Rumo à diplomacia de resultados
MARCELO DE PAIVA ABREU
O Estado de S. Paulo - 02/05/2011
São animadoras as recentes declarações presidenciais sobre a política externa. Em especial a ênfase em objetivos substantivos, em detrimento dos fogos de artifício a gosto do governo anterior, sob o patrocínio de Amorim, Garcia & Guimarães.
E, no entanto, iniciativas do atual governo ainda lembram a diplomacia de "gogó". Exemplo disso é a insistência do ministro Mantega em viabilizar o tratamento das implicações comerciais das "guerras cambiais" na Organização Mundial do Comércio (OMC). Tal insistência é para a plateia, não leva em conta a divisão de trabalho entre Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Gatt-OMC, que emergiu das negociações multilaterais pós-2.ª Guerra. De fato, a forte resistência ao tratamento de questões cambiais em Genebra está implícita no entendimento de que desequilíbrios cambiais não servem de pretexto para a imposição de medidas comerciais.
O foro adequado para tratamento de desequilíbrios macroeconômicos, inclusive cambiais, deveria ser um FMI turbinado, radicalmente ajustado para refletir os pesos das economias nacionais e reconstruído nas linhas do que foi aprendido na constituição do Gatt-OMC. Com agenda que incluísse definição de objetivos, instrumentos e regras, montagem de sistema de solução de controvérsias e provisões para a implementação de disciplinas.
A crise de 2008 ensejou a criação do G-20 como foro de líderes políticos mundiais que se sobrepôs ao G-20 que já funcionava, desde 1999, reunindo autoridades da área econômico-financeira de um grupo restrito de países. Em 2008 fazia sentido maximizar o peso político dos esforços de coordenação de políticas macroeconômicas que evitassem o agravamento da crise, bem como a orquestração do saneamento de instituições financeiras. O papel do G-20 foi crucial para atenuar a tendência, na crise, a tentar transferir custos para outras economias, o clássico beggar your neighbour ("empobrecer o seu vizinho"). O papel foi menos bom na definição de uma estratégia global de re-regulação do sistema financeiro. E, à medida que se desenha cenário de recuperação, tem demonstrado ser ainda menos eficaz na administração das tensões macroeconômicas e na remoção de obstáculos ao bom funcionamento da economia mundial. Talvez o exemplo mais chocante da ineficácia do G-20 seja o naufrágio que se anuncia da Rodada Doha, após dez anos de negociações e a despeito de solenes declarações de que sua conclusão seria essencial.
As pautas das reuniões de cúpula parecem variar de acordo com os interesses dos países anfitriões. O interesse francês nos preços de produtos agrícolas, por exemplo, suscitou a desconfiança dos países exportadores desses produtos, pois tais preocupações não ocorreram quando os preços das commodities estavam deprimidos. Falta aos esforços do G-20 plano de jogo. Principalmente quanto à institucionalização de mecanismos multilaterais permanentes e capazes de influir na definição de políticas nacionais de grandes economias que desestabilizam a economia global.
A menos de paixões nacionais, o diagnóstico sobre as fontes de instabilidade da economia mundial teria de incluir as políticas de intervenção cambial adotadas pela China e, ainda, o afrouxamento quantitativo que vem marcando a política monetária dos EUA. É natural que chineses e norte-americanos se recriminem mutuamente, inclusive para atenuar as críticas às suas próprias políticas desestabilizadoras dos "vizinhos". E que, dependendo de circunstâncias, autoridades de outros países tendam a enfatizar o papel deletério das políticas econômicas de uma ou outra das grandes economias mundiais. O nosso ministro da Fazenda, por exemplo, tem sistematicamente denunciado o afrouxamento quantitativo dos EUA e ignorado a manutenção do yuan depreciado.
É difícil imaginar que reuniões de cúpula do G-20 possam contribuir decisivamente para um processo de desmantelamento de tais políticas. Em qualquer caso, num ambiente dominado pela política como as cúpulas do G-20 o papel do Brasil será menor, mesmo que haja muito otimismo quanto a significativo aumento de sua influência no passado recente. Se, e quando, o processo de compatibilização multilateral de políticas macroeconômicas for institucionalizado, será possível lentamente acumular reputação e credibilidade - como ocorreu no Gatt-OMC, quanto às negociações comerciais - de forma a compensar o modesto peso do Brasil.
No terreno econômico, o fracasso das negociações na OMC e a ineficácia do G-20 no formato atual bloqueiam a esfera multilateral como locus em que a diplomacia brasileira possa obter resultados, como deseja Dilma Rousseff. As alternativas são mais ou menos evidentes: recauchutagem do Mercosul, envolvendo o relançamento político do tema; conclusão das negociações comerciais com a União Europeia; ampliação dos vínculos comerciais e financeiros com os parceiros Brics, talvez com prioridade para a África do Sul; e retomada da agenda econômica possível com os EUA. É preferível, para o País, fracassar ao tentar obter de forma séria resultados substantivos com a sua diplomacia do que regozijar-se infantilmente com a sua retórica independentemente de resultados concretos, como fez no passado recente.
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