sábado, maio 11, 2019

Brasil! Abaixa que lá vem bala! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 11/05

Sou contra! Brasileiro não acerta nem mijar no vaso!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Venezuela Urgente! "Maduro ya firmó la carta de renuncia. Pero non sabe donde la Guaidó".

Rarará!

E o tuiteiro Higor Paiva: "Bolsonaro disse que ia acabar com o kit gay. Como não tinha kit gay, resolveu acabar com as escolas". Rarará!

E amanhã é Dia Delas! Dia das Mães! A mãe do ano é a ex-mulher do Bolsonaro. Que teve três rebentos. Ops, TRÊS ARREBENTOS! E o Fux é tão feio que quando ele nasceu botaram Insulfilm no berçário! E o Lula disse que a mãe dele nasceu analfabeta. Que coincidência, a minha também!

Rarará!

E atenção! "Bolsonaro estende porte de armas para políticos e mais 12 categorias." Só? Se atira no chão, que lá vem bala! Políticos já roubam sem arma, imagina armados.

E no Congresso? Duelo entre Joice Hasselmann e Gleisi Hoffmann! Miss Piggy X Crazy Hoffmann! PSL extermina o PT a tiros! "Deputado Frota, bota a pistola pra dentro por favor!". Rarará! Agora já pode fazer arminha com arminha! Sou contra por três motivos.

1) Se brasileiro não acerta nem mijar no vaso, imagina pontaria com arma! Rarará!

2) Brasileiro já é troglodita no trânsito sem arma, imagina com "Tiroteio de 34 km na marginal!". Rarará!

3) Caça não é esporte, é doença mental! E o elenco de 'A Fazenda' é considerado produtor rural? Podem andar armados? Quem planta maconha em casa é produtor rural? Pode andar armado? Pode!

Rarará!

E o Temer? O Vampirão volta pra Cripta Federal! O Temer vai pedir um habeas portos! O Temer se aposentou por tempo de corrupção. Quando a Marcela nasceu, ele já roubava!

Rarará!

E o Bolsonaro tá acabando com a educação porque quer o país seja tão ignorante quanto ele! Impossível! Aí vai ter que cortar 70% das verbas! Rarará!

E a mãe italiana: "Se você não comer tudo, eu te mato". Mãe judia: "Se você não comer tudo, eu me mato!". Mãe venezuelana: "Se você não comer tudo, como eu!". E a mãe portuguesa encontrou uma camisinha na bolsa da filha e gritou. "Ai, Jesus, acho que a minha filha tem pau!"

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico

Thatcher, a inigualável - ANTONIO CARLOS PRADO

REVISTA ISTO É


Por que nenhuma outra mulher conseguiu ou consegue governar tão bem e tão certo como a “Dama de Ferro”, ex-primeira-ministra do Reino Unido



ALTIVEZ Thatcher, aos 81 anos, diante da estátua erguida em sua homenagem: três mandatos consecutivos como primeira-ministra (Crédito: Divulgação)


SEM SAÍDA Titubeios no vaivém do Brexit e “moções de desconfiança”: Theresa May está longe de ser Margaret Thatcher (Crédito:Kirsty Wigglesworth)

Desculpem-nos as mulheres que estão ou que estiveram no poder em seus respectivos países, mas a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher continua a ser insuperável como líder e governante. Melhor: sequer é igualável. A baronesa Thatcher de Kesteven chegou em 1979 a Downing Street 10, há quatro décadas portanto, e lá permaneceu por três mandatos consecutivos. Uma de suas primeiras e incisivas declarações já mostrava quem era ela: “se você quer que alguém apenas fale alguma coisa, peça a um homem; se você quer que alguém de fato faça alguma coisa, peça a uma mulher”. Inglaterra e mundo ficaram boquiabertos, dava-se a extrema valorização feminina, e isso à época em que a cediça expressão “empoderamento” sequer tinha nascido, apesar da revolução dos costumes na década anterior – as feministas, geralmente de esquerda, equivocadamente insistem em desprezar o nome de Thatcher pelo motivo de ela ter sido intransigente adepta do saudável liberalismo.

Em que ponto e por qual motivo Thatcher supera outras mulheres politicamente poderosas? Pois bem, em elegância, classe, sobriedade e compostura… olhemos a baronesa… por exemplo, ela cumprimentava adversários e aliados com igual distanciamento (a régua era o seu braço estendido), a demonstrar que publicamente a efusividade não é de bom tom. O seu sorriso? Trincadura em geleira. Os seus colares de pérolas anunciavam que ali havia nobreza. O escritor Vladimir Nabokov dizia que é possível ter-se estilo até ao se abrir uma lata de sardinhas. É isso: Thatcher tinha estilo. Mas saiamos agora do pessoal, deixemo-la reservada, vamos ao ar que Thatcher respirava: a política. Resumindo em frases a sua superioridade, lembremos de seu lema: “I am not a consensus politician, I am a conviction politician” (“eu não sou uma política de consenso, eu sou uma política de convicção”)



ERRO Dilma enfiou o Estado na economia e causou danos irreparáveis: equivocada desde a época de Vanda (Crédito:DIDA SAMPAIO)


Thatcher pegou em 1979 um Reino Unido esfacelado, ainda em decorrência do pós-guerra: a economia britânica crescia anualmente abaixo dos 3% e a inflação sapateava acima dos 13%. O desemprego disparara, mineiros cruzavam os braços, nem o mais otimista dos jogadores de bridge (ainda que fosse ele o personagem Phileas Fogg de “A volta ao mundo em 80 dias”) ousava apostar em recuo da recessão. O que não faltavam eram crises externas, choques do petróleo, belicismo no Oriente Médio. Thatcher, afirmando que “a primeira-ministra jamais volta atrás”, respondia às críticas levando o liberalismo ao extremo, promovendo um ambicioso projeto de privatizações, enxugando a máquina pública, soltando o mercado e a competitividade empresarial, retirando radicalmente a intromissão do Estado na área econômica. Thatcher moeu o sindicalismo. Em menos de uma década, o Reino Unido ostentava ao mundo um crescimento anual superior a 6% e a inflação despencara para 4,9%. Ela tinha de fato convicção, não nascera para ter nas mãos o calo cômodo dos consensos. Margaret Thatcher, a Dama de Ferro do Partido Conservador conforme a apelidara a imprensa oficial da extinta URSS, cumprira o que prometera quando girou a maçaneta de Downing Street 10: “entrei no governo para transformar o país, de uma sociedade dependente em uma sociedade autoconfiante, de uma nação viciada no ‘dê para mim’ em uma nação do ‘faça você mesmo’



BUROCRACIA Bachelet foi mestre em como fazer desmoronar a economia chilena em cinco meses de governo: estatização (Crédito:ZUMApress.com)

Para nós, aqui, de outro continente e sem a experiência de um verdadeiro liberalismo (temos o Paulo Guedes, legítima Escola de Chicago, se Bolsonaro e filhos pararem de atrapalhar), talvez seja difícil compreender que Thatcher (fatores pessoais à parte como o temperamento) somente conseguiu tanto êxito justamente por ser liberal. Tome-se o Brasil como amostra, a gestão de Dilma Rousseff, com o Estado mandando na economia a ponto de nocautear a Petrobras e quase quebrar setores como os da energia e telefonia. Dilma não possuía nem a vocação ao consenso nem a convicção da qual falava a Dama de Ferro, falecida em 2013 – e, se teve alguma, foi nos tempos do terrorismo com o codinome Vanda, e ainda assim convição errada porque sabidamente comunista e totalitária. Lembremos também o caso do Chile, quando presidido pela socialista Michelle Bachelet: em cinco meses a economia do país desmoronou e a sociedade se desorganizou carente de autoridade. A Previdência, estatizada, faliu. O Estado agigantou-se, invadiu o campo econômico e o esmagou.

“Não sou uma política de consenso; sou uma política de convicção” Margaret Thatcher, em 1979

saída para o avanço civilizatório é pelo conservadorismo liberal (não confundir com o reacionarismo de Bolsonaro e do arremedo de filósofo Olavo de Carvalho), e basta olharmos o planeta para dirimirmos dúvidas. Como explicar então que duas governantes do mesmo partido cheguem a resultados tão díspares? É o caso de Thatcher e da atual primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, empossada em 2016, também pelo Partido Conservador. Para responder essa questão, ouçamos o coral de trezentas vozes da Oitava Sinfonia de Gustav Mahler. Uma voz, uma única voz, pode ser melhor do que todas as outras, apenas porque nasceu superior. Assim é na política, conta a individualidade do temperamento. May se emaranhou em seu eterno vaivém sobre o Brexit e em quase tudo titubeia (feito Angela Merkel, à frente da Alemanha, no campo dos costumes). May é fraca na leitura política e deu o exíguo prazo de dois anos para a transição de saída do Reino Unido. Mais: perdeu apoio quando convocou eleições legislativas antecipadas e carrega o vexame de ter acumulado “moções de desconfiança”.

May é mais consenso, menos convicção. É uma voz. A Dama de Ferro era todo o coral.

"O fim das desonerações fiscais e seus impactos na economia - MATEUS ADRIANO TULIO

GAZETA DO POVO - PR - 11/05

Qualquer aumento de arrecadação será necessariamente repassado aos consumidores


Os rumores de que a equipe econômica pretende cortar até 2022 uma série de incentivos fiscais concedidos atualmente pelo governo federal ganharam destaque com a apresentação do Projeto de Lei do Congresso Nacional 05/19, que estabelece diretrizes para a execução da Lei Orçamentária de 2020, na qual consta plano de revisão dos benefícios tributários com previsão de redução anual equivalente a 0,5% do PIB até 2022.

É difícil precisar qual grupo de incentivos fiscais está na mira do ministro Paulo Guedes, bem como se a proposta do governo será a de redução ou revogação completa desses benefícios. De fato, existe uma série de desonerações tributárias desacompanhadas do devido controle estatal ou do acompanhamento de métricas que venham a demonstrar que estas vêm cumprindo com a função econômico-social para as quais foram criadas.

Não é de hoje que as questões tributárias têm representado retrocesso à economia brasileira. Propostas anteriores de reforma tributária já visavam a simplificação da forma de arrecadação de tributos no país, cuja discussão se arrasta desde o final de década de 1990, com uma ou outra mudança sendo apresentada, mas não implementada.

Um exemplo do custo tributário no Brasil está nos dados constantemente apresentados pelo Banco Mundial, no qual o Brasil aparece com incríveis 1.958 horas dispendidas em média para apuração e arrecadação de impostos, em contrapartida às também incríveis 12 horas dispendidas pelos contribuintes dos Emirados Árabes Unidos. Como números mais factíveis, podemos citar as 175 horas de países como Estados Unidos, as 311 horas de Argentina ou as 142 horas da China.

Tais custos gerados pela complexa legislação tributária correspondem a valores que se somam aos custos das empresas e não trazem nenhuma disponibilidade financeira aos cofres da União. Se esses valores pudessem ser convertidos em redução de custos operacionais das empresas, com eventual aumento proporcional de arrecadação, poderíamos caminhar rumo à justiça tributária. Contudo, essa realidade de simplificação da forma de arrecadação dos tributos no Brasil continua muito distante dos contribuintes.

Outro fator preponderante para compreensão da forma como encarar as desonerações decorrentes dos incentivos fiscais está no fato de que a carga tributária brasileira, comparada aos demais países da América Latina ou países emergentes, é considerada alta, próxima ao padrão de países ricos onde a população é amplamente atendida (com qualidade) pelo serviço público. Comparado aos 32,3% da carga tributária nacional, países como Argentina, Chile e Colômbia estão próximos à casa dos 20% (OECD Global Revenue Statistics Database 2017).

Existe ainda a possibilidade de que algumas atitudes eventualmente tomadas pelo governo sejam desastrosas no âmbito econômico, visto que o Brasil possui diversos concorrentes na atração de investimentos e empresas para seu território. A redução de incentivos fiscais em determinados setores da economia pode representar a saída de várias empresas multinacionais hoje instaladas aqui, bem como a migração de empresas nacionais para países vizinhos na América do Sul, como já acontece com o Paraguai.

Após longos períodos de recessão econômica, o novo governo tomar uma atitude condizente com o aumento na arrecadação poderá representar o corte de custos por meio, inclusive, de uma nova onda de demissões, ou, por outro lado, pelo aumento do preço de produtos que venham a ser impactados pelas mudanças. O certo é que com anos de margens de lucro apertadas ou negativas, qualquer aumento de arrecadação será necessariamente repassado aos consumidores.

Por fim, muitos dos incentivos fiscais atualmente oferecidos pelo governo federal estão associados ao atendimento de necessidades nas quais a iniciativa privada substitui o poder público. Dessa forma, eventual medida adotada pelo governo com a retirada dos incentivos aos entes privados, representará a “estatização” desses recursos e o governo não tem demonstrado habilidade no exercício da gestão da verba pública ou mesmo com sua transparência.

Mateus Adriano Tulio é coordenador da Consultoria Tributária no Marins Bertoldi Advogados."

Boas concessões, poucas privatizações - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 11/05

A iniciativa do governo de anunciar novos pacotes de concessões é motivo de comemoração


O governo anunciou nesta quarta-feira (8) um pacotão de novas concessões, e algumas poucas desestatizações, visando atrair investimentos e modernizar a infraestrutura do país. Este é o primeiro pacote de concessões e privatizações anunciado pelo atual Executivo (os leilões já realizados neste ano estavam agendados desde o governo Michel Temer). O pacote inclui 59 ativos e espera-se conseguir R$ 1,57 trilhão em investimentos ao longo do tempo de concessão.

Bolsonaro continua, assim, a por em prática a agenda liberal prometida durante sua campanha. O sucesso do leilão dos aeroportos já provou que os investidores tem confiança na capacidade de recuperação econômica do Brasil, e demonstra que a transferência da tarefa de melhorar a infraestrutura do país para a iniciativa privada é uma ótima solução.

Serão concedidos à iniciativa privada três blocos de aeroportos (Sul, Norte 1 e Central) e a participação da Infraero nos aeroportos de Guarulhos, Galeão, Confins e Brasília; trechos de rodovias (abrangendo as Rodovias Integradas do Paraná); terminais portuários, entre os quais os terminais STS20 (graneis líquidos) e STS14 (contêineres) de Santos; várias concessões no ramo de energia, incluindo o leilão do excedente do pré-sal, na Bacia de Santos (só com este, espera-se arrecadar R$ 106 bilhões); e a privatização de estatais menores, como a Trensurb e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos.

Contrariando as expectativas, a Infraero, a Valec (estatal das ferrovias) e a EPL (conhecida como estatal do trem-bala) não foram incluídas no pacote. É possível entender que essas empresas continuem operando enquanto a transição das concessões é realizada, mas é difícil imaginar como o governo sustentará a necessidade da manutenção dessas estatais após isso.

Para se ter uma ideia, atualmente, tanto a EPL como a Valec dependem do Tesouro para manter suas atividades, ou seja, elas não são capazes de gerar receita suficiente para se manter. Só a Valec acumula R$ 7,1 bilhões de prejuízo desde sua criação na década de 1980.

O ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, ao justificar a decisão de não privatizar ou não extinguir as empresas, informou que elas desempenham funções importantes e, se reestruturadas, podem continuar contribuindo.

Porém, com as dificuldades que o governo tem encontrado para resolver o problema do déficit fiscal e com a expectativa gerada durante as eleições por um Estado mais enxuto, espera-se que a pasta dê justificativas melhores. Se o ideal do novo governo é privatizar o que puder, por que essas estatais mereceriam continuar? Qual será a sua função quando os ativos que elas gerenciavam estiverem nas mãos da iniciativa privada? Como elas se sustentarão sem que seja necessária a intervenção do Tesouro nacional?

Essas perguntas devem ser respondidas, pois não parece razoável manter empresas que só no ano de 2018 precisaram da injeção de R$ 970,78 milhões dos cofres públicos para fechar as contas.

Quanto à Infraero, o governo Temer já recomendava sua privatização, dado que o excesso de pessoal e a perda de arrecadação da companhia resultariam na perda de sua sustentabilidade econômica e financeira.

A história recente do Brasil mostra que as privatizações, se bem conduzidas, podem se tornar importante vetor de desenvolvimento e crescimento econômico. Contudo, parte da equipe de Bolsonaro parece ter ainda a visão de que o Estado é quem deve ser o principal motor da economia. Isso pode até ser verdade quando a sociedade é incapaz de se organizar para iniciar alguma atividade econômica de interesse coletivo, mas, como os ativos a serem leiloados pelo Estado estão a atrair investidores, não é o presente caso.

A iniciativa do governo de anunciar novos pacotes de concessões é motivo de comemoração. Embora se espere muito das reformas estruturantes, o Executivo mostra que está fazendo o que está a seu alcance para equilibras as contas públicas e recuperar a capacidade de investimento. Contudo, fica ainda a sensação de que é possível fazer mais em relação às privatizações. Questão que ainda mal foi arranhada pelo governo, se comparada às promessas de campanha.

Retirada tática - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 11/05

É provável que a 'revolução' bolsonaro-olavista provoque a implosão do governo

A vitória de Temístocles em Salamina (480 a.C) preservou o mundo grego ameaçado pela Pérsia. O triunfo do macedônio Filipe 2º em Queroneia (338 a.C) unificou as cidades gregas e assentou as bases para a difusão cultural do helenismo. A invasão normanda foi concluída por William, o Conquistador na batalha de Hastings (1066), fonte mítica da moderna Britannia. Segundo uma interpretação exagerada, a civilização ocidental deve sua existência a esse trio de batalhas icônicas. Os generais do alto escalão do governo Bolsonaro certamente as estudaram —e, com elas, aprenderam o valor militar da retirada tática. É hora de aplicar a manobra à política.

O pacto dos generais com o capitão reformado nasceu de um equívoco fatal: os primeiros não entenderam a natureza do segundo. Bolsonaro jamais deixou de ser o fanfarrão estéril, turbulento e indisciplinável, afastado da corporação em 1988. A novidade é que, na curva final rumo ao Planalto, acercou-se de correntes populistas de extrema direitafundamentalmente hostis às mediações institucionais da democracia. Os generais pretendiam participar de um governo "normal", enquadrado na moldura do Estado de Direito. De fato, participam de um governo cujo núcleo almeja subverter o Estado de Direito.

Na rua ao lado, uma faixa da vovó Jurema promete trazer seu amor de volta. A "filosofia política" do Bruxo da Virgínia vale tanto quanto os búzios da vovó —e sua pregação era, até há pouco, um mero golpe de charlatanismo, com implicações exclusivas para seus seguidores ignorantes. Desde a ascensão de Bolsonaro, converteu-se em programa de governo. Os generais começam a entender que o conflito não é com o espalhafatoso bobo da corte, mas com o presidente e seu clã familiar. Falta-lhes, ainda, entender que a conciliação é impossível.

O bolsonaro-olavismo deplorou o "impeachment parlamentar" de Dilma Rousseff. Naquela hora, eles clamavam por uma "intervenção militar" definida não como golpe de Estado clássico mas como uma "marcha sobre Brasília" do povo e dos militares. Hoje, sonham transformar o governo Bolsonaro no ato inaugural de um Estado-movimento: um poder estatal não submetido ao limite das leis e consagrado à luta política permanente. Nessa ordem tresloucada de ideias, a barragem de artilharia virtual sobre o STF, a imprensa e os generais destina-se a preparar a "marcha sobre Brasília" —isto é, a ruptura do Estado de Direito.

Os populismos certamente são capazes de matar as democracias por dentro (Turquia, Hungria, Venezuela). No Brasil, porém, mais provável é que a "revolução" bolsonaro-olavista provoque a implosão do próprio governo Bolsonaro. Se os generais não querem aparecer como cúmplices do desastre, resta-lhes apelar à retirada tática.

Salamina foi uma simulação de retirada, que atraiu os barcos persas ao estreito da armadilha. Em Queroneia, uma breve ofensiva seguida por retirada da ala direita das forças macedônias abriu a cunha fatal entre as falanges gregas. Hastings tem algo de Queroneia, mas é difícil saber se a decisiva retirada temporária das forças normandas foi uma manobra planejada ou o resultado de um insucesso na ofensiva inicial. De qualquer modo, para os generais brasileiros, a solução não requer excessiva inventividade.

O governo Bolsonaro sustenta-se sobre o tripé formado pela equipe econômica, o superministério de Moro e a chamada "ala militar". A remoção do terceiro pilar, pela entrega coletiva dos cargos, destruiria a estabilidade do edifício. A queda encerraria o levante dos extremistas, que confundem os ecos de seus tuítes com a voz do povo. Depois dela, ainda sobraria Mourão --e, portanto, a chance de construção de uma vereda política para o futuro.

Generais, mirem-se em Temístocles, o ateniense, Filipe 2º, o macedônio, e William, o normando. Retirem-se, antes que seja tarde.

Problema de base - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 11/05

Imbróglio envolvendo alunos de ensino a distância retrata bem um dilema


Conselhos profissionais como o de arquitetura e veterinária vêm se negando a conceder registro a alunos formados na modalidade de ensino a distância (EaD). É um tremendo imbróglio jurídico e pedagógico que ainda vai render muitas sentenças e artigos. É também um bom retrato dos dilemas do ensino brasileiro.

Os conselhos alegam, com uma ponta de razão, que é preciso proteger o público de maus profissionais e que as pessoas graduadas no EaD têm desempenho inferior ao de oriundos do sistema presencial. Já representantes das faculdades afirmam, também com fumaça de bom direito, que não cabe aos conselhos determinar quais cursos prestam e quais não. Essa é uma tarefa do poder público, leia-se MEC, e não das corporações, que têm interesse direto no tamanho do mercado.

O problema aqui é que o Brasil precisa colocar mais jovens no ensino superior, mas nossa educação básica é muito ruim. O resultado disso é que acabamos dando diplomas de faculdade a alunos que, numa análise qualitativa rigorosa, não deveriam nem ter concluído o ensino médio.

Em tese, não há nada no EaD que o torne intrinsecamente pior. Um estudante aplicado pode, sem sair de casa, obter a melhor formação do mundo (mas não a titulação) fazendo os cursos de grandes professores de Harvard, Yale, Oxford, Sorbonne etc. que estão disponíveis gratuitamente na internet. Na prática, porém, por uma série de condicionantes que não cabe aqui comentar, são os alunos com mais dificuldades econômicas e acadêmicas que acabam optando pelo EaD, contribuindo para a má fama do modal.

A solução para o problema é melhorar muito a educação básica. Como isso não vai ocorrer tão cedo, o próprio MEC (e não as corporações) deveria proceder a uma avaliação seriada do desempenho de estudantes de certos cursos, evitando que eles desperdicem mais tempo e dinheiro numa carreira que não terão condições de exercer.
Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…"

Olavo de Carvalho militares: populismo ou institucionalismo - MARCUS PESTANA

O Tempo - MG 11/05

Não teria importância se não fosse o apoio do núcleo familiar


Daron Acemoglu e James Robison, em seu livro “Por que as Nações Fracassam”, após exaustiva pesquisa histórica, em que cotejaram a experiência de diversas sociedades com as diversas teorias do desenvolvimento, concluíram que a prosperidade ou a miséria são determinadas, em última instância, pela qualidade das instituições.

Mal ou bem, no Brasil, aos trancos e barrancos, entre dois impeachments, turbulências políticas e crises econômicas agudas, consolidamos, nos últimos 34 anos, instituições democráticas e republicanas. Mas tropeços e soluços continuam a ocorrer. É preciso ter claro que nossa democracia é ainda tenra e não tem a solidez institucional dos países avançados europeus e dos Estados Unidos. É preciso cuidar com carinho da herança deixada pela redemocratização de 1985.

Construímos um presidencialismo rígido, com um Congresso forte, acompanhado de um sistema político e partidário frágil, inconsistente e pulverizado. É cada vez mais difícil erguer um ambiente saudável de governabilidade e convivência. Quando os governos perdem sua capacidade de governar, instala-se grave impasse. O parlamentarismo precisa voltar à pauta de debates.

Diante de quadro tão complexo e preocupante, o governo Bolsonaro parece às vezes brincar com fogo, testando a nossa resiliência institucional. A convivência descoordenada, improvisada e sem bússola estratégica entre os núcleos econômico-liberal, militar, familiar-fundamentalista-olavista, jurídico-morista e técnico-político produziu crises desnecessárias e perigosas em curto espaço de tempo. A percepção sobre o futuro não pode ser uma roleta-russa permanente.

O ápice da marcha da insensatez se deu nos recentes, agressivos e despropositados ataques de Olavo de Carvalho aos líderes militares que servem ao governo e aparecem, cada vez mais, como fiadores da democracia, do equilíbrio e do mínimo de bom senso.

O jornalista, astrólogo, “filósofo autodidata”, agora transformado em guru, influenciador digital e ideólogo do bolsonarismo, era até então uma figura obscura, sem nenhuma importância pública ou repercussão acadêmica. É inegável que possui certa erudição. Mas cultiva um anticomunismo antiquado e doentio, enxergando em tudo uma conspiração de um suposto “marxismo cultural”, propugna um antiglobalismo anacrônico e retrógrado, nega realidades como a do aquecimento global e defende uma visão política populista, que nega as instituições e clama por uma relação direta e sem mediações entre o presidente e as massas populares.

A direita, seja liberal, conservadora ou autoritária, nunca teve uma presença tão forte e orgânica na história brasileira como agora.

O “guru da Virgínia” não teria maior importância se não fossem o apoio explícito do núcleo familiar-fundamentalista e a posição reticente de nosso principal mandatário.

Na era do populismo global, o ideólogo do bolsonarismo abandonou qualquer elegância teórica ou civilidade na discussão, disparando contra seus adversários internos adjetivações grosseiras, desqualificações pessoais inaceitáveis e ataques repugnantes.

As agressões ao vice-presidente Hamilton Mourão, aos generais Santos Cruz e Villas Bôas devem ser repudiadas por todos os democratas. Em nome da democracia e das instituições brasileiras, é preciso interromper essa marcha acelerada para o impasse e o abismo.

Marcus Pestana é secretário geral do PSDB

O novo plano de socorro aos estados - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 11/05

O Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF) incluirá a proibição para que governador, prefeito e até presidente da República concedam aumento salarial fora dos seus mandatos. Hoje, a lei proíbe concessão nos últimos seis meses, mas o governante dava reajuste escalonado e assim burlava a proibição. Pelo PEF, que será divulgado em breve, nem todos terão direito a empréstimos com garantia do Tesouro. Os que têm letra C de crédito poderão ter acesso a essa facilidade, desde que se comprometam a ter poupança corrente positiva até 2022.

Esse plano é a proposta do governo Bolsonaro aos estados para complementar o Regime de Recuperação Fiscal no qual só o Rio de Janeiro se enquadrou. Mas não deu certo. Minas e Rio Grande do Sul também se candidataram. O novo plano é mais bem formulado, mas ele está sendo visto como uma panaceia e não será. Na reunião desta semana no Planalto, os governadores apresentaram uma lista de seis pedidos. A divulgação deste plano encabeçava a lista.

A principal contrapartida do PEF é que os estados saiam de uma situação de poupança negativa para poupança positiva em quatro anos. E isso é muito difícil. É receita corrente, menos despesa corrente, ou seja, pessoal, custeio e serviço da dívida. Hoje, só os estados com letras A ou B podem ter crédito com aval da União, agora os de letra C também poderão, mas em valor menor e com essa exigência. O empréstimo será parcelado para que a União acompanhe o esforço do estado.

A proibição de reajuste salarial escalonado é para evitar o que houve no governo Temer, que deu um aumento elevado, dividiu para todos os anos da sua administração e ainda deixou uma parcela para o atual governo pagar. Depois, Temer tentou adiar os reajustes e não conseguiu porque o STF entendeu que o prometido tinha virado direito adquirido.

Os estados têm passado por sucessivos planos de reestruturação. No governo Dilma, as dívidas passaram a ter novo indexador, retroativo, o que reduziu o débito. E mesmo assim alguns não conseguem pagar. O plano do governo Temer não funcionou no único caso em que foi aplicado.

A crise fiscal do Rio já custou R$ 24 bilhões ao Tesouro nos últimos 18 meses, entre parcelas que deixaram de ser pagas à União e dívidas que foram honradas em nome do estado. Esse valor mostra o tamanho do problema que está neste momento sobre os entes da Federação. Há estados em processo acelerado de deterioração. Minas é um caso gravíssimo. O governo estadual tem que fazer um ajuste de R$ 155 bilhões em seis anos para pagar atrasados e evitar restos a pagar. Para se ter uma ideia, quando o Rio entrou no Regime de Recuperação Fiscal, essa conta era R$ 94 bilhões. E tem ainda o problema político: o governador Romeu Zema não tem base política.

O Rio não entregou o ajuste que prometeu. O governo do estado e a Assembleia Legislativa ignoraram o que foi acordado. A Cedae foi colocada para privatização e depois o Rio recuou. Era parte do acordo. Foi descumprido.

A situação da União também não está boa. Como escrevi aqui na quarta-feira, a projeção de crescimento será reduzida no dia 22 de maio. E deve ser um corte significativo. Começou o ano em 2,5%, foi reduzida para 2,2%. Agora cairá para a casa de 1%. A frustração do crescimento reduz a projeção da receita em R$ 30 bilhões. Isso é que está espalhando cortes de gastos pelos ministérios. Ontem, o Bradesco reduziu para 1,1%. O Banco Central avisou que a desaceleração do pouco crescimento continua.

A equipe econômica acenou para os estados com divisão dos royalties do petróleo, coisa que é mais fácil falar do que fazer. E já vai sendo adiado.

No projeto que será enviado ao Congresso, do PEF, o governo corre os riscos de sempre, de o parlamento modificar totalmente o programa tirando as contrapartidas e deixar só a parte boa. Mas é preciso apresentar alguma proposta porque a situação é de fato dramática. Na reunião dos governadores no Planalto, houve um momento em que a governadora Fátima Bezerra (PT-RN) disse que o governo fazia chantagem com os governadores quando pedia apoio à reforma da Previdência. O governador Eduardo Leite (PSDB-RS) discordou. Disse, com razão, que a reforma da Previdência é parte fundamental do ajuste dos estados.

A reforma da Previdência é importante para todos os entes federados. Só não resolverá coisa alguma da noite para o dia. Vende ilusão quem promete crescimento rápido.

Quatro meses de Jair Bolsonaro - BOLÍVAR LAMOUNIER

O Estado de S. Paulo - 11/05

O presidente precisa urgentemente controlar a cacofonia quase diária em seu governo



Decorridos 120 dias da posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, já dá para fazer um balanço razoável. É o que me proponho a fazer neste artigo.

O fato mais importante da eleição foi, a meu ver, a derrota do PT. Mesmo com um candidato “manso” como Fernando Haddad, mais quatro ou mais oito anos de PT na Presidência seriam um desastre. O Brasil ficaria muito perto de um ponto de não retorno, uma vez que a política econômica petista insistiria nos desatinos a que o partido sempre se devotou. A miríade de “movimentos” que o integram ou apoiam manteria o País num permanente clima de ameaça às instituições, afugentando investidores e impedindo a retomada do crescimento. O futuro seria a quase total estagnação que temos tido desde que a exportação de commodities para a China perdeu seu poder de arrastre.

Por intermédio principalmente dos ministros Paulo Guedes e Sergio Moro, o presidente tem condições de colocar as políticas econômica e de segurança no rumo certo. De efeitos práticos, por enquanto, há pouco a mostrar, mas pelo menos a reforma da Previdência parece bem encaminhada. Sem ela o Brasil simplesmente não tem futuro. Já passa da hora de os que a ela se opõem caírem na real. Reformar a Previdência é o primeiro passo, outras reformas cedo ou tarde terão de entrar na agenda; reformas duras, que finalmente nos permitam superar a “armadilha” (melhor seria dizer a “maldição”) da “renda média”. Com a renda por habitante crescendo no ritmo medíocre dos últimos tempos - na faixa de 2% a 3% ao ano -, levaremos algo entre 25 e 30 anos para dobrá-la, um resultado que beira o impensável. O que se requer é, portanto, uma reforma abrangente do Estado e do gasto público, a energização do setor privado e uma forte injeção de ânimo para a sociedade encarar a montanha de problemas que se acumularam nas últimas décadas.

Embora os efeitos práticos ainda sejam modestos, é preciso reconhecer a importância dos sinais que Bolsonaro e seus principais auxiliares emitiram no 1.º de Maio. Em vez da tradicional exaltação do getulismo - nossa conhecida combinação de nacionalismo estatizante e paternalismo trabalhista -, ouvimos uma afirmação enfática dos novos caminhos que o País precisa trilhar. Caminhos essencialmente liberais. Sim, liberais, porque a aspiração social-democrata que compartilhamos e a Constituição de 1988 consagrou é apenas isto, uma aspiração, vale dizer, um ideal desprovido de meios práticos. Um Estado quebrado, que mal e parcamente consegue cumprir seu papel na educação, na saúde e no saneamento, obviamente não tem como sustentar o papel economicamente ativo que o antigo conceito de social-democracia pressupunha.

E foi justamente esse o ponto fulcral do discurso de 1.º de Maio: um “compromisso (...) com a plena liberdade econômica, única maneira de proporcionar, por mérito próprio e sem interferência do Estado, o engrandecimento de cada cidadão”.

Mas em dois aspectos, pelo menos, há severas restrições a fazer. O primeiro diz respeito à “fala” do governo, vale dizer, ao que se diz ou se insinua, ou, mais amplamente, à liturgia das funções públicas.

O presidente precisa urgentemente controlar a cacofonia que se manifesta quase diariamente em seu governo, para a qual ele mesmo volta e meia contribui. Era razoável esperar que o açodado anúncio da mudança da embaixada em Israel para Jerusalém e o envergonhado recuo que se lhe seguiu tivessem deixado um benfazejo rastro de sobriedade, mas esse decididamente não é o caso. Bolsonaro e vários ocupantes do primeiro escalão têm-se esmerado em falar pelos cotovelos, com prejuízo para a estabilização das expectativas entre os agentes econômicos. O pedido de Bolsonaro (“pura brincadeira”, segundo disse) ao presidente do Banco do Brasil para pensar com o coração e baixar um “pouquinho” os juros para os ruralistas dá uma boa ideia dos estragos que podem advir por esse caminho.

A área mais difícil, não direi de elogiar, mas simplesmente de compreender, é a da educação. A primeira indicação para a pasta, a do sociólogo Ricardo Vélez Rodriguez, mostrou-se assaz inadequada. Consta que seu sucessor, o ministro Abraham Weintraub, merece um crédito de confiança, tendo em vista suas aptidões no campo administrativo e a experiência da vida prática adquirida no mercado financeiro. Fato é, porém, que até o momento ele nada nos proporcionou que nos permita crer que tenha um pensamento consistente a respeito do sistema educacional brasileiro e das opções para reformá-lo. A reformulação da base curricular efetivada em 2017 pode ser considerada um passo na direção certa, mas é pouco, muito pouco, tendo em vista o caráter absolutamente prioritário da área educacional. Para piorar as coisas, o ministro, talvez inspirado pelo guru da Virgínia, parece inclinado a atacar moinhos de vento, leia-se o “marxismo cultural”, e mais precisamente as ciências humanas.

Ora, a última coisa que um governo pressionado por uma agenda econômica urgente e inexorável deve fazer é se imiscuir em questões culturais ou em pautas valorativas e comportamentais. Nessa área, nosso país é manifestamente diversificado e conflituoso. Equacionar os pontos de atrito que aí surjam e eventualmente ganhem corpo é função da sociedade ou, em casos mais difíceis, do Congresso Nacional, no limite mediante convocação de plebiscito.

Seria um alívio ver o ministro Weintraub se debruçar sobre os problemas realmente críticos do setor. Não me refiro ao gasto público. Como proporção do PIB, o gasto educacional brasileiro é bastante alto. Mas os resultados permanecem pífios. O ponto nevrálgico, que requer ação sistemática e urgente, é a formação dos professores, notadamente para o segundo grau. Melhorá-la muito, rapidamente e a baixo custo: eis o desafio sobre o qual o ministro já deveria estar refletindo.

Cientista político, Bolívar Lamounier é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências e autor do livro Liberais e antiliberais: a luta ideológico de nosso tempo (Companhia das Letras)

Em estado de anarquia - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S.Paulo - 11/05

Atualmente, os líderes partidários não lideram e o baixo clero reina


Pergunta-se muito por que um Congresso tido como o mais inexperiente da História, em que as lideranças políticas influentes podem ser contadas nos dedos, tem conseguido emparedar o governo como o atual tem emparedado. Não dá para destacar nenhuma vitória do presidente Jair Bolsonaro no Parlamento neste governo. Derrotas há aos montes. Nem um decreto presidencial que tratava da ampliação do número de funcionários com poder para determinar o que é documento secreto e ultrassecreto escapou. E olha que decreto é ato normativo do presidente da República, sem necessidade de passar pelo crivo dos congressistas. Mas estes têm o poder de sustá-lo caso o considerem abusivo. Foi isso que fizeram. Outro decreto, este sobre a facilitação do porte de arma para diversas categorias profissionais, assinado nesta semana por Bolsonaro, corre o risco de cair. A Mesa da Câmara já encontrou nele diversas irregularidades.

Volta-se à pergunta: por que um Legislativo inexperiente, tido como o mais fraco se comparado com os anteriores do período pós-redemocratização, mostra-se tão forte diante do Executivo? É possível que a resposta esteja na forma como Bolsonaro decidiu se relacionar com deputados e senadores e seus respectivos partidos. Já durante a campanha boa parte do eleitor de Bolsonaro foi contaminada pela ideia de que tudo o que havia no Congresso era ruim, fazia parte da velha política, ladra e corrupta. Eleito, Bolsonaro anunciou que não faria acordos políticos e partidários para montar seu governo. Cumpriu a palavra.

Bolsonaro, no entanto, não conseguiu impor à Câmara seu candidato preferido, o deputado João Campos (PRB-GO). Não porque não tivesse tentado. É que os partidos de centro e de centro-direita logo perceberam que, se já tinham sido escanteados na montagem do Ministério, se eram a cada dia mais mal-afamados, seriam reduzidos a pó se permitissem a vitória de um candidato do Palácio do Planalto. Juntaram-se em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), conhecido articulador, naquelas alturas já com a experiência de dois mandatos de presidente da Câmara, líder e presidente do DEM por anos.

No Senado até que Bolsonaro conseguiu impedir a eleição de Renan Calheiros (MDB-AL), muito mais por erros do próprio senador de Alagoas do que por méritos na articulação a favor de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que chegou lá com a ajuda de uma improvável união da Rede, PSB, DEM, PSL, PSDB e partidos de centro. Acontece que Alcolumbre tem suas ambições. Não pode ser considerado um aliado do governo. Tanto é que teve atuação destacada na articulação que obrigou Bolsonaro a aceitar a recriação de dois ministérios.

Ao optar por montar sua equipe sem a participação de partidos políticos, Bolsonaro acabou por tirar poder dos líderes partidários. Antes, esses líderes podiam atrair liderados para suas causas a partir de promessas em nome de ministérios que detinham no governo. Sem ter o que prometer agora, eles não conseguem arrancar compromisso de ninguém. Tornaram-se líderes de nada. Tanto é que, nas negociações para a recriação dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional, os líderes prometeram a Bolsonaro que manteriam o Coaf com o Ministério da Justiça. Veio a votação na comissão da medida provisória que reordenou o governo e poucos votantes obedeceram. O Coaf foi transferido para o Ministério da Economia à revelia do que os líderes pediram.

O que se vê hoje no Congresso é uma espécie de anarquia generalizada, em que cada um faz o que quer, pois a figura do líder praticamente se tornou decorativa. Ao tirar, de forma indireta, o poder dos líderes, Bolsonaro abriu também as portas para o domínio do baixo clero.

Estratégico para quem? - NEY CARVALHO

O GLOBO - 11/05

A estatização é um câncer que corrói o organismo econômico de um país. Provoca empreguismo, corrompe

Em abril de 1993, o Brasil engatinhava em seu processo de privatizações. Naquele mês a TV Globo divulgou entrevista de seu repórter Silio Boccanera com a primeira-ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher. O jornalista perguntava: “A senhora não acha que pelo menos os setores estratégicos, como petróleo e telecomunicações, deveriam permanecer com o Estado?” E a entrevistada respondia: “O senhor conhece algo mais estratégico do que comida? No entanto, ninguém jamais pensou em estatizar a produção de alimentos.”

Tendo assistido à entrevista, desde então me surpreendo quando qualquer atividade é classificada como estratégica por quem quer que seja. Na verdade, estratégico é tudo aquilo que, por qualquer pretexto nobre ou escuso, entidades e políticos pretendam manter ou colocar sob o guante e controle do Estado. E os resultados são por demais conhecidos: nomeações, propinas, ineficiência e corrupção.

Um ano antes, em março de 1992, já se discutia o tema da extinção do monopólio das telecomunicações e uma emenda em curso no Congresso propunha a desestatização da atividade. Naquele mês, o “Jornal do Clube de Engenharia” publicava artigo de um diretor da casa. A matéria louvava os militares que haviam estatizado o setor, defendia a manutenção das telecomunicações em mãos governamentais e seu fecho é significativo: “(...) nada pressupõe ou indica a necessidade de privatização do setor, já que não existem razões de interesse nacional que a justifiquem. (...) A pergunta que se faz é: com que real motivação o governo federal, tendo sob seu controle um setor estratégico, rentável e não poluente como o das telecomunicações, quer privatizá-lo, abdicando da exploração de seus serviços?”.

Como sempre, em textos do tipo, encontra-se a catilinária do interesse nacional e da área estratégica, sem atentar para os desígnios de contribuintes e consumidores. Naquela época de monopólio estatal, a Telerj, prestadora de serviços telefônicos no Rio de Janeiro, vendia celulares por aproximadamente US$ 5 mil a unidade. E um aparelho fixo tinha que ser adquirido de intermediários por valores que, de acordo com a congestão em cada bairro, podiam chegar a US$ 10 mil.

Às vésperas da privatização das telecomunicações no governo FH, em 1998, o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência, concedeu uma entrevista sobre o tema. Em comparação grandiloquente equiparou a Telebras à Nasa e afirmou: “Os Estados Unidos não privatizariam a Nasa, porque é um instrumento de controle da Terra. O Brasil também não deveria abrir mão do controle de setor estratégico como o das telecomunicações.”

Lula foi forçado a recorrer ao exemplo da Nasa, porque era impossível mencionar telefonia. Nos Estados Unidos nunca existiu uma estatal de telecomunicações, e o virtual monopólio privado da AT&T havia sido quebrado uma década antes. Naquele país, os ditos setores “estratégicos”, como petróleo, energia elétrica, comunicações, bancos e mesmo indústria bélica etc. estão todos em mãos de companhias privadas, inexistindo empresas estatais. E esta é, sem dúvida, uma das razões fundamentais do imenso poderio americano. Mais ainda, a citação à Nasa era totalmente descabida. Pela simples razão de que aquela entidade americana não produz qualquer bem ou serviço, sendo uma simples agência coordenadora dos esforços das empresas privadas.

O petróleo é tido usualmente como a mais estratégica das commodities. No petrolão, descobrimos que a Petrobras era estratégica sim, mas para a quadrilha que a ocupou e saqueou. As telecomunicações foram privatizadas com os notórios efeitos benéficos que proporcionaram aos consumidores brasileiros. Hoje temos mais aparelhos celulares do que o número de habitantes do país. E não se ouve falar de escândalos de corrupção nas empresas que os exploram.

A estatização é um câncer que corrói o organismo econômico de um país. Provoca empreguismo, corrompe, degrada e induz a toda sorte de ineficiências. É fundamental privatizar tudo o que for possível, sobretudo os ditos “setores estratégicos”.

Ney Carvalho é escritor e historiador