Agenda para enfrentar crise fiscal é dura e impopular
O tamanho da encrenca nas contas públicas brasileiras assusta, não havendo perspectiva de reversão rápida do cenário de alta forte da dívida bruta e de déficits elevadíssimos. Mudar esse quadro exigirá medidas impopulares, num momento em que a economia se encontra numa recessão profunda, com forte aumento do desemprego.
O remédio passa por reformas estruturais para enfrentar o crescimento contínuo dos gastos públicos e, tudo indica, algum aumento de impostos. O setor público terá então de gerar superávits primários (que não incluem despesas com juros) significativos por muitos anos, para estabilizar e depois reduzir o nível de endividamento como proporção do PIB. Como se vê, a travessia de volta à normalidade nas finanças públicas deverá ser complicada, ainda que um novo governo possa encurtá-la, caso consiga apoio no Congresso para aprovar medidas duras.
Superar a crise política é obviamente imprescindível para que os problemas comecem a ser atacados, mas não se vislumbra uma mudança súbita nos resultados fiscais, que são muito ruins. Depois de fechar 2015 em 66,2% do PIB, a dívida bruta poderá superar 73% do PIB neste ano, com um déficit nominal (que inclui gastos com juros) na casa de 9% do PIB - no ano passado, ficou em 10,3% do PIB.
À parte as soluções mirabolantes oferecidas pelos suspeitos de sempre, como uma forte e imediata redução dos juros, a melhora estrutural das contas públicas requer reformas para deter o crescimento dos gastos obrigatórios. O problema é que essas despesas, como as da Previdência, avançam a uma velocidade muito superior à do PIB. Além disso, alguma elevação de impostos parece inevitável, ainda que a carga tributária já seja muito elevada, de acordo com especialistas em contas públicas.
Do ponto de vista político, é uma agenda indigesta. Grande parte da sociedade se opõe a novos aumentos de tributos. Em janeiro, pesquisa do Ibope mostrou que 75% dos entrevistados eram contrários à volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Do lado dos gastos, será necessário mexer em regras que afetem o crescimento de despesas, como as relacionadas a aposentadorias. De 1999 a 2015, os dispêndios da União com os benefícios previdenciários do INSS subiram de 5,36% do PIB para 7,35% do PIB, respondendo por 46% do crescimento das despesas não financeiras no período, segundo cálculos de Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.
Os principais analistas da área consideram crucial elevar a idade mínima para a aposentadoria, uma proposta delicada, que exige um governo com capital político para bancá-la. Com a piora da crise política, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não vai apresentar no mês que vem o projeto de reforma da Previdência, que deveria incluir esse ponto. Embora essa reforma tenda a gerar economia em prazos mais longos, a sua aprovação seria um sinal importante de que o Brasil enfim começou a enfrentar um importante desequilíbrio estrutural das contas públicas.
A análise da despesa de custeio em 2015 também dá uma boa medida dos desafios para enfrentar o problema fiscal do país. No ano passado, esses gastos somaram R$ 809 bilhões, excluindo os R$ 55,6 bilhões referentes à quitação das chamadas "pedaladas" (os atrasos nos pagamentos do Tesouro aos bancos públicos), segundo Mansueto.
O ponto é que, desse valor, R$ 686 bilhões foram gastos com funções tipicamente sociais (como Bolsa Família, aposentadorias do INSS, seguro-desemprego e abono salarial, saúde e educação). Além disso, há outros R$ 78 bilhões de dispêndios com subsídios, sentenças judiciais, indenizações e compensação do Tesouro ao Regime Geral de Previdência Social. Com isso, sobram apenas R$ 45 bilhões, ou 6% dos R$ 809 bilhões, que não são despesas sociais ou gastos que seguem regras próprias, como escreve Mansueto em seu blog. "Em resumo, não há como fazer ajuste fiscal preservando tudo aquilo que se chama de gasto social", diz o economista.
Enfrentar o problema fiscal requer decisões difíceis, com medidas que tenderão a enfrentar resistência de boa parte da sociedade e do Congresso. Parcela expressiva da população e dos parlamentares quer mais gastos públicos, e não menos. Na semana passada, por exemplo, os deputados aprovaram em primeiro turno emenda constitucional que eleva a vinculação de receitas do governo federal para a Saúde. Se aprovada, será mais uma medida para aumentar a rigidez do gasto e tirar espaço do investimento público.
Num cenário de escolhas delicadas, seria fundamental passar um pente fino nos gastos sociais, como tem defendido o presidente do Insper, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Com isso, será possível saber melhor o que funciona e o que não funciona, informação crucial para definir quais programas devem ou não ser prioritários.
Como se vê, trata-se de uma agenda complicada, com medidas impopulares. Não será fácil para nenhum governo tocar essa pauta. Apesar disso, é possível que ela se imponha pela gravidade da situação das contas públicas, e porque as alternativas são piores.
As projeções apontam hoje para uma trajetória explosiva de crescimento da dívida bruta, que poderá alcançar 85% do PIB em 2018. Se nada for feito, haverá uma piora da percepção de risco, colocando pressão sobre o câmbio e sobre os juros. O ajuste da dívida poderia ocorrer por meio da aceleração da inflação, afetando os mais pobres e desorganizando a economia. Decididamente, não é o caminho para a retomada da confiança de empresários, investidores e consumidores, um fator indispensável para a recuperação do crescimento -- e, por tabela, das receitas tributárias.
Um ajuste fiscal de verdade não será indolor. Optar por não fazê-lo, contudo, terá custos ainda maiores - e mais prolongados.
O tamanho da encrenca nas contas públicas brasileiras assusta, não havendo perspectiva de reversão rápida do cenário de alta forte da dívida bruta e de déficits elevadíssimos. Mudar esse quadro exigirá medidas impopulares, num momento em que a economia se encontra numa recessão profunda, com forte aumento do desemprego.
O remédio passa por reformas estruturais para enfrentar o crescimento contínuo dos gastos públicos e, tudo indica, algum aumento de impostos. O setor público terá então de gerar superávits primários (que não incluem despesas com juros) significativos por muitos anos, para estabilizar e depois reduzir o nível de endividamento como proporção do PIB. Como se vê, a travessia de volta à normalidade nas finanças públicas deverá ser complicada, ainda que um novo governo possa encurtá-la, caso consiga apoio no Congresso para aprovar medidas duras.
Superar a crise política é obviamente imprescindível para que os problemas comecem a ser atacados, mas não se vislumbra uma mudança súbita nos resultados fiscais, que são muito ruins. Depois de fechar 2015 em 66,2% do PIB, a dívida bruta poderá superar 73% do PIB neste ano, com um déficit nominal (que inclui gastos com juros) na casa de 9% do PIB - no ano passado, ficou em 10,3% do PIB.
À parte as soluções mirabolantes oferecidas pelos suspeitos de sempre, como uma forte e imediata redução dos juros, a melhora estrutural das contas públicas requer reformas para deter o crescimento dos gastos obrigatórios. O problema é que essas despesas, como as da Previdência, avançam a uma velocidade muito superior à do PIB. Além disso, alguma elevação de impostos parece inevitável, ainda que a carga tributária já seja muito elevada, de acordo com especialistas em contas públicas.
Do ponto de vista político, é uma agenda indigesta. Grande parte da sociedade se opõe a novos aumentos de tributos. Em janeiro, pesquisa do Ibope mostrou que 75% dos entrevistados eram contrários à volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Do lado dos gastos, será necessário mexer em regras que afetem o crescimento de despesas, como as relacionadas a aposentadorias. De 1999 a 2015, os dispêndios da União com os benefícios previdenciários do INSS subiram de 5,36% do PIB para 7,35% do PIB, respondendo por 46% do crescimento das despesas não financeiras no período, segundo cálculos de Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.
Os principais analistas da área consideram crucial elevar a idade mínima para a aposentadoria, uma proposta delicada, que exige um governo com capital político para bancá-la. Com a piora da crise política, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não vai apresentar no mês que vem o projeto de reforma da Previdência, que deveria incluir esse ponto. Embora essa reforma tenda a gerar economia em prazos mais longos, a sua aprovação seria um sinal importante de que o Brasil enfim começou a enfrentar um importante desequilíbrio estrutural das contas públicas.
A análise da despesa de custeio em 2015 também dá uma boa medida dos desafios para enfrentar o problema fiscal do país. No ano passado, esses gastos somaram R$ 809 bilhões, excluindo os R$ 55,6 bilhões referentes à quitação das chamadas "pedaladas" (os atrasos nos pagamentos do Tesouro aos bancos públicos), segundo Mansueto.
O ponto é que, desse valor, R$ 686 bilhões foram gastos com funções tipicamente sociais (como Bolsa Família, aposentadorias do INSS, seguro-desemprego e abono salarial, saúde e educação). Além disso, há outros R$ 78 bilhões de dispêndios com subsídios, sentenças judiciais, indenizações e compensação do Tesouro ao Regime Geral de Previdência Social. Com isso, sobram apenas R$ 45 bilhões, ou 6% dos R$ 809 bilhões, que não são despesas sociais ou gastos que seguem regras próprias, como escreve Mansueto em seu blog. "Em resumo, não há como fazer ajuste fiscal preservando tudo aquilo que se chama de gasto social", diz o economista.
Enfrentar o problema fiscal requer decisões difíceis, com medidas que tenderão a enfrentar resistência de boa parte da sociedade e do Congresso. Parcela expressiva da população e dos parlamentares quer mais gastos públicos, e não menos. Na semana passada, por exemplo, os deputados aprovaram em primeiro turno emenda constitucional que eleva a vinculação de receitas do governo federal para a Saúde. Se aprovada, será mais uma medida para aumentar a rigidez do gasto e tirar espaço do investimento público.
Num cenário de escolhas delicadas, seria fundamental passar um pente fino nos gastos sociais, como tem defendido o presidente do Insper, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Com isso, será possível saber melhor o que funciona e o que não funciona, informação crucial para definir quais programas devem ou não ser prioritários.
Como se vê, trata-se de uma agenda complicada, com medidas impopulares. Não será fácil para nenhum governo tocar essa pauta. Apesar disso, é possível que ela se imponha pela gravidade da situação das contas públicas, e porque as alternativas são piores.
As projeções apontam hoje para uma trajetória explosiva de crescimento da dívida bruta, que poderá alcançar 85% do PIB em 2018. Se nada for feito, haverá uma piora da percepção de risco, colocando pressão sobre o câmbio e sobre os juros. O ajuste da dívida poderia ocorrer por meio da aceleração da inflação, afetando os mais pobres e desorganizando a economia. Decididamente, não é o caminho para a retomada da confiança de empresários, investidores e consumidores, um fator indispensável para a recuperação do crescimento -- e, por tabela, das receitas tributárias.
Um ajuste fiscal de verdade não será indolor. Optar por não fazê-lo, contudo, terá custos ainda maiores - e mais prolongados.
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