O Estado de S. Paulo - 20/04
Após sofrer, domingo, derrota fragorosa no plenário da Câmara dos Deputados – 367 do total de 513 votaram pela abertura do processo de seu impeachment, 146 contra, 7 se abstiveram e 2 faltaram à sessão –, a “presidenta” da República, que já causara as crises monumentais na economia e na política, deu a partida para um leviano e grave conflito de natureza institucional.
Anteontem, em entrevista coletiva, Dilma Rousseff acusou mais de dois terços desses parlamentares de terem autorizado o Senado a processá-la por motivo torpe: vingança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, “por não termos aceitado negociar os votos dentro do Conselho de Ética”. A titular do Poder Executivo afrontou o Poder Legislativo, que representa a cidadania. E não atentou para o Judiciário, que, por 8 votos a 2, definiu o processo como dentro da lei.
Sua arrogante e meramente retórica insistência na hipótese estapafúrdia da ocorrência de um golpe de Estado jurídico, parlamentar e popular (!) reflete o isolamento de um desgoverno incompetente e inconsequente, cuja “chefa” sempre dá as costas para a grande maioria da população, que, assustada com a catástrofe que torna seu dia a dia infernal, festejou a decisão da Câmara com um carnaval nas ruas, em que restou a quem a apoia chorar e calar.
Na entrevista, Dilma insistiu num discurso no qual todo brasileiro de posse das faculdades mentais identifica o desprezo dela e de quem a apoia pela inteligência do cidadão e pelo Estado Democrático de Direito, sob cuja égide a sociedade tem tentado manter-se, ainda que a duríssimas penas.
Como no domingo, à noite, havia feito José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, que age como causídico privado da madama, esta também apelou para a luta dela por suas convicções, que ele chamou de “libertárias”. Mas a ex-guerrilheira da VAR-Palmares é uma libertária de ocasião. Ela entrou na política desafiando uma ditadura que torturou, matou e restringiu liberdades para ficar no poder. Mas nunca o fez em defesa da liberdade.
Dilma pegou mesmo em armas na tentativa lunática de substituir o regime direitista por outra ditadura, só que de esquerda. Mas com o mesmo ódio mortal do regime oponente por quaisquer arroubos de dissidência, por mais tênues que fossem. A aventura irresponsável dos jovens de extrema esquerda de sua geração podia ter objetivos generosos. Mas os ideais comunistas foram conspurcados por tiranos de truculência similar à de seus inimigos (nem sempre) da direita. Stalin, Pol Pot, Mao Tsé-tung e Fidel Castro nunca em nada ficaram a dever a Hitler, Mussolini, Franco ou aos militares, ditos gorilas, latino-americanos. Essa saga é mentirosa, como as promessas que ela fez na eleição de 2014.
Como a Pasionaria espanhola, Dilma “Coração Valente” arriscou a vida pela causa e sobreviveu. Com o fim da ditadura, que a torturou, ela participou da reconstrução da plena democracia com os pés na disputa pelo voto popular e a cabeça na utopia de Marx e Engels, que Lenin deturpou.
Não lhe faltou companhia nesse populismo de fancaria. Tendo, antes, sobrevivido à sombra do “socialismo moreno” do caudilho Leonel Brizola, chegou aos píncaros da glória na República no Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, nosso farsante de estimação. Mais popular líder político da História, o operário braçal chegou à Presidência e a fez sucessora numa trajetória em que se misturam falácia, bazófia e farsa. Egresso do sindicalismo dito autêntico na ditadura e principal prócer petista, o ex-dirigente sindical expurgou do PT os deputados que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, porque eles se recusaram a obedecer a seu equívoco de considerar o candidato que fundaria a Nova República igual ao adversário, Paulo Maluf. O PT nunca aderiu a Tancredo e seus seguidores fiéis. Mas se aliou a quem, antes, tratava como símbolo da corrupção e “filhote da ditadura”.
Em nome do purismo ideológico, o partido recusou-se a aceitar os termos da Constituição democrática, que pôs fim à ditadura. Assinou-a a contragosto e à undécima hora. Mesmo tendo participado, em 1992, da derrubada de Collor, que o derrotara em 1989, Lula opôs-se ao mandato-tampão do vice empossado, Itamar Franco. E expulsou do PT a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina por ter ela ocupado cargo de alto escalão na gestão que faria a maior revolução social da História: o Plano Real.
Para superar a rejeição, que o levava a perder eleições por culpa dos sagrados princípios socialistas do partido de ex-guerrilheiros, ex-padres de passeata e ex-sindicalistas, Lula, com seu charme de retirante da seca e homem do povo, subiu, enfim, ao topo do poder republicano. Ali instalado, logo relegou os ideais populistas bolivarianos ao papel secundário de convencer os pobres a manterem no poder seus asseclas, que se dedicaram a arrombar os cofres da viúva.
Assim, tornou viável o maior assalto praticado no Brasil em todos os tempos. Os casos Celso Daniel, mensalão e petrolão são capítulos de um roubo só, desvendado pela Lava Jato. E a utopia esquerdista virou nota de pé de página na história policial de uma roubalheira feita por bandidos empenhados em enriquecer à custa de pobres, cujos votos de cabresto foram garantidos em troca de esmolas para sobreviver, pagas enquanto a Pátria Enganadora pôde bancar a farra bilionária.
Essas são a verdadeira história do lulopetismo e a autêntica saga da guerrilheira de codinome Estela, que neste momento usa a sede do poder republicano, o Palácio do Planalto, como se fosse esconderijo (“aparelho”) para se manter a salvo da polícia e da Justiça. O resto é retórica rasteira para vender o papo de camelô das “conquistas sociais”. A derrota na Câmara, domingo, pode ter sido o primeiro parágrafo do epílogo dessa narrativa de filme noir de gângster. Mas, para isso, o Senado ainda precisa corresponder à ira do povo enganado, que ronca nas ruas.
*JOSÉ NÊUMANNE É JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
quarta-feira, abril 20, 2016
O que somos - RUY CASTRO
Folha de São Paulo - 20/04
Sim, o espetáculo proporcionado pelos deputados no último domingo foi caricatural, pândego, funambulesco. Não havia diferença entre os que citavam a mãe, o filho ou o próprio Deus para justificar seu voto pelo impeachment e os que, para votar contra, invocavam uma Constituição que, em 1988, o PT não aceitou, não assinou e de que jamais quis saber. Cada qual tentava parecer mais "sincero" do que o outro. Mas como acreditar em quem tinge o cabelo de acaju?
Na verdade, o show da Câmara não teve nada de inédito – porque, sem saber, levamos os últimos 150 anos nos preparando para ele. Desde 1860, os palcos cariocas fizeram piada com o pior lado dos políticos, culminando nos anos de 1930 e 1940 com as sátiras do ator Pedro Dias ao ditador Getulio Vargas. O qual, às vezes, ficava mais parecido com Pedro Dias do que consigo próprio.
Em certos momentos da votação de domingo, eu me afastava da TV para ir pegar alguma coisa e ficava só com o áudio dos discursos. Era como se voltasse no tempo e estivesse ouvindo de novo o "Balança, Mas Não Cai" e a "PRK-30", programas de humor das rádios Nacional e Mayrink Veiga. Os políticos desses programas falavam igualzinho.
E o que seriam os discursos propositadamente canastrões de Corisco e Antonio das Mortes em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, senão os de certos deputados petistas? Aliás, quantos ali, de qualquer partido, não se sentiriam em casa nas sequências de chanchada tropicalista de "Terra em Transe", do mesmo Glauber? E quantos não poderiam interpretar o deputado Justo Veríssimo, criação imortal de Chico Anysio?
Fosse qual fosse o resultado da votação, não alteraria o fato de que nossos políticos parecem foragidos de um esquete de humor. Mas não adianta estrilar. Eles são o que temos e, quem sabe, são o que somos.
Sim, o espetáculo proporcionado pelos deputados no último domingo foi caricatural, pândego, funambulesco. Não havia diferença entre os que citavam a mãe, o filho ou o próprio Deus para justificar seu voto pelo impeachment e os que, para votar contra, invocavam uma Constituição que, em 1988, o PT não aceitou, não assinou e de que jamais quis saber. Cada qual tentava parecer mais "sincero" do que o outro. Mas como acreditar em quem tinge o cabelo de acaju?
Na verdade, o show da Câmara não teve nada de inédito – porque, sem saber, levamos os últimos 150 anos nos preparando para ele. Desde 1860, os palcos cariocas fizeram piada com o pior lado dos políticos, culminando nos anos de 1930 e 1940 com as sátiras do ator Pedro Dias ao ditador Getulio Vargas. O qual, às vezes, ficava mais parecido com Pedro Dias do que consigo próprio.
Em certos momentos da votação de domingo, eu me afastava da TV para ir pegar alguma coisa e ficava só com o áudio dos discursos. Era como se voltasse no tempo e estivesse ouvindo de novo o "Balança, Mas Não Cai" e a "PRK-30", programas de humor das rádios Nacional e Mayrink Veiga. Os políticos desses programas falavam igualzinho.
E o que seriam os discursos propositadamente canastrões de Corisco e Antonio das Mortes em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, senão os de certos deputados petistas? Aliás, quantos ali, de qualquer partido, não se sentiriam em casa nas sequências de chanchada tropicalista de "Terra em Transe", do mesmo Glauber? E quantos não poderiam interpretar o deputado Justo Veríssimo, criação imortal de Chico Anysio?
Fosse qual fosse o resultado da votação, não alteraria o fato de que nossos políticos parecem foragidos de um esquete de humor. Mas não adianta estrilar. Eles são o que temos e, quem sabe, são o que somos.
Propaganda enganosa - DORA KRAMER
O Estado de S. Paulo - 20/04
À falta de discurso convincente e de condições objetivas para evitar que o Senado aprove a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o PT faz o que sabe fazer melhor: joga no ar um ilusionismo qualquer, também conhecido pelo nome de factoide, para ver se, uma vez perdidos os anéis, ainda há chance de salvar os dedos.
É o que ocorre com essa proposta de realização de eleições em outubro próximo, feita na medida exata da credulidade dos incautos e da má-fé dos sabidos. Os primeiros tendem a acreditar ser esse o caminho ideal para a solução da crise e a superação da ausência de apreço (para dizer o mínimo) de grande parte da população diante da possibilidade de o PMDB assumir o poder.
Os outros, os peritos, sabem que se trata de missão impossível, mas lançam a ideia na tentativa de criar um desvio que não leve o PT a entrar para a história junto com Fernando Collor, como o segundo governo da era pós-redemocratização a ser interrompido em razão de improbidade. Por esse raciocínio dos governistas, melhor a presidente dar-se por impedida – claro, diante da sanha dos golpistas etc. – do que sofrer impedimento.
A sugestão tem vários problemas. O primeiro deles é a maioria do Senado acreditar que, uma vez rejeitado o processo, Dilma Rousseff cumpriria o prometido. Não seria a primeira nem a segunda vez que a presidente e companhia falariam uma coisa para em seguida fazer outra. Outro obstáculo, este sim intransponível, é a impossibilidade fática da realização de eleições fora do calendário daqui a sete meses.
Nem vamos gastar muito tempo com a proposta de eleição geral, pois esta implicaria todos os detentores de mandato eletivo, e respectivos suplentes, concordarem em renunciar de imediato. Quanto ao pleito apenas para presidente e vice, trata-se igualmente de propaganda enganosa. Como a Constituição prevê o rito agora em curso e não o desvão sugerido, seria preciso aprovar uma emenda constitucional. Para isso, a norma exige a assinatura de 172 deputados para a apresentação da propositura e os votos de três quintos dos 513 integrantes da Câmara para aprová-la.
Ainda que o governo pudesse contar com todos os 137 parlamentares que rejeitaram o impeachment no domingo, não conseguiria reunir número sequer para pôr o assunto em pauta. Mas, vamos que conseguisse. Emendas constitucionais precisam ser votadas em dois turnos e nas duas Casas do Congresso. Não se faz isso em um mês ou dois, a menos que haja consenso total para a aceleração de prazos e ausência de obstruções regimentais.
A lógica enseja pergunta óbvia: onde o PT, ou o governo que seja, iria buscar apoio político para tal? Se a Câmara acabou de se manifestar contra Dilma, evidentemente não estaria disposta a apoiar proposta alguma que venha do PT. Mas vamos raciocinar que tudo desse certo para o lado do governo, ainda assim existiria um obstáculo prático: a organização do pleito em tempo exíguo para a Justiça eleitoral, cujos trabalhos de preparação de pleito seguinte começam quando termina o anterior.
Portanto, convém ir devagar com o andor na discussão de questões inexequíveis. É perda de tempo e de energia cívica. Não há necessidade de criar novas normas, quando as que estão em vigor indicam o caminho a ser seguido. Inclusive porque elas preveem nova eleição no caso de impugnação de mandato eletivo, objeto de uma ação a ser examinada pelo Tribunal Superior Eleitoral que, se aprovada, implicaria também o afastamento do vice Michel Temer.
Pela redação mais recente do código eleitoral em seu artigo 224, parágrafos 3.º e 4.º, a eleição seria direta a não ser que a cassação ocorresse nos últimos seis meses de mandato.
À falta de discurso convincente e de condições objetivas para evitar que o Senado aprove a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o PT faz o que sabe fazer melhor: joga no ar um ilusionismo qualquer, também conhecido pelo nome de factoide, para ver se, uma vez perdidos os anéis, ainda há chance de salvar os dedos.
É o que ocorre com essa proposta de realização de eleições em outubro próximo, feita na medida exata da credulidade dos incautos e da má-fé dos sabidos. Os primeiros tendem a acreditar ser esse o caminho ideal para a solução da crise e a superação da ausência de apreço (para dizer o mínimo) de grande parte da população diante da possibilidade de o PMDB assumir o poder.
Os outros, os peritos, sabem que se trata de missão impossível, mas lançam a ideia na tentativa de criar um desvio que não leve o PT a entrar para a história junto com Fernando Collor, como o segundo governo da era pós-redemocratização a ser interrompido em razão de improbidade. Por esse raciocínio dos governistas, melhor a presidente dar-se por impedida – claro, diante da sanha dos golpistas etc. – do que sofrer impedimento.
A sugestão tem vários problemas. O primeiro deles é a maioria do Senado acreditar que, uma vez rejeitado o processo, Dilma Rousseff cumpriria o prometido. Não seria a primeira nem a segunda vez que a presidente e companhia falariam uma coisa para em seguida fazer outra. Outro obstáculo, este sim intransponível, é a impossibilidade fática da realização de eleições fora do calendário daqui a sete meses.
Nem vamos gastar muito tempo com a proposta de eleição geral, pois esta implicaria todos os detentores de mandato eletivo, e respectivos suplentes, concordarem em renunciar de imediato. Quanto ao pleito apenas para presidente e vice, trata-se igualmente de propaganda enganosa. Como a Constituição prevê o rito agora em curso e não o desvão sugerido, seria preciso aprovar uma emenda constitucional. Para isso, a norma exige a assinatura de 172 deputados para a apresentação da propositura e os votos de três quintos dos 513 integrantes da Câmara para aprová-la.
Ainda que o governo pudesse contar com todos os 137 parlamentares que rejeitaram o impeachment no domingo, não conseguiria reunir número sequer para pôr o assunto em pauta. Mas, vamos que conseguisse. Emendas constitucionais precisam ser votadas em dois turnos e nas duas Casas do Congresso. Não se faz isso em um mês ou dois, a menos que haja consenso total para a aceleração de prazos e ausência de obstruções regimentais.
A lógica enseja pergunta óbvia: onde o PT, ou o governo que seja, iria buscar apoio político para tal? Se a Câmara acabou de se manifestar contra Dilma, evidentemente não estaria disposta a apoiar proposta alguma que venha do PT. Mas vamos raciocinar que tudo desse certo para o lado do governo, ainda assim existiria um obstáculo prático: a organização do pleito em tempo exíguo para a Justiça eleitoral, cujos trabalhos de preparação de pleito seguinte começam quando termina o anterior.
Portanto, convém ir devagar com o andor na discussão de questões inexequíveis. É perda de tempo e de energia cívica. Não há necessidade de criar novas normas, quando as que estão em vigor indicam o caminho a ser seguido. Inclusive porque elas preveem nova eleição no caso de impugnação de mandato eletivo, objeto de uma ação a ser examinada pelo Tribunal Superior Eleitoral que, se aprovada, implicaria também o afastamento do vice Michel Temer.
Pela redação mais recente do código eleitoral em seu artigo 224, parágrafos 3.º e 4.º, a eleição seria direta a não ser que a cassação ocorresse nos últimos seis meses de mandato.
O sumiço do meio-termo - MONICA DE BOLLE
ESTADÃO - 20/04
Meio-termo é sinônimo de comedimento, moderação, sobriedade. Meio-termo é o oposto da falta de moderação, do exagero, da estridência. O sumiço do meio-termo, no Brasil, é dramático, embora – trocadilho irresistível – caminhemos para instaurar em breve um presidente de meio-termo no País.
O desaparecimento do meio-termo contamina tudo. Do português empolado dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao português empalado dos deputados da Câmara, boca atravessada por lança que perfura concordâncias e plurais. Do estado crítico da situação política à falência múltipla de órgãos na economia. Da presidente estridente que luta para permanecer no cargo bradando traição e injustiça aos seus supostos opositores que clamam por novas eleições em meio ao caos instalado no Brasil. Dos brados favoráveis ao impeachment aos gritos de “não vai ter golpe”. País marcado por tais extremismos torna-se, fatalmente, incognoscível, difícil de conhecer e mapear.
A incognoscibilidade é nossa marca atual, talvez por isso tenha sido palavra tão amplamente utilizada pelos Ministros do STF no julgamento das ações e liminares para procrastinar, ou mesmo expungir, a votação do último domingo. Em tempo: expungir e eliminar são sinônimos, mas os ministros preferem termo mais próximo do latim expungere.
A incognoscibilidade daquilo que nos espera na economia deveria suscitar a sobriedade e a moderação de nossos governantes, aqueles que são, ao mesmo tempo, quase-sim e quase-não. Cautela e canja de galinha, como reza o dito popular. Nem uma coisa, nem outra é o que provavelmente veremos nas próximas semanas, quiçá meses, enquanto o processo de impeachment não se der por encerrado. Portanto, está o País em situação pírrica: todos dançam armados, mas não há vitoriosos. Caso o impeachment da presidente não tivesse sido aprovado pela Câmara, a economia haveria de caminhar rapidamente para o caos, como afirmei em entrevista recente para este jornal. Contudo, tendo a iniciação do processo sido autorizada, a economia permanece refém das incertezas. Assim será mesmo que o Senado decida, pelo bem do País, não deixá-lo à deriva durante três semanas, conduzindo a votação pela admissibilidade do processo o mais rapidamente possível de acordo com os ritos estabelecidos.
O grande desafio para a economia é que a demolição perpetrada por Dilma Rousseff e sua equipe não permite meios-termos. Não há o que se possa fazer de forma rápida e relativamente indolor para reconstruir o caminho do crescimento e da retomada do emprego. Há consenso entre a maioria dos economistas, sobretudo entre os que escrevem regularmente para este jornal, de que os problemas fiscais do Brasil são de natureza estrutural, ou seja, é preciso consertar o hardware das contas públicas, não apenas atualizar o software. A lista do que é necessário é conhecida: trata-se de desvincular receitas e despesas para tornar o orçamento mais flexível e de execução mais fácil; de eliminar regras de indexação de despesas que, hoje, permitem que os gastos continuem a aumentar ainda que a economia esteja em recessão e não seja capaz de gerar as receitas para cobri-los; de reconstruir as bases da Lei de Responsabilidade Fiscal, adotando, inclusive, limites para o endividamento público que cerceiem a farra do crédito público, legado dos governos Lula 2 e Dilma 1 e 1,5. O crédito público desmesurado e subsidiado é forte elo de ligação entre a desordem fiscal e a bagunça monetária, desarranjos estes que impedem a retomada do investimento.
Já escrevi neste e em outros espaços, mas não custa repetir: sem que haja profunda reforma dos objetivos e fundamentos das instituições financeiras públicas, o que se pretenderia alcançar com uma reforma fiscal e monetária teria efeitos apenas limitados. Como encontrar o meio-termo na condução da política econômica que permita enfrentar tamanhos desafios? Eis a grande questão.
Pelo bem do Brasil, pela restauração do crescimento e do emprego, pela queda da inflação, pelo aprimoramento da educação, pelo bom uso da língua portuguesa, voto “sim” pela reabilitação do meio-termo.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Meio-termo é sinônimo de comedimento, moderação, sobriedade. Meio-termo é o oposto da falta de moderação, do exagero, da estridência. O sumiço do meio-termo, no Brasil, é dramático, embora – trocadilho irresistível – caminhemos para instaurar em breve um presidente de meio-termo no País.
O desaparecimento do meio-termo contamina tudo. Do português empolado dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao português empalado dos deputados da Câmara, boca atravessada por lança que perfura concordâncias e plurais. Do estado crítico da situação política à falência múltipla de órgãos na economia. Da presidente estridente que luta para permanecer no cargo bradando traição e injustiça aos seus supostos opositores que clamam por novas eleições em meio ao caos instalado no Brasil. Dos brados favoráveis ao impeachment aos gritos de “não vai ter golpe”. País marcado por tais extremismos torna-se, fatalmente, incognoscível, difícil de conhecer e mapear.
A incognoscibilidade é nossa marca atual, talvez por isso tenha sido palavra tão amplamente utilizada pelos Ministros do STF no julgamento das ações e liminares para procrastinar, ou mesmo expungir, a votação do último domingo. Em tempo: expungir e eliminar são sinônimos, mas os ministros preferem termo mais próximo do latim expungere.
A incognoscibilidade daquilo que nos espera na economia deveria suscitar a sobriedade e a moderação de nossos governantes, aqueles que são, ao mesmo tempo, quase-sim e quase-não. Cautela e canja de galinha, como reza o dito popular. Nem uma coisa, nem outra é o que provavelmente veremos nas próximas semanas, quiçá meses, enquanto o processo de impeachment não se der por encerrado. Portanto, está o País em situação pírrica: todos dançam armados, mas não há vitoriosos. Caso o impeachment da presidente não tivesse sido aprovado pela Câmara, a economia haveria de caminhar rapidamente para o caos, como afirmei em entrevista recente para este jornal. Contudo, tendo a iniciação do processo sido autorizada, a economia permanece refém das incertezas. Assim será mesmo que o Senado decida, pelo bem do País, não deixá-lo à deriva durante três semanas, conduzindo a votação pela admissibilidade do processo o mais rapidamente possível de acordo com os ritos estabelecidos.
O grande desafio para a economia é que a demolição perpetrada por Dilma Rousseff e sua equipe não permite meios-termos. Não há o que se possa fazer de forma rápida e relativamente indolor para reconstruir o caminho do crescimento e da retomada do emprego. Há consenso entre a maioria dos economistas, sobretudo entre os que escrevem regularmente para este jornal, de que os problemas fiscais do Brasil são de natureza estrutural, ou seja, é preciso consertar o hardware das contas públicas, não apenas atualizar o software. A lista do que é necessário é conhecida: trata-se de desvincular receitas e despesas para tornar o orçamento mais flexível e de execução mais fácil; de eliminar regras de indexação de despesas que, hoje, permitem que os gastos continuem a aumentar ainda que a economia esteja em recessão e não seja capaz de gerar as receitas para cobri-los; de reconstruir as bases da Lei de Responsabilidade Fiscal, adotando, inclusive, limites para o endividamento público que cerceiem a farra do crédito público, legado dos governos Lula 2 e Dilma 1 e 1,5. O crédito público desmesurado e subsidiado é forte elo de ligação entre a desordem fiscal e a bagunça monetária, desarranjos estes que impedem a retomada do investimento.
Já escrevi neste e em outros espaços, mas não custa repetir: sem que haja profunda reforma dos objetivos e fundamentos das instituições financeiras públicas, o que se pretenderia alcançar com uma reforma fiscal e monetária teria efeitos apenas limitados. Como encontrar o meio-termo na condução da política econômica que permita enfrentar tamanhos desafios? Eis a grande questão.
Pelo bem do Brasil, pela restauração do crescimento e do emprego, pela queda da inflação, pelo aprimoramento da educação, pelo bom uso da língua portuguesa, voto “sim” pela reabilitação do meio-termo.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Lula, ascensão, apogeu, declínio - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
CORREIO BRAZILIENSE - 20/04
O Partido dos Trabalhadores surgiu nos anos 80, como esperança de redenção das esquecidas classes trabalhadoras. O fundador, Luiz Inácio Lula da Silva, nunca lera o Manifesto comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels; a História do Primeiro de Maio de Maurice Dommanget; A evolução da classe operária, de Jürgen Kuczynski; Greves de ontem e de hoje, de Georges Le Franc; História das lutas sociais, de Everardo Dias, algum livro de Caio Prado Júnior ou obra que tratasse da revolução industrial. Passava os olhos pelo Diário do Grande ABC, o que lhe bastava. Jamais se interessou pela história ou em conhecer a biografia de presidentes como Getúlio Vargas, o pai do trabalhismo, e Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília. Ainda sindicalista deixava transparecer certos traços de arrogância e autossuficiência.
Quem conviveu com ele no Sindicato dos Metalúrgicos, nos duros anos do regime militar, o acompanhou em memoráveis assembleias de Vila Euclides, participou de intermináveis negociações com os empresários do Grupo 14, passou pelas intervenções do Ministério do Trabalho em 1979 e 1980, não poderá lhe negar aguda inteligência, sensibilidade social à flor da pele, espírito de luta, resistência nas adversidades, capacidade única de converter derrotas em vitórias. Sentia, como os grandes políticos, "o cheiro do vento".
Lula foi o antipelego. Ao assumir a presidência do Sindicato, em 21 de abril de 1975, como sucessor de Paulo Vidal Neto, o cenário trabalhista era dominado por Ary Campista, Argeu Egydio dos Santos, Joaquim dos Santos Andrade. O primeiro presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNI), o segundo presidente da Federação dos Trabalhadores dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, o terceiro, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Lula apareceu como ameaça real ao peleguismo, por não prestar vassalagem aos dois primeiros, e disputar com Joaquinzão a liderança do sindicalismo paulista.
Defensor da reforma trabalhista, e declarado adversário do Imposto Sindical, Lula passou a ser encarado pelos empresários da Fiesp como algo moderno e merecedor de atenção. Atraiu olhares de jornalistas, professores universitários, estudantes, religiosos, donas de casa. Em poucos meses, ele se converteu em líder capaz de dominar centenas de ouvintes em palestras realizadas nas principais capitais do país. Recordo-me, por exemplo, do encontro com artistas e a juventude carioca no Teatro Casa Grande, convidado que fora para expor seu pensamento quase revolucionário. A linguagem do metalúrgico era rude, mas convincente. Logo se tornou companheiro de Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Teotônio Villela, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Pedro Simon, na campanha pelas eleições diretas.
Não se lhe pode ignorar o relevante papel desempenhado na redemocratização. Pela primeira vez, após o golpe de 1964, a classe operária voltava às ruas como protagonista da vida pública. Algo, porém, sucederia ao se converter de oposição agressiva, incansável, aguerrida (que conheci quando secretário do Trabalho do governo Montoro e ministro do Trabalho do governo Sarney), em presidente da República.
Imagino que se deixou seduzir pela ambição. O que lhe sobrava em esperteza lhe faltava em modéstia, cultura, experiência, para entender Brasília e compreender que seus limitados recursos não bastavam para protegê-lo das armadilhas política. A lua de mel com a economia, artificialmente inflada pelo consumismo desenfreado, durou 12 longos anos. As contas chegaram ao segundo mandato de sua preferida, a presidente Dilma Rousseff, e o saldo devedor é assustadoramente negativo.
Milhares de empresas fecharam as portas. Tradicionais indústrias e incontáveis negócios encerraram as atividades, A Petrobras está em cacos. Grandes empreiteiras se encontram em recuperação judicial ou falidas. Mais de 10 milhões estão desempregados, sem dinheiro e endividados.
Como será o próximo semestre? É a pergunta que todos fazem e ninguém se arrisca a responder. Lula, Dilma e o PT não podem se eximir das responsabilidades pelo fracasso. Será ridículo e inútil tentar atribuir culpa aos adversários. Se lhes resta algum patriotismo e dignidade deverão ensarilhar armas e ajudar na recuperação da economia, sem atitudes temerárias e revanchistas. Nesta quadra terrível, apenas a união de todos, em favor do Brasil, poderá nos salvar.
O Partido dos Trabalhadores surgiu nos anos 80, como esperança de redenção das esquecidas classes trabalhadoras. O fundador, Luiz Inácio Lula da Silva, nunca lera o Manifesto comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels; a História do Primeiro de Maio de Maurice Dommanget; A evolução da classe operária, de Jürgen Kuczynski; Greves de ontem e de hoje, de Georges Le Franc; História das lutas sociais, de Everardo Dias, algum livro de Caio Prado Júnior ou obra que tratasse da revolução industrial. Passava os olhos pelo Diário do Grande ABC, o que lhe bastava. Jamais se interessou pela história ou em conhecer a biografia de presidentes como Getúlio Vargas, o pai do trabalhismo, e Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília. Ainda sindicalista deixava transparecer certos traços de arrogância e autossuficiência.
Quem conviveu com ele no Sindicato dos Metalúrgicos, nos duros anos do regime militar, o acompanhou em memoráveis assembleias de Vila Euclides, participou de intermináveis negociações com os empresários do Grupo 14, passou pelas intervenções do Ministério do Trabalho em 1979 e 1980, não poderá lhe negar aguda inteligência, sensibilidade social à flor da pele, espírito de luta, resistência nas adversidades, capacidade única de converter derrotas em vitórias. Sentia, como os grandes políticos, "o cheiro do vento".
Lula foi o antipelego. Ao assumir a presidência do Sindicato, em 21 de abril de 1975, como sucessor de Paulo Vidal Neto, o cenário trabalhista era dominado por Ary Campista, Argeu Egydio dos Santos, Joaquim dos Santos Andrade. O primeiro presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNI), o segundo presidente da Federação dos Trabalhadores dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, o terceiro, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Lula apareceu como ameaça real ao peleguismo, por não prestar vassalagem aos dois primeiros, e disputar com Joaquinzão a liderança do sindicalismo paulista.
Defensor da reforma trabalhista, e declarado adversário do Imposto Sindical, Lula passou a ser encarado pelos empresários da Fiesp como algo moderno e merecedor de atenção. Atraiu olhares de jornalistas, professores universitários, estudantes, religiosos, donas de casa. Em poucos meses, ele se converteu em líder capaz de dominar centenas de ouvintes em palestras realizadas nas principais capitais do país. Recordo-me, por exemplo, do encontro com artistas e a juventude carioca no Teatro Casa Grande, convidado que fora para expor seu pensamento quase revolucionário. A linguagem do metalúrgico era rude, mas convincente. Logo se tornou companheiro de Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Teotônio Villela, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Pedro Simon, na campanha pelas eleições diretas.
Não se lhe pode ignorar o relevante papel desempenhado na redemocratização. Pela primeira vez, após o golpe de 1964, a classe operária voltava às ruas como protagonista da vida pública. Algo, porém, sucederia ao se converter de oposição agressiva, incansável, aguerrida (que conheci quando secretário do Trabalho do governo Montoro e ministro do Trabalho do governo Sarney), em presidente da República.
Imagino que se deixou seduzir pela ambição. O que lhe sobrava em esperteza lhe faltava em modéstia, cultura, experiência, para entender Brasília e compreender que seus limitados recursos não bastavam para protegê-lo das armadilhas política. A lua de mel com a economia, artificialmente inflada pelo consumismo desenfreado, durou 12 longos anos. As contas chegaram ao segundo mandato de sua preferida, a presidente Dilma Rousseff, e o saldo devedor é assustadoramente negativo.
Milhares de empresas fecharam as portas. Tradicionais indústrias e incontáveis negócios encerraram as atividades, A Petrobras está em cacos. Grandes empreiteiras se encontram em recuperação judicial ou falidas. Mais de 10 milhões estão desempregados, sem dinheiro e endividados.
Como será o próximo semestre? É a pergunta que todos fazem e ninguém se arrisca a responder. Lula, Dilma e o PT não podem se eximir das responsabilidades pelo fracasso. Será ridículo e inútil tentar atribuir culpa aos adversários. Se lhes resta algum patriotismo e dignidade deverão ensarilhar armas e ajudar na recuperação da economia, sem atitudes temerárias e revanchistas. Nesta quadra terrível, apenas a união de todos, em favor do Brasil, poderá nos salvar.
Uma pauta contra o colapso - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 20/04
Paralisado o governo já está, desde o ano passado, pelo menos quanto a ações importantes para arrumar as contas públicas e religar o motor da economia. Nem o recuo da inflação, uma rara boa notícia, é atribuível a qualquer iniciativa da presidente Dilma Rousseff ou de seus ministros econômicos. Os preços têm subido mais devagar por causa do desemprego, da insegurança de consumidores e de empresários e do crédito mais apertado. Mas a paralisia da administração federal nem sequer é o pior estágio possível. Pode-se descer um degrau, se o Tesouro tiver de suspender até o pagamento de contas de luz, água e telefone. Esse é o risco apontado por fontes da equipe econômica, se o Congresso demorar muito a aprovar a mudança da meta fiscal para este ano. Esse é o item mais urgente da pauta recém-organizada no Ministério da Fazenda para um possível anúncio antes da votação do impedimento da presidente no Senado.
A agenda tem quatro áreas de ação, com algumas propostas facilmente defensáveis e outras de qualidade muito duvidosa. Na área fiscal, a prioridade mais alta, a revisão da meta para 2016, tem pelo menos o mérito do realismo. O objetivo ainda em vigor, um superávit primário de R$ 24 bilhões, é claramente inalcançável. O governo precisa de autorização para buscar um alvo menos ambicioso. Sem isso, poderá ser forçado a um aperto muito severo, com provável suspensão de desembolsos essenciais. O ministro da Fazenda propõe reduzir a meta a R$ 2,8 bilhões, mas com possibilidade de abatimentos por frustração de receitas e para manter certos investimentos e de gastos mínimos com defesa, saúde e apoio à exportação. Se a pretensão for integralmente aprovada, haverá espaço para um déficit de R$ 96,65 bilhões.
Se confirmada, a frustração de receita de até R$ 82 bilhões será efeito da recessão causada por erros e desmandos do governo. Sem novas medidas para estimular a economia, pode-se apostar em alguma frustração considerável. Mas o Executivo poderia fazer mais para reduzir, sem grandes prejuízos para o País, sua lista de gastos. Se o assunto fosse entregue a um bom comitê de administradores com muita visão prática e nenhum compromisso com os interesses partidários do governo, certamente haveria uma limpeza de uma porção de itens de baixa ou nenhuma utilidade, especialmente numa fase de verbas muito curtas.
Ainda na área fiscal, a concessão de facilidades para os Estados devedores do Tesouro Nacional é claramente inoportuna, muito custosa e imprudente. Medidas para disciplinar o aumento do gasto público e para criar um regime especial de contingenciamento têm méritos, mas produzirão efeitos no longo prazo e vão depender de negociações políticas talvez complicadas.
Na área do crédito, propostas para expansão da oferta de financiamento parecem deslocadas. Primeiro, porque iriam contra o aperto ainda necessário para o combate à inflação. Segundo, porque mudanças na política monetária – como a redução dos depósitos compulsórios pretendida pela equipe da Fazenda – só podem ser decididas pelo Banco Central (BC). Este detalhe tem sido pouco mencionado nas informações sobre a pauta da Fazenda.
Mudanças tributárias estão na terceira área. A ideia de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) é indefensável. Esse tributo, como já foi provado, é uma fonte de distorções econômicas. Outras propostas podem valer um debate, mas, além de complexas, produzirão efeitos só em prazo mais longo. Qualquer aumento da carga para reforço imediato do Tesouro só será aceitável com a garantia de duração muito curta.
O último grupo inclui medidas microeconômicas, como melhoras em regras de distratos de imóveis e mudanças nos marcos regulatórios dos setores elétrico e de telecomunicações. Não seria prático tentar agora o exame desses temas.
O principal defeito da agenda é evidente: a escassez de medidas para iniciar desde já a arrumação fiscal e para reativar a economia.
Paralisado o governo já está, desde o ano passado, pelo menos quanto a ações importantes para arrumar as contas públicas e religar o motor da economia. Nem o recuo da inflação, uma rara boa notícia, é atribuível a qualquer iniciativa da presidente Dilma Rousseff ou de seus ministros econômicos. Os preços têm subido mais devagar por causa do desemprego, da insegurança de consumidores e de empresários e do crédito mais apertado. Mas a paralisia da administração federal nem sequer é o pior estágio possível. Pode-se descer um degrau, se o Tesouro tiver de suspender até o pagamento de contas de luz, água e telefone. Esse é o risco apontado por fontes da equipe econômica, se o Congresso demorar muito a aprovar a mudança da meta fiscal para este ano. Esse é o item mais urgente da pauta recém-organizada no Ministério da Fazenda para um possível anúncio antes da votação do impedimento da presidente no Senado.
A agenda tem quatro áreas de ação, com algumas propostas facilmente defensáveis e outras de qualidade muito duvidosa. Na área fiscal, a prioridade mais alta, a revisão da meta para 2016, tem pelo menos o mérito do realismo. O objetivo ainda em vigor, um superávit primário de R$ 24 bilhões, é claramente inalcançável. O governo precisa de autorização para buscar um alvo menos ambicioso. Sem isso, poderá ser forçado a um aperto muito severo, com provável suspensão de desembolsos essenciais. O ministro da Fazenda propõe reduzir a meta a R$ 2,8 bilhões, mas com possibilidade de abatimentos por frustração de receitas e para manter certos investimentos e de gastos mínimos com defesa, saúde e apoio à exportação. Se a pretensão for integralmente aprovada, haverá espaço para um déficit de R$ 96,65 bilhões.
Se confirmada, a frustração de receita de até R$ 82 bilhões será efeito da recessão causada por erros e desmandos do governo. Sem novas medidas para estimular a economia, pode-se apostar em alguma frustração considerável. Mas o Executivo poderia fazer mais para reduzir, sem grandes prejuízos para o País, sua lista de gastos. Se o assunto fosse entregue a um bom comitê de administradores com muita visão prática e nenhum compromisso com os interesses partidários do governo, certamente haveria uma limpeza de uma porção de itens de baixa ou nenhuma utilidade, especialmente numa fase de verbas muito curtas.
Ainda na área fiscal, a concessão de facilidades para os Estados devedores do Tesouro Nacional é claramente inoportuna, muito custosa e imprudente. Medidas para disciplinar o aumento do gasto público e para criar um regime especial de contingenciamento têm méritos, mas produzirão efeitos no longo prazo e vão depender de negociações políticas talvez complicadas.
Na área do crédito, propostas para expansão da oferta de financiamento parecem deslocadas. Primeiro, porque iriam contra o aperto ainda necessário para o combate à inflação. Segundo, porque mudanças na política monetária – como a redução dos depósitos compulsórios pretendida pela equipe da Fazenda – só podem ser decididas pelo Banco Central (BC). Este detalhe tem sido pouco mencionado nas informações sobre a pauta da Fazenda.
Mudanças tributárias estão na terceira área. A ideia de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) é indefensável. Esse tributo, como já foi provado, é uma fonte de distorções econômicas. Outras propostas podem valer um debate, mas, além de complexas, produzirão efeitos só em prazo mais longo. Qualquer aumento da carga para reforço imediato do Tesouro só será aceitável com a garantia de duração muito curta.
O último grupo inclui medidas microeconômicas, como melhoras em regras de distratos de imóveis e mudanças nos marcos regulatórios dos setores elétrico e de telecomunicações. Não seria prático tentar agora o exame desses temas.
O principal defeito da agenda é evidente: a escassez de medidas para iniciar desde já a arrumação fiscal e para reativar a economia.
Um monstro à espera de Temer - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 20/04
O tempo de Michel Temer está acabando, mesmo antes de ocupar a cadeira de presidente que talvez seja sua, em maio, como já se escreveu aqui.
O primeiro e principal problema econômico de seu governo ainda piora de maneira assustadora. A pindaíba federal é crescente, viu-se ontem pela arrecadação de impostos do primeiro trimestre do ano.
Os cofres do governo sangram cada vez mais.
A receita federal de impostos e contribuições, INSS inclusive, cai ao ritmo de 7,2% ao ano, quase o dobro da velocidade de contração da economia, da queda do PIB, que encolheu 3,8% em 2015.
O governo perde receita cada vez mais rápido. Em março de 2015, a arrecadação anual baixava ao ritmo de 2,8% ao ano (em termos reais). Quando Dilma e seus economistas tomaram a decisão final de arruinar as contas públicas, no fim de 2013, a receita crescia a 4% ao ano, por aí.
Considerada a arrecadação em 12 meses, a receita em março deste ano foi R$ 99 bilhões menor que a de março de 2015 (considerada a inflação).
Para usar uma comparação popular nos anos petistas, R$ 99 bilhões equivalem a três anos e meio de Bolsa Família. Equivalem a mais que o dobro do que o governo federal investiu em "obras" no ano passado.
Isto é, a receita caiu o equivalente a 1,66% do PIB estimado para o início deste ano. Trata-se de valor semelhante ao deficit primário estimado para 2016, na mediana das previsões colhidas semanalmente pelo Banco Central. Ou seja, mesmo que a receita de impostos ficasse toda nos cofres federais, no máximo não haveria deficit primário. A conta ficaria no zero a zero.
Note-se de passagem, porém, que o buraco fica ainda mais embaixo, pois cerca de 17% ou 18% da receita bruta federal vai para Estados e municípios.
Equilibrar receita e despesa, desconsiderados gastos com juros, é uma das tarefas mínimas do governo para 2017. Nos anos Lula, convém lembrar, o superavit primário andava pela casa dos 3% do PIB.
Logo, parece incontornável um aumento de impostos, dado o tamanho da encrenca, o estado crítico da economia, a necessidade de conter cortes ainda maiores no investimento federal e de evitar um esfolamento excessivo do povo (excessivo. Esfolamento haverá).
Alguém ainda se lembra da CPMF, anátema de parte do movimento "impichista", maldição das ruas que pedem a cabeça de Dilma e do Congresso, que recusou esse dinheiro à presidente ora no cadafalso?
Pois bem. Quando esse imposto foi cobrado com a alíquota de 0,38%, nos anos cheios de 2002 a 2007, rendia o equivalente a 1,35% do PIB, em média, uma arrecadação bem estável. Em termos do valor do PIB de hoje, poderia então render cerca de R$ 80 bilhões. Isto é, se nada mais mudou na estrutura da economia brasileira, deve render por aí.
Claro está que isso não resolve o problema. Trata-se de um remendão de emergência, que deve de resto ser acompanhado de cortes dolorosos de gastos em salários de servidores, gastos em saúde e educação e em benefícios do INSS. Apenas para tapar o presente rombo.
Um governo que fez sua "campanha eleitoral", o impeachment, com base em protestos contra o aumento dos impostos vai propor ao Congresso tal coisa, a paulada da CPMF ou equivalente?
O tempo de Michel Temer está acabando, mesmo antes de ocupar a cadeira de presidente que talvez seja sua, em maio, como já se escreveu aqui.
O primeiro e principal problema econômico de seu governo ainda piora de maneira assustadora. A pindaíba federal é crescente, viu-se ontem pela arrecadação de impostos do primeiro trimestre do ano.
Os cofres do governo sangram cada vez mais.
A receita federal de impostos e contribuições, INSS inclusive, cai ao ritmo de 7,2% ao ano, quase o dobro da velocidade de contração da economia, da queda do PIB, que encolheu 3,8% em 2015.
O governo perde receita cada vez mais rápido. Em março de 2015, a arrecadação anual baixava ao ritmo de 2,8% ao ano (em termos reais). Quando Dilma e seus economistas tomaram a decisão final de arruinar as contas públicas, no fim de 2013, a receita crescia a 4% ao ano, por aí.
Considerada a arrecadação em 12 meses, a receita em março deste ano foi R$ 99 bilhões menor que a de março de 2015 (considerada a inflação).
Para usar uma comparação popular nos anos petistas, R$ 99 bilhões equivalem a três anos e meio de Bolsa Família. Equivalem a mais que o dobro do que o governo federal investiu em "obras" no ano passado.
Isto é, a receita caiu o equivalente a 1,66% do PIB estimado para o início deste ano. Trata-se de valor semelhante ao deficit primário estimado para 2016, na mediana das previsões colhidas semanalmente pelo Banco Central. Ou seja, mesmo que a receita de impostos ficasse toda nos cofres federais, no máximo não haveria deficit primário. A conta ficaria no zero a zero.
Note-se de passagem, porém, que o buraco fica ainda mais embaixo, pois cerca de 17% ou 18% da receita bruta federal vai para Estados e municípios.
Equilibrar receita e despesa, desconsiderados gastos com juros, é uma das tarefas mínimas do governo para 2017. Nos anos Lula, convém lembrar, o superavit primário andava pela casa dos 3% do PIB.
Logo, parece incontornável um aumento de impostos, dado o tamanho da encrenca, o estado crítico da economia, a necessidade de conter cortes ainda maiores no investimento federal e de evitar um esfolamento excessivo do povo (excessivo. Esfolamento haverá).
Alguém ainda se lembra da CPMF, anátema de parte do movimento "impichista", maldição das ruas que pedem a cabeça de Dilma e do Congresso, que recusou esse dinheiro à presidente ora no cadafalso?
Pois bem. Quando esse imposto foi cobrado com a alíquota de 0,38%, nos anos cheios de 2002 a 2007, rendia o equivalente a 1,35% do PIB, em média, uma arrecadação bem estável. Em termos do valor do PIB de hoje, poderia então render cerca de R$ 80 bilhões. Isto é, se nada mais mudou na estrutura da economia brasileira, deve render por aí.
Claro está que isso não resolve o problema. Trata-se de um remendão de emergência, que deve de resto ser acompanhado de cortes dolorosos de gastos em salários de servidores, gastos em saúde e educação e em benefícios do INSS. Apenas para tapar o presente rombo.
Um governo que fez sua "campanha eleitoral", o impeachment, com base em protestos contra o aumento dos impostos vai propor ao Congresso tal coisa, a paulada da CPMF ou equivalente?
Adiando o inevitável - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 20/04
Renan tenta adiar a inevitável derrota de Dilma. Todas as manobras, no limite da legalidade, utilizadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, têm, tudo indica, a finalidade de ganhar tempo para encontrar uma saída que prolongue a permanência da presidente Dilma à frente do governo. Uma tarefa quase impossível a esta altura, pois já existe um grupo de 47 senadores declarados a favor do seu afastamento, seis a mais do que o mínimo necessário.
O senador Renan Calheiros tenta vender uma imagem de imparcialidade neste momento, mas qualquer movimento da direção do Senado que alargue os prazos regimentais, mesmo sob a alegação de que está preservando o respeito às normas regimentais para evitar acusação de nulidade no Supremo, beneficia o governo que está sendo processado.
Além do mais, adiando uma definição o Senado está colaborando para ampliar a paralisia no país, pois ninguém se decide a investir sem saber quem estará à frente do governo nos próximos meses e anos.
Mas o julgamento de hoje do Supremo Tribunal Federal pode dar um fôlego a esse grupo que tenta se manter no poder a qualquer custo. Se o ex-presidente Lula for autorizado pelo STF a assumir a chefia da Casa Civil, uma nova onda de negociações será aberta imediatamente, agora com Lula ocupando o gabinete mais importante do Palácio do Planalto.
Como naquela célebre frase do então primeiro-ministro Tancredo Neves, que recusou a cabeceira da mesa de reuniões oferecida a ele por um ministro afirmando que “a cabeceira é onde estou sentado”, também o gabinete mais importante do Planalto passará a ser o de Lula, para onde todas as expectativas se voltarão.
O ex-presidente sabe que, se o Senado aprovar a admissibilidade do processo de impeachment, dificilmente ao fim do julgamento deixará de condenar a presidente Dilma. Um novo governo estará em exercício pleno, e a realidade se encarregará de tornar fato consumado o afastamento da presidente.
Portanto, Lula terá cerca de 20 dias para tentar reverter os votos no Senado, para que o processo contra Dilma não vá a julgamento. Tudo dependerá também da situação em que Lula chegará à Casa Civil.
Se prevalecer a proposta de permitir-lhe assumir como ministro, mas sem a blindagem do foro privilegiado, o ex-presidente estará exposto a um processo do juiz Sérgio Moro mesmo no exercício do cargo ministerial, o que lhe tiraria o peso político nas negociações.
Se, no revés total, o Supremo não permitir que assuma uma posição no Ministério da presidente Dilma, o jogo estará simbolicamente encerrado.
Há também outra razão por trás da procrastinação da decisão, que o senador Renan poderia impor legalmente, indicando ontem mesmo os membros da comissão que os partidos não se dispusessem a nomear: a tentativa de criar um ambiente para a discussão da proposta de emenda constitucional que convoca eleições gerais para este ano.
Os senadores João Capiberibe, do PSB, e Walter Pinheiro, sem partido, alguns dos autores da proposta, discursaram sobre o tema ontem e receberam o apoio de Renan. Essa mudança constitucional, sim, pode ser classificada de golpista, pois para que ela seja minimamente viável pelo menos o vice-presidente Michel Temer teria que aceitar renunciar, sem falar no resto da cadeia sucessória.
Também o senador Eunício de Oliveira colaborou com o adiamento da decisão, pois não indicou os membros do PMDB na comissão, agindo em conjunto com o PT, que liderou a tentativa bem-sucedida de atrasar a formação da comissão.
Conseguiram, no entanto, ganhar apenas menos de uma semana nesse processo, e nada indica que nesse curto período haverá alguma modificação na tendência majoritária do Senado.
Renan tenta adiar a inevitável derrota de Dilma. Todas as manobras, no limite da legalidade, utilizadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, têm, tudo indica, a finalidade de ganhar tempo para encontrar uma saída que prolongue a permanência da presidente Dilma à frente do governo. Uma tarefa quase impossível a esta altura, pois já existe um grupo de 47 senadores declarados a favor do seu afastamento, seis a mais do que o mínimo necessário.
O senador Renan Calheiros tenta vender uma imagem de imparcialidade neste momento, mas qualquer movimento da direção do Senado que alargue os prazos regimentais, mesmo sob a alegação de que está preservando o respeito às normas regimentais para evitar acusação de nulidade no Supremo, beneficia o governo que está sendo processado.
Além do mais, adiando uma definição o Senado está colaborando para ampliar a paralisia no país, pois ninguém se decide a investir sem saber quem estará à frente do governo nos próximos meses e anos.
Mas o julgamento de hoje do Supremo Tribunal Federal pode dar um fôlego a esse grupo que tenta se manter no poder a qualquer custo. Se o ex-presidente Lula for autorizado pelo STF a assumir a chefia da Casa Civil, uma nova onda de negociações será aberta imediatamente, agora com Lula ocupando o gabinete mais importante do Palácio do Planalto.
Como naquela célebre frase do então primeiro-ministro Tancredo Neves, que recusou a cabeceira da mesa de reuniões oferecida a ele por um ministro afirmando que “a cabeceira é onde estou sentado”, também o gabinete mais importante do Planalto passará a ser o de Lula, para onde todas as expectativas se voltarão.
O ex-presidente sabe que, se o Senado aprovar a admissibilidade do processo de impeachment, dificilmente ao fim do julgamento deixará de condenar a presidente Dilma. Um novo governo estará em exercício pleno, e a realidade se encarregará de tornar fato consumado o afastamento da presidente.
Portanto, Lula terá cerca de 20 dias para tentar reverter os votos no Senado, para que o processo contra Dilma não vá a julgamento. Tudo dependerá também da situação em que Lula chegará à Casa Civil.
Se prevalecer a proposta de permitir-lhe assumir como ministro, mas sem a blindagem do foro privilegiado, o ex-presidente estará exposto a um processo do juiz Sérgio Moro mesmo no exercício do cargo ministerial, o que lhe tiraria o peso político nas negociações.
Se, no revés total, o Supremo não permitir que assuma uma posição no Ministério da presidente Dilma, o jogo estará simbolicamente encerrado.
Há também outra razão por trás da procrastinação da decisão, que o senador Renan poderia impor legalmente, indicando ontem mesmo os membros da comissão que os partidos não se dispusessem a nomear: a tentativa de criar um ambiente para a discussão da proposta de emenda constitucional que convoca eleições gerais para este ano.
Os senadores João Capiberibe, do PSB, e Walter Pinheiro, sem partido, alguns dos autores da proposta, discursaram sobre o tema ontem e receberam o apoio de Renan. Essa mudança constitucional, sim, pode ser classificada de golpista, pois para que ela seja minimamente viável pelo menos o vice-presidente Michel Temer teria que aceitar renunciar, sem falar no resto da cadeia sucessória.
Também o senador Eunício de Oliveira colaborou com o adiamento da decisão, pois não indicou os membros do PMDB na comissão, agindo em conjunto com o PT, que liderou a tentativa bem-sucedida de atrasar a formação da comissão.
Conseguiram, no entanto, ganhar apenas menos de uma semana nesse processo, e nada indica que nesse curto período haverá alguma modificação na tendência majoritária do Senado.
Uma emergência - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 20/04
É uma emergência, disse Arminio a Temer. O vice-presidente, Michel Temer, se assumir, terá muitas dificuldades na economia. Foi isso que ficou claro durante o jantar com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e o senador Aécio Neves. Temer fez muitas perguntas e ouviu de Arminio que este é um momento de emergência: o país está com seguidos déficits primários, e a dívida pública está em rota explosiva.
Na conversa, em que mais ouviu que falou, Temer quis saber como enfrentar uma série de problemas econômicos. Não chegou a fazer convites a Arminio, porque recebeu recados, via vários interlocutores, de que o ex-presidente do BC não aceitaria ir para o governo. O que outros interlocutores têm notado é que apesar de Temer ter se dedicado às articulações políticas, definidas pela presidente Dilma como traições, ele não está inteiramente informado sobre as questões com as quais terá que lidar se tiver que assumir a Presidência, na hipótese de afastamento provisório da presidente, o que pode ocorrer já no mês que vem.
A situação política é delicada demais para que Temer se movimente com a desenvoltura com que tem se movimentado; a situação econômica é grave demais para que ele não se prepare para a posse. Entre os nomes que está avaliando para o cargo de ministro da Fazenda está o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, o presidente da Febraban, Murilo Portugal, que já trabalhou nos governos Fernando Henrique e Lula. Outro nome é o do senador José Serra, que tem grande conhecimento de contas públicas.
O tamanho da tarefa econômica de um possível governo Temer é enorme, e o seu grupo próximo talvez não tenha dimensão da gravidade da situação. Por isso, o recado que Arminio Fraga passou durante toda a conversa — “isso é uma emergência” — é tão importante ser entendido. O governo Dilma elevou a dívida pública, levou o país ao déficit primário persistente, está erodindo o gasto social, o desemprego está crescendo de forma acelerada. O único ponto que começa a desanuviar é a inflação, que está em queda, no acumulado de 12 meses, e isso pode permitir a redução da taxa de juros.
Na frente internacional, um governo Temer terá que lidar com os efeitos do discurso do governo Dilma de que tudo o que está acontecendo com o Brasil é um golpe. Os jornais internacionais que são formadores de opinião começam a aceitar, ainda que parcialmente, esta versão. O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, tem feito declarações mais explícitas, comprando completamente a versão dos fatos apresentadas pelo governo Dilma. Curiosamente, os governos petistas trataram mal a OEA, chegando a deixar quatro anos sem embaixador junto à Organização dos Estados Americanos, dando mais destaque à Unasul. Almagro tem tido essa atitude, segundo observadores diplomáticos, entre outras razões, porque quer aproveitar o momento e aparecer. Ele está em campanha para ser candidato a presidente do Uruguai. Seja como for, se Temer assumir, terá que fazer um esforço diplomático em defesa da imagem da democracia brasileira, porque pode ficar firmada a impressão de que ele comanda um governo ilegítimo, ainda que a Suprema Corte esteja avalizando cada etapa do processo e o país esteja em pleno estado democrático de direito. Já há, hoje, divisões entre brasilianistas sobre o processo político brasileiro.
O vice-presidente encontrou-se com o ex-porta voz de Dilma Rousseff, Thomas Traumann, que era ministro dela no momento da campanha em que ela executou a estratégia de esconder a gravidade da crise em todas as entrevistas que concedeu.
O esboço do governo Temer vai sendo desenhado, ainda que de forma muito imprecisa. O vice-presidente continua no dilema de não parecer que está correndo para a Presidência, que ainda não está vaga; nem parecer lento demais que pareça displicente diante do enorme desafio que terá ao assumir um país em grave crise econômica, em turbulência política, com a legitimidade de seu governo e do processo democrático sendo posta em dúvida exatamente pela atual presidente da República. Nesse clima em que é acusado de traidor, Temer monta uma equipe e se informa sobre a profundidade da crise instalada no país que vai governar.
É uma emergência, disse Arminio a Temer. O vice-presidente, Michel Temer, se assumir, terá muitas dificuldades na economia. Foi isso que ficou claro durante o jantar com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e o senador Aécio Neves. Temer fez muitas perguntas e ouviu de Arminio que este é um momento de emergência: o país está com seguidos déficits primários, e a dívida pública está em rota explosiva.
Na conversa, em que mais ouviu que falou, Temer quis saber como enfrentar uma série de problemas econômicos. Não chegou a fazer convites a Arminio, porque recebeu recados, via vários interlocutores, de que o ex-presidente do BC não aceitaria ir para o governo. O que outros interlocutores têm notado é que apesar de Temer ter se dedicado às articulações políticas, definidas pela presidente Dilma como traições, ele não está inteiramente informado sobre as questões com as quais terá que lidar se tiver que assumir a Presidência, na hipótese de afastamento provisório da presidente, o que pode ocorrer já no mês que vem.
A situação política é delicada demais para que Temer se movimente com a desenvoltura com que tem se movimentado; a situação econômica é grave demais para que ele não se prepare para a posse. Entre os nomes que está avaliando para o cargo de ministro da Fazenda está o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, o presidente da Febraban, Murilo Portugal, que já trabalhou nos governos Fernando Henrique e Lula. Outro nome é o do senador José Serra, que tem grande conhecimento de contas públicas.
O tamanho da tarefa econômica de um possível governo Temer é enorme, e o seu grupo próximo talvez não tenha dimensão da gravidade da situação. Por isso, o recado que Arminio Fraga passou durante toda a conversa — “isso é uma emergência” — é tão importante ser entendido. O governo Dilma elevou a dívida pública, levou o país ao déficit primário persistente, está erodindo o gasto social, o desemprego está crescendo de forma acelerada. O único ponto que começa a desanuviar é a inflação, que está em queda, no acumulado de 12 meses, e isso pode permitir a redução da taxa de juros.
Na frente internacional, um governo Temer terá que lidar com os efeitos do discurso do governo Dilma de que tudo o que está acontecendo com o Brasil é um golpe. Os jornais internacionais que são formadores de opinião começam a aceitar, ainda que parcialmente, esta versão. O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, tem feito declarações mais explícitas, comprando completamente a versão dos fatos apresentadas pelo governo Dilma. Curiosamente, os governos petistas trataram mal a OEA, chegando a deixar quatro anos sem embaixador junto à Organização dos Estados Americanos, dando mais destaque à Unasul. Almagro tem tido essa atitude, segundo observadores diplomáticos, entre outras razões, porque quer aproveitar o momento e aparecer. Ele está em campanha para ser candidato a presidente do Uruguai. Seja como for, se Temer assumir, terá que fazer um esforço diplomático em defesa da imagem da democracia brasileira, porque pode ficar firmada a impressão de que ele comanda um governo ilegítimo, ainda que a Suprema Corte esteja avalizando cada etapa do processo e o país esteja em pleno estado democrático de direito. Já há, hoje, divisões entre brasilianistas sobre o processo político brasileiro.
O vice-presidente encontrou-se com o ex-porta voz de Dilma Rousseff, Thomas Traumann, que era ministro dela no momento da campanha em que ela executou a estratégia de esconder a gravidade da crise em todas as entrevistas que concedeu.
O esboço do governo Temer vai sendo desenhado, ainda que de forma muito imprecisa. O vice-presidente continua no dilema de não parecer que está correndo para a Presidência, que ainda não está vaga; nem parecer lento demais que pareça displicente diante do enorme desafio que terá ao assumir um país em grave crise econômica, em turbulência política, com a legitimidade de seu governo e do processo democrático sendo posta em dúvida exatamente pela atual presidente da República. Nesse clima em que é acusado de traidor, Temer monta uma equipe e se informa sobre a profundidade da crise instalada no país que vai governar.
E agora, Michel? - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Folha de SP - 20/04
E agora, Michel? A festa acabou, a luz apagou, a presidente se foi e o Brasil caiu no teu colo... E agora, Michel?
Depois de anos de maus-tratos, cabe agora ao vice-presidente achar uma saída para a armadilha em que o país foi colocado por uma administração particularmente inepta, num país em que inépcia não chega a ser uma raridade (as paredes da sala de reuniões do Conselho Monetário Nacional, decoradas com retratos dos ministros da Fazenda, são um triste testemunho disso).
A agenda é extensa. Para começar, enquanto o setor público registra hoje um deficit primário próximo a 2% do PIB (cerca de R$ 130 bilhões a preços de fevereiro de 2016), um cálculo conservador sugere que, para impedir que a dívida pública continue a crescer, seria necessário gerar um superavit primário também da ordem de 2% do PIB (e isso em condições bem mais favoráveis do que as que prevalecem hoje). Falamos, assim, de um ajuste fiscal necessário em torno de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões.
Obviamente ninguém espera que qualquer governo seja capaz de promover um ajuste dessa magnitude num período curto. Mesmo governos que fizeram correções consideráveis nas contas públicas não chegaram sequer perto desse valor.
Entre o final de 1998 e o começo de 2001, por exemplo, registrou-se (a preços de fevereiro) uma melhora pouco superior a R$ 110 bilhões (do quais o governo federal contribuiu com menos da metade).
Já entre o final de 2002 e o final de 2004, houve melhora de R$ 27 bilhões (dos quais R$ 25 bilhões do governo federal). Em ambos os casos, note-se, o aumento da receita desempenhou o papel central.
Em contraste, hoje o orçamento federal se encontra ainda mais engessado, com mais de 90% das despesas já devidamente contratadas antes do começo do ano fiscal, enquanto o espaço para aumento das receitas é muito menor do que no passado.
Não há saída convencional para o problema que não passe, portanto, por reformas profundas, da questão previdenciária (idade mínima, regimes especiais, etc.) às vinculações orçamentárias, todas da alçada do Congresso Nacional.
À parte essa tarefa, por si gigantesca, há ainda muito que reformar no país. Uma lista (incompleta) incluiria:
a) mudanças trabalhistas, permitindo que acordos voluntários entre as partes se sobrepusessem à lei; b) reforço à competição, tanto doméstica quanto internacional, para estimular o crescimento da produtividade; c) reforma tributária, no mínimo reduzindo os impostos sobre valor adicionado a apenas dois (um IVA federal, outro estadual), com simplificação de alíquotas e cobrança no destino; d) alteração no regime de concessões, estimulando a concorrência, entre outras tantas.
A conclusão não poderia ser mais óbvia: em que pese a reação eufórica, e até certo ponto justificada, do mercado à deposição da "presidenta incompetenta", parece haver um claro exagero quanto ao que se espera do novo governo. Tirar o bode da sala ajuda, mas está longe de resolver o problema.
Finalizo com um apelo pleno de rancor: por favor, mantenham Alexandre Pombini, perdão, Tombini no BC. Ele não precisa sequer votar no Copom, mesmo porque não ajudaria, mas teria imensa satisfação pessoal de vê-lo assinar mais uma carta explicando novo descumprimento da meta para a inflação.
Valeu!
E agora, Michel? A festa acabou, a luz apagou, a presidente se foi e o Brasil caiu no teu colo... E agora, Michel?
Depois de anos de maus-tratos, cabe agora ao vice-presidente achar uma saída para a armadilha em que o país foi colocado por uma administração particularmente inepta, num país em que inépcia não chega a ser uma raridade (as paredes da sala de reuniões do Conselho Monetário Nacional, decoradas com retratos dos ministros da Fazenda, são um triste testemunho disso).
A agenda é extensa. Para começar, enquanto o setor público registra hoje um deficit primário próximo a 2% do PIB (cerca de R$ 130 bilhões a preços de fevereiro de 2016), um cálculo conservador sugere que, para impedir que a dívida pública continue a crescer, seria necessário gerar um superavit primário também da ordem de 2% do PIB (e isso em condições bem mais favoráveis do que as que prevalecem hoje). Falamos, assim, de um ajuste fiscal necessário em torno de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões.
Obviamente ninguém espera que qualquer governo seja capaz de promover um ajuste dessa magnitude num período curto. Mesmo governos que fizeram correções consideráveis nas contas públicas não chegaram sequer perto desse valor.
Entre o final de 1998 e o começo de 2001, por exemplo, registrou-se (a preços de fevereiro) uma melhora pouco superior a R$ 110 bilhões (do quais o governo federal contribuiu com menos da metade).
Já entre o final de 2002 e o final de 2004, houve melhora de R$ 27 bilhões (dos quais R$ 25 bilhões do governo federal). Em ambos os casos, note-se, o aumento da receita desempenhou o papel central.
Em contraste, hoje o orçamento federal se encontra ainda mais engessado, com mais de 90% das despesas já devidamente contratadas antes do começo do ano fiscal, enquanto o espaço para aumento das receitas é muito menor do que no passado.
Não há saída convencional para o problema que não passe, portanto, por reformas profundas, da questão previdenciária (idade mínima, regimes especiais, etc.) às vinculações orçamentárias, todas da alçada do Congresso Nacional.
À parte essa tarefa, por si gigantesca, há ainda muito que reformar no país. Uma lista (incompleta) incluiria:
a) mudanças trabalhistas, permitindo que acordos voluntários entre as partes se sobrepusessem à lei; b) reforço à competição, tanto doméstica quanto internacional, para estimular o crescimento da produtividade; c) reforma tributária, no mínimo reduzindo os impostos sobre valor adicionado a apenas dois (um IVA federal, outro estadual), com simplificação de alíquotas e cobrança no destino; d) alteração no regime de concessões, estimulando a concorrência, entre outras tantas.
A conclusão não poderia ser mais óbvia: em que pese a reação eufórica, e até certo ponto justificada, do mercado à deposição da "presidenta incompetenta", parece haver um claro exagero quanto ao que se espera do novo governo. Tirar o bode da sala ajuda, mas está longe de resolver o problema.
Finalizo com um apelo pleno de rancor: por favor, mantenham Alexandre Pombini, perdão, Tombini no BC. Ele não precisa sequer votar no Copom, mesmo porque não ajudaria, mas teria imensa satisfação pessoal de vê-lo assinar mais uma carta explicando novo descumprimento da meta para a inflação.
Valeu!
Onde está a certeza? - ROBERTO DAMATTA
O GLOBO - 20/04
Se o alvo era o demonizado capitalismo e um mundo igualmente cruel, o tiro saiu pela culatra, pois ao fim e ao cabo o que houve foi pretender legitimar ladrões como salvadores da pátria
O certo — diz uma voz dentro de mim neste histórico domingo, 17 de abril, é uma coisa, a certeza é outra. Será preciso começar fazendo essa distinção. O certo persegue a certeza, sendo a razão imperativa para que as certezas criem convicções e engendrem ações generosas e positivas para o Brasil.
O certo é simples: nenhuma coletividade de massa nesta era de simultaneidades planetárias e digitalização global as quais engendram uma absoluta transparência pode ser infantilizada pela negação de um claro plano de poder tocado a uma vergonhosa, e quase sempre quixotesca corrupção, a qual acabou por devastar economicamente o Brasil. Realmente, um plano de poder aliado a uma ética dos fins justificando os meios liquidou estatais e fundos de pensão, levou à bancarrota bancos oficiais e, pela ladroagem, transformou funcionários em milionários, ladrões e empresários em símbolos de vileza para seus ilustres clãs políticos e familiares.
Se o alvo era o demonizado capitalismo e um mundo igualmente cruel, o tiro saiu pela culatra, pois ao fim e ao cabo o que houve foi pretender legitimar ladrões como salvadores da pátria. O maior deles, o chefe, Lula da Silva, começou repetindo a imagem do pai dos pobres para ser mais do que a mãe dos ricos, pois é hoje o compadre de um rol de empresários cujo cartel virou um clube de propinas. Esse sinistro capitalismo foi usado para abrir abençoadas contas no exterior e promover financiamentos a países vizinhos reforçando seus governos autoritários.
O povo pode ser bobo, mas não é palhaço. O povo, como se viu domingo, não aceitou ser o filho bastardo de um governo lulopetista que se postava como pai e, depois, mãe, mas que dele abusava de modo incestuoso, roubando-lhe os recursos. A genitora inventada pelo pai-salvador revelou-se dona de mais impaciência e ausência de noção do seu papel do que de amor materno. Postava-se como mãe sem, entretanto, ter o coração materno da famosa canção imortalizada por Vicente Celestino.
Política tem muito de ética pessoal, mas não é família ou casa-grande. Um país é uma casa e senzala, embora seja moradia. Alugá-lo a incompetentes cínicos que admitem terem comido muito mel ao ponto de melarem-se todos é, mais do que uma realidade, é um insulto.
E o povo que usa expletivos como conceitos filosóficos — existe algo mais complexo que explicar o significado de f.d.p ou de um p.q.p? — revelou a sua vontade e o seu pensamento selvagem levi-straussiano, quando vimos a tribo que domingo podou o poder político lulopetista, dando o primeiro passo para afastá-lo do palácio e do imenso aparelho que ele cuidadosamente construiu.
Estou sendo golpista? Para alguns sim. Para quem sabe do meu caráter, não. Não tergiverso com minha honestidade e não vendo minha alma ao diabo na forma de pedidos, favores e dinheiro. Meu nariz está limpo porque jamais ajoelhei para lamber um traseiro ou solicitei um empenho. Quando, um dia, me perguntaram “O que você quer?”, disse sem tremer: “Nada!”
Nessa rede de elos familiares e de simpatias que o ritual de domingo deu provas contundentes, eu jamais entrei. Estudando Brasil eu vi o peso dos favores na condução de nossos projetos de modernização igualitária e encareço aos que desejam real e firmemente mudar o Brasil que prestem atenção a essa trama do dar-para-receber que não amadurece, mas infantiliza. Que não engendra cidadãos responsáveis, mas devedores e, no limite, subserviências. E o faz sem saber, mas sabendo — maldosa e inocentemente.
O que vi domingo foi um grito esperançoso de maturidade com todo o bom humor possível diante dos mais reacionários que, negando o real, recitavam o mantra do ilegal para um ritual que paradoxal e brasileiramente, pois era obviamente legítimo e certo, embora tivesse raízes nos dentes podres com os quais todos — todos! — comemos nossas carniças.
Foi um ritual do mesmo naipe dos estelionatos eleitorais, dos quartos neuroticamente secretos onde aquele sujeito da Petrobras guardava como um Ali Babá os tesouros roubados. Foi uma prova de como o ilegítimo é legal tal como as propriedades do ex-presidente Lula são dos seus amigos do coração.
Foi um passo para a maturidade e para o casamento do ético com o legal. Mas, como estou cansado de testemunhar tal movimento, pois fiz parte dos “conscientizados” da esquerda brasileira, posso ter certeza, mas não estar certo.
Se o alvo era o demonizado capitalismo e um mundo igualmente cruel, o tiro saiu pela culatra, pois ao fim e ao cabo o que houve foi pretender legitimar ladrões como salvadores da pátria
O certo — diz uma voz dentro de mim neste histórico domingo, 17 de abril, é uma coisa, a certeza é outra. Será preciso começar fazendo essa distinção. O certo persegue a certeza, sendo a razão imperativa para que as certezas criem convicções e engendrem ações generosas e positivas para o Brasil.
O certo é simples: nenhuma coletividade de massa nesta era de simultaneidades planetárias e digitalização global as quais engendram uma absoluta transparência pode ser infantilizada pela negação de um claro plano de poder tocado a uma vergonhosa, e quase sempre quixotesca corrupção, a qual acabou por devastar economicamente o Brasil. Realmente, um plano de poder aliado a uma ética dos fins justificando os meios liquidou estatais e fundos de pensão, levou à bancarrota bancos oficiais e, pela ladroagem, transformou funcionários em milionários, ladrões e empresários em símbolos de vileza para seus ilustres clãs políticos e familiares.
Se o alvo era o demonizado capitalismo e um mundo igualmente cruel, o tiro saiu pela culatra, pois ao fim e ao cabo o que houve foi pretender legitimar ladrões como salvadores da pátria. O maior deles, o chefe, Lula da Silva, começou repetindo a imagem do pai dos pobres para ser mais do que a mãe dos ricos, pois é hoje o compadre de um rol de empresários cujo cartel virou um clube de propinas. Esse sinistro capitalismo foi usado para abrir abençoadas contas no exterior e promover financiamentos a países vizinhos reforçando seus governos autoritários.
O povo pode ser bobo, mas não é palhaço. O povo, como se viu domingo, não aceitou ser o filho bastardo de um governo lulopetista que se postava como pai e, depois, mãe, mas que dele abusava de modo incestuoso, roubando-lhe os recursos. A genitora inventada pelo pai-salvador revelou-se dona de mais impaciência e ausência de noção do seu papel do que de amor materno. Postava-se como mãe sem, entretanto, ter o coração materno da famosa canção imortalizada por Vicente Celestino.
Política tem muito de ética pessoal, mas não é família ou casa-grande. Um país é uma casa e senzala, embora seja moradia. Alugá-lo a incompetentes cínicos que admitem terem comido muito mel ao ponto de melarem-se todos é, mais do que uma realidade, é um insulto.
E o povo que usa expletivos como conceitos filosóficos — existe algo mais complexo que explicar o significado de f.d.p ou de um p.q.p? — revelou a sua vontade e o seu pensamento selvagem levi-straussiano, quando vimos a tribo que domingo podou o poder político lulopetista, dando o primeiro passo para afastá-lo do palácio e do imenso aparelho que ele cuidadosamente construiu.
Estou sendo golpista? Para alguns sim. Para quem sabe do meu caráter, não. Não tergiverso com minha honestidade e não vendo minha alma ao diabo na forma de pedidos, favores e dinheiro. Meu nariz está limpo porque jamais ajoelhei para lamber um traseiro ou solicitei um empenho. Quando, um dia, me perguntaram “O que você quer?”, disse sem tremer: “Nada!”
Nessa rede de elos familiares e de simpatias que o ritual de domingo deu provas contundentes, eu jamais entrei. Estudando Brasil eu vi o peso dos favores na condução de nossos projetos de modernização igualitária e encareço aos que desejam real e firmemente mudar o Brasil que prestem atenção a essa trama do dar-para-receber que não amadurece, mas infantiliza. Que não engendra cidadãos responsáveis, mas devedores e, no limite, subserviências. E o faz sem saber, mas sabendo — maldosa e inocentemente.
O que vi domingo foi um grito esperançoso de maturidade com todo o bom humor possível diante dos mais reacionários que, negando o real, recitavam o mantra do ilegal para um ritual que paradoxal e brasileiramente, pois era obviamente legítimo e certo, embora tivesse raízes nos dentes podres com os quais todos — todos! — comemos nossas carniças.
Foi um ritual do mesmo naipe dos estelionatos eleitorais, dos quartos neuroticamente secretos onde aquele sujeito da Petrobras guardava como um Ali Babá os tesouros roubados. Foi uma prova de como o ilegítimo é legal tal como as propriedades do ex-presidente Lula são dos seus amigos do coração.
Foi um passo para a maturidade e para o casamento do ético com o legal. Mas, como estou cansado de testemunhar tal movimento, pois fiz parte dos “conscientizados” da esquerda brasileira, posso ter certeza, mas não estar certo.
Bolivarianos e Dilma se isolam na farsa do ‘golpe’ - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 20/04
PT e governo conseguiram propagar a ideia de uma ruptura de ordem institucional, num ato típico de governos chavistas quando são confrontados dentro da Lei
Numa ação típica de “agitprop”, agitação e propaganda, o PT disseminou a ideia de que haveria um “golpe” em andamento no Brasil, sob o disfarce de um processo de impeachment. Disciplinada, a militância foi em frente.
Inclusive um diplomata, ministro Milton Rondó Filho, lotado na Secretaria de Estado de Relações Exteriores do Itamaraty, posto estratégico. De lá, ele difundiu o alerta do “golpe” pelo mundo. Depois, devidamente desmentido. É no mínimo curioso que Rondó trabalhe na parte internacional do Fome Zero (!?), algo extravagante no Itamaraty. Coisas do aparelhamento.
Mas, pelo menos na militância, o “golpe” fantasioso se espalhou. Depois, teria na própria presidente Dilma ardorosa propagadora, e passaria a fazer parte da tese de defesa dela, com a qual o ex-ministro da Justiça e ex-deputado petista José Eduardo Cardozo, transferido para a AdvocaciaGeral da União, já esgrimiu na Câmara e no Supremo Tribunal, mas sem sucesso.
O governo lulopetista segue o padrão de regimes bolivarianos ainda espalhados pelo continente, os quais ao primeiro sinal de fortalecimento da oposição — dentro da Lei — denunciam “golpe”.
Nenhuma novidade, portanto, que os atuais cabeças desses governos — Evo Morales (Bolívia), Nicolás Maduro (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) — repitam a cantilena do “golpe”. Já os governos, equilibrados, de Argentina (agora), Chile, Peru e Colômbia agem dentro das normas universais da diplomacia. Não comentam assuntos internos brasileiros. Até porque nada acontece fora da ordem institucional. Dilma e companheiros estão isolados na fantasia golpista.
Isso acontece a poucos dias de uma cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), organismo inventado por Lula e Hugo Chávez para se contrapor aos Estados Unidos, o “Império”. Lá deverá ocorrer uma catarse bolivariana de apoio a Dilma.
A denúncia do “golpe” já entrara no Planalto, por meio dos comícios que a presidente e o PT promoveram nos salões do Palácio. Derrotada na Câmara, no domingo, o discurso padrão voltou no primeiro pronunciamento e rápida entrevista concedida por Dilma, na segunda.
Retornou ao cantochão do “golpe”, o que já fizera em entrevistas à imprensa estrangeira. Ela tem toda a liberdade de falar o que quiser, mas ao propagar mentiras sobre a situação institucional do país incorre em grave erro, porque se trata da presidente manchando, de maneira deliberada, a imagem no exterior da própria República.
Golpe com a participação do Supremo, no Brasil, seria candidato a entrar no Guinness, no quesito bizarrice. Assim como a repetição de que teve “54 milhões de votos” também é oca. Como está previsto na Carta, com mais votos ou menos, o chefe do Executivo pode ser denunciado e impedido, sem macular o estado democrático de direito. Aliás, o impeachment é um instrumento muito conhecido do PT, que o acionou várias vezes no passado.
Enquanto luta pelo que considera direitos seus, pelas vias legais, a presidente deve é governar para que, seja qual for o desfecho do processo no Senado, o país volte o mais rapidamente possível à normalidade.
PT e governo conseguiram propagar a ideia de uma ruptura de ordem institucional, num ato típico de governos chavistas quando são confrontados dentro da Lei
Numa ação típica de “agitprop”, agitação e propaganda, o PT disseminou a ideia de que haveria um “golpe” em andamento no Brasil, sob o disfarce de um processo de impeachment. Disciplinada, a militância foi em frente.
Inclusive um diplomata, ministro Milton Rondó Filho, lotado na Secretaria de Estado de Relações Exteriores do Itamaraty, posto estratégico. De lá, ele difundiu o alerta do “golpe” pelo mundo. Depois, devidamente desmentido. É no mínimo curioso que Rondó trabalhe na parte internacional do Fome Zero (!?), algo extravagante no Itamaraty. Coisas do aparelhamento.
Mas, pelo menos na militância, o “golpe” fantasioso se espalhou. Depois, teria na própria presidente Dilma ardorosa propagadora, e passaria a fazer parte da tese de defesa dela, com a qual o ex-ministro da Justiça e ex-deputado petista José Eduardo Cardozo, transferido para a AdvocaciaGeral da União, já esgrimiu na Câmara e no Supremo Tribunal, mas sem sucesso.
O governo lulopetista segue o padrão de regimes bolivarianos ainda espalhados pelo continente, os quais ao primeiro sinal de fortalecimento da oposição — dentro da Lei — denunciam “golpe”.
Nenhuma novidade, portanto, que os atuais cabeças desses governos — Evo Morales (Bolívia), Nicolás Maduro (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) — repitam a cantilena do “golpe”. Já os governos, equilibrados, de Argentina (agora), Chile, Peru e Colômbia agem dentro das normas universais da diplomacia. Não comentam assuntos internos brasileiros. Até porque nada acontece fora da ordem institucional. Dilma e companheiros estão isolados na fantasia golpista.
Isso acontece a poucos dias de uma cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), organismo inventado por Lula e Hugo Chávez para se contrapor aos Estados Unidos, o “Império”. Lá deverá ocorrer uma catarse bolivariana de apoio a Dilma.
A denúncia do “golpe” já entrara no Planalto, por meio dos comícios que a presidente e o PT promoveram nos salões do Palácio. Derrotada na Câmara, no domingo, o discurso padrão voltou no primeiro pronunciamento e rápida entrevista concedida por Dilma, na segunda.
Retornou ao cantochão do “golpe”, o que já fizera em entrevistas à imprensa estrangeira. Ela tem toda a liberdade de falar o que quiser, mas ao propagar mentiras sobre a situação institucional do país incorre em grave erro, porque se trata da presidente manchando, de maneira deliberada, a imagem no exterior da própria República.
Golpe com a participação do Supremo, no Brasil, seria candidato a entrar no Guinness, no quesito bizarrice. Assim como a repetição de que teve “54 milhões de votos” também é oca. Como está previsto na Carta, com mais votos ou menos, o chefe do Executivo pode ser denunciado e impedido, sem macular o estado democrático de direito. Aliás, o impeachment é um instrumento muito conhecido do PT, que o acionou várias vezes no passado.
Enquanto luta pelo que considera direitos seus, pelas vias legais, a presidente deve é governar para que, seja qual for o desfecho do processo no Senado, o país volte o mais rapidamente possível à normalidade.
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