O GLOBO - 11/05
A estatização é um câncer que corrói o organismo econômico de um país. Provoca empreguismo, corrompe
Em abril de 1993, o Brasil engatinhava em seu processo de privatizações. Naquele mês a TV Globo divulgou entrevista de seu repórter Silio Boccanera com a primeira-ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher. O jornalista perguntava: “A senhora não acha que pelo menos os setores estratégicos, como petróleo e telecomunicações, deveriam permanecer com o Estado?” E a entrevistada respondia: “O senhor conhece algo mais estratégico do que comida? No entanto, ninguém jamais pensou em estatizar a produção de alimentos.”
Tendo assistido à entrevista, desde então me surpreendo quando qualquer atividade é classificada como estratégica por quem quer que seja. Na verdade, estratégico é tudo aquilo que, por qualquer pretexto nobre ou escuso, entidades e políticos pretendam manter ou colocar sob o guante e controle do Estado. E os resultados são por demais conhecidos: nomeações, propinas, ineficiência e corrupção.
Um ano antes, em março de 1992, já se discutia o tema da extinção do monopólio das telecomunicações e uma emenda em curso no Congresso propunha a desestatização da atividade. Naquele mês, o “Jornal do Clube de Engenharia” publicava artigo de um diretor da casa. A matéria louvava os militares que haviam estatizado o setor, defendia a manutenção das telecomunicações em mãos governamentais e seu fecho é significativo: “(...) nada pressupõe ou indica a necessidade de privatização do setor, já que não existem razões de interesse nacional que a justifiquem. (...) A pergunta que se faz é: com que real motivação o governo federal, tendo sob seu controle um setor estratégico, rentável e não poluente como o das telecomunicações, quer privatizá-lo, abdicando da exploração de seus serviços?”.
Como sempre, em textos do tipo, encontra-se a catilinária do interesse nacional e da área estratégica, sem atentar para os desígnios de contribuintes e consumidores. Naquela época de monopólio estatal, a Telerj, prestadora de serviços telefônicos no Rio de Janeiro, vendia celulares por aproximadamente US$ 5 mil a unidade. E um aparelho fixo tinha que ser adquirido de intermediários por valores que, de acordo com a congestão em cada bairro, podiam chegar a US$ 10 mil.
Às vésperas da privatização das telecomunicações no governo FH, em 1998, o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência, concedeu uma entrevista sobre o tema. Em comparação grandiloquente equiparou a Telebras à Nasa e afirmou: “Os Estados Unidos não privatizariam a Nasa, porque é um instrumento de controle da Terra. O Brasil também não deveria abrir mão do controle de setor estratégico como o das telecomunicações.”
Lula foi forçado a recorrer ao exemplo da Nasa, porque era impossível mencionar telefonia. Nos Estados Unidos nunca existiu uma estatal de telecomunicações, e o virtual monopólio privado da AT&T havia sido quebrado uma década antes. Naquele país, os ditos setores “estratégicos”, como petróleo, energia elétrica, comunicações, bancos e mesmo indústria bélica etc. estão todos em mãos de companhias privadas, inexistindo empresas estatais. E esta é, sem dúvida, uma das razões fundamentais do imenso poderio americano. Mais ainda, a citação à Nasa era totalmente descabida. Pela simples razão de que aquela entidade americana não produz qualquer bem ou serviço, sendo uma simples agência coordenadora dos esforços das empresas privadas.
O petróleo é tido usualmente como a mais estratégica das commodities. No petrolão, descobrimos que a Petrobras era estratégica sim, mas para a quadrilha que a ocupou e saqueou. As telecomunicações foram privatizadas com os notórios efeitos benéficos que proporcionaram aos consumidores brasileiros. Hoje temos mais aparelhos celulares do que o número de habitantes do país. E não se ouve falar de escândalos de corrupção nas empresas que os exploram.
A estatização é um câncer que corrói o organismo econômico de um país. Provoca empreguismo, corrompe, degrada e induz a toda sorte de ineficiências. É fundamental privatizar tudo o que for possível, sobretudo os ditos “setores estratégicos”.
Ney Carvalho é escritor e historiador
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