástrofes, guerras, etc. Reformas devem ser tidas como processo permanente, porque as circunstâncias mudam e os modelos inevitavelmente se tornam obsoletos.

Os debates sobre a reforma política gravitam em torno do financiamento das campanhas e dos sistemas eleitorais (voto distrital, distrital misto, majoritário ou em lista fechada, em contraposição ao vigente sistema proporcional).

Não há soluções universais para o tema. O que se deve evitar tão somente são regras francamente inconsistentes, como a coligação em eleições proporcionais, bem como as que ofendem a ordem constitucional, como a votação em lista fechada que se presume ferir a cláusula pétrea que prescreve o voto direto.

Infelizmente, conquanto sem surpresa, os debates não tangenciam o aviltamento da qualidade intelectual e moral da representação popular.

Ulisses Guimarães dizia que cada legislatura era pior que a anterior. Os fatos parecem dar razão a essa visão pessimista. As Casas Legislativas vêm sendo estigmatizadas por sucessivos escândalos. Há uma clara crise de representatividade.

A utilização abusiva das medidas provisórias converteu o Congresso Nacional em entidade homologatória de normas editadas pelo Executivo, sob a égide de negócios associados à liberação de emendas e restos a pagar, e das despudoradas práticas de fisiologismo e aparelhamento. Essas reprováveis condutas associadas ao foro privilegiado constituem um extraordinário atrativo para que pessoas pouco virtuosas procurem, a qualquer custo, um mandato parlamentar.

A liberação de emendas e restos a pagar é apenas um aspecto de um processo orçamentário que se tornou completamente anárquico. Orçamento público é contemporâneo da democracia moderna. Sua decadência, portanto, implica elevação do déficit democrático.

As propostas orçamentárias anuais remetidas ao Legislativo se sujeitam a toda sorte de manipulações, usualmente com o objetivo de acomodar demandas políticas pouco criteriosas. O fundamento utilizado para revisão das receitas é um singelo e bem-intencionado mandamento constitucional que admite essa hipótese no caso de "erros e revisões". Essa norma a tudo se presta.

As receitas, por sua vez, podem ser alteradas após a remessa da proposta orçamentária, porque as regras de anterioridade tributária não vedam essa possibilidade, o que dá ensejo às denominadas "receitas condicionadas".

A Lei de Diretrizes Orçamentárias, que deveria, nos termos da Constituição, dispor sobre alterações tributárias, é vítima de inobservância contumaz. Além do mais, a qualquer tempo, ela pode ser alterada por medida provisória.

Aprovada a lei orçamentária, com receitas em princípio irrealistas, segue-se, invariavelmente, um contingenciamento das despesas, inopinadamente revisto ao sabor da vontade política do Poder Executivo, inclusive para atender a pressões decorrentes de votações no Congresso Nacional.

O que não se libera passa a engrossar um cada vez mais expressivo montante de restos a pagar, cuja administração corresponde a um verdadeiro orçamento paralelo.

As ditas emendas, muito frequentemente, servem como moeda de pagamento ao apoio de políticos e empresários, não raro com finalidades escusas. Afora isso, como quase sempre representam transferências voluntárias para Estados e municípios, servem para tornar ainda mais caótico o esdrúxulo federalismo fiscal brasileiro.

A administração pública requer regras mais claras para o provimento das funções públicas de direção e assessoramento. Tal como está hoje, jamais teremos uma gestão republicana, com o risco de perder as poucas ilhas de excelência que ainda resistem aos apetites políticos.

O foro privilegiado é evidência de atraso institucional. O constrangimento à atividade política, por meio de ações judiciais, deve ser combatido por uma lei de crimes por abuso de autoridade, e não pela outorga de privilégios exorbitantes.

Certamente, é preciso aperfeiçoar o sistema eleitoral, reduzir a demanda por gastos nas campanhas e fortalecer os partidos. Tenho, entretanto, sérias dúvidas se essas medidas irão repercutir efetivamente sobre a qualidade da representação política.

Ainda que possa parecer utópico, a reforma política deveria reservar atenção para o processo orçamentário, a profissionalização da administração pública e a limitação do foro privilegiado e das medidas provisórias.

GOSTOSA

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - Energia cara e serviço ruim



Energia cara e serviço ruim
EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

Além da repercussão interna da alta dos preços das commodities no mercado internacional, da demanda ainda aquecida e da continuidade da expansão do crédito, os preços administrados são outro sério obstáculo na luta contra a inflação que preocupa o governo. Um destes preços é o da energia elétrica. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem autorizando reajustes de tarifas às concessionárias de 9% a 11%, em média, muito acima da inflação medida pelo IPCA (6,34% nos últimos 12 meses findos em março). As concessionárias têm o direito contratual de corrigir anualmente as suas tarifas, mas a agência reguladora, em mais de um caso, concedeu às empresas de energia elétrica reajustes superiores aos que elas próprias solicitaram. A Cemig, por exemplo, solicitou um aumento de tarifas de 8,8%, que a Aneel considerou insuficiente, autorizando a empresa a aumentar em 9,02% o preço da eletricidade fornecida à indústria.

O problema não é de hoje. Reportagem da Folha de S.Paulo (28/4) mostrava que, enquanto o IPCA teve uma alta acumulada de 86% nos últimos dez anos, as tarifas de eletricidade subiram nada menos que 186% no mesmo período. Isso pesa no bolso do consumidor residencial, com a agravante de que, com a melhoria de renda da população, cresceu muito o uso de eletrodomésticos no País.

Ainda mais afetadas são as empresas comerciais e industriais e, particularmente, o setor industrial exportador. Além de arcar com encargos e tributos abusivos, como todas as empresas, as indústrias têm de cortar custos ao máximo para poder competir, em vista do câmbio sobrevalorizado, e, ainda por cima, pagar pela energia que consomem um preço mais elevado que os cobrados nos países desenvolvidos.

É verdade que o total de impostos cobrados pelos entes estatais é absurdo. Há isenções e tarifas sociais para as classes de menor renda, de acordo com o programa Luz para Todos, que o governo pretende prorrogar até 2014, e que representa 3% na conta de luz, mas está longe de ser o item mais pesado. Segundo especialistas, ao todo 12 tributos e 11 contribuições incidem sobre tarifa de eletricidade. O grande vilão, parcialmente encoberto nas contas de luz, é o ICMS. Em São Paulo, a alíquota do imposto é de 25%, mas chega a 36%, uma vez que a base de cálculo final do tributo incorpora todas as taxas e contribuições, incluindo novamente o ICMS já cobrado.

Será muito difícil reduzir essa fonte de arrecadação, enquanto os gastos do setor público em geral não forem controlados. Mas os problemas não param aí. É claro que a revisão tarifária prevista nos contratos de concessão entre as empresas e o governo federal tem que levar em conta os custos da distribuição, cabendo à agência reguladora estabelecer o teto dos preços a serem praticados. Mas isso presume que a Aneel adote parâmetros para esses custos. É ridícula, para dizer o mínimo, a alegação da agência reguladora de que a fórmula de reajuste inclui "os ganhos de produtividade e eficiência das empresas (fator X), que são compartilhados com os consumidores ao reduzir o impacto dos reajustes".

Bem ao contrário. Os aumentos despropositados concedidos pela Aneel depõem contra a eficiência das distribuidoras de eletricidade. Seus serviços são em geral precários, como provam os blecautes cada vez mais frequentes em todas as regiões do País. Sob o aspecto financeiro, há concessionárias em boa situação, bastante lucrativas, outras em situação difícil e outras deficitárias ou em processo de reestruturação e saneamento de suas contas. Mas todas terão reajuste de tarifas bem superiores à inflação, e que tendem a prevalecer apesar dos protestos. Em Salvador, onde a Coelba, com autorização da Aneel, aumentou as contas de luz em 9,92% para as residências e 10,16% para as indústrias, a Prefeitura entrou com ação na Justiça contra a cobrança abusiva.

Se a presidente Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia, está disposta a trabalhar firmemente, como afirmou, para evitar que a inflação dispare, terá de mexer na caixa-preta em que se transformou o setor elétrico.

LIGIA BAHIA - Corações partidos e petrificados



Corações partidos e petrificados
LIGIA BAHIA

O Globo - 02/05/2011

Por trás dos rompantes lamentando a impossibilidade de todos os brasileiros terem o mesmo atendimento à saúde que curou alguns ou permitiu-lhes viver mais e melhor, nota-se alívio, culpa e compaixão. Entretanto, os espíritos elevados, especialmente os que animam autoridades públicas submetidas a terapias caras e prolongadas em estabelecimentos privados, logo intuem que os custos envolvidos com determinadas doenças, que acometem mais as pessoas de menor renda, não teriam, por ora, como ser financiados. Contidas pelo cálculo, essas bondosas emanações não irrompem; ficam pairando por aí, para retornar quando alguém importante tiver um problema grave de saúde e for sacudido por fortes sentimentos de finitude e semelhança com os demais mortais.

A experiência com a oferta de tecnologias médico-hospitalares abrigadas em espaços fortemente demarcados por diversas barreiras discriminatórias, entre as quais a cobrança de valores muito superiores à capacidade de pagamento da maioria da população, confunde a ordem dos fatores. A variedade dos especialistas mobilizados para cada caso, o uso de equipamentos modernos e a sofisticação de espaços físicos propositalmente adaptados para a exclusividade dos atendimentos induz a troca entre causa e efeito. Passa-se da certeza sobre a existência de tudo isso, porque é para poucos, para a conclusão: é melhor possuir uma medicina considerada de Primeiro Mundo, mesmo inacessível para a maioria. Não há quem em sã consciência discorde dos argumentos sobre a importância de determos expertise e recursos similares aos dos mais renomados templos internacionais de cura. Entretanto, para a saúde, nem tudo que é bom é caro e privativo. Os dispêndios vultosos tornam-se, quase sempre, subsidiados por recursos públicos. Por essas razões, a estratificação social não impede a vigência dos sistemas universais de saúde em diversos países desenvolvidos. Neles, existem instituições públicas e privadas, desde os anos 70, encarregadas de regular o acesso e utilização de tecnologias para todos.

No Brasil, tentamos seguir o modelo geral, mas com uma inversão no fluxo dos recursos: o público corre para o privado. As estratégias para a obtenção de benefícios particularizados, legitimadas por instâncias públicas, desfavorecem a transformação de interesses em direitos. Para contornar o problema das desigualdades geradas politicamente, descarta-se a saúde da lista de prioridades e afirma-se a eficácia de soluções administradas com conta-gotas. O dano causado por tais tergiversações é imenso. A sobrevida média de uma pessoa com câncer nos países europeus, Canadá e nos EUA fica entre 12 e 14 anos; e, no Brasil, entre 2 e 4 anos. Com bons tratos, um número ínfimo de nativos atinge o escore estrangeiro. Para a maior parte dos pacientes, o diagnostico tardio e as dificuldades de acesso oportuno ao tratamento diminuem as chances de sobrevivência.

Esses fatos, embora bastante conhecidos, sequer triscam disparidades acumuladas ao longo de décadas. O temor da padronização, em especial no que se refere à assistência médico-hospitalar, é profundamente arraigado entre integrantes de segmentos de maior renda. Qualquer gesto direcionado a estabelecer como, onde, para quem e o que será financiado com recursos públicos assusta. É interpretado como ameaça de rebaixamento de um padrão assistencial desejável exatamente por permitir a reserva antecipada dos melhores lugares. Quem supõe "segurar" um plano de saúde na mão pode permanecer indiferente ou mesmo indisposto frente aos desafios de desbloquear os obstáculos para compatibilizar o direito à saúde com o desenvolvimento econômico e social do Brasil contemporâneo.

As tarefas de estabelecer, aproximar e ordenar uma relação consequente entre a ciência, a técnica, a resolução de problemas e a construção de um país mais democrático competem ao governo, aos partidos políticos, às entidades profissionais, empresariais e a outras organizações da sociedade civil. As pressões de vários mercados pela incorporação de tecnologias caras e nem sempre custo-efetivas impactam o orçamento da saúde. É a avaliação da efetividade das tecnologias que auxilia a fundamentação de propostas de racionalização das decisões e práticas. Maximizar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, explicitando fontes e volume de gastos, bem como a destinação dessas despesas, será um fardo bem leve, comparado ao peso incomensurável da negação monossilábica ao acesso, ao atendimento.

A legislação brasileira nos resguarda das rudes polêmicas sobre o conselho independente de especialistas - que basearia sua atuação nas evidências sobre a segurança e efetividade de tecnologias proposto pelo governo Obama. Opor as concepções sobre a escolha individual do consumo de serviços de saúde à da organização de um sistema social que lida com a vida e a morte parece primevo. Já superamos, pelo menos formalmente, esse estágio.

O SUS tem muitos significados. Mas nenhum deles franqueia a apropriação por poucos do acervo coletivo de conhecimentos e atividades disponíveis para evitar riscos, restabelecer a saúde, evitar a dor e o sofrimento. A institucionalização de um processo permanente de avaliação de programas, serviços e tecnologia para a saúde, articulado com a regulação de preços, devolve-lhe seu sentido conflitivo, de espaço de passagem do individuo ao cidadão e progressão da garantia e expectativas de direitos à saúde. Esse é o melhor remédio para prevenir corações partidos e curar os petrificados.

LIGIA BAHIA é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

GOSTOSA

ANCELMO GÓIS - União gay no STF


União gay no STF
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 02/05/11

Quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal julga duas ações polêmicas ligadas à união gay. Uma do governo do Rio. Cabral pede que seja aplicado a casais homossexuais o regime jurídico das uniões estáveis. Outra da Procuradoria Geral da República, que pede o reconhecimento do casal gay como entidade familiar. 

Gays e a Marinha 
Aliás, o marinheiro João Silva, casado com Cláudio Nascimento, da Secretaria de Direitos Humanos do Rio, entrou com pedido de reconhecimento de cônjuge no departamento pessoal da Marinha, com direito a benefícios como plano de saúde. 

Laboratório gay
Na sexta, o ator Marcelo Serrado foi visto numa festa gay na boate The Week, no Rio. O ator, ah bom!, observava para criar seu novo personagem, o gay afetado Crodoaldo, de “Fina estampa”, próxima novela das 21h, de Aguinaldo Silva. 

O amor é lindo
Depois de três dias juntos no Paraguai, na reunião do Conmebol, Ricardo Teixeira e Joseph Blatter fizeram as pazes. O presidente da CBF vai apoiar a reeleição de Blatter para a Fifa. Blatter mudou o discurso e passou a elogiar a organização da Copa no Brasil.

No mais 
Obras paradas, contingenciamento de verbas, inflação alta e juros subindo. Dilma e o PT devem estar aprendendo agora o verdadeiro
significado da expressão “herança maldita”... de Lula. 

Chega de saudade
Sairá em livro de bolso na Alemanha “Chega de saudade”, de Ruy Castro, sobre a bossa nova, com 27 reimpressões no Brasil. O livro já tem edições em inglês, japonês, espanhol, italiano e uma edição no próprio alemão, em capa dura. 

‘Galinhão’
Quinta, lá pelas 20h, três voos da American Airlines, procedentes dos EUA, desceram um atrás do outro no Galeão-Tom Jobim, e o aeroporto não deu conta dos mais de 700 passageiros. Uma das vítimas foi o cantor Lulu Santos, que vinha de Miami e passou sufoco no caos. 

Segue...
As filas da Polícia Federal ficaram inviáveis. As bagagens de Lulu, anunciadas para sair na esteira 8, saíram na 9. Mas... sem sua guitarra! O instrumento só apareceu quando o cantor chiou. “Cheguei em casa três horas depois”, conta Lulu, que apelidou o Galeão
de... “Galinhão”. Faz sentido. 

A 3 anos da Copa... 

Sexta, o voo 3025 da TAM (Brasília-Rio) decolou às 9h52m, e pousou no Santos Dumont pontualmente, 80 minutos dep ois. Mas, no desembarque, o finger 1... pifou. Os passageiros tiveram de esperar dentro do avião 40 minutos, metade do tempo de voo,
até vir outro finger. O comandante só queria uma escada... 

Mais gringos no Rio
Em 2010, a cidade recebeu 1, 610 milhão de turistas estrangeiros: 120 mil a mais do que em 2009. No período, os gringos deixaram
no Rio mais de US$ 2 bi. A conta é de Antônio Pedro Figueira de Mello, da Riotur. Ele acredita que em 2011 o número será maior por conta do show de Paul McCartney e do Rock in Rio, em setembro. 

Falência da Sata

A Sata, empresa do velho grupo Varig que estava em recuperação judicial, teve a falência decretada sexta. A companhia, de 61 anos, foi a maior do setor de apoio aeroviário em terra do país e chegou a ter quase oito mil funcionários. “Um péssimo presente
de Dia do Trabalho”, diz Selma Balbino, presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários. 

Rei David, o gago 
O enredo da Grande Rio para o carnaval de 2012 será “Eu acredito em você. E você?”. A escola falará sobre superações. David Brazil será um dos destaques por ser gago, gay e nordestino.

País rico é... pirata
A ministra Helena Chagas tranquiliza a Associação dos Designers Gráficos, que alertou para o risco de pirataria em relação ao uso da tipologia de letras da marca “País rico é país sem pobreza”: — Não vai haver risco de pirataria, pois o Manual de Uso da Marca do Governo já prevê o uso de outra tipologia alternativa justamente para esses casos. 

Em tempo
Saudações rubro-negras!

FERNANDO DE BARROS E SILVA - A honestidade do PT


A honestidade do PT
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/05/11

No longínquo ano de 2000, Lula publicou um artigo histórico na "Gazeta Mercantil". Chamava-se "A honestidade como vantagem comparativa". Na ocasião, o PT o recomendou a todos os que disputavam as eleições municipais, como arma de campanha.

Citei essa peça de museu há três anos, neste espaço. Volto a fazê-lo sem a pretensão de recomendá-la ao partido que acaba de reincorporar Delúbio Soares a seus quadros.

A honestidade há muito deixou de ser uma "vantagem comparativa" do PT (a despeito de vários bons sujeitos que lá estão). Mas tampouco a desonestidade se tornou uma desvantagem na comparação com as demais legendas, como a oposição, no seu moralismo cínico e à falta do que dizer, pareceu apostar. Aos olhos do eleitorado, nenhum partido tem hoje o monopólio da ética (o PSOL talvez pudesse reivindicar o troféu, mas é irrelevante).

Isso não significa que a opinião pública seja indiferente à gatunagem. Pelo contrário. O mensalão, que quase derrubou Lula, e o caso da "famiglia Erenice", que comprometeu a campanha de Dilma, no ano passado, são bons exemplos de que grande parcela da sociedade repudia e reage à corrupção.

Ocorre que até agora a melhoria das condições de vida dos pobres foi suficiente para "compensar" as falhas morais do PT. O partido também ficou cínico. Mas corre o risco de confundir a popularidade de Lula com aprovação à roubalheira.

Ao readmitir Delúbio o PT sabe que se desgasta, mas aposta que será mais uma vez "anistiado". Em 2009, quando o ex-tesoureiro do mensalão tentou voltar e encontrou resistências (por causa da sucessão de Lula, não de princípios), deixou claro aos petistas que se alguém devia algo não era ele, mas sim os que se beneficiavam do seu silêncio.

O PT agora retribui tanto sacrifício. Num partido há muito delubizado, ao voltar do degredo essa triste figura se torna uma espécie de herói da desonestidade como vantagem comparativa.