FOLHA DE SP - 28/03
Umas das questões que mais ocupa nossas mentes no início do século 21 é a felicidade.
Na filosofia, a felicidade tem inúmeros sentidos. Da beatitude mística (nas religiões), passando pelo cuidado para que o desejo não nos enlouqueça (estoicismo e epicurismo), até chegarmos ao entendimento mais comum em nossos dias que é a felicidade como realização dos nossos desejos (fruto da sociedade de consumo).
Confesso que considero a busca maníaca pela felicidade meio brega, mas, nem por isso podemos negligenciá-la, principalmente quando se trata de algo tão presente em nosso atual modo de vida.
Mas há um outro motivo para levarmos a sério a busca pela felicidade. Trata-se do simples fato de que somos candidatos certos à infelicidade. Doenças, frustrações, traições, morte, enfim, todo um universo infinito de perdas.
Por isso, mesmo que eu julgue que viver obcecado pela felicidade é um atestado de superficialidade de alma, não podemos deixar de reconhecer que há razões de sobra para temermos a infelicidade.
Estudos sobre felicidade relacionam idade à possibilidade maior ou menor de nos sentirmos felizes. Sei que você deve estar se perguntando o que eu quero dizer por felicidade.
Reconheçamos que, mesmo que "vagamente", está claro para nós que felicidade hoje em dia tem a ver com a realização de desejos e com o usufruto do corpo com saúde o maior tempo possível.
Então chegamos ao "U da felicidade". Entenda esse U como uma parede que desce (o lado esquerdo do U), o fundo do poço (a parte baixa ou o fundo do U) e uma parede que sobe (o lado direito do U).
Quando nascemos estamos na parte mais alta do U, na sua parede esquerda. Jovens, com saúde plena (na maioria esmagadora dos casos, fora raras exceções médicas), temos todo um futuro pela frente, cheios daquele encantamento que enche nosso coração de disposição para a vida, tudo é novo e interessante, inclusive os outros jovens à nossa volta.
As ideias mais absurdas nos parecem possíveis. Enchemos a cara e levantamos no dia seguinte para fazer a prova. O mundo está aberto para nossos sonhos, inclusive porque o mercado trabalha cada vez mais para nós. Então inicia-se nossa descida "aos infernos".
Lá pelos 40 anos de idade, estamos chegando à parte baixa da parede esquerda do U. Já com alguns amores traídos, talvez a carreira profissional já tenha se revelado na sua possível mediocridade, grana curta, horizonte já mais estreito.
Chegando aos 45, até uns 60, estaremos no inferno. Saúde já apresentando limites, casamentos já fracassados, vida "single" já se revelando na sua face de solidão desinteressante, corpo já fora da forma de plena da beleza a ser consumida no "mercado do desejo", filhos muitas vezes que se tornaram uns estranhos sem nenhum interesse em nós ou nós neles, enfim, essa fase é a pior de todas.
Mas eis que algumas pessoas a partir dos 60 anos de idade relatam uma significante retomada da felicidade. Caso tenhamos cuidado razoavelmente da saúde e não tenhamos destruído qualquer pequeno patrimônio, descobriremos que não vai adiantar exigir de nós mesmos padrões de pessoas com 30 anos.
Caso tenhamos sonhado a vida inteira com os Alpes suíços, descobriremos que a Serra Gaúcha pode ser também uma boa pedida. Buenos Aires está mais perto do que Paris, os cinemas estão à mão, e o desejo de engolir o mundo já passou.
Um pouco de tranquilidade da alma, como diziam os estoicos, pode estar mais próximo do que imaginávamos, e a medicina e a estética farão de pessoas da mesma idade que nós parceiros interessantes e com experiências semelhantes às nossas.
Aí então iniciaremos a subida da parede direita do U. Acima de tudo, teremos mais tempo no cotidiano para fazer o que quisermos. Esses estudos mostram que os níveis de felicidade podem voltar a subir a partir dos 60 anos de idade.
E, então, crescerá a sensação de que temos condições de realizar alguns dos nossos desejos que antes nos pareciam impossíveis.
Enfim, talvez possamos mandar o mundo que nos enche o saco para aquele lugar e então repousaremos em nós mesmos.
segunda-feira, março 28, 2016
A democracia do grito - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
A resistência heroica já começou. Durante um espetáculo teatral em Belo Horizonte, o ator Cláudio Botelho fez uma ironia com a lama que envolve presidente e ex-presidente -um "caco" no texto. O teatro desabou sobre o artista.
Boa parte da plateia passou a gritar o novo slogan das almas mais honestas do mundo (que por acaso vivem no Brasil): "Não vai ter golpe!" No caso, nem golpe, nem peça. O elenco teve de sair de cena, expulso no grito. Cláudio Botelho é um artista consagrado, produtor de alguns dos melhores musicais montados no país nas últimas décadas, e nunca tinha passado por isso.
Ato contínuo, o compositor Chico Buarque proibiu Botelho de usar suas músicas, neste e em qualquer outro trabalho futuro - isto é, se a resistência democrática permitir que haja futuro. A razão desse cataclismo foi simples: mexeu com Lula, mexeu com a patrulha do Lula. Aí os democratas prendem e arrebentam, como diria o general Figueiredo.
Perplexo, o herege Cláudio Botelho declarou: "A gente conquistou a liberdade a duras penas. Já acabou?".
Já, companheiro. A não ser que você seja bonzinho e não atrapalhe o conto de fadas do oprimido, que infla tantas reputações heroicas. Aí você pode falar o que quiser. Por que, em vez dessas citações subversivas, você não monta uma ópera sobre o maior palestrante do mundo? Que personagem épico da história universal já faturou quase R$ 30 milhões em palestras em pouco mais de três anos, estando os principais pagadores dessas palestras todos presos? O pagador de palestras - eis um bom título para a continuação de sua ópera.
Os democratas que estão defendendo com unhas e dentes o mandato limpo e exemplar de Dilma Rousseff são assim mesmo - gostam de ajudar o próximo a entender o que ele pode falar. Quando Cuba ainda não servia cafezinho para Obama, uma oposicionista do regime de Fidel esteve no Brasil para expor suas ideias. Mas precisou voltar à ditadura cubana para continuar a expô-las, porque no Brasil a democracia companheira não permitiu. Yoani Sánchez sabe bem o que Cláudio Botelho passou, porque a claque democrata também a colocou no paredão - garantindo que ninguém pudesse ouvir sua voz, nem ela mesma.
Esse tipo de ação democrática é muito comum em regimes livres e humanitários como o Taleban e o Estado Islâmico. Botelho, por favor, mantenha a cabeça no lugar.
A democracia do cala a boca está lutando bravamente contra o golpe preparado pelo juiz Sergio Moro. Tudo estava funcionando muito bem, com as comissões sendo pagas em dia e ninguém roubando o pixuleco de ninguém, até que o juiz golpista apareceu. Os democratas não se conformam. O departamento de operações estruturadas da Odebrecht, em perfeita afinação com o filho do Brasil, distribuía renda farta aos brasileiros cadastrados. Como reagiu Renato Duque ao ser preso, "que país é este" onde a maior empresa nacional não pode encher de felicidade as almas mais honestas?
Moro é um invejoso. Provavelmente não se conforma por não ser dele a obra mais espetacular dos últimos 50 anos - a transformação do melhor ciclo econômico do país na mais grave recessão de sua história. Por isso esse juiz autoritário fica bisbilhotando as conversas de Lula: quer aprender como se monta uma ruína nacional.
Aí Sergio Moro suspende o sigilo das escutas que mostram "o Lula como ele é", e todo um Brasil culto e republicano pula nos tamancos: não pode! Mas... Não pode por que, mesmo? Bem, pela lei, pode. O juiz criminal que identificar na difusão pública o meio de evitar uma manobra de obstrução de Justiça (Lula como ele é) pode, sim, suspender o sigilo das escutas por ele decretadas. Eis, então, o erro elementar desta interpretação: o que é a lei, diante dos direitos sagrados dos pobres milionários que mandam no Brasil?
Não é nada, de acordo com o primeiro mandamento da elite vermelha: quem não chora não mama. Aí é preciso concordar com os democratas de butique: se eles tiverem mesmo de parar de mamar, será um duro golpe. Deve ser desse golpe que eles andam reclamando por aí.
Tipos de golpe - PAULO GUEDES
O GLOBO - 28/03
E se uma operação 'Mãos Sujas' sair da clandestinidade para virar programa de governo e ocultar as bases legais do impeachment?
“Tivemos golpes de Estado militares. Esses golpes mudam de forma em regimes democráticos. Cada regime tem seu tipo de golpe”, alerta a presidente Dilma Rousseff. Mas... e se o ex-presidente Lula estivesse certo em sua avaliação de que havia 300 picaretas no Congresso? E se houvesse comprado apoio parlamentar desses congressistas com a roubalheira do Mensalão e do Petrolão, confirmando seu julgamento de que eram mercenários? E se toda essa roubalheira houvesse também financiado a eleição e a reeleição de Dilma? E se algumas indicações para o Supremo Tribunal Federal fossem apostas na reciprocidade em busca de favores jurídicos?
E se as nomeações de Lula e Eugênio Aragão para os ministérios da Casa Civil e da Justiça se desnudassem como tentativas de obstrução da Justiça, uma operação “Mãos Sujas” que sai da clandestinidade para virar programa de governo e ocultar as bases legais do impeachment? E se Sarney e Renan reaproximassem o PMDB do governo Dilma, com Lula e seu ministro Aragão afastando Sergio Moro, acobertando a compra do Legislativo pela asfixia do Judiciário, garantindo o mandato de Dilma e até mesmo uma nova eleição de Lula, graças às práticas não republicanas permitidas pela excessiva concentração de poderes e recursos nas mãos de um Leviatã bolivariano do século XXI? A presidente Dilma teria razão: golpes mudam de forma, e estaríamos diante de um novo tipo de golpe contra a democracia.
Mas é claro que não era a esse tipo de golpe que se referia Dilma. Convencida de que não há base legal especificamente dirigida contra ela, considera seu impeachment um golpe contra a democracia. Algumas vezes escrevi aqui que era tão cedo para a oposição pedir o impeachment quanto para o governo e seus militantes denunciarem como golpe esse processo absolutamente constitucional.
Como Pilatos no credo, Dilma lavara as mãos em meio a toda essa roubalheira, apesar de sua presença no Ministério de Minas e Energia, no Conselho de Administração da Petrobras e depois na Presidência da República. O desesperado abraço de Dilma e Lula parece não ser o bastante para resolver a dissolução de sua base no Legislativo, como saberemos amanhã na reunião do Diretório Nacional do PMDB. Mas pode ser o que faltava para condená-la no Judiciário.
E se uma operação 'Mãos Sujas' sair da clandestinidade para virar programa de governo e ocultar as bases legais do impeachment?
“Tivemos golpes de Estado militares. Esses golpes mudam de forma em regimes democráticos. Cada regime tem seu tipo de golpe”, alerta a presidente Dilma Rousseff. Mas... e se o ex-presidente Lula estivesse certo em sua avaliação de que havia 300 picaretas no Congresso? E se houvesse comprado apoio parlamentar desses congressistas com a roubalheira do Mensalão e do Petrolão, confirmando seu julgamento de que eram mercenários? E se toda essa roubalheira houvesse também financiado a eleição e a reeleição de Dilma? E se algumas indicações para o Supremo Tribunal Federal fossem apostas na reciprocidade em busca de favores jurídicos?
E se as nomeações de Lula e Eugênio Aragão para os ministérios da Casa Civil e da Justiça se desnudassem como tentativas de obstrução da Justiça, uma operação “Mãos Sujas” que sai da clandestinidade para virar programa de governo e ocultar as bases legais do impeachment? E se Sarney e Renan reaproximassem o PMDB do governo Dilma, com Lula e seu ministro Aragão afastando Sergio Moro, acobertando a compra do Legislativo pela asfixia do Judiciário, garantindo o mandato de Dilma e até mesmo uma nova eleição de Lula, graças às práticas não republicanas permitidas pela excessiva concentração de poderes e recursos nas mãos de um Leviatã bolivariano do século XXI? A presidente Dilma teria razão: golpes mudam de forma, e estaríamos diante de um novo tipo de golpe contra a democracia.
Mas é claro que não era a esse tipo de golpe que se referia Dilma. Convencida de que não há base legal especificamente dirigida contra ela, considera seu impeachment um golpe contra a democracia. Algumas vezes escrevi aqui que era tão cedo para a oposição pedir o impeachment quanto para o governo e seus militantes denunciarem como golpe esse processo absolutamente constitucional.
Como Pilatos no credo, Dilma lavara as mãos em meio a toda essa roubalheira, apesar de sua presença no Ministério de Minas e Energia, no Conselho de Administração da Petrobras e depois na Presidência da República. O desesperado abraço de Dilma e Lula parece não ser o bastante para resolver a dissolução de sua base no Legislativo, como saberemos amanhã na reunião do Diretório Nacional do PMDB. Mas pode ser o que faltava para condená-la no Judiciário.
A longa travessia - SERGIO LAMUCCI
VALOR ECONÔMICO - 28/03
Agenda para enfrentar crise fiscal é dura e impopular
O tamanho da encrenca nas contas públicas brasileiras assusta, não havendo perspectiva de reversão rápida do cenário de alta forte da dívida bruta e de déficits elevadíssimos. Mudar esse quadro exigirá medidas impopulares, num momento em que a economia se encontra numa recessão profunda, com forte aumento do desemprego.
O remédio passa por reformas estruturais para enfrentar o crescimento contínuo dos gastos públicos e, tudo indica, algum aumento de impostos. O setor público terá então de gerar superávits primários (que não incluem despesas com juros) significativos por muitos anos, para estabilizar e depois reduzir o nível de endividamento como proporção do PIB. Como se vê, a travessia de volta à normalidade nas finanças públicas deverá ser complicada, ainda que um novo governo possa encurtá-la, caso consiga apoio no Congresso para aprovar medidas duras.
Superar a crise política é obviamente imprescindível para que os problemas comecem a ser atacados, mas não se vislumbra uma mudança súbita nos resultados fiscais, que são muito ruins. Depois de fechar 2015 em 66,2% do PIB, a dívida bruta poderá superar 73% do PIB neste ano, com um déficit nominal (que inclui gastos com juros) na casa de 9% do PIB - no ano passado, ficou em 10,3% do PIB.
À parte as soluções mirabolantes oferecidas pelos suspeitos de sempre, como uma forte e imediata redução dos juros, a melhora estrutural das contas públicas requer reformas para deter o crescimento dos gastos obrigatórios. O problema é que essas despesas, como as da Previdência, avançam a uma velocidade muito superior à do PIB. Além disso, alguma elevação de impostos parece inevitável, ainda que a carga tributária já seja muito elevada, de acordo com especialistas em contas públicas.
Do ponto de vista político, é uma agenda indigesta. Grande parte da sociedade se opõe a novos aumentos de tributos. Em janeiro, pesquisa do Ibope mostrou que 75% dos entrevistados eram contrários à volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Do lado dos gastos, será necessário mexer em regras que afetem o crescimento de despesas, como as relacionadas a aposentadorias. De 1999 a 2015, os dispêndios da União com os benefícios previdenciários do INSS subiram de 5,36% do PIB para 7,35% do PIB, respondendo por 46% do crescimento das despesas não financeiras no período, segundo cálculos de Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.
Os principais analistas da área consideram crucial elevar a idade mínima para a aposentadoria, uma proposta delicada, que exige um governo com capital político para bancá-la. Com a piora da crise política, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não vai apresentar no mês que vem o projeto de reforma da Previdência, que deveria incluir esse ponto. Embora essa reforma tenda a gerar economia em prazos mais longos, a sua aprovação seria um sinal importante de que o Brasil enfim começou a enfrentar um importante desequilíbrio estrutural das contas públicas.
A análise da despesa de custeio em 2015 também dá uma boa medida dos desafios para enfrentar o problema fiscal do país. No ano passado, esses gastos somaram R$ 809 bilhões, excluindo os R$ 55,6 bilhões referentes à quitação das chamadas "pedaladas" (os atrasos nos pagamentos do Tesouro aos bancos públicos), segundo Mansueto.
O ponto é que, desse valor, R$ 686 bilhões foram gastos com funções tipicamente sociais (como Bolsa Família, aposentadorias do INSS, seguro-desemprego e abono salarial, saúde e educação). Além disso, há outros R$ 78 bilhões de dispêndios com subsídios, sentenças judiciais, indenizações e compensação do Tesouro ao Regime Geral de Previdência Social. Com isso, sobram apenas R$ 45 bilhões, ou 6% dos R$ 809 bilhões, que não são despesas sociais ou gastos que seguem regras próprias, como escreve Mansueto em seu blog. "Em resumo, não há como fazer ajuste fiscal preservando tudo aquilo que se chama de gasto social", diz o economista.
Enfrentar o problema fiscal requer decisões difíceis, com medidas que tenderão a enfrentar resistência de boa parte da sociedade e do Congresso. Parcela expressiva da população e dos parlamentares quer mais gastos públicos, e não menos. Na semana passada, por exemplo, os deputados aprovaram em primeiro turno emenda constitucional que eleva a vinculação de receitas do governo federal para a Saúde. Se aprovada, será mais uma medida para aumentar a rigidez do gasto e tirar espaço do investimento público.
Num cenário de escolhas delicadas, seria fundamental passar um pente fino nos gastos sociais, como tem defendido o presidente do Insper, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Com isso, será possível saber melhor o que funciona e o que não funciona, informação crucial para definir quais programas devem ou não ser prioritários.
Como se vê, trata-se de uma agenda complicada, com medidas impopulares. Não será fácil para nenhum governo tocar essa pauta. Apesar disso, é possível que ela se imponha pela gravidade da situação das contas públicas, e porque as alternativas são piores.
As projeções apontam hoje para uma trajetória explosiva de crescimento da dívida bruta, que poderá alcançar 85% do PIB em 2018. Se nada for feito, haverá uma piora da percepção de risco, colocando pressão sobre o câmbio e sobre os juros. O ajuste da dívida poderia ocorrer por meio da aceleração da inflação, afetando os mais pobres e desorganizando a economia. Decididamente, não é o caminho para a retomada da confiança de empresários, investidores e consumidores, um fator indispensável para a recuperação do crescimento -- e, por tabela, das receitas tributárias.
Um ajuste fiscal de verdade não será indolor. Optar por não fazê-lo, contudo, terá custos ainda maiores - e mais prolongados.
O tamanho da encrenca nas contas públicas brasileiras assusta, não havendo perspectiva de reversão rápida do cenário de alta forte da dívida bruta e de déficits elevadíssimos. Mudar esse quadro exigirá medidas impopulares, num momento em que a economia se encontra numa recessão profunda, com forte aumento do desemprego.
O remédio passa por reformas estruturais para enfrentar o crescimento contínuo dos gastos públicos e, tudo indica, algum aumento de impostos. O setor público terá então de gerar superávits primários (que não incluem despesas com juros) significativos por muitos anos, para estabilizar e depois reduzir o nível de endividamento como proporção do PIB. Como se vê, a travessia de volta à normalidade nas finanças públicas deverá ser complicada, ainda que um novo governo possa encurtá-la, caso consiga apoio no Congresso para aprovar medidas duras.
Superar a crise política é obviamente imprescindível para que os problemas comecem a ser atacados, mas não se vislumbra uma mudança súbita nos resultados fiscais, que são muito ruins. Depois de fechar 2015 em 66,2% do PIB, a dívida bruta poderá superar 73% do PIB neste ano, com um déficit nominal (que inclui gastos com juros) na casa de 9% do PIB - no ano passado, ficou em 10,3% do PIB.
À parte as soluções mirabolantes oferecidas pelos suspeitos de sempre, como uma forte e imediata redução dos juros, a melhora estrutural das contas públicas requer reformas para deter o crescimento dos gastos obrigatórios. O problema é que essas despesas, como as da Previdência, avançam a uma velocidade muito superior à do PIB. Além disso, alguma elevação de impostos parece inevitável, ainda que a carga tributária já seja muito elevada, de acordo com especialistas em contas públicas.
Do ponto de vista político, é uma agenda indigesta. Grande parte da sociedade se opõe a novos aumentos de tributos. Em janeiro, pesquisa do Ibope mostrou que 75% dos entrevistados eram contrários à volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Do lado dos gastos, será necessário mexer em regras que afetem o crescimento de despesas, como as relacionadas a aposentadorias. De 1999 a 2015, os dispêndios da União com os benefícios previdenciários do INSS subiram de 5,36% do PIB para 7,35% do PIB, respondendo por 46% do crescimento das despesas não financeiras no período, segundo cálculos de Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.
Os principais analistas da área consideram crucial elevar a idade mínima para a aposentadoria, uma proposta delicada, que exige um governo com capital político para bancá-la. Com a piora da crise política, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não vai apresentar no mês que vem o projeto de reforma da Previdência, que deveria incluir esse ponto. Embora essa reforma tenda a gerar economia em prazos mais longos, a sua aprovação seria um sinal importante de que o Brasil enfim começou a enfrentar um importante desequilíbrio estrutural das contas públicas.
A análise da despesa de custeio em 2015 também dá uma boa medida dos desafios para enfrentar o problema fiscal do país. No ano passado, esses gastos somaram R$ 809 bilhões, excluindo os R$ 55,6 bilhões referentes à quitação das chamadas "pedaladas" (os atrasos nos pagamentos do Tesouro aos bancos públicos), segundo Mansueto.
O ponto é que, desse valor, R$ 686 bilhões foram gastos com funções tipicamente sociais (como Bolsa Família, aposentadorias do INSS, seguro-desemprego e abono salarial, saúde e educação). Além disso, há outros R$ 78 bilhões de dispêndios com subsídios, sentenças judiciais, indenizações e compensação do Tesouro ao Regime Geral de Previdência Social. Com isso, sobram apenas R$ 45 bilhões, ou 6% dos R$ 809 bilhões, que não são despesas sociais ou gastos que seguem regras próprias, como escreve Mansueto em seu blog. "Em resumo, não há como fazer ajuste fiscal preservando tudo aquilo que se chama de gasto social", diz o economista.
Enfrentar o problema fiscal requer decisões difíceis, com medidas que tenderão a enfrentar resistência de boa parte da sociedade e do Congresso. Parcela expressiva da população e dos parlamentares quer mais gastos públicos, e não menos. Na semana passada, por exemplo, os deputados aprovaram em primeiro turno emenda constitucional que eleva a vinculação de receitas do governo federal para a Saúde. Se aprovada, será mais uma medida para aumentar a rigidez do gasto e tirar espaço do investimento público.
Num cenário de escolhas delicadas, seria fundamental passar um pente fino nos gastos sociais, como tem defendido o presidente do Insper, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Com isso, será possível saber melhor o que funciona e o que não funciona, informação crucial para definir quais programas devem ou não ser prioritários.
Como se vê, trata-se de uma agenda complicada, com medidas impopulares. Não será fácil para nenhum governo tocar essa pauta. Apesar disso, é possível que ela se imponha pela gravidade da situação das contas públicas, e porque as alternativas são piores.
As projeções apontam hoje para uma trajetória explosiva de crescimento da dívida bruta, que poderá alcançar 85% do PIB em 2018. Se nada for feito, haverá uma piora da percepção de risco, colocando pressão sobre o câmbio e sobre os juros. O ajuste da dívida poderia ocorrer por meio da aceleração da inflação, afetando os mais pobres e desorganizando a economia. Decididamente, não é o caminho para a retomada da confiança de empresários, investidores e consumidores, um fator indispensável para a recuperação do crescimento -- e, por tabela, das receitas tributárias.
Um ajuste fiscal de verdade não será indolor. Optar por não fazê-lo, contudo, terá custos ainda maiores - e mais prolongados.
Da arte de engolir patos - VINICIUS MOTA
Folha de SP - 28/03
O volumoso conjunto de brasileiros que sai à rua a pedir o fim do governo Dilma tem um encontro marcado com a decepção. Ela será dramática se o objetivo das multidões não for atingido; se o impeachment não obtiver ao menos os 342 votos na Câmara e os 41 no Senado para afastar a presidente.
Desapontamento também haverá, embora retardado pelo júbilo inicial, na hipótese de sucesso das marchas. Após a deposição da mandatária restará cristalino o desafio amargo de consertar as finanças do Estado e de distribuir os custos na sociedade.
A manifestantes da avenida Paulista recomenda-se iniciação na arte de engolir patos amarelos. O símbolo contra a alta de tributos escolhido pela Fiesp, ela mesma inflada com imposto sindical, começará a murchar já na posse do novo governo.
Não há hipótese de saída organizada, anti-inflacionária, desta crise sem a elevação emergencial da arrecadação dos governos, a prolongar-se no mínimo até o final da década.
Pessoas que protestam na avenida talvez se admirem, e se frustrem, ao saber que elas mesmas seriam alvos preferenciais de uma reforma tributária socialmente justa. Ricos pagam proporcionalmente pouco imposto no Brasil; e os ricos somos nós que debatemos nestas páginas. Constituem a maioria dos integrantes das marchas que vão à avenida, seja defender, seja criticar o governo petista.
Sob a ótica da distribuição de renda e escolaridade, o manifestante vermelho típico da Paulista mal se distingue do amarelo. Os dois são "coxinhas", de cores distintas, posicionados no topo da pirâmide social.
Ambos teriam de dar cota maior de contribuição para o reequilíbrio econômico e político do país se essa agenda pudesse ser implementada com franqueza. Haverá maioria governante capaz de levá-la adiante? Estará essa franja de alta renda da população disposta a despertar do encantamento de pensar-se a si mesma como "classe média"?
O volumoso conjunto de brasileiros que sai à rua a pedir o fim do governo Dilma tem um encontro marcado com a decepção. Ela será dramática se o objetivo das multidões não for atingido; se o impeachment não obtiver ao menos os 342 votos na Câmara e os 41 no Senado para afastar a presidente.
Desapontamento também haverá, embora retardado pelo júbilo inicial, na hipótese de sucesso das marchas. Após a deposição da mandatária restará cristalino o desafio amargo de consertar as finanças do Estado e de distribuir os custos na sociedade.
A manifestantes da avenida Paulista recomenda-se iniciação na arte de engolir patos amarelos. O símbolo contra a alta de tributos escolhido pela Fiesp, ela mesma inflada com imposto sindical, começará a murchar já na posse do novo governo.
Não há hipótese de saída organizada, anti-inflacionária, desta crise sem a elevação emergencial da arrecadação dos governos, a prolongar-se no mínimo até o final da década.
Pessoas que protestam na avenida talvez se admirem, e se frustrem, ao saber que elas mesmas seriam alvos preferenciais de uma reforma tributária socialmente justa. Ricos pagam proporcionalmente pouco imposto no Brasil; e os ricos somos nós que debatemos nestas páginas. Constituem a maioria dos integrantes das marchas que vão à avenida, seja defender, seja criticar o governo petista.
Sob a ótica da distribuição de renda e escolaridade, o manifestante vermelho típico da Paulista mal se distingue do amarelo. Os dois são "coxinhas", de cores distintas, posicionados no topo da pirâmide social.
Ambos teriam de dar cota maior de contribuição para o reequilíbrio econômico e político do país se essa agenda pudesse ser implementada com franqueza. Haverá maioria governante capaz de levá-la adiante? Estará essa franja de alta renda da população disposta a despertar do encantamento de pensar-se a si mesma como "classe média"?
Marchinha da Dilma - VALDO CRUZ
Folha de SP - 28/03
Daqui não saio/daqui ninguém me tira. Eu sou honesta/ eu não roubei. Ganhei meu mandato/foi do povão. Escreve aí/creia em mim/vão me tirar/com gol de mão.
Se eu perder/pode crer/vou recorrer/ao tapetão. Assim é golpe/é armação/me derrubar só porque dei umas pedaladas lá na União.
Pintada para a guerra, essa é a marchinha que Dilma Rousseff não cansa de entoar nos últimos dias no Palácio do Planalto, transformado na última trincheira contra a batalha final do impeachment.
Reflete o desespero palaciano diante do risco real de queda do governo, pela primeira vez admitido por assessores da própria presidente, que até alguns dias se agarrava a seu canto de guerra para confiar que nada aconteceria a ela.
Um erro de avaliação. Na política, nem sempre basta ser e parecer honesto. Tem de atender seus aliados para que acreditem em você. É uma regra um pouco diferente da de são Tomé: aqui é receber para crer.
Dilma imaginou que ninguém tinha o direito de duvidar de sua honestidade e que isso bastava para se livrar do impeachment. Uma ilusão, da qual acordou um pouco tarde.
É certo que, hoje, o argumento jurídico do pedido de impeachment contra ela é frágil e, para alguns, até inexistente. Mas será usado como argumento, por uns, e pretexto, por outros, só para derrubá-la.
Dilma já deixou claro que entrará com recurso no Supremo Tribunal Federal contra essa eventual decisão. Aí, caberá ao STF decidir o rumo do país: concordar com Dilma ou com a Câmara dos Deputados.
Em Brasília, porém, dizem que Dilma pode até escapar do atual pedido de impeachment, mas não teria a mesma sorte depois que algumas delações vierem a público.
Ela seguirá dizendo ser honesta, mas sua campanha pode não ter sido tanto assim. Daí a pressa do PMDB em romper com a petista. Acelerar o que já é dado como certo. E evitar ser vítima também do que vem por aí.
Daqui não saio/daqui ninguém me tira. Eu sou honesta/ eu não roubei. Ganhei meu mandato/foi do povão. Escreve aí/creia em mim/vão me tirar/com gol de mão.
Se eu perder/pode crer/vou recorrer/ao tapetão. Assim é golpe/é armação/me derrubar só porque dei umas pedaladas lá na União.
Pintada para a guerra, essa é a marchinha que Dilma Rousseff não cansa de entoar nos últimos dias no Palácio do Planalto, transformado na última trincheira contra a batalha final do impeachment.
Reflete o desespero palaciano diante do risco real de queda do governo, pela primeira vez admitido por assessores da própria presidente, que até alguns dias se agarrava a seu canto de guerra para confiar que nada aconteceria a ela.
Um erro de avaliação. Na política, nem sempre basta ser e parecer honesto. Tem de atender seus aliados para que acreditem em você. É uma regra um pouco diferente da de são Tomé: aqui é receber para crer.
Dilma imaginou que ninguém tinha o direito de duvidar de sua honestidade e que isso bastava para se livrar do impeachment. Uma ilusão, da qual acordou um pouco tarde.
É certo que, hoje, o argumento jurídico do pedido de impeachment contra ela é frágil e, para alguns, até inexistente. Mas será usado como argumento, por uns, e pretexto, por outros, só para derrubá-la.
Dilma já deixou claro que entrará com recurso no Supremo Tribunal Federal contra essa eventual decisão. Aí, caberá ao STF decidir o rumo do país: concordar com Dilma ou com a Câmara dos Deputados.
Em Brasília, porém, dizem que Dilma pode até escapar do atual pedido de impeachment, mas não teria a mesma sorte depois que algumas delações vierem a público.
Ela seguirá dizendo ser honesta, mas sua campanha pode não ter sido tanto assim. Daí a pressa do PMDB em romper com a petista. Acelerar o que já é dado como certo. E evitar ser vítima também do que vem por aí.
Façam sua escolha, senhores! - RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 28/03
Se não conseguir abortar o desembarque do PMDB do governo marcado para amanhã, restará a Dilma oferecer os cargos que ficarão vagos a deputados e senadores dispostos a votar contra o impeachment. Um dos alvos preferenciais de Dilma é o PR do ex-deputado Valdemar Costa Neto, o mensaleiro em prisão domiciliar que jura controlar 40 votos. Dilma precisa de 172 votos na Câmara para ficar no cargo.
COSTA NETO É UM velho conhecido da presidente. Para garantir o apoio do PR, Dilma já demitiu um ministro de quem gostava e deu a Costa Neto o ministério que ele queria. Na época, Costa Neto despachava na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Ele joga duro e cobra caro. Em 2002, por exemplo, cobrou ao PT R$ 6 milhões pelo apoio do seu então partido, o PL, à eleição de Lula. Levou.
O PMDB TEM SETE ministérios e, no mínimo, 600 cargos no governo. Dilma não poderá dispor de todos eles porque ainda imagina que contará com a ajuda de uma fatia do PMDB na votação do pedido de impeachment. O fisiologismo puro, descarado, assumido, é a sua última esperança para não ser derrubada. O impeachment entrou no modo arrastão e parece difícil barrá-lo.
NINGUÉM EM TORNO da presidente acredita que ela completará seu mandato. Ninguém. Nem Lula acredita. No começo, o governo tratou o impeachment como uma espécie de terceiro turno desejado pela oposição. Depois, como uma chantagem do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ultimamente, como algo que interessa, sobretudo, ao juiz Sérgio Moro e à sua turma.
NÃO O RECONHECE COMO uma exigência de quase 70% dos brasileiros que desaprovam o desempenho de Dilma e a culpam pelo mar de lama escavado pela Lava-Jato. A tentativa do governo de desqualificar o impeachment, chamando-o de golpe, vem sendo repelida por ministros do Supremo Tribunal Federal. O impeachment ganhou o aval da Ordem dos Advogados do Brasil.
O MEDO COSTUMA SER indutor de soluções. Banqueiros e empresários estão com medo da crise e da falta de iniciativa do governo para superá-la. Partidos receiam ser varridos do mapa nas eleições de 2018. Os encrencados na Lava-Jato sentem-se desprotegidos e anseiam por um governo que os proteja. E os brasileiros simplesmente temem dias piores.
SALVO O IMPREVISÍVEL, há três cenários possíveis para a superação do impasse em que se encontra o país - e nenhum deles configura golpe contra a democracia. O primeiro: o impeachment de Dilma pelo Congresso. O segundo: a impugnação da chapa Dilma-Temer se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatar ações que ali tramitam. O terceiro: a permanência de Dilma na presidência.
A APROVAÇÃO DO impeachment depende do voto favorável de 342 deputados de um total de 513, da aceitação pelo Senado do pedido de impeachment e, mais tarde, dos votos de metade mais um dos 81 senadores. Todo esse caminho ou só parte dele deverá ser percorrido até maio. A impugnação da chapa pelo TSE ficará provavelmente para 2017. Se acontecer, o Congresso elegerá um novo presidente.
DlLMA PERDEU a chance de sair mediante a realização, este ano, de uma eleição presidencial. Foi aconselhada por amigos a propor isso ao Congresso. Descartou por arrogância e erro de cálculo. Uma eventual renúncia só serviria para apressar a posse de Temer. Ao completar 50 anos, o PMDB está perto de governar de fato. Dará certo? Bem, o que está aí deu errado.
Se não conseguir abortar o desembarque do PMDB do governo marcado para amanhã, restará a Dilma oferecer os cargos que ficarão vagos a deputados e senadores dispostos a votar contra o impeachment. Um dos alvos preferenciais de Dilma é o PR do ex-deputado Valdemar Costa Neto, o mensaleiro em prisão domiciliar que jura controlar 40 votos. Dilma precisa de 172 votos na Câmara para ficar no cargo.
COSTA NETO É UM velho conhecido da presidente. Para garantir o apoio do PR, Dilma já demitiu um ministro de quem gostava e deu a Costa Neto o ministério que ele queria. Na época, Costa Neto despachava na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Ele joga duro e cobra caro. Em 2002, por exemplo, cobrou ao PT R$ 6 milhões pelo apoio do seu então partido, o PL, à eleição de Lula. Levou.
O PMDB TEM SETE ministérios e, no mínimo, 600 cargos no governo. Dilma não poderá dispor de todos eles porque ainda imagina que contará com a ajuda de uma fatia do PMDB na votação do pedido de impeachment. O fisiologismo puro, descarado, assumido, é a sua última esperança para não ser derrubada. O impeachment entrou no modo arrastão e parece difícil barrá-lo.
NINGUÉM EM TORNO da presidente acredita que ela completará seu mandato. Ninguém. Nem Lula acredita. No começo, o governo tratou o impeachment como uma espécie de terceiro turno desejado pela oposição. Depois, como uma chantagem do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ultimamente, como algo que interessa, sobretudo, ao juiz Sérgio Moro e à sua turma.
NÃO O RECONHECE COMO uma exigência de quase 70% dos brasileiros que desaprovam o desempenho de Dilma e a culpam pelo mar de lama escavado pela Lava-Jato. A tentativa do governo de desqualificar o impeachment, chamando-o de golpe, vem sendo repelida por ministros do Supremo Tribunal Federal. O impeachment ganhou o aval da Ordem dos Advogados do Brasil.
O MEDO COSTUMA SER indutor de soluções. Banqueiros e empresários estão com medo da crise e da falta de iniciativa do governo para superá-la. Partidos receiam ser varridos do mapa nas eleições de 2018. Os encrencados na Lava-Jato sentem-se desprotegidos e anseiam por um governo que os proteja. E os brasileiros simplesmente temem dias piores.
SALVO O IMPREVISÍVEL, há três cenários possíveis para a superação do impasse em que se encontra o país - e nenhum deles configura golpe contra a democracia. O primeiro: o impeachment de Dilma pelo Congresso. O segundo: a impugnação da chapa Dilma-Temer se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatar ações que ali tramitam. O terceiro: a permanência de Dilma na presidência.
A APROVAÇÃO DO impeachment depende do voto favorável de 342 deputados de um total de 513, da aceitação pelo Senado do pedido de impeachment e, mais tarde, dos votos de metade mais um dos 81 senadores. Todo esse caminho ou só parte dele deverá ser percorrido até maio. A impugnação da chapa pelo TSE ficará provavelmente para 2017. Se acontecer, o Congresso elegerá um novo presidente.
DlLMA PERDEU a chance de sair mediante a realização, este ano, de uma eleição presidencial. Foi aconselhada por amigos a propor isso ao Congresso. Descartou por arrogância e erro de cálculo. Uma eventual renúncia só serviria para apressar a posse de Temer. Ao completar 50 anos, o PMDB está perto de governar de fato. Dará certo? Bem, o que está aí deu errado.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
CHEFES MILITARES JÁ SE ENTENDEM COM OPOSIÇÃO
Um dos sinais reveladores do declínio da presidente Dilma no poder tem sido a aproximação dos chamados setores “de Estado” com a oposição. Representantes do Itamaraty, inconformados com a nova condição brasileira de “anão diplomático”, e a significativa interlocução com chefes militares, em geral muito discretos. Todos se mostram preocupados, mas concordam em um ponto: o governo Dilma acabou.
PAPO RETO
Um dos comandantes das três Forças pediu reunião urgente com o Líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP). Será nesta terça (29).
BRASIL FARDADO
A inquietação dos comandantes militares reflete a caserna, onde estão brasileiros indignados clamando por mudança como quaisquer outros.
AQUI NÃO É VENEZUELA
Os chefes militares rejeitaram a idéia do Planalto de decretar “Estado de Defesa” para coibir e reprimir manifestações, como na Venezuela.
AQUI HÁ DEMOCRACIA
As discussões sobre o “Estado de Defesa”, cogitado por Dilma, foram reveladas a políticos da oposição nas conversas com chefes militares.
PMDB: DECISÃO DE ROMPER PODE SER ATÉ UNÂNIME
Se não for unânime a decisão da executiva nacional do PMDB de romper com o governo, nesta terça (29), será por maioria acachapante. A avaliação é do vice-presidente do partido, senador Romero Jucá (RR), que presidirá a reunião e, ao iniciar os trabalhos, irá franquear a palavra. “Quero ver quem vai ter a coragem de defender Dilma”, diz ele, um dos primeiros no PMDB a defender o impeachment da presidente.
ACACHAPANTE
O PMDB deverá romper e entregar os cargos por decisão de ao menos 70% dos votos. “Quem ficar não representará o partido”, diz Jucá.
ÚLTIMA QUE MORRE
Romero Jucá tem esperança de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, que ainda resiste ao rompimento, mude de ideia.
PÁ DE CAL
Resistiam ao rompimento Renan Calheiros e o PMDB do Rio, que, após encontro com Michel Temer, decidiu aderir ao desembarque.
CADÊ O RESPEITO?
Curiosidade revelada pelas gravações, agora sob sigilo, entre as autoridades petistas: Dilma chega a chamar Lula de “presidente”, mas Lula nunca chama a atual mandatária de presidente. Ou “presidenta”.
CALAFRIOS
O governo está apavorado com o depoimento de Renato Bayard, ex-presidente da Construtora Odebrecht. Ele atuou diretamente pela Lei dos Portos. A filha dele, Julyana, deixou a diretoria da Embraport.
MUITA CALMA NESSA HORA
Lula vai manter agenda mais discreta. O cuidado é para não inflamar os ânimos da militância pró-impeachment. Quer evitar ainda falar sobre o Judiciário para não complicar sua vida no Supremo Tribunal Federal.
IMPEACHMENT NA CABEÇA
O deputado Rubens Bueno (PPS-PR), atuante líder de oposição, diz que incluir a delação de Delcídio Amaral no processo de impeachment seria irrelevante: “O impeachment já está na cabeça do povo”.
CADÊ AÉCIO?
O sumiço de Aécio Neves (PSDB-MG), após ser citado na delação de Delcídio, motivou o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE): “tenho certeza que este silêncio não é dos inocentes”, diz o vice-líder do governo.
VIROU ENFEITE
Deve dar em nada a “investigação” sobre a conversa grampeada de Dilma e Lula. O extinto Gabinete de Segurança Institucional (GSI) instalou aparelhos criptografados, mas ela não usa. Só reclama deles.
QUE VERGONHA
Um dado preocupa o Palácio do Planalto. Levantamento do governo mostra que, com o aumento da pressão popular, Dilma pode não ter nem mesmo 150 votos para derrubar o impeachment. E precisa de 171.
SUSPEITO E EXCLUÍDO
Ao se declarar suspeito para relatar o pedido de habeas corpus de Lula para assumir o cargo de ministro da Casa Civil, o ministro Luiz Edson Facchin (STF) praticamente se excluiu do julgamento do mérito.
PENSANDO BEM...
... o slogan de campanha do deputado Tiririca deve mudar, em 2018: nesses tempos na política brasileira, pior que está sempre fica.
Um dos sinais reveladores do declínio da presidente Dilma no poder tem sido a aproximação dos chamados setores “de Estado” com a oposição. Representantes do Itamaraty, inconformados com a nova condição brasileira de “anão diplomático”, e a significativa interlocução com chefes militares, em geral muito discretos. Todos se mostram preocupados, mas concordam em um ponto: o governo Dilma acabou.
PAPO RETO
Um dos comandantes das três Forças pediu reunião urgente com o Líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP). Será nesta terça (29).
BRASIL FARDADO
A inquietação dos comandantes militares reflete a caserna, onde estão brasileiros indignados clamando por mudança como quaisquer outros.
AQUI NÃO É VENEZUELA
Os chefes militares rejeitaram a idéia do Planalto de decretar “Estado de Defesa” para coibir e reprimir manifestações, como na Venezuela.
AQUI HÁ DEMOCRACIA
As discussões sobre o “Estado de Defesa”, cogitado por Dilma, foram reveladas a políticos da oposição nas conversas com chefes militares.
PMDB: DECISÃO DE ROMPER PODE SER ATÉ UNÂNIME
Se não for unânime a decisão da executiva nacional do PMDB de romper com o governo, nesta terça (29), será por maioria acachapante. A avaliação é do vice-presidente do partido, senador Romero Jucá (RR), que presidirá a reunião e, ao iniciar os trabalhos, irá franquear a palavra. “Quero ver quem vai ter a coragem de defender Dilma”, diz ele, um dos primeiros no PMDB a defender o impeachment da presidente.
ACACHAPANTE
O PMDB deverá romper e entregar os cargos por decisão de ao menos 70% dos votos. “Quem ficar não representará o partido”, diz Jucá.
ÚLTIMA QUE MORRE
Romero Jucá tem esperança de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, que ainda resiste ao rompimento, mude de ideia.
PÁ DE CAL
Resistiam ao rompimento Renan Calheiros e o PMDB do Rio, que, após encontro com Michel Temer, decidiu aderir ao desembarque.
CADÊ O RESPEITO?
Curiosidade revelada pelas gravações, agora sob sigilo, entre as autoridades petistas: Dilma chega a chamar Lula de “presidente”, mas Lula nunca chama a atual mandatária de presidente. Ou “presidenta”.
CALAFRIOS
O governo está apavorado com o depoimento de Renato Bayard, ex-presidente da Construtora Odebrecht. Ele atuou diretamente pela Lei dos Portos. A filha dele, Julyana, deixou a diretoria da Embraport.
MUITA CALMA NESSA HORA
Lula vai manter agenda mais discreta. O cuidado é para não inflamar os ânimos da militância pró-impeachment. Quer evitar ainda falar sobre o Judiciário para não complicar sua vida no Supremo Tribunal Federal.
IMPEACHMENT NA CABEÇA
O deputado Rubens Bueno (PPS-PR), atuante líder de oposição, diz que incluir a delação de Delcídio Amaral no processo de impeachment seria irrelevante: “O impeachment já está na cabeça do povo”.
CADÊ AÉCIO?
O sumiço de Aécio Neves (PSDB-MG), após ser citado na delação de Delcídio, motivou o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE): “tenho certeza que este silêncio não é dos inocentes”, diz o vice-líder do governo.
VIROU ENFEITE
Deve dar em nada a “investigação” sobre a conversa grampeada de Dilma e Lula. O extinto Gabinete de Segurança Institucional (GSI) instalou aparelhos criptografados, mas ela não usa. Só reclama deles.
QUE VERGONHA
Um dado preocupa o Palácio do Planalto. Levantamento do governo mostra que, com o aumento da pressão popular, Dilma pode não ter nem mesmo 150 votos para derrubar o impeachment. E precisa de 171.
SUSPEITO E EXCLUÍDO
Ao se declarar suspeito para relatar o pedido de habeas corpus de Lula para assumir o cargo de ministro da Casa Civil, o ministro Luiz Edson Facchin (STF) praticamente se excluiu do julgamento do mérito.
PENSANDO BEM...
... o slogan de campanha do deputado Tiririca deve mudar, em 2018: nesses tempos na política brasileira, pior que está sempre fica.
Dilma precisa contar o que faz para dormir ‘bem’ - JOSIAS DE SOUZA
BLOG DO JOSIAS DE SOUZA
Desde que o governo Dilma começou a deslizar para o caos, o país espera por um sinal de que o fim está próximo. O desembarque do PMDB, nesta terça-feira (29), talvez fique, no resumo do ocaso da gestão petista, como uma apoteose às avessas da impotência que desgoverna o Brasil. Convém dizer “talvez” para não correr o risco de carbonizar a língua. A qualquer momento pode surgir uma antiapoteose mais marcante.
A crise se arrasta há tanto tempo que já existe uma coleção de episódios que poderiam funcionar como bons epílogos. Mas quando a coisa parece estar mal, tudo fica muito pior. No instante em que o Planalto assimila a notícia de que o Delcídio foi gravado tentando comprar o silêncio do delator Cerveró, vem a revelação de que o senador também suaria o dedo.
Na hora em que as denúncias do ex-líder do governo ganham as manchetes, fica-se sabendo que o Mercadante foi gravado oferecendo vantagens a Delcídio para que travasse a língua. No momento em que o ministro mais chegado à presidente ofende a inteligência alheia com o lero-lero de que agira por razões humanitárias, a presidente resolve dar um autogolpe, nomeando o Lula para a Casa Civil.
A plateia mal havia digerido a conversão do foro privilegiado em “desaforo privilegiado” e o Sérgio Moro enrolou na garganta de Lula as fitas do grampo em que o morubixaba petista soa fora de si, escancarando o que tem por dentro.
Ainda soava no noticiário o diálogo em que Dilma informa a Lula que está enviando pelo “Messias” o ato de nomeação —para ser usado “em caso de necessidade”—quando sobreveio a liminar do Gilmar Mendes. Nela, o ministro do STF susta o salvo-conduto e devolve Lula à “República de Curitiba”. O juiz Moro não teve nem tempo de saborear o retorno, já que o Teori Zavascki mandou silenciar os grampos até que o Supremo decida o que deve ser feito.
Assim tem sido a rotina de Dilma. Quando conserta a antena do Planalto, estoura a privada do Alvorada. Não passa dia sem que haja um novo problema. Como se não bastasse a divisão interna do PT e todo o resto, o PMDB anuncia que irá para a oposição nesta terça-feira. O PP ameaça desembarcar na sequência. O PR e o PSD também.
Dilma repete aos auxiliares algo que disse na semana passada a jornalistas estrangeiros: “Não sou uma pessoa depressiva. Eu durmo bem à noite”. Não sei quanto a você, mas eu quero uma porção do que Dilma está comendo, bebendo ou inalando, seja o que for. Diante de tudo o que se passa, quero viver no país que embala o sono da presidente da República, seja ele onde for.
Desde que o governo Dilma começou a deslizar para o caos, o país espera por um sinal de que o fim está próximo. O desembarque do PMDB, nesta terça-feira (29), talvez fique, no resumo do ocaso da gestão petista, como uma apoteose às avessas da impotência que desgoverna o Brasil. Convém dizer “talvez” para não correr o risco de carbonizar a língua. A qualquer momento pode surgir uma antiapoteose mais marcante.
A crise se arrasta há tanto tempo que já existe uma coleção de episódios que poderiam funcionar como bons epílogos. Mas quando a coisa parece estar mal, tudo fica muito pior. No instante em que o Planalto assimila a notícia de que o Delcídio foi gravado tentando comprar o silêncio do delator Cerveró, vem a revelação de que o senador também suaria o dedo.
Na hora em que as denúncias do ex-líder do governo ganham as manchetes, fica-se sabendo que o Mercadante foi gravado oferecendo vantagens a Delcídio para que travasse a língua. No momento em que o ministro mais chegado à presidente ofende a inteligência alheia com o lero-lero de que agira por razões humanitárias, a presidente resolve dar um autogolpe, nomeando o Lula para a Casa Civil.
A plateia mal havia digerido a conversão do foro privilegiado em “desaforo privilegiado” e o Sérgio Moro enrolou na garganta de Lula as fitas do grampo em que o morubixaba petista soa fora de si, escancarando o que tem por dentro.
Ainda soava no noticiário o diálogo em que Dilma informa a Lula que está enviando pelo “Messias” o ato de nomeação —para ser usado “em caso de necessidade”—quando sobreveio a liminar do Gilmar Mendes. Nela, o ministro do STF susta o salvo-conduto e devolve Lula à “República de Curitiba”. O juiz Moro não teve nem tempo de saborear o retorno, já que o Teori Zavascki mandou silenciar os grampos até que o Supremo decida o que deve ser feito.
Assim tem sido a rotina de Dilma. Quando conserta a antena do Planalto, estoura a privada do Alvorada. Não passa dia sem que haja um novo problema. Como se não bastasse a divisão interna do PT e todo o resto, o PMDB anuncia que irá para a oposição nesta terça-feira. O PP ameaça desembarcar na sequência. O PR e o PSD também.
Dilma repete aos auxiliares algo que disse na semana passada a jornalistas estrangeiros: “Não sou uma pessoa depressiva. Eu durmo bem à noite”. Não sei quanto a você, mas eu quero uma porção do que Dilma está comendo, bebendo ou inalando, seja o que for. Diante de tudo o que se passa, quero viver no país que embala o sono da presidente da República, seja ele onde for.
Há um déficit pior que o fiscal - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 28/03
Sem saber se ainda estará em pé no fim do ano, o governo da presidente Dilma Rousseff refaz seus planos e muda mais uma vez a meta fiscal. A ideia, agora, é obter autorização do Congresso para fechar 2016 com um buraco de até R$ 96,65 bilhões nas contas primárias – sem considerar, portanto, os juros da dívida pública. Na melhor hipótese haverá um superávit de R$ 2,8 bilhões, mas isso é tão improvável, hoje, quanto um discurso presidencial com ideias claras e bom português. No cenário anterior, o melhor resultado seria um saldo positivo de R$ 24 bilhões, mas em fevereiro a equipe econômica já propôs um alvo muito mais amplo, com espaço para um déficit de até R$ 60,2 bilhões. Frouxidão, permissividade e irrealismo continuam sendo marcas da política fiscal, enquanto a recessão se prolonga e o desemprego cresce no segundo ano depois da reeleição.
O governo confirmou a intenção de afrouxar mais uma vez a política orçamentária quando os ministros da Fazenda e do Planejamento apresentaram, na terça-feira passada, a revisão bimestral de receitas e despesas. A recessão já havia derrubado a arrecadação federal em janeiro e em fevereiro, como havia ocorrido ao longo do ano anterior.
Maior desemprego e menor atividade corroeram a base dos tributos e, segundo todas as previsões, continuariam prejudicando as finanças oficiais nos meses seguintes. A contração econômica projetada para o ano passou de 2,94% para 3,05%. A inflação esperada subiu de 7,10% para 7,44%, acompanhando a piora das expectativas do mercado.
Nessa altura, a redução do Produto Interno Bruto (PIB) prevista por economistas de instituições financeiras e de consultorias já havia chegado a 3,6%. Além disso, o déficit primário estimado pelos especialistas do setor privado havia atingido R$ 79,47 bilhões, pelo valor mediano das projeções.
O governo demonstrou algum realismo ao incluir no cenário oficial uma recessão mais funda e uma inflação mais alta, além, é claro, de uma perda de arrecadação. Com base nessas mudanças, foi anunciado um modestíssimo corte de gasto de R$ 21,24 bilhões. No conjunto, o cenário fiscal continuou fantasioso.
Foi mantida a expectativa de receita bruta de R$ 13,64 bilhões de um tributo inexistente, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Descontadas as transferências, esse valor se reduzirá a R$ 10,16 bilhões – se o Congresso aprovar até maio a recriação do chamado imposto do cheque. Além disso, o governo elevou de R$ 21 bilhões para R$ 35 bilhões o ganho fiscal esperado com a regularização de recursos mantidos no exterior – mas como prever quanto dinheiro será regularizado, especialmente numa fase de enorme instabilidade econômica e política? Também se manteve a expectativa de arrecadar em todo o ano R$ 30,96 bilhões com base em concessões e permissões na área de infraestrutura. Quem pode apostar, neste momento, no sucesso dessas operações?
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, justificou as novas mudanças com o objetivo de reservar algum dinheiro para investimentos – portanto, para uma tentativa de reativação da economia. Mas o resultado mais provável desse novo afrouxamento é uma perda maior – se ainda for possível – de credibilidade.
Sem medidas críveis para o curto prazo, o governo apresentou, no entanto, propostas para um prazo mais longo. Algumas, como a de controlar o aumento do gasto, são interessantes. Mas também se propôs, no mesmo pacote, a criação de depósitos remunerados no Banco Central, para substituir, como instrumento de controle monetário, a venda de títulos federais.
Segundo respeitados economistas, seria uma forma de disfarçar uma parte da dívida pública. Pelo menos um analista considerou a ideia interessante, mas sugeriu o adiamento para quando a imagem do governo estiver melhor. Em suma, o rombo fiscal é apenas o segundo mais grave. O pior, mesmo, é o déficit de credibilidade do governo.
Sem saber se ainda estará em pé no fim do ano, o governo da presidente Dilma Rousseff refaz seus planos e muda mais uma vez a meta fiscal. A ideia, agora, é obter autorização do Congresso para fechar 2016 com um buraco de até R$ 96,65 bilhões nas contas primárias – sem considerar, portanto, os juros da dívida pública. Na melhor hipótese haverá um superávit de R$ 2,8 bilhões, mas isso é tão improvável, hoje, quanto um discurso presidencial com ideias claras e bom português. No cenário anterior, o melhor resultado seria um saldo positivo de R$ 24 bilhões, mas em fevereiro a equipe econômica já propôs um alvo muito mais amplo, com espaço para um déficit de até R$ 60,2 bilhões. Frouxidão, permissividade e irrealismo continuam sendo marcas da política fiscal, enquanto a recessão se prolonga e o desemprego cresce no segundo ano depois da reeleição.
O governo confirmou a intenção de afrouxar mais uma vez a política orçamentária quando os ministros da Fazenda e do Planejamento apresentaram, na terça-feira passada, a revisão bimestral de receitas e despesas. A recessão já havia derrubado a arrecadação federal em janeiro e em fevereiro, como havia ocorrido ao longo do ano anterior.
Maior desemprego e menor atividade corroeram a base dos tributos e, segundo todas as previsões, continuariam prejudicando as finanças oficiais nos meses seguintes. A contração econômica projetada para o ano passou de 2,94% para 3,05%. A inflação esperada subiu de 7,10% para 7,44%, acompanhando a piora das expectativas do mercado.
Nessa altura, a redução do Produto Interno Bruto (PIB) prevista por economistas de instituições financeiras e de consultorias já havia chegado a 3,6%. Além disso, o déficit primário estimado pelos especialistas do setor privado havia atingido R$ 79,47 bilhões, pelo valor mediano das projeções.
O governo demonstrou algum realismo ao incluir no cenário oficial uma recessão mais funda e uma inflação mais alta, além, é claro, de uma perda de arrecadação. Com base nessas mudanças, foi anunciado um modestíssimo corte de gasto de R$ 21,24 bilhões. No conjunto, o cenário fiscal continuou fantasioso.
Foi mantida a expectativa de receita bruta de R$ 13,64 bilhões de um tributo inexistente, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Descontadas as transferências, esse valor se reduzirá a R$ 10,16 bilhões – se o Congresso aprovar até maio a recriação do chamado imposto do cheque. Além disso, o governo elevou de R$ 21 bilhões para R$ 35 bilhões o ganho fiscal esperado com a regularização de recursos mantidos no exterior – mas como prever quanto dinheiro será regularizado, especialmente numa fase de enorme instabilidade econômica e política? Também se manteve a expectativa de arrecadar em todo o ano R$ 30,96 bilhões com base em concessões e permissões na área de infraestrutura. Quem pode apostar, neste momento, no sucesso dessas operações?
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, justificou as novas mudanças com o objetivo de reservar algum dinheiro para investimentos – portanto, para uma tentativa de reativação da economia. Mas o resultado mais provável desse novo afrouxamento é uma perda maior – se ainda for possível – de credibilidade.
Sem medidas críveis para o curto prazo, o governo apresentou, no entanto, propostas para um prazo mais longo. Algumas, como a de controlar o aumento do gasto, são interessantes. Mas também se propôs, no mesmo pacote, a criação de depósitos remunerados no Banco Central, para substituir, como instrumento de controle monetário, a venda de títulos federais.
Segundo respeitados economistas, seria uma forma de disfarçar uma parte da dívida pública. Pelo menos um analista considerou a ideia interessante, mas sugeriu o adiamento para quando a imagem do governo estiver melhor. Em suma, o rombo fiscal é apenas o segundo mais grave. O pior, mesmo, é o déficit de credibilidade do governo.
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