sábado, setembro 03, 2016

China! Welcome Mr. Fora Temer! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 03/09

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

E o "Kibeloco" lançou um meme com o Bonner e a Dilma numa mesma mesa de bar, chorando as mágoas. Toca Reginaldo Rossi! Chama o garçon!

Rarará!


E atenção! Terror na China! A Zumbilândia chegou à China! A comitiva do Temer parece "The Walking Dead"!

Imagine o Frankstemer e o Serra Vampiro descendo no aeroporto? E a chinesada: "Non, non, estamos esperando a comitiva do Brasil. Non a comitiva da Transilvânia".

Rarará!

E tem um meme com um chinês segurando o cartaz: "Welcome to China, Mr. Fora Temer!".

Rarará!

O mundo pensa que o Temer se chama Fora Temer. Mr. Fora Temer!

Rarará!

E o "Piauí Herald" revela que Temer foi pra China aprender kung fu. Pra enfrentar quem o chama de golpista! "Golpista?". Zap Vapt Zapt! KUNG FU TEMER!

Rarará!

E eu acho que ele foi comprar lolex e bolsa Plada pra Marcela! Na realidade, eles foram pro G20! G7 é dos ricos. Rico é sete, pobre é 20! G20 é tudo misturado. Igual aeroporto no Brasil depois do Lula!

Rarará!

E quem disse que o Temer tá cumprimentando o premiê da China? Avisa pro Temer que todo chinês é cópia pirata de outro chinês!

Rarará!

O G20 devia ser no Stand Center da Paulista! Rarará!

E a Selecinha? Três a zero no Equador. Um pênalti e dois gols de Jesus. Pênalti porque o técnico é o Tite do Corinthians.

E GOL DE JESUS TEM PODER! Agora que o Equador manda retirar mesmo o embaixador do Brasil!

Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

A Galera Medonha!

A Turma da Tarja Preta!

Direto de Santos: "Afonso Zelador do Tríplex". Só pode ser do tríplex do Lula. Qual a única pessoa que tem tríplex no Brasil?

Rarará!

E direto de Catu (BA): "Bosta Quente". Como dizia o Chapolin Colorado: "Isso que dá comer bosta quente e sair no vento".

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Hoje só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!


Duas línguas - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 03/09

Outro dia, vi-me no meio de um grupo de garotos que caçavam Pokémons numa praça aqui do Leblon. Depois de levar alguns esbarrões involuntários, tive que me desviar para não pisar num deles — num dos Pokémons, quero dizer. Os bichos infestavam o lugar, ou foi o que pensei, pelo alarido entre os fedelhos. Estranhamente, nenhum deles os chamava de Pokémon, como parece ser a maneira de grafá-los. Chamavam de pokemón, mesmo.

Consultei uma autoridade no assunto e aprendi que Pokémon é a abreviatura universal do japonês "poketto monsutã", ou "pocket monsters", em inglês — "monstros de bolso". Já vem com acento do original e, como se trata de uma marca registrada, talvez esse acento seja obrigatório em todas as línguas. Mas seus usuários brasileiros não querem nem saber, e os chamam como lhes parece mais lógico: pokemón.

Da mesma forma, a Paraolimpíada que vem por aí está sendo chamada pelo COB, pela literatura oficial e até por alguns jornais (não pela Folha), de Paralimpíada. Por quê? Para acompanhar a nomenclatura imposta pelo COI, que, há pouco, determinou que seu evento se chamaria "Paralympics" — como se, de repente, elas passassem a se chamar Limpíadas. Acontece que, em português, a contração correta, caso necessária, seria Parolimpíadas. E, como não é, o carioca as está chamando, e muito bem, de Paraolimpíadas.

Esses não são os únicos casos de discrepância entre os ditadores da língua — aqueles que ditam as normas — e seus falantes. Por algum motivo, pelas próximas semanas leremos centenas de vezes na imprensa a palavra "tríplex". Assim mesmo, com o acento no i. E, em todas essas vezes, iremos pronunciá-la "tripléx".

Pokemóns, Paraolimpíadas, tripléx. Há duas línguas no país — uma que se escreve e outra, que se fala. Mas tudo bem, elas se entendem.


PT e suas fases - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 03/09
A era PT teve várias fases e muitos ângulos. As louvações e as críticas gerais são sempre imperfeitas. Houve a primeira fase da política econômica que ajudou a estabilização da economia, houve política anticíclica na hora certa. Mas o governo perdeu o ponto de interromper os estímulos e passou a ser irresponsável na área fiscal e no combate à inflação. Isso levou o país à crise.

Não se pode separar os erros e os acertos entre Lula e Dilma. É mais sútil. No período do exministro Antonio Palocci, uma equipe econômica competente fez a política que reduziu a inflação e arrumou o país. O medo do PT e das políticas que defendera durante a campanha elevou o dólar e a inflação e gerou uma crise de confiança.

Foi nesse momento que Palocci e o presidente do Banco Central Henrique Meirelles trabalharam em conjunto para combater a crise. A inflação chegou a 17% em 12 meses até maio de 2003. Sem uma política econômica correta, ela continuaria subindo e certamente a história seria outra. O país não suportaria o escândalo do mensalão, mantendo Lula no cargo, se a inflação estivesse fora do controle.

O combate ao descontrole dos preços por uma política fiscal responsável e uma política monetária firme foi tão eficiente que em março de 2007 a inflação havia caído para 2,96% em 12 meses. Em 2005, os ministros Palocci e Paulo Bernardo propuseram a meta do déficit nominal zero. Naquele momento, seria possível e o ideal é que tivessem reduzido a meta inflacionária.

Foi quando as ideias antigas do PT deram a resposta na voz da então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Ela considerou a ideia “rudimentar”. Estava ficando mais forte e, em torno dela, os economistas da velha guarda do PT se reuniram. Após a queda de Palocci, em 2006, a política econômica permanece com alterações periféricas, mas o grupo que havia ajudado Palocci já estava fora e restava apenas Meirelles, no BC, defendendo a política monetária.

O economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, peça fundamental da equipe do primeiro governo Lula, avalia que o Brasil viveu duas fases de política econômica desde os anos 80:

— A primeira fase é mais liberal, voltada para inserção do Brasil na economia mundial, e vai do final do governo Sanery até o meio do período Lula. Depois, voltase à política de Geisel. Visões diferentes na economia há em todos os partidos, mas no governo do PT a política nacional desenvolvimentista ganhou força com a saída de Palocci e predominou após 2008.

A crise internacional de 2008 foi o momento considerado perfeito para a guinada mais heterodoxa. Primeiramente, as políticas de estimulo fiscal e monetário protegeram o país do pior da crise, mas em 2010 passaram a ser usadas com o objetivo de eleger a ex-presidente Dilma. No seu governo, esse caminho do descontrole fiscal, benefícios a empresários, intervencionismo e descuido com a inflação se aprofundou.

— A estagnação dos anos 80 é reflexo dos erros dos anos 70. E o crescimento dos anos 2000 é resultado das reformas dos anos 90. O Brasil voltou a errar no final do governo Lula e no governo Dilma e agora precisa fazer reformas estruturais, de longo prazo, para garantir o crescimento da década seguinte — disse Lisboa.

Um dos piores erros foi na política energética. Dilma errou ao segurar os preços em 2013 e depois teve que soltá-los de uma só vez em 2015. Quando foi feito o realinhamento tarifário, não havia como manter a repressão aos preços porque as empresas estavam quebrando. Dilma cometeu o erro sozinha: quis manipular o setor elétrico, em uma intervenção que se revelou desastrada, com o objetivo de usar isso em campanha. Hoje, reescreve a história e culpa a falta de chuvas. Mas o período seco só agravou a crise que ela criou.

Na área social, as políticas de transferências de renda ficaram mais fortes e foram responsáveis pelos resultados favoráveis em inclusão e aumento de consumo. Mas se não houvesse a estabilização monetária elas não teriam tido o mesmo efeito. Há muitos mitos nos números da retirada da pobreza. O PT fala deles como se fossem estáticos, mas a economia é dinâmica: ao gerar a crise, o PT retirou parcelas do grupo dos incluídos.

O governo Temer já está errando, na visão de Marcos Lisboa, quando faz reajuste salariais de servidores que beneficiam “o topo da pirâmide” e manda sinais ambíguos sobre o ajuste fiscal. É na economia que a política se perde ou se encontra.

Estabilidade institucional, sim, mas quanta encrenca! - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - RS

Quem diria, não? Nosso país acaba de proporcionar a nós mesmos e ao mundo uma clara demonstração de que alcançamos estabilidade institucional em um cenário antagônico a isso. Reflitamos. O governo da república foi afetado por profunda crise moral. Os abracadabras e confessionários da operação Lava-Jato labutam para elucidar e resgatar, de um sem número de grutas, os bilhões entesourados pela quadrilha que operou no poder. O segundo mandato presidencial de Dilma Rousseff nasceu maculado por mistificações, pela publicidade enganosa, pela ocultação da verdade sobre a situação do país aos eleitores e às instituições (causa final do crime de responsabilidade). As investigações promovidas a partir de Curitiba trouxeram à luz, adicionalmente, gravíssima denúncia sobre a origem de recursos usados na campanha vitoriosa em 2014. O país entrou em insólita recessão, com efeitos dramáticos na economia, nos empregos, na renda e na adimplência das famílias. A inflação galgou dois dígitos. A população, aos milhões, nas ruas e praças, conclamou as instituições a cumprirem seu dever.

A estratégia de transformar o processo de impeachment numa jogada do senhor Eduardo Cunha é manobra diversionista que, em vão, tenta escamotear milhões de pessoas na Paulista, no Parcão, em Copacabana, na Praça da Liberdade e em centenas de outros pontos de concentração, gerando imagens de empolgante beleza plástica e impressionante energia cívica. Ao apontar suas baterias contra Cunha, o governo findo tentou dissimular o clamor popular da mesma forma que, em suas manifestações dos últimos meses, omitiu qualquer referência aos milhões de desempregados, às empresas que fecharam suas portas, a tantos sonhos destruídos. Incontáveis vezes, desde que a crise não mais pode ser ocultada, o governo e os que por ele falavam, mirando a própria cavidade umbilical, queixavam-se da queda da arrecadação federal e da falta de dinheiro para as despesas do governo. E nada era dito sobre a receita das famílias e das empresas, exauridas por uma crise pela qual não precisavam estar passando. Apesar da queda do crescimento chinês, a economia mundial tem se expandido na ordem de 2,5% em média, desde 2012 (data.worldbank.org) e deve ficar em 3% positivos neste ano. Mais uma vez, as coisas não são como a ex-presidente falou ao Senado e à nação. O desempenho negativo da economia brasileira é o segundo pior no cenário mundial.

Num procedimento minucioso e constitucional, as instituições brasileiras agiram, até a undécima hora, com autonomia e correção. Nada expõe mais nitidamente a ausência de ânimo golpista do que o acolhimento, também com maturidade política, de três consecutivas vitórias petistas nas eleições presidenciais anteriores. O PT não teria tolerado três derrotas sucessivas sem reproduzir a enxurrada de requerimentos de impeachment que lançou contra seus antecessores na presidência. O caldo entornou em 2014 pelas razões elencadas acima. Entre o povo na ruas, dando origem aos primeiros requerimentos de impeachment, e o 31 de agosto de 2016, transcorreram 17 meses! Entre o 2 de dezembro de 2015 (data em que foi despachado um dos requerimentos de impeachment) e o juízo definitivo do Senado, foram nove meses. Permanentemente escaneado pelo STF, acompanhado ao vivo pela nação, cumprindo rito constitucional e legal, procedeu-se uma sequência que pareceu inesgotável de votações e escrutínios. Na undécima hora, contudo — solitária irregularidade! —, foi aprovado o escandaloso fatiamento da pena, numa solicitação de quem? Do PT.

Malgrado a evidente estabilidade institucional, cabe indagar se esse modelo tem a devida racionalidade. Será razoável que a solução de uma crise política, mesmo em presença simultânea de crime de responsabilidade e perda de apoio popular e parlamentar, só seja resolvida mediante procedimentos tão complicados e lentos que transformam em crise a solução da crise, aprofundando-a? Os países parlamentaristas resolvem tais problemas em poucos dias, pacificamente, sem semeadura de ódios e traumas históricos.

Um legado petista - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 03/09

Nesses 14 anos, o PT agiu como se tivesse carta branca para fazer absolutamente tudo que desejasse



O PT passou quase 14 anos no poder desde a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002 até o impeachment de Dilma Rousseff. Poucos grupos ou pessoas, na história do Brasil republicano, gozaram de tanta longevidade na Presidência: os paulistas e mineiros da “política do café com leite”, no início do século passado; Getúlio Vargas, que tomou o poder com um golpe, implantou uma ditadura no país e ainda assim é reverenciado por muitos; e os militares, que deram o golpe em 1964 e deixaram o Planalto em 1985. Quase uma década e meia é tempo suficiente para deixar marcas características. E quais foram as do petismo?

A melhoria em diversos indicadores sociais observada especialmente nos mandatos de Lula é defendida pelos petistas como seu grande legado, resumido na expressão “nunca antes na história deste país”. Que houve evolução é inegável – e o PT mostrou ser possível trazer um olhar mais social para a administração pública –, mas ela se deveu muito menos a políticas específicas do partido e muito mais ao trabalho de estabilização econômica feito nos governos anteriores (especialmente, o Plano Real) e ao cenário internacional favorável às commodities brasileiras. O petismo ignorou tudo isso e quis toda a glória para si.

E, se o papel do PT na ascensão social verificada já era um exagero propagandístico, a recessão provocada pelo uso da “nova matriz econômica”, a partir do fim do segundo mandato Lula, praticamente anulou qualquer conquista de que o PT pudesse se gabar: estudo da Tendências Consultoria divulgado no fim do ano passado mostrou que, se 3,3 milhões de famílias tinham subido à classe C entre 2006 e 2012, agora 3,1 milhões de famílias fariam o caminho inverso de 2015 a 2017, voltando às classes D e E. De repente o cenário externo passou a importar, com o governo culpando a “crise internacional” ainda que o Brasil estivesse quase sozinho na lista dos países com a economia em queda.

A política econômica que levou o Brasil à crise, aliás, é manifestação de uma das grandes características do PT no poder: nesses 14 anos, a legenda agiu como se tivesse carta branca para fazer absolutamente tudo que desejasse, ainda que isso significasse a depredação das instituições republicanas e a sujeição do Estado ao partido.

Esse comportamento marcou a passagem do PT pelo Planalto desde o seu início, com o mensalão, a compra de apoio parlamentar com o pagamento a partidos políticos. Um autêntico golpe na democracia, como definiram posteriormente ministros do STF que julgaram o caso, mas que não gerou punição imediata logo após a divulgação do escândalo. Lula até ficou enfraquecido, mas não a ponto de impedir sua reeleição em 2006 – a senha para que o PT intensificasse suas práticas. Se a torneira do mensalão estava fechada, havia outras abertas, especialmente na Petrobras, numa pilhagem cujas engrenagens a Operação Lava Jato mostrou ao país.

A húbris da cúpula petista, esse sentimento de que nada podia deter o partido, manifestava-se também no discurso que dividia o país em classes e incentivava o ódio de uns contra outros, ou que hostilizava a imprensa livre, ou que criticava as instituições que colocavam algum empecilho aos planos petistas, como o MP e os Tribunais de Contas; na aliança com as ditaduras mais abjetas da América Latina e de outros continentes; na nomeação, para o STF, de um ex-advogado do PT que não cumpria os requisitos necessários para integrar a corte suprema; no aparelhamento generalizado dos órgãos públicos, substituindo qualquer critério de competência pelo mero compadrio.

Por fim, o governo passou a se ver no direito de bagunçar completamente as contas públicas, como parte do “fazer o diabo” necessário para ganhar a eleição de 2014. A “criatividade contábil” virou a regra, e Dilma enganou meio mundo sobre a situação da economia. Manobras como as “pedaladas” e os decretos ilegais se tornaram a tônica de um governo que gastava o que não tinha. Mas desta vez a blindagem não funcionou: brasileiros corajosos acharam ali o fio que, puxado, levou ao impeachment.

Não é um legado fácil de desfazer – o aparelhamento da máquina pública, por exemplo, ainda terá consequências por muito tempo. Mas a queda do petismo mostra que nossas instituições foram capazes de resistir a um grupo que fez o possível e o impossível para depredá-las ou colocá-las de joelhos. Agora, trata-se de fortalecê-las para que mais ninguém, pessoa ou partido, se julgue acima de tudo e de todos novamente. O trabalho está apenas começando.

Falsa compaixão e lambança - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 03/09

O presidente Michel Temer viajou preocupado. Está com um olho na China, de onde espera atrair investimentos de quase US$ 270 bilhões, e outro no Brasil. Ou, pelo dito popular, Temer está com um olho no peixe, a faixa presidencial, e outro nos gatos, o PT e os vários mandados de segurança que foram impetrados no Supremo Tribunal Federal que tratam do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Temer tem razão de estar preocupado.

A lambança comandada pelo PMDB na votação do impeachment, que cassou o mandato de Dilma Rousseff, mas lhe preservou os direitos políticos e a habilitação para ocupar cargos públicos, não só vai prolongar a longa agonia vivida pelo País durante o processo de impedimento da presidente. Deixará Temer por mais um tempo sem saber se é presidente efetivo ou interino. Os mandados de segurança, tanto de Dilma quanto dos partidos aliados a Temer, podem até levar à anulação do julgamento do impeachment. Nesse caso, Temer voltaria à condição de presidente interino.

Mas não é só isso.

Dilma foi afastada da Presidência da República no dia 12 de maio. Diz a Constituição que o afastamento se dá por 180 dias. Caso o julgamento do impeachment seja anulado depois do dia 12 de novembro, Dilma voltará ao poder, independentemente do andamento da ação. E Temer à condição de vice, um vice ao qual Dilma atribui conluios obscuros para a tomada do poder.

Portanto, a crise do impeachment não terminou. Apenas atravessou a rua, para usar uma expressão do presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski.

Os mandados de segurança envolvem uma questão técnica. O STF vai dizer se o impeachment valeu ou não valeu, se Dilma deve ou não preservar seus direitos políticos, se Temer é presidente efetivo ou interino. Não há outro jeito. Só resta esperar.

As consequências políticas da ação comandada pelo PMDB em favor de Dilma, no entanto, já podem ser sentidas. Se os peemedebistas esperavam alguma vantagem ao partido ou ao governo de Michel Temer com o oportunista e falso ato de caridade para com Dilma, quebraram a cara.

O PT não é bobo. Está ferido com as denúncias de uso de caixa 2 em campanhas presidenciais e de corrupção que envolvem ex-dirigentes, além de passa por um desgaste impressionante.

Assim que houve o fatiamento da decisão do Senado, o PT enxergou a sua grande chance de sair da defensiva e partir para o ataque.

Imediatamente levada à condição de líder do PT, o que ela nunca foi, assim que o julgamento do impeachment terminou Dilma Rousseff fez o mais virulento apelo à militância petista e aos partidos que a apoiam para que travem “a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer”. Temer e seus aliados foram qualificados como “um bando de corruptos investigados”.

Como Renan Calheiros pertence ao PMDB, e é investigado em ação no STF, ele se enquadra perfeitamente no perfil traçado por Dilma. Se Renan achou que seria visto como misericordioso, ao patrocinar o acordo que garantiu a Dilma os direitos políticos e a possibilidade de ocupar cargos públicos, ela não teve a menor piedade nem dele nem do governo do qual ele é aliado.

Se Renan confiava que receberia do PT um agradecimento pela mão que estendeu a Dilma, deu-se muito mal.

O PT decidiu numa reunião de sua direção realizada ontem, da qual participou o ex-presidente Lula, que vai copiar em 2016 a campanha suprapartidária das Diretas-Já, de 1984, que mobilizou milhões de pessoas em todo o País e visava a eleger, pelo voto direto, o sucessor de João Figueiredo, o último general-presidente da ditadura militar.

Há 32 anos a campanha transformou-se num marco da luta democrática, embora derrotada pelo Congresso. Reeditada, será a bandeira do PT para as próximas campanhas eleitorais. Desta vez, no lugar dos militares, o alvo é Temer.

O que é inconstitucional? - MERVAL PEREIRA

O Globo - 03/09

Diante da judicialização do impeachment da ex-presidente Dilma, é inevitável que o STF entre na questão, até mesmo para dizer que não cabe a ele decidir. A excêntrica decisão do Senado, separando a cassação do mandato presidencial da inabilitação para funções públicas, além de provocar incongruências tão graves quanto Dilma poder exercer qualquer cargo no país, menos o de presidente da República, tem ainda um fator político que terá desdobramentos graves.

Já não é possível garantir que o governo Temer tem uma base parlamentar sólida, pois a desconfiança de que o presidente concordou com a solução já não pode mais ser afastada. Tudo parece levar a uma solução de compromisso muito própria do PMDB, que não tem limitações quando se trata de acordo político nos bastidores.

Se houve um consenso entre as lideranças peemedebistas para fazer um gesto que ajudasse tanto o PT quanto seus líderes políticos atingidos pela Operação Lava-Jato, como o próprio Renan Calheiros e Eduardo Cunha, faltou lembrar que a permanência dos direitos políticos de Dilma pode obrigar a que o processo contra a chapa DilmaTemer prossiga no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Caso Dilma tivesse sido punida integralmente, ficaria mais simples propor o fim do processo por perda do objeto, o que ainda pode ocorrer, por sinal.

Não é possível a esta altura afirmar qual será o caminho que a maioria do STF tomará, mas há algumas tendências que devem ser observadas. Parece improvável, embora essa possibilidade exista, que uma eventual decisão implique a anulação da sessão do Senado que levou ao impeachment e à solução heterodoxa de fatiar a sentença, permitindo que a ex-presidente preserve seus direitos político.

Este é o temor dos partidos da base de apoio de Temer que, no entanto, tiveram que entrar com ações no Supremo porque o PT pediu naquela Corte a anulação da sessão, e há outras várias ações, de associações ou pessoais, em diversos sentidos, a favor ou contra a decisão do Senado.

Se o STF decidir que cabe a ele dirimir as dúvidas, poderá fazê-lo tratando apenas da separação dos termos do texto do artigo 52 da Constituição, mas também poderá entrar no mérito, o que sempre evitou. Não parece provável, porém, que o Supremo decida agora debater o mérito do impeachment.

O ministro Luiz Fux já deu uma declaração em tese que define bem esse impasse: “Eu acho que, em princípio, nós, juízes, deferimos ao parlamento a solução de questões políticas. Mas quando essas questões políticas são decididas com violação dos princípios inerentes ao estado democrático de direito, é sindicável ao Supremo a apreciação dessas infrações", disse Fux.

Para todas as evidências, o que aconteceu na sessão de impeachment do Senado foi uma violação constitucional, e há muitos juristas que consideram que a decisão de fatiar o julgamento é simplesmente nula, podendo ser contestada a qualquer momento, não gerando efeitos, portanto. Mas, como comentam ministros do STF, o que é ou não inconstitucional depende de que se defina antes quem dá a última palavra sobre o assunto.

O Supremo é conhecido pela definição de Rui Barbosa de que é quem pode errar por último. Nesse caso, porém, pode ser que se considere que cabia ao Senado essa última palavra, não sendo possível interferência de outra instância. Acima de todas as questões que estão sendo levantadas, pode-se dizer que há um sentimento generalizado no Supremo de não querer interferir demais na questão delicada do impeachment, daí ser mais provável que não avance até a anulação de todo processo, e provavelmente nem mesmo trate das demais questões.

Fazer a roda do tempo retroceder, trazendo de volta Dilma à Presidência da República, elevaria em muito o nível de excentricidade de nossa política nacional, gerando uma insegurança jurídica imensurável. Ao mesmo tempo, devido à decisão bizarra, na definição do ministro do STF Gilmar Mendes, que foi tomada, e suas consequências na vida política brasileira, pode ser que o plenário resolva discutir a validade da decisão, até mesmo para evitar que seus efeitos se espalhem.

O ex-senador Delcídio Amaral, que foi cassado pelo Senado e perdeu, além do mandato, seus direitos políticos, já entrou com uma ação pedindo isonomia de tratamento, e o mesmo fará o deputado Eduardo Cunha.

Por uma coincidência do destino, ele será julgado na Câmara no mesmo dia em que toma posse na presidência do Supremo a ministra Cármem Lúcia, substituindo Lewandowski, e provavelmente será sob sua direção que a Corte decidirá sobre o destino dessas ações. Uma mudança de guarda que deve marcar também mudanças de prioridades do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça

Após impeachment, PT tirou cães furiosos da cena e escalou moderados - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 03/09

Depois da cisão, a conciliação. Concluída a votação do impeachment, o PT tirou seus cães furiosos da cena e, no lugar deles, escalou vozes moderadas. Kátia Abreu, uma liberal de estimação, apelou ao sentimento de seus pares; um sereno Jorge Viana invocou a necessidade de preservar "o dia de amanhã aqui no Senado". No fim, graças à notável criatividade jurídica de Ricardo Lewandowski, que propiciou a mudança do artigo 52 da Constituição pela vontade minoritária de um terço dos senadores, obtiveram a manutenção dos direitos políticos de Dilma Rousseff. Ali, plantou-se a mudinha de uma espécie singular de "união nacional".

"A política da conciliação é um antídoto contra o levante, um relaxamento da tensão entre a vida como ela é e a vida como deve ser", escreveu James David Barber. A "vida como deve ser": o retorno à velha ordem, abalada nessa quadra de crise pelo impeachment e pelos processos contra políticos e empresários. A política da conciliação, explicou Barber, "é um romance de restauração": no caso do Brasil, a recuperação do privilégio da elite política de submeter a coisa pública às redes de interesses partidários e privados. A absolvição parcial de Dilma descortina um caminho promissor: perdão e redenção.

"Não poderíamos fazer um acordo com os nossos algozes", disfarçou Humberto Costa, como se pudesse permanecer em segredo o pacto costurado na residência de Renan Calheiros e avalizado por Lewandowski. Do ponto de vista do PT, cisão e conciliação funcionam como polos complementares de uma mesma estratégia. A página do golpe não foi virada, mas passa a conviver com um novo texto. Quem liga para a coerência? A denúncia do "golpe parlamentar", cantada por Dilma, ecoada por "intelectuais orgânicos" e artistas, continuará a desempenhar as funções subsidiárias de reunir a base militante e oferecer um discurso eleitoral. Mas será devidamente subordinada ao imperativo da conciliação, que promete reerguer uma ponte bombardeada. Lula precisa de perdão e de redenção.

O senador Álvaro Dias enxergou na manobra um "jeitinho brasileiro" destinado a "proteger a poderosa Dilma". Mas Dilma funciona no episódio como mero precedente: a chance de fraudar as leis à sombra do STF. Se um "jeitinho" vale em benefício dela, por que expedientes similares não valeriam para Eduardo Cunha e muitos outros, presos na teia das investigações judiciais? Daqui em diante, ao menos em tese, a perda do mandato seria apenas um ponto de partida rumo à redenção eleitoral. Os senadores da maioria governista que votaram com o PT não protegiam Dilma, mas compravam um seguro contra acidentes. O bravo Calheiros, em particular, um personagem arqueado sob o peso de tantos processos, operou em defesa própria, enviando uma mensagem ao governo Temer. Ele está dizendo que a desordem foi longe demais: é tempo de construir uma ampla coalizão política contra a Lava Jato.

No Brasil oficial, esse mundo assolado pelo medo, angustiado pelas incertezas, avança a "pacificação" invocada por Temer em seu discurso de posse. Se a impunidade absoluta está morta, que tal inventar o perdão? A reunificação, ainda uma planta tenra, já parece capaz de dar frutos. O PSDB e o DEM rejeitaram o santo pacto em plenário para, na sequência, recuarem da efêmera intenção de contestá-lo no STF. "A questão essencial está resolvida", decretou Aécio Neves, como quem desenha um ponto final –apenas para, sob pressão da opinião pública, recuar do recuo no dia seguinte, apresentando o recurso judicial.

O impeachment de Dilma e a patética posse de Temer assinalam uma crise maior. Estilhaça-se a "Nova República" proclamada no discurso de posse de Tancredo Neves, lido por José Sarney há 31 anos. O ensaio de conciliação é uma tentativa de colar seus cacos, salvando "o dia de amanhã" de uma elite política acossada.

STF precisa dar rapidez à execução das penas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 03/09
Aprovar na Corte norma que faz a pena começar a ser cumprida a partir da sua confirmação na segunda instância é essencial para o êxito da Lava-Jato

O longo ciclo, já com 28 anos, de construção de uma sociedade aberta, a partir da Constituição de 1988, avança na velocidade do fortalecimento das instituições republicanas. Entre elas, o Poder Judiciário, essencial para a mediação de conflitos com respeito ao estado democrático de direito.

Uma Justiça rápida, sem atropelar qualquer direito do cidadão, é meta a ser alcançada. Mas não tem sido fácil. Está provado que o cipoal de leis e o excesso de recursos judiciais são usados com habilidade por advogados de réus com posses, em condições de pagar bons profissionais, para eternizar processos, a fim de que as penas prescrevam.

É um motivo importante de perda de credibilidade da Justiça, e forte incentivo ao crime. Talvez fosse esta uma das razões pelas quais o indefectível tesoureiro do PT no mensalão, Delúbio Soares, tenha ironizado sobre o escândalo: “Vai virar piada de salão”. Não virou, mas esta não costuma ser a regra em processos que tramitam longe da atenção da opinião pública.

O Supremo, nos últimos anos, tem realizado julgamentos essenciais para essa solidificação do estado democrático de direito, em que as leis valem para todos, poderosos ou não.

Este é o resultado benéfico da condenação de petistas e aliados no processo do mensalão, surgido ainda com Lula no Planalto, e da tramitação da Lava-Jato na Corte, sem que o fato de a maioria dos ministros haver sido indicada por governos petistas condicione veredictos.

Está em curso no STF outro desses julgamentos-chave para a sociedade. Trata da contestação feita pelo partido PEN e OAB contra decisão tomada pela corte em fevereiro, por maioria de votos, sobre um pedido de habeas corpus, que resgatou o entendimento que havia até 2009 de que sentença condenatória confirmada na segunda instância, portanto em colegiado, é para começar a ser executada.

Aquela decisão passou a ser seguida por juízes, mas não por todos, pois não fora convertida em súmula. Mesmo no STF, os ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, contrários a este entendimento, já aceitaram pedidos de habeas corpus de presos depois de confirmada a pena em segunda instância. O julgamento em curso é importante porque o que for decidido valerá para todos os tribunais.

Não se deseja execução sumária de penas, típica de regimes de exceção, nem se derrubar a presunção de inocência, porque, afinal, o condenado continua a poder recorrer a instâncias superiores. A confirmação da sentença condenatória por colegiado, na segunda instância, como ocorre em vários países, é o suficiente para a rechecagem de provas da acusação e das respostas da defesa.

O ministro Marco Aurélio Mello deu seu voto, na quinta, a favor da revogação do entendimento majoritário a que chegou a maioria do Pleno em fevereiro. Se as posições se mantiverem, o placar de 7 a 4 deverá se repetir, num reforço importante na luta contra a impunidade.

No pano de fundo desta decisão está a Lava-Jato, fortalecida pelo entendimento de que sentenças podem ser cumpridas a partir da segunda instância. Um subproduto indesejado do resultado deste julgamento pode ser o enfraquecimento da maior operação de combate à repressão da história do país.

O fiasco da campanha petista - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 03/09
A campanha de desinformação liderada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela presidente cassada Dilma Rousseff e por seus simpatizantes mundo afora, a título de denunciar um certo “golpe” no Brasil, foi amplamente desmoralizada por Estados Unidos, China e Argentina. Os governos americano e chinês, que lideram a economia global, e o governo da Argentina, principal parceiro comercial do Brasil na América do Sul, trataram de reconhecer Temer como presidente de fato e de direito, e com a nova administração brasileira pretendem tocar a vida adiante.

Assim, a desvairada tese do “golpe” só sobrevive na boca dos incautos, dos intelectuais e artistas divorciados da realidade, dos chefes de Estado bolivarianos e dos petistas destituídos das preciosas boquinhas federais.

Logo depois do desfecho do impeachment e da posse de Temer, segundo informou o Palácio do Planalto, o secretário de Estado americano, John Kerry, enviou mensagem ao novo presidente dizendo que os Estados Unidos confiam na manutenção do forte relacionamento com o Brasil.

O porta-voz do Departamento de Estado americano, John Kirby, em entrevista coletiva, informou que, no entender do governo americano, tudo se deu “de acordo com o ordenamento constitucional do Brasil”. Questionado por um repórter fiel à versão do “golpe”, que lhe perguntou mais de uma vez se o governo americano não tinha mesmo nenhuma preocupação a respeito do impeachment, Kirby foi enfático: “Esta é uma questão interna do Brasil, e eu acho que você deveria procurar as autoridades brasileiras para colher informações sobre o assunto. E nós acreditamos que as instituições democráticas do Brasil atuaram de acordo com a Constituição”.

Na China, onde acontece a reunião do G-20, Temer foi recebido pelo presidente Xi Jinping. Num encontro de 40 minutos, o líder chinês expressou o desejo de fazer diversos negócios com o Brasil. Qualificou Temer como “amigo”.

Por fim, o governo da Argentina, que já havia respaldado o governo interino de Temer, expressou seu respeito pela decisão do Congresso de destituir Dilma e reafirmou sua “vontade de continuar pelo caminho de uma real e efetiva integração, no marco do absoluto respeito aos direitos humanos, às instituições democráticas e ao direito internacional”. Outros países sul-americanos, como Peru, Chile e Paraguai, foram na mesma linha.

Já o Equador, a Bolívia e a Venezuela, países governados por autocratas inspirados na cartilha antidemocrática chavista, convocaram seus embaixadores no Brasil – uma dura medida diplomática – em protesto contra o desfecho do processo de impeachment, que eles chamam de “golpe parlamentar”. Para Nicolás Maduro, responsável pela transformação da Venezuela em um inferno, “esse golpe não é apenas contra Dilma Rousseff, é contra a América Latina e países do Caribe, é um ataque contra os movimentos populares, progressistas, contra os partidários das ideias de esquerda”.

Enquanto isso, Lula, provavelmente consciente de que as principais potências mundiais e os mais importantes parceiros regionais do Brasil já reconheceram o governo Temer, tenta desesperadamente angariar ainda algum apoio internacional. Ele enviou uma carta a governantes e ex-governantes com quem se relacionou quando foi presidente, na qual diz que o impeachment não passa de uma ação das “forças conservadoras” para “impedir a continuidade e o avanço do projeto de desenvolvimento e inclusão social liderado pelo PT”. Nem é o caso de perder tempo com as inúmeras mentiras do texto. O que importa é notar que a carta se presta a denunciar a perseguição de que Lula se diz vítima, pois está claro, a esta altura, que está chegando o momento em que o chefão petista terá de prestar contas de suas maracutaias à Justiça.

Ao fim e ao cabo, parece mesmo não haver alternativa a Lula e a seus colegas latino-americanos inimigos da democracia – não por acaso os únicos a defender Dilma – senão esperar que o mundo seja acometido de um surto de ingenuidade e lhes dê ainda algum crédito.

Articulação pró-Dilma foi informada a Lewandowski 9 dias antes da sessão - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO Josias de Souza
No último dia 22 de agosto, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, abriu uma fenda na agenda para encaixar uma visita. Recebeu em seu gabinete a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). Autorizada pela amiga Dilma Rousseff, Kátia foi conversar sobre a sessão de julgamento do impeachment, que ocorreria dali a nove dias, na manhã do dia 31.

Ex-ministra da Agricultura de Dilma, a senadora informou a Lewandowski que os aliados de Dilma apresentariam um requerimento inusitado aos 45 minutos do segundo tempo do julgamento do impeachment. Desejava-se votar separadamente a deposição de Dilma e a punição que poderia bani-la da vida pública por oito anos. Confirmando-se o afastamento da presidente, Kátia tinha a esperança de livrá-la do castigo adicional.

A senadora foi à presença de Lewandowski acompanhada de João Costa Ribeiro Filho, um personagem cujo anonimato não faz jus ao protagonismo que desempenhou no enredo que produziu mais uma jabuticaba brasileira: o impeachment de coalizão, no qual o PMDB, partido do “golpista” Michel Temer, juntou-se ao PT para suavizar a punição imposta à “golpeada” Dilma, preservando-lhe o direito de ocupar funções públicas mesmo depois de deposta.

Partiu de João Costa —um advogado mineiro que cresceu em Brasília e entrou para a política no Tocantins— a ideia de fatiar o julgamento do impeachment. Por ironia, o autor da tese que atenuou o suplício de Dilma já pertenceu aos quadros do tucanato. Em 2010, filiado ao PSDB, tornou-se suplente do senador Vicentinho Alves (PR-TO). Em 2011, trocou o ninho pelo PPL, Partido da Pátria Livre. Chegou a assumir a poltrona de senador por alguns meses, entre outubro de 2012 e janeiro de 2013.

Até ser apresentado à tese de João Costa, Lewandowski não cogitava realizar senão uma votação no julgamento do impeachment. Assim pedia o parágrafo único do artigo 52 da Constituição: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”

Quatro dias antes da visita a Lewandowski, João Costa telefonara para Kátia Abreu. Pedira para ser recebido. Atendido, abrira a conversa afirmando à interlocutora que a defesa de Dilma cometia um erro comum nos tribunais de júri: preocupava-se obsessivamente com o mérito da acusação, sem atentar para a pena. Ele havia estudado a matéria. Apresentou um roteiro que levaria à votação fatiada. Passava, em essência, pelo regimento interno do Senado, que prevê o DVS (destaque para votação em separado) e pela Lei 1.079, que contempla a votação em fatias.

Kátia Abreu, até então mergulhada no esforço para tentar conquistar os 28 votos que enterrariam o pedido de impeachment, impressinou-se com os argumentos de João Costa. “Liguei para a Dilma”, recordou a senadora, numa conversa com o blog. “Preciso ir aí, tenho um assunto seríssimo para falar com a senhora. É particular, sem ninguém por perto.” Kátia rumou para o Palácio da Alvorada. Levou João Costa a tiracolo. Imaginou que a amiga reagiria mal à prosa. Falar sobre dosimetria de pena àquela altura significava admitir que a condenação era mesmo inevitável. “Para minha surpresa, ela entendeu e recebeu muito bem.”

Sabendo-se praticamente cassada, Dilma autorizou Kátia Abreu a dar sequência à articulação. Por sugestão da senadora, organizou-se uma reunião com José Eduardo Cardozo, o advogado petista de Dilma. Que também reagiu com naturalidade. Firmou-se um pacto de sigilo. A notícia de que Dilma já guerreava pela atenuação do castigo seria interpretada como símbolo da rendição. Algo que a confinada do Alvorada preferia não admitir em público.

Informado da articulação por Dilma, Lula comentaria mais tarde, em privado, que enxergou sensatez na estratégia de cuidar também da pena que poderia ser imposta a Dilma. A própria Kátia Abreu cuidou de comunicar os planos ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Apresentado ao roteiro, Renan entusiasmou-se. Disse que considerava “certíssimo” livrar a ex-aliada da proibição de ocupar cargos públicos por oito anos. “A Dilma merece que a gente faça isso por ela.”

Kátia pediu calma a Renan. Esclareceu que o fatiamento ainda era o Plano B. “Não entrego o jogo antes da hora. Vamos até o final.” Sem alarde, um assessor da liderança do PT foi acionado para elaborar o requerimento para desmembrar a votação do impeachment em duas. O documento foi formalmente apresentado pelo líder do PT, Humberto Costa (PE).

Na conversa com Lewandowski, Kátia Abreu testemunhou um telefonema do presidente do Supremo para o secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira, um dos principais assessores de Renan nas sessões plenárias. O ministro pediu-lhe que estudasse o tema. A ordem foi cumprida com esmero. No dia da sessão, Lewandowski estava munido de um autêntico tratado. Não havia questão levantada pelos rivais de Dilma que ele não trouxesse a resposta na ponta da língua.

Afora os encaminhamentos de praxe —dois senadores a favor e outros dois contra—Renan Calheiros discursou, ele próprio, em defesa do abrandamento da punição de Dilma. ''No Nordeste, costumamos dizer uma coisa: 'Além da queda, coice'. Não podemos deixar de julgar, mas não podemos ser maus, desumanos.'' Foi nesse diapasão que os senadores livraram Dilma do coice da inabilitação para o exercício de funções públicas depois de tê-la derrubado da Presidência da República. Tudo com o aval de Lewandowski.