domingo, dezembro 25, 2011

Protegendo as crianças - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O ESTADÃO - 25/12/11

Uma vez falei aqui contra a chamada lei da palmada e fiquei com medo de sofrer uma tentativa de linchamento. Falei contra a lei e não a favor da palmada, mas fui amplamente descrito como um primitivo nordestino, defensor da tortura de criancinhas. Então acho que devo esclarecer que apanhei bastante em pequeno e até admito que o muito que há de torto em minha cabeça possa ser ligado a essas tundas, que iam bastante além de palmadas, em detalhes que não me dá gosto lembrar. No meu currículo, arrolam-se chinelos, tamancos, cabos de escovas, palmatórias (não só em casa, mas também na escola da professora Madalena, em Itaparica), cinturões de todos os materiais, beliscões, puxavantes de orelha, um ocasional cachação e aparentados.

Contudo, embora tenha as naturais queixas, pois que apanhar nunca me pareceu boa coisa, não desejei vingar-me disso nem com os autores das surras, nem com seus descendentes através de mim. Continuei a me dar bem com meus pais até o fim da vida deles e jamais bati em meus filhos, nem sequer com palmadinhas. Aliás, minto. Uma vez, em Salvador, minha filha mais velha, então com uns 5 anos, aprontou tanto e tão incontrolavelmente, que eu também me descontrolei e dei um palmadaço nela. Primeiro e único, porque, assim que vi sua carinha subitamente aterrorizada pela surpresa violenta, me senti um espécie de monstro. Exagero, claro, mas continuo pessoalmente contra não só palmadas como qualquer castigo físico.
Além disso, agora compreendo que devo manifestar-me a favor da lei da palmada. Em primeiro lugar, somos um país que protege muito. Não há ninguém que não esteja protegido - jovens, idosos, mulheres, homossexuais, consumidores, corruptos com direito a foro especial e quem mais nos ocorrer. O menor de idade mesmo é protegido por todos os lados. Creio que é exemplar o caso de um menor que faça 18 anos no dia 10 e, durante um assalto no dia 9, mate o assaltado somente pelo prazer de experimentar o revólver novo. Já vi casos assim, ou piores, em reportagens de televisão. Como somos um país rigoroso quanto à aplicação da lei, o delegado, embora privadamente tenha convicção oposta, é, assim como o juiz, obrigado a fazer valer a norma. Dura lex, sed lex. Portanto, matar com 17 anos e 364 dias é, por assim dizer, permitido, não dá nada. Já matar aos 18 anos pode dar cana séria, ainda que raramente. É talvez oportuno lembrar o episódio havido em Brasília e noticiado nos jornais, em que um homem assassinou a namorada e, no dia seguinte, foi à delegacia, levando a arma e o cadáver, e confessou o crime. Deu lá seu depoimento e foi solto na hora. Eu não conto essas maravilhas a meus amigos estrangeiros porque eles não acreditam, nós somos um país abençoado demais.
Mas desculpem, saí do assunto. O assunto é a lei da palmada. Devo reconhecer que nunca vi o texto do projeto e só sei dele o que ouço e leio aqui e ali. Em meu favor, porém, posso alegar que, como praticamente todos nós, não sou bem cidadão, mas súdito. Esse negócio de dar penada em nossa própria vida não é para nós. Como ensina a história da lei de ficha limpa, o que nós queremos não tem nada a ver com o que fazem do País, a gente não tem nada que se meter. Eles resolvem as coisas e nós vamos sabendo aos poucos, isso quando interessa que a gente saiba, para poder fazer o que eles mandam.
Eu ia dizendo que parece ser meu dever manifestar-me a favor da lei da palmada, que estende a proteção estatal sobre uma categoria desamparada. Antigamente, as crianças podiam ser surradas, afogadas, esfoladas ou fritas, não havia lei que as protegesse. Agora, sim, agora haverá, com certeza também através de novos órgãos oficiais, novos especialistas, funcionários, verbas e assim por diante - os legisladores não esquecem essa prioridade nacional, a criação de postos de trabalho. E a rede não se limita ao Estado. Entram nela, por exemplo, sogras e vizinhos. Calculem quantas sogras, por esse Brasil afora, fiscalizarão as mulheres de seus queridos filhos, essas desmazeladas sem educação doméstica. Não haverá palmada que não seja denunciada à polícia e prevejo que esse mar de proteção poderá espraiar-se de tal forma que teremos delegacias das palmadas e um Disque Palmada 24 horas por dia.
Tenho um pouco de preocupação, é bem verdade, com a obediência à lei, notadamente por pais e mães recalcitrantes ou de outras culturas. Fico pensando na possibilidade de certas situações. Imagino que, denunciada por ter dado meia dúzia de palmadas no Ranulfinho, a mãe do Ranulfinho deva receber a visita de um psicólogo oficial, que tentará demonstrar-lhe a inadequação e inaceitabilidade científica e legal do castigo físico. Ao que a mãe do Ranulfinho, que sempre foi da pá virada e ostenta cabelinhos na venta, diz que o psicólogo é psicólogo lá pras negas dele e que o sacaneta do Ranulfinho vai apanhar toda vez que tornar a abrir a geladeira, morder um pedaço de tudo o que tem lá dentro, deixar a porta aberta e emporcalhar a cozinha toda. Como de fato, dias depois há nova denúncia e novamente a mãe do Ranulfinho manda o governo pastar. Para encurtar a história, virá depois do psicólogo um psiquiatra, a mãe do Ranulfinho dirá que o psiquiatra se meta com a mãe dele e reincidirá, não restando recurso, senão cadeia mesmo. E, já que o pai do Ranulfinho apoia sua mulher, far-se-á a retirada da guarda do Ranulfinho e seus três irmãozinhos. Naturalmente que serão separados, porque ninguém poderá ficar com a guarda dos quatro. E, se não houver parentes ou amigos dispostos, o Estado tomará a si a guarda deles e, enquanto os pais mofam na justa cadeia, eles serão criados na mesma instituição modelar em que foi várias vezes confinado o menor que matou dois e feriu quatro, para experimentar o revólver. O Brasil se aperfeiçoa cada vez mais, o Ranulfinho é um menino de sorte.

Natal branco - LUIS FERNANDO VERISSIMO


O ESTADÃO - 25/12/11
O condomínio se chama Happy Houses. No portão de entrada está escrito "Entrance" em vez de "Entrada" e todas as ruas têm nomes em inglês, como "Flower Lane" e "Sunshine Street". O condomínio tem um "playground" para as crianças, com serviço permanente de "baby sitters" e uma área de lazer para adultos chamada "Relaxation and Recreation". Cada casa, em estilo americano, tem seu "swimming pool" e o policiamento de todo o projeto é fornecido pela empresa de segurança "Confidence". No Natal as casas ficam cobertas de luzinhas decorativas e os moradores costumam fazer uma grande festa comunitária na praça central, ou "Central Park", do condomínio, com Papai Noel, troca de presentes e tudo, ao som de Jingle Bells. E sempre há um que começa a cantar White Christmas, e não demora estão todos cantando, em inglês, que sonham com um natal branco, com um natal com neve. E, numa noite de Natal, aconteceu o seguinte: quando estavam todos cantando White Christmas começou a nevar sobre o condomínio.

XXX

A princípio, ninguém acreditou. O que era aquilo? Flocos brancos caindo do céu e se acumulando no chão do "Central Park", nos galhos da árvore de Natal, na cabeça das pessoas? Parecia neve.
- É neve! - exclamou alguém.
- Como, neve? Aqui? No verão? Com este ca...
Não pode completar a frase porque foi atingido no nariz por uma bola de (agora não havia mais dúvidas) neve.
A algazarra foi grande. O sonho se realizava. As preces tinham sido ouvidas. Pois só um milagre explicava aquela neve. Só um milagre explicava estarem tendo um Natal branco, como deveriam ser todos os natais.

XXX

Todos correram para dentro de suas casas, para procurar agasalhos e voltar para a praça. A neve não parava de cair, cada vez com mais intensidade. Já havia neve acumulada nos jardins e nos telhados. Surgiram bonecos de neve, iguais aos de filme americano. As crianças se divertiam rolando na neve. E continuava a nevar, e a nevar. A locomoção sobre os montes de neve se tornava difícil. Muitos decidiram voltar para suas casas antes que a neve os impedisse de andar nas ruas. As casas não tinham calefação, como seria se ficassem soterrados pela neve durante dias? As lareiras das casas eram só para dar um toque americano, como nos filmes, à decoração. Não adiantariam nada. O socorro demoraria a chegar, por causa da neve. E continuava a nevar, e a nevar. A neve já estava pelas janelas das casas. Os telhados poderiam não aguentar o peso de tanta neve acumulada. Ninguém dormiu tranquilo sob as cobertas, naquela noite.

XXX

No dia seguinte, outro milagre. A neve desaparecera por completo. Só restara um montinho na cabeça de um jacaré de borracha boiando numa das piscinas, e este também desapareceu com o calor. Os proprietários se reuniram no "Meeting Room" da "Relaxation and Recreation" para discutir o fenômeno. Estranhamente, não saíra nenhuma notícia de nevadas em outros lugares da região. A neve só caíra no "Happy Houses" Por que seria? Decidiram não falar do ocorrido para ninguém fora do condomínio. Se acontecesse outra vez, contariam. Ser o único lugar do Brasil em que nevava no Natal só aumentaria o valor das propriedades. Mas, por enquanto, não diriam nada. A nevada poderia muito bem ter sido um aviso.

Um ano para ser esquecido - MARCO ANTONIO VILLA


O ESTADÃO - 25/12/11
O governo Dilma Rousseff é absolutamente previsível. Não passa um mês sem uma crise no ministério. Dilma obteve um triste feito: é a administração que mais colecionou denúncias de corrupção no seu primeiro ano de gestão. Passou semanas e semanas escondendo os "malfeitos" dos seus ministros. Perdeu um tempo precioso tentado a todo custo sustentar no governo os acusados de corrupção. Nunca tomou a iniciativa de apurar um escândalo - e foram tantos. Muito menos de demitir imediatamente um ministro corrupto. Pelo contrário, defendeu o quanto pôde os acusados e só demitiu quando não era mais possível mantê-los nos cargos.

A história - até o momento - não deve reservar à presidente Dilma um bom lugar. É um governo anódino, sem identidade própria, que sempre anuncia que vai, finalmente, iniciar, para logo esquecer a promessa. Não há registro de nenhuma realização administrativa de monta. Desde d. Pedro I, é possível afirmar, sem medo de errar, que formou um dos piores ministérios da história. O leitor teria coragem de discutir algum assunto de energia com o ministro Lobão?

É um governo sem agenda. Administra o varejo. Vê o futuro do Brasil, no máximo, até o mês seguinte. Não consegue planejar nada, mesmo tendo um Ministério do Planejamento e uma Secretaria de Assuntos Estratégicos. Inexiste uma política industrial. Ignora que o agronegócio dá demostrações evidentes de que o modelo montado nos últimos 20 anos precisa ser remodelado. Proclama que a crise internacional não atingirá o Brasil. Em suma: é um governo sem ideias, irresponsável e que não pensa. Ou melhor, tem um só pensamento: manter-se, a qualquer custo, indefinidamente no poder.

Até agora, o crescimento econômico, mesmo com taxas muito inferiores às nossas possibilidades, deu ao governo apoio popular. Contudo, esse ciclo está terminando. Basta ver os péssimos resultados do último trimestre. Na inexistência de um projeto para o País, a solução foi a adoção de medidas pontuais que só devem agravar, no futuro, os problemas econômicos. Em outras palavras: o governo (entenda-se, as presidências Lula-Dilma) não soube aproveitar os ventos favoráveis da economia internacional e realizar as reformas e os investimentos necessários para uma nova etapa de crescimento.

Se a economia não vai bem, a política vai ainda pior. Excetuando o esforço solitário de alguns deputados e senadores - não mais que uma dúzia -, o governo age como se o Congresso fosse uma extensão do Palácio do Planalto. Aprova o que quer. Desde projetos de pouca relevância, até questões importantes, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU). A maioria congressual age como no regime militar. A base governamental é uma versão moderna da Arena. Não é acidental que, hoje, a figura mais expressiva é o senador José Sarney, o mesmo que presidiu o partido do regime militar.

Nenhuma discussão relevante prospera no Parlamento. As grandes questões nacionais, a crise econômica internacional, o papel do Brasil no mundo. Nada. Silêncio absoluto no plenário e nas comissões. A desmoralização do Congresso chegou ao ponto de não podermos sequer confiar nas atas das suas reuniões. Daqui a meio século, um historiador, ao consultar a documentação sobre a sessão do último dia 6, lá não encontrará a altercação entre os senadores José Sarney e Demóstenes Torres. Tudo porque Sarney determinou, sem consultar nenhum dos seus pares, que a expressão "torpe" fosse retirada dos anais. Ou seja, alterou a ata como mudou o seu próprio nome, sem nenhum pudor. Desta forma, naquela Casa, até as atas são falsas.

Para demonstrar o alheamento do Congresso dos temas nacionais, basta recordar as recentes reportagens do Estadão sobre a paralisação das obras da transposição das águas do Rio São Francisco. O Nordeste tem 27 senadores e mais de uma centena de deputados federais. Nenhum deles, antes das reportagens, tinha denunciado o abandono e o desperdício de milhões de reais. Inclusive o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, que representa o Estado de Pernambuco. Guerra, presumo, deve estar preocupado com questões mais importantes. Quais?

Falando em oposição, vale destacar o PSDB. Governou o Brasil por oito anos vencendo por duas vezes a eleição presidencial no primeiro turno. Nas últimas três eleições chegou ao segundo turno. Hoje governa importantes Estados. Porém, o partido inexiste. Inexiste como partido, no sentido moderno. O PSDB é um agrupamento, quase um ajuntamento. Não se sabe o que pensa sobre absolutamente nada. Um ou outro líder emite uma opinião crítica - mas não é secundado pelos companheiros. Bem, chamar de companheiros é um tremendo exagero. Mas, deixando de lado a pequena política, o que interessa é que o partido passou o ano inteiro sem ter uma oposição firme, clara, propositiva sobre os rumos do Brasil. E não pode ser dito que o governo Dilma tenha obtido tal êxito, que não deixou espaço para a ação oposicionista. Muito pelo contrário.

A paralisia do PSDB é de tal ordem que o Conselho Político - que deveria pautar o partido no debate nacional - simplesmente sumiu. Ninguém sabe onde está. Fez uma reunião e ponto final. Morreu. Alguém reclamou? A grande realização da direção nacional foi organizar um seminário sobre economia num hotel cinco estrelas do Rio de Janeiro, algo bem popular, diga-se. E de um dia. Afinal, discutir as alternativas para o nosso país deve ser algo muito cansativo.

Para o Brasil, 2011 é um ano para ser esquecido. Foi marcado pela irrelevância no debate dos grandes temas, pela desmoralização das instituições republicanas e por uma absoluta incapacidade governamental para gerir o presente, pensar e construir o futuro do País.

Quando mito e ciência se encontram - MARCELO GLEISER


FOLHA DE SP - 25/12/11

Muito do que é narrado nas tradições religiosas, como a estrela de Belém, é inspirado por eventos reais


No seu belíssimo "A Adoração dos Magos", o pintor renascentista italiano Giotto di Bondone reproduz a icônica visita dos reis magos à manjedoura onde está o bebê Jesus. Acima, vemos a estrela de Belém, representada como um cometa dourado. Giotto observou o cometa de Halley em 1301, o que influenciou sua obra de 1304.

O que ele não sabia é que o cometa havia aparecido também em 12 a.C.. A conexão que Giotto fez entre o cometa e a famosa estrela foi criticada por muitos, incluindo São Tomás de Aquino. (Quem estiver interessado em visões astronômicas de fim de mundo consulte o meu livro "O Fim da Terra e do Céu"). Cometas não brilham durante o dia, ele argumentou; fora isso, cometas são um mau agouro: "No sétimo dia todas as estrelas, tanto planetas quanto estrelas fixas, cairão dos céus com caudas em fogo, como cometas", escreveu.

A crença de que fenômenos celestes têm significado profético integra inúmeras culturas. Os céus, sendo a morada dos deuses (ou de Deus), espelham as intenções divinas, sejam elas boas ou más.
O grande astrônomo alemão Johannes Kepler, tentando justificar o evento bíblico em termos astronômicos, mostrou que Júpiter e Saturno sofreram três conjunções (estavam perto um do outro) no ano 7 a.C.. Ele imaginou que essas conjunções criassem uma nova, que seria o nascimento de uma estrela. (Hoje sabemos que o fenômeno nova ocorre quando uma estrela do tipo anã branca suga matéria de uma companheira a ponto de acumulá-la sobre sua superfície em altas densidades. O hidrogênio acumulado funde-se em hélio, criando uma nova, que brilha de 20 a cem dias).

Várias tentativas já foram feitas para se associar a estrela de Belém a um evento astronômico, nenhuma ainda conclusiva, se bem que muitas são sugestivas. Isso não tira a importância mítica do evento bíblico, mas mostra que muito do que é narrado nas tradições culturais e religiosas da humanidade é inspirado por eventos reais.

Outro exemplo curioso é o das renas voadoras, cuja origem já foi ligada aos efeitos de um cogumelo alucinógeno (capaz de causar delírios), o Amanita muscaria, que era, e presumivelmente ainda é, consumido em rituais xamânicos na Lapônia e em certas regiões da Sibéria. O cogumelo tem o aspecto que vemos nos contos de fada, vermelho com bolinhas brancas, e aparece frequentemente em lendas de várias culturas europeias. Entre os seus vários apelidos, meu favorito é "ovolo matto" (ovo louco), da região italiana de Trentino.

O etnobotânico Jonathan Ott chegou a especular que as cores do cogumelo inspiraram as da roupa do Papai Noel e que as renas davam a impressão de voar após ingerir o cogumelo e agir de forma descontrolada. Ou talvez os pastores e caçadores da Lapônia viam tais coisas após ingerir o cogumelo.
A cultura popular-religiosa ou não-é um rico repositório de experiências e narrativas, muitas vezes inspirada pelo que as pessoas veem (ou pensam que veem) e sentem (ou pensam que sentem). Se a ciência pode iluminar a origem dessas histórias, isso só adiciona à sua magia. Neste ano, pendurei um Amanita muscaria na árvore de Natal. A estrela, claro, já está no topo.

Turismo no Rio - DANUZA LEÃO


FOLHA DE SP - 25/12/11

E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta


A melhor coisa do mundo é ser turista no Rio. Eles/elas chegam trazendo uma sacola com duas bermudas, cinco camisetas, um biquíni, uma sandália de borracha, um boné, acordam cedo e saem para conhecer a cidade -e que cidade.

Um dia vão a Santa Teresa, o bairro mais charmoso que existe, e andam a pé, vendo casas lindas, descobrindo ruelas sem saída, parando várias vezes para comer um pastel, tomar um caldo de cana ou uma cerveja gelada, e conhecendo botequins e restaurantes que quase nenhum carioca conhece, só eles.

O problema é a escolha: podem caminhar na pista Claudio Coutinho, que faz a volta do morro da Urca, depois aproveitar a viagem e subir ao Pão de Açúcar para ver a vista mais deslumbrante que existe.

É um programa que não passaria pela cabeça de nenhum carioca fazer; eles acham brega, não sabem o que estão perdendo.

E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta, com direito a um banho de cascata para refrescar. E pense: qual a grande cidade que tem a sorte de ter uma floresta de verdade tão perto?

Se estiver de carro, pode voltar pelo outro lado, descer direto na Barra e escolher em que ponto dos muitos quilômetros de praia vai dar um mergulho.

Vai poder também visitar o sítio Burle Marx e se extasiar com as centenas, milhares de plantas tropicais; depois, almoçar em um dos restaurantes das "tias" ali perto, em chão de terra batida, comer um camarão fresquinho, um peixe acabado de pescar, pagando três, quatro, cinco vezes menos do que num restaurante chique. E dar uma volta no Jardim Botânico, lembrando que era o lugar preferido de Tom (Jobim, é claro), e se deixar levar pela memória, pensando nas músicas que o maestro compôs, muitas delas inspiradas por ali.

Mas o Rio tem mais, muito mais.

Um mercado de artesanato: quem não gosta? E não é programa obrigatório, quando se visita um país exótico? Pois aos domingos temos um, maravilhoso: é a feira hippie, na praça General Osório. Lá você compra por dez, 20 reais, as pulseirinhas mais lindas, que estão nas vitrines das butiques por cem, 150, e mais colares e brincos, bolsas que vão fazer furor na volta para casa, calças compridas, blusas, pareôs, tudo bem baratinho, como a gente gosta, ainda com direito a comer um acarajé feito na hora por R$ 6,50 (só os cariocas não vão à feira).

Depois das compras feitas, mais um mergulho para arrematar o dia, e detalhe: a praia é a dois passos.
Como moro no Rio, não costumo seguir esse roteiro, mas no fim de tarde faço como eles: boto um tênis e ando até o Arpoador.

Na volta, paro num quiosque, tomo uma água de coco -R$ 4-, fico vendo o sol se esconder atrás do morro Dois Irmãos, e a cada vez me surpreendo com a beleza. Só vou para casa depois que escurece, mas eles, os turistas, continuam: como se fosse mágica, rola um som, a caipirinha aparece, e a festa continua até de madrugada.

Ah, se eu fosse esperta mesmo, nas próximas férias iria para um hotel na frente do mar, me fantasiaria de turista e aproveitaria melhor a cidade onde tenho o privilégio de morar.


PS - O governo do Rio é muito criativo; como, durante as obras do metrô, algumas ruas serão fechadas ao trânsito -o que vai impedir os moradores de ter acesso às garagens-, manobristas estarão à disposição para cuidar dos carros, não é lindo?

E aproveitando: será que o visual das novas estações do metrô não podia melhorar? A da praça General Osório é monstruosa, e dá medo só de pensar que podem fazer algo parecido na linda praça Nossa Senhora da Paz.

Brasília Urgente! Feliz 2012%! - JOSÉ SIMÃO


FOLHA DE SP - 25/12/11

Os maias marcaram o fim do mundo pra 2012. Com medo de a Argentina ganhar a Copa no Brasil!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Pronto! Peru engolido, missão cumprida! Agora é rumo a 2012! Faltam sete dias pra começar o fim do mundo. Aliás, diz que o Itaquerão vai ficar pronto em 2012. Pra sediar o fim do mundo!

E diz que os maias marcaram o fim do mundo pra 2012. Com medo de a Argentina ganhar a Copa no Brasil! E sabe o que os maias fizeram quando viram a Ana Maria Braga de touca de Papai Noel? Anteciparam o fim do mundo! Rarará!

E um amigo meu comprou um carro modelo 2012. Literalmente o último modelo! Rarará! Eu não acho que o mundo vai acabar. Eu acho que o mundo TEM que acabar.

E adorei a retrospectiva de 2011 do chargista Alecrim: "Caiu outro ministro!". Pronto, só isso.
Retrospectiva 2011: caiu outro ministro. E a derrota do Santos tem um lado positivo: sobraram fogos pro Réveillon da Paulista. Rarará!

E São Paulo já está tão vazia que parece que teve uma explosão nuclear, só ficaram as baratas! Rarará! Feliz 2012! Ou como dizem em Brasília: Feliz 2012%. E tão loucos pra chegar em 2050%. Ops, em 20100%! Socuerro!

É hoje, viu! Tô com a mesma azia do ano passado. E esse maldito peru que não acaba! Cada pedaço que você corta, parece que aumenta! Peru até no café da manhã. Fora aquele tupperware lotado de rabanada que tá na geladeira!

E a ceia de Natal na casa de uma amiga minha: bolo prum lado, brigadeiro pro outro, sanduíches voando e Coca derramando. Zona de turbulência. Tem que apertar os cintos pra passar o Natal na casa dela!

E uma amiga minha fez um Natal diferente neste ano: foi comida pelo peru! Aí saiu a manchete: "Foi comida pelo peru". Rarará! Ai, eu tinha jurado nunca mais fazer trocadilho com peru.

E um amigo meu em vez de peru comeu uma perua da revista "Caras"! Com farofa!

E as simpatias de fim de ano? Pular sete ondas. Se eu pular sete ondas, eu morro afogado. Guardar sete grãos de romã na carteira pra ficar rico. Prefiro guardar sete cartões de crédito!

E eu tenho uma amiga tão insegura que escreveu na calcinha que comprou pro Ano Novo: "Você me ama mesmo ou só quer me comer?". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

De Louis.Brandeis@edu para Peluso@org - ELIO GASPARI


FOLHA DE SP - 25/12/11

Não podemos defender a privacidade de quem avança sobre o patrimônio da coletividade
Caro colega Cezar Peluso,

Eu nunca fui um frasista. Estive na Corte Suprema dos Estados Unidos durante 23 anos, até 1936, e muita gente só se lembra de mim pela frase "a luz do sol é o melhor desinfetante". Fui um devorador de números, mais preocupado com os conceitos do que com o espetáculo.

Minha contribuição acadêmica foi a invenção da moderna doutrina da privacidade, o direito do cidadão de ser deixado em paz. Em 1890, eu condenava a "publicação desautorizada de fotografias de pessoas". O mundo mudou, mas a essência da minha proposição prevaleceu: quem não quer ser celebridade tem o direito de ser deixado em paz.

Eu, o senhor e o ministro Ricardo Lewandowski, bem como os desembargadores dos Tribunais de Justiça, tornamo-nos celebridades porque quisemos.

Nesse litígio com a juíza Eliana Calmon, corregedora do CNJ, o Judiciário foi capturado pelo estilo do noticiário policial. Acusam-na de querer investigar em torno de 200 mil pessoas. A juíza pediu ao órgão competente do Estado que examine, principalmente, as movimentações financeiras anuais superiores a R$ 500 mil nas declarações de renda de magistrados, servidores do Judiciário e parentes próximos.

Ora, essas 200 mil pessoas são a base, assim como 5,7 milhões de declarações de renda são a base sobre a qual trabalha a Receita Federal. As omissões de rendimento que caíram na malha fina foram 320 mil. No caso do CNJ, as movimentações estranhas foram 3.438. Essas, é bom que sejam investigadas.

Achou-se uma movimentação geral de R$ 173 milhões em dinheiro vivo. Desse montante, R$ 60 milhões giraram em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Três cidadãos, em tribunais paulistas e baianos moveram R$ 116,5 milhões num só ano. No TRT do Rio, uma só pessoa rodou US$ 157 milhões. Quando vim para cá, deixei, em dinheiro de hoje, US$ 15 milhões, e lembre-se de que cheguei rico à corte.

Não há invasão de privacidade no exame de documentos oficiais quando o Estado investiga uma invasão do patrimônio da coletividade.

O episódio adquiriu uma nova dimensão quando o nosso colega Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar travando momentaneamente a ação do CNJ.

Diante da informação de que teria recebido cerca de R$ 1 milhão de subsídios legalmente devidos, do tempo em que era desembargador em São Paulo, foi defendido pelo senhor, que teve direito a R$ 700 mil. Esse caso agrupa 17 dos 354 desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo e conheço-o bem, pois conversei com o ex-presidente da corte, Antonio Carlos Viana Santos, que chegou aqui em janeiro. Posso revelar que Lewandowski não recebeu R$ 1 milhão.

Sei que o senhor tem uma relação difícil com a colega Eliana Calmon. Releve. Em 1924, o juiz James McReynolds recusou-se a sentar-se ao meu lado, e a Suprema Corte não fez sua tradicional fotografia oficial do início do ano. Por quê? Porque eu era judeu, "pulga de cão". Nunca falei dele, nem em casa.
Acredito que o senhor está preocupado com a instituição. Sendo o caso, devemos fazer de tudo para preservá-la. Quando Franklin Roosevelt quis mudar a sistemática da composição da corte, dei-lhe um golpe fatal. Ele foi um grande presidente, maior que Jefferson, quase da estatura de Lincoln, mas aliei-me aos Quatro Cavaleiros (do Apocalipse) que travavam suas reformas. Prevalecemos.

Despeço-me, citando um voto meu, de 1924: "O conhecimento é essencial para a compreensão e a compreensão deve anteceder o julgamento". Não creio que se deva impedir o CNJ de conhecer, para compreender e, depois, julgar.

Meus respeitos e feliz 2012.

Louis Brandeis 


MERCADANTE NO GRID

Se Aloizio Mercadante trocar o Ministério da Ciência e da Tecnologia pelo da Educação, deixará a quinta fila do grid de largada da sucessão presidencial, indo para a segunda.

Na primeira, há só dois carros: Lula (se quiser) e Dilma Rousseff.


MODELO CHINÊS

A blogosfera nacional está de tal forma contaminada pela militância repetitiva que talvez seja a hora de algum grupo buscar compensação financeira junto às suas lideranças políticas.

Na China, existe o "Partido dos 50 Centavos". Essa seria a quantia que o governo paga por post a interneteiros profissionais. São centenas de milhares, recrutados e orientados pelo Partido Comunista.
Com 30 posts, o blogueiro ganha o suficiente para comprar um Big Mac.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e acredita ter entendido porque há 11 milhões de pessoas vivendo em moradias irregulares em 323 cidades brasileiras.

Se há alguém morando onde não é permitido, em algum momento, os Poderes Executivo e Judiciário deixaram de fazer o que deviam.

Não mandaram desocupar terrenos que têm donos, ou não fizeram esforço para regularizar a posse de quem comprou uma casa sem a documentação necessária.

Ao saber o tamanho dos auxílios-moradia pagos a desembargadores, o idiota sentiu cair a ficha.

O ministro Ricardo Lewandowski teve direito a esse subsídio, pois foi juiz da corte paulista.

O doutor jamais precisou de auxílio para morar. Sua família é uma bem-sucedida empreendedora imobiliária em São Bernardo.



Papai Noel distribuiu o cartão SUS

Papai Noel mora no Ministério da Saúde. O secretário de Gestão Estratégica e Participativa, Luiz Odorico Monteiro Andrade, mostrou que o Cartão Nacional de Saúde já existe e exibiu o seu. Tem o número 898.0019.2601.1564.

Esse projeto já custou à Viúva algo como R$ 400 milhões e 15 anos de promessas. Quando o comissário Alexandre Padilha assumiu o ministério, prometeu desatar o nó e avisou que não faria negócios sem licitação. No meio do caminho, amparou um contrato da Fiocruz, fechado sem licitação, no valor de R$ 365 milhões. Como tinha cheiro de Dnit, foi cancelado.

Para que o Cartão SUS funcione é preciso que exista uma rede de software interligando os computadores dos hospitais e os postos de atendimento.

Quando isso acontecer, a ficha médica e as despesas hospitalares de 190 milhões de brasileiros estarão num banco de dados. Agiliza-se o processo, mede-se a eficiência das unidades e dificulta-se a roubalheira.

Com o cancelamento do contrato dos portugueses (para glória da tradição da Fiocruz), voltou tudo à estaca zero. Há o serviço do Datasus, mas ele não gera negócios.

E o cartão do doutor Odorico? Coisa de Papai Noel. Foi uma simulação. O número 898.0019.2601.1564 pertence à cidadã Bruna Ewylien Santos Moura, que mora em Aracaju, onde existe, desde 2000, um bem-sucedido projeto do Cartão SUS. Odorico tem um cartão, mas o dele não é uma realização do comissariado. Foi produzido em 2002, durante o tucanato.

A arte como um não fazer - FERREIRA GULLAR


FOLHA DE SP - 25/12/11

O artista conceitual, se usa objetos, usa-os pelo que significam em sua relação com o espaço social

Os adeptos da arte conceitual, em geral, consideram-me um inimigo irredutível desse tipo de expressão, o que não é inteiramente verdade.

Ou pelo menos, não adoto uma atitude meramente negativa; antes, procuro entender o que ocorreu, o que gerou esse tipo de manifestação. E esse pode ser o caminho, se não para aceitá-la, pelo menos para compreendê-la e situá-la.

E nisso espero que o leitor me acompanhe porque, se não me engano, a maioria, como eu, questiona esse tipo de arte.

O que se chama de arte conceitual eliminou a pintura. Eliminou também a escultura, mas, como lida com objetos, tem alguma coisa de escultura em suas instalações.

Mas só aparentemente, porque o escultor, seja ele figurativo ou abstrato, valha-se ele do volume ou da placa, trabalha sobre a superfície e o espaço, buscando transfigurá-los.

Já o artista conceitual não; se usa objetos -cadeiras e mesas, manequins de gesso ou o que for- usa-os pelo que significam em sua relação com o espaço social; enfim, pelo que significam como coisas do nosso dia a dia. Valem-se dessa situação normal para violentá-la e chocar o espectador. Um exemplo é quando põem cadeiras e mesas, uma sobre as outras, num equilíbrio instável, criando uma relação inesperada entre esses objetos e o espectador.

Esse tipo de expressão tem origem no dadaísmo, que, por sua vez, inspirou-se, de um lado nas colagens cubistas: envelopes de cartas e recortes de jornal -elementos "ready-made"- colados na tela, e de outro, na frase de Lautréamont: "O encontro fortuito de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de necrotério".

É que o objeto comum, posto em situação inusitada, revela a expressão de sua forma, até então oculta pelo hábito.

Isso se aplica perfeitamente ao urinol que Duchamp enviou para a Exposição dos Independentes, em 1917, uma vez que, posto na situação de obra de arte, o objeto perde a funcionalidade para revelar-se como pura forma. Neste caso, ao escolher um urinol, e não outro objeto, Duchamp manifesta seu desprezo pelo que se considerava arte, uma atitude bem dadaísta.

Mas há outro componente implícito no nascimento desse primeiro "ready-made", já mencionado por mim aqui, e que foi a sua visita a uma exposição de indústria naval, em Paris, quando se deparou com uma enorme hélice de navio, que lhe pareceu uma escultura.

Era uma obra de arte criada pela indústria sem o propósito de criar arte -um "ready-made". Esse fato compõe o quadro histórico em que se dá grande mudança dos valores artísticos no começo do século 20: trata-se de uma época em que a produção industrial toma conta da sociedade. Isso, de certo modo, agrava a crise da pintura, que é essencialmente não industrial, artesanal.

Mas nem todos os artistas daquela época viam as coisas do mesmo modo que Duchamp. Mesmo um dadaísta como Hans Arp, ainda que tendo abandonado a linguagem usual da pintura e da escultura, manteve-se fiel à essência delas, criando obras não obstante inovadoras. A verdade é que as artes artesanais se mantiveram e se mantêm até hoje.

O próprio Duchamp, como já observei anteriormente, não abriu mão da realização artesanal, quando realiza, entre 1915 e 1923, "O Grande Vidro" e, depois, dedica os últimos 20 anos de sua vida à realização de "Étant Donné".

Outro artista desse mesmo grupo que se mantém durante alguns anos realizando obras artesanais é Kurt Schwitters, com suas colagens a que deu o nome de arte Merz.

Mais tarde, inventou o "Merzbau", uma antecipação das atuais instalações, ainda que essencialmente diferente, uma vez que se trata de uma obra sem fim, feita ao sabor do acaso: saía para trabalhar e, se encontrava alguma coisa que a seu ver cabia na obra, a trazia para casa e a inseria nela.

Como uma espécie de árvore, o "Merzbau" crescia a cada novo achado, a ponto de ter invadido o andar de cima da casa. Como teve que deixar a Alemanha, perseguido pelos nazistas, retomou a realização do "Merzbau" em Londres e nele trabalhou até morrer.

Como se vê, trata-se de uma experiência muito distinta das instalações feitas atualmente, que, como o próprio nome indica, pretendem emitir conceitos, a exemplo da arte engajada que sobrepõe a mensagem à elaboração estética.

Varapaus dos campos carecas - SÉRGIO AUGUSTO


O ESTADÃO - 25/12/11

Ante os passes errados, faltas a granel e cruzamentos patéticos do nosso atual futebol, fica a pergunta: que esporte é esse?



Sete meses atrás, emendei a vitória do Barcelona sobre o Manchester United na Liga dos Campeões com um jogo do Campeonato Brasileiro. Fui de Wembley ao Engenhão. Choque cultural é pouco. Os jogadores nem haviam entrado em campo e já estávamos perdendo; e não me refiro ao meu time, que afinal ganhou a partida, mas ao estado do gramado: careca, cheio de buracos e implantes de areia. É assim a maioria dos campos de futebol do Brasil, que ainda mais medonhos ficam se imediatamente expostos a uma comparação com o de qualquer estádio europeu de primeira e segunda linha.

Com a bola rolando, a derrota ampliou-se. Passes errados de tudo quanto é distância, chutes descalibrados, faltas a granel, jogadas bisonhas, cruzamentos patéticos para varapaus obsoletos. Que esporte é esse?, perguntei-me, perplexo. Se era futebol aquilo que eu acabara de ver na ESPN, o que estava vendo no SporTV - e outras vezes vira e continuaria vendo - precisava ser rebatizado. Pensando bem, aquela cancha estava à altura do insípido esporte que nela botinavam o Botafogo e seu adversário, justo o Santos, que há cinco décadas dividia com o alvinegro carioca o galardão de melhor time de futebol do melhor futebol do mundo.

Acabou-se o que era doce. E não foi no domingo passado não. Aquele olé catalão na arena de Yokohama foi apenas a última faena de uma corrida iniciada faz tempo. Quando? Antes da última Copa do Mundo, que apenas sacramentou a atual superioridade do futebol europeu, mais especificamente do espanhol. Bem antes, portanto, da desclassificação do Internacional pelo congolês Mazembe, no Mundial de Clubes de 2010, e da medíocre temporada da seleção brasileira sob o comando de Mano Menezes, que ainda não conseguiu extirpar todos os vícios da Era Dunga e nos assegurou um sexto lugar (sexto lugar!) no ranking da Fifa.

Estagnamos técnica, tática e filosoficamente. Como na educação, descuidamos do ensino fundamental, do estudo nas escolinhas de base, da formação de jogadores que conheçam bem os fundamentos do futebol e não cresçam semialfabetizados com a bola nos pés e na cabeça, sem uma visão coletiva do que, afinal, se chama football association. A crítica vale para toda a América do Sul. São erros acumulados que, como os problemas econômicos que em parte os determinaram, não se superam de uma hora para outra. A próxima Copa do Mundo já é daqui a dois anos. O Brasil corre o risco de ser o primeiro campeão mundial a perder as duas copas que disputou em casa. Já foi o primeiro a perder um ministro do Esporte por corrupção, durante os preparativos para hospedar um Mundial.

Se ainda vivo e à sombra das chuteiras imortais, Nelson Rodrigues teria escrito que o Santos levou do Barcelona "um banho de Paulina Bonaparte", e que os gandulas de Wembley pegaram mais na bola que os jogadores santistas. Mas não há como saber se o seu "patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo" o deixaria enxergar o óbvio: que não mais se trata de um confronto entre a "saúde de vaca premiada" e a "velocidade burríssima" dos jogadores europeus e a "morosidade inteligentíssima" dos brasileiros, Fla-Flu retórico dos anos 60, soberbamente superado pela seleção que levantou o caneco em 1970.

No Mundial do México fizemos a maior diferença porque, além de bem preparados fisicamente, ousamos desde a primeira convocação, sem as hesitações que liquidaram nosso time na Copa da Inglaterra, e escalando os melhores até fora de suas habituais posições - Piazza de zagueiro, Rivellino na ponta esquerda, Tostão enfiando-se pelo meio da área -, e adotando o "sistema Dumas": um por todos, todos por um. Mais "association", impossível. E, como havia alguns gênios no time para aumentar a diferença, fizemos a mais fulgurante campanha de um país numa Copa do Mundo.

O que se viu no México foi a culminância de uma revolução a rigor iniciada pelo húngaro Béla Guttman, no início dos anos 50, só ultrapassada pelo "futebol total" que Rinus Michels impôs ao futebol holandês do início da década de 70. Fala-se muito no 16 de julho de 1950, quando perdemos a Jules Rimet para os uruguaios, mas não sei o que é pior, se perder para um time inferior, jogando em casa, ou levar um baile de técnica, tática, disposição e o escambau, como aconteceu com o que sobrara do dream team de Zagalo no dia 3 de julho de 1974, quando a Laranja Mecânica regida por Cruyff nos tirou o tetra em Dortmund.

"Muito tico-tico no fubá", desdenhou Zagallo sobre o alucinante toque de bola dos holandeses, antes da Copa. Tico-tico, sim. Mas o fubá era verde e amarelo.

Depois, como se sabe, Michels levou o futebol tico-tico para o Barcelona, por onde, aliás, passariam duas gerações de craques holandeses. E é por aí que podemos começar a decifrar o enigma da acachapante superioridade do futebol catalão. Ora, direis, fazendo vosso um raciocínio bem rodrigueano, que a Holanda não venceu sequer sua melhor Copa, ao passo que o Brasil, para todo sempre liberto de seu complexo de vira-lata, emplacaria mais dois Mundiais. Ambos, medíocres, diga-se.

Mas o fato é que ganhamos, somos pentacampeões, produzimos e exportamos craques em profusão, como exportávamos ouro e pedras preciosas, e substituímos o complexo de vira-lata pelo que Francisco Bosco muito apropriadamente batizou de "complexo de dálmata", tão ou mais danoso que o outro na medida em que o narcisismo de que se nutre pode nos dar a ilusão de que o futebol jogado pelo Barcelona tem o mesmo pedigree do que jogamos na Copa de 1982. Para encurtar a discussão: quem é o Serginho Chulapa do Barcelona?

Mesmo sem ter visto o Honved de Puskas, o Real Madrid de Di Stéfano, o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha, Bosco afirma, intrepidamente, que nada se compara ao Barcelona. Eu, que vi todos os citados (os dois primeiros só em imagens), assino embaixo desse juízo e desta explicação: "Os times do passado jogavam o mesmo futebol dos adversários, só que melhor. Esse time do Barcelona não joga o mesmo futebol que os adversários; joga um futebol inédito". Sorte nossa que Mano Menezes também tenha percebido isso.

(E)terno Natal - JOSUÉ GOMES DA SILVA


FOLHA DE SP - 25/12/11
Todos os anos, às vésperas do Natal e no seu transcurso, mudamos de comportamento, ficamos mais tolerantes e afáveis. Surge um clima de harmonia e paz. Nessa época, todos ficamos mais generosos. Tal comportamento é excelente e emblemático, pois demonstra que temos capacidade e potencial para a fraternidade, a ética e a boa educação.

Pena que esses sentimentos não perdurem por todos os outros meses do ano. Passadas as festas, não é incomum atos de egoísmo, a falta de civismo e o desrespeito ao próximo, em casa, no trabalho e nos espaços públicos.

Tornam-se outra vez indisfarçáveis o individualismo, a intolerância, a insensatez no trânsito, a prepotência, a incapacidade de ouvir, o excesso de nervosismo, o preconceito, a má vontade em ponderar e outros maus costumes.

Assim, a cada Natal, é importante refletir sobre o verdadeiro significado dessa data tão expressiva para a humanidade. A comemoração do nascimento de Jesus Cristo traz mensagem universal e se aplica a todas as crenças. Afinal, ninguém com o mínimo de bom-senso poderia discordar de que o mundo seria muito melhor se fossem prevalentes o amor ao próximo, os princípios do perdão, o respeito às diferenças, a boa vontade e a consciência de que dependemos uns dos outros.

Essas considerações valem para o cotidiano da convivência familiar, profissional e social e também para o intercâmbio entre os povos. Especialistas indicam que a alternativa capaz de pôr fim às crises intermitentes, e cada vez mais graves no mundo atual, será a ajuda mútua das nações. Estaríamos, numa visão otimista, migrando para uma nova fase do capitalismo, na qual os países atuariam de modo cooperativo para garantir o crescimento sustentado, a solidez e a dinâmica dos mercados.

Entretanto o florescer dessa era verdadeiramente revolucionária depende da preponderância dos ideais de solidariedade e desprendimento. A nova realidade será impossível sem que se superem os fanatismos, as vaidades, os ódios seculares, a cobiça, a inveja. Ou seja, ninguém é melhor ou tem mais direitos do que os outros e nenhum país é mais dono da Terra do que todos os demais.

Somos habitantes da mesma aldeia que, embora global, nos pertence e oferece oportunidades de viver e prosperar. Mas precisamos ser realmente iguais perante as leis divinas e as dos homens, acreditar e praticar a fraternidade.

Não basta, portanto, a bondade individual efêmera e as tréguas passageiras das datas comemorativas. A humanidade precisa de um definitivo sentimento natalino, ancorado num ecumenismo sincero e multilateral, para conquistar sua redenção de prosperidade e paz.
Feliz Natal!

GOSTOSA


Messias no plural - GUSTAVO PATU


FOLHA DE SP - 25/12/11

BRASÍLIA - "Vocês não precisam seguir ninguém. Vocês têm de pensar por conta própria. Vocês todos são indivíduos!", grita o homem, da janela. "Sim, somos todos indivíduos!", diz em uníssono a multidão aglomerada em frente à casa. "Vocês todos são diferentes!", insiste ele. "Sim, somos todos diferentes!", responde a turba, em êxtase.

Trata-se de "A Vida de Brian", clássico filme satírico do grupo inglês Monty Python, em que o personagem-título, nascido no mesmo dia e a poucos metros de Jesus, acaba involuntariamente tomado por líder espiritual e realizador de milagres.

Para efeito cômico, um blog do "New York Times" postou a cena logo abaixo de outro vídeo, recente, em que o consagrado economista Joseph Stiglitz, crítico da ortodoxia neoliberal, fala ao movimento "Ocupe Wall Street". Os manifestantes reproduzem em coro as palavras do orador para que mais pessoas na rua possam escutar o discurso, expediente batizado de microfone humano.

O paralelo entre devoção religiosa e ativismo político é recorrente, ainda mais nos casos extremos ou caricaturais de uma e de outro. O próprio Brian, tão racional e libertário ao repelir seguidores, adere com fervor e sem reflexão a uma tal Frente Popular da Judeia, que prega o ódio ao imperialismo romano e, principalmente, à rival Frente do Povo da Judeia.

Aqui e agora, novas mídias e tecnologias facilitam tanto a afirmação individual e a difusão de ideias como a organização de rebanhos em redes sociais, sites pessoais interconectados, correntes no Twitter. Facções agressivas multiplicam ao infinito versões e argumentos verdadeiros e falsos. Candidatos a mentores fomentam o maniqueísmo para inflamar ânimos e afastar hesitações.

De volta ao filme, no célebre Sermão da Montanha, os presentes mais distantes mal conseguem ouvir o que é dito. Entediada, a nada santa mãe de Brian quer prazer mais imediato: "Vamos a um apedrejamento".

Os últimos dias - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 25/12/11
Não sei se esta é uma boa hora para falar nisso, mas se a previsão de que o mundo vai acabar em 2012 estiver correta, este é o último Natal das nossas vidas. E o próximo réveillon tem a obrigação de ser uma festa para acabar com todas as festas, pois depois não haverá remorsos nem recriminações – depois não haverá mais nada. Você está livre para fazer, na Festa do Último Fim de Ano, tudo que sempre pensou em fazer mas foi detido pela moral, os bons costumes, o código civil e seu instinto de preservação. Pode entrar na festa nu e sair caramelado. Pode derrubar o cantor da banda e tomar seu lugar pelo resto da noite, como sempre sonhou, rechaçando aos pontapés todas as tentativas de tirá-lo do palco. Pode dizer o que pensa de todas as pessoas que não gosta e declarar sua paixão para todos os seus amores secretos, sem temer o revide ou o desdém. Pode fazer tudo isto sem pensar na sua reputação, pois se a previsão estiver certa ninguém mais vai ter uma reputação.

Deve-se pensar em algumas medidas práticas a serem tomadas na iminência do fim do mundo. Começar a comprar tudo com cheques pré-datados ou a crédito, por exemplo. Usar ao máximo os cartões de crédito, inclusive nas viagens para o exterior que se fará às pressas. E a crédito. Conhecer o maior número de lugares que ainda não se conhece no mundo, numa espécie de tour de despedida. Fazer a Copa do Mundo de 2014 em seguida, sem esperar 2014. Encurtar o carnaval deste ano para poder fazer, adiantados, os de 2013, 2014 e 2015. Aproveitar todos os pores de Sol possíveis, pois eles também serão os últimos. E isto é o mais difícil: passar a só dizer coisas definitivas. A proximidade do fim certamente aguçará nossos sentidos e nos tornará mais graves e filosóficos. Ou então, o contrário. Só dizer bobagens. Entregar-se à besteira e ir para o fim às gargalhadas. Pois se tudo vai acabar mesmo, se a morte do nosso planeta será apenas um pontinho ridículo pipocando na escuridão cósmica, pra que fingir que algo de tudo isto era sério?

E o fim nos trará algumas vantagens. Tornará coisas como caderninhos com datas de aniversário, horóscopos e índices de colesterol sem sentido. Todos os tipos de restrições alimentares serão risíveis, poderemos comer de tudo que nos faz mal como se não houvesse amanhã – porque não haverá mesmo. Está bem, não veremos o fim das novelas, mas não será tão ruim assim. Bom Natal para todos.

CLAUDIO HUMBERTO

“O que está realmente em jogo é a sobrevivência do CNJ”

Ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, e o esvaziamento do CNJ

POLICIAIS DO DF DEVASSAM A VIDA DO GOVERNADOR

A Polícia Civil do DF investiga, em caráter reservado, onze integrantes da corporação, entre delegados e agentes, que criaram uma “força-tarefa informal” para investigar o governador Agnelo Queiroz e seus familiares. Já foram identificados os policiais, que seriam ligados a adversários políticos do governador, mas seus nomes são mantidos sob sigilo para que as investigações não sejam prejudicadas.

SUSPEITA Nº 1

A “força-tarefa informal” da Polícia Civil do DF é suspeita inclusive de quebrar ilegalmente o sigilo fiscal da família do governador do DF.

POLÍCIA CAIXA-2

Durante a recente greve, com a Polícia Civil esvaziada, a Inteligência descobriu que policiais faziam investigações “não contabilizadas”.

PESO DA EXPERIÊNCIA

A Polícia Civil não descarta o envolvimento de ex-policiais na “força-tarefa informal” que devassa a vida do governador e familiares.

A MELHOR DO PAÍS

Bem paga e bem treinada, a Polícia Civil do DF também tem recursos mais modernos que a Polícia Federal, inclusive na área de inteligência.

MAIA SE JACTA DE ‘DAR TRABALHO’ A DILMA EM 2011

Acusado até pelos aliados de não estar à altura do cargo, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (RS), tem destacado em conversas reservadas que seu petismo não é assim tão arraigado. Com orgulho, ele enumera derrotas do governo para ilustrar que em sua gestão os deputados federais deram “muito trabalho” a Dilma, ao contrário do governo Lula, quando era o Senado que deixava o presidente insone.

BATENDO O PÉ

No primeiro semestre, Marco Maia chegou a recusar convites para solenidades no Planalto só para sinalizar sua “insatisfação”.

FIM DA BIRRA

Os sinais de insatisfação de Marco Maia nem foram percebidos por Dilma, e o presidente da Câmara retomou o caminho para o Planalto.

BRINCADEIRA

No jantar de quarta, Dilma disse que a cada viagem ao exterior Marco Maia quer saber se o vice também vai. Adora ser presidente interino.

BUFUNFA

A mansão da ex-gravadora de Flávio Maluf, filho do próprio, e do publicitário Duda Mendonça, será a sede da campanha de Gabriel Chalita (PMDB) à prefeitura. Só de luvas teria pago R$ 1 milhão.

NINJA PERNAMBUCANO

Está ficando monótono o pernambucano Eduardo Campos (PSB) ser o Governador do Ano. Enquanto ele trabalha como um ninja, como dizem seus secretários com expediente dobrado, os outros fazem espuma. 

BOLSA BILIONÁRIA

Em 2011, o governo Dilma gastou R$ 14,1 bilhões no Bolsa Família. Os Estados que mais receberam foram Pernambuco, Maranhão, São Paulo Paulo, Bahia, Minas e Ceará. Mais de R$ 1 bilhão para cada.

CONSULTA

Relator do projeto do Código Florestal na Câmara, Paulo Piau (PMDB-MG) enviou o texto do Senado aos governadores e ao Centro de Monitoramento da Embrapa, em Campinas, para avaliar os impactos. 

SEM JUSTIFICATIVA

Quatro deputados faltaram, sem justificativas, 100% das sessões de comissões que integram: os mineiros Lincoln Portela (PR) e Rogrigo Castro (PSDB), Pedro Novais (MA) e Leonardo Picciani (RJ) do PMDB.

OS FALTOSOS

Em média, 15% dos deputados federais faltaram ao trabalho na Câmara, em 2011. Eduardo Gomes (TO) e Zenaldo Coutinho (PA) foram os tucanos que mais faltaram.

A FAXINA DE DILMA

A Presidência da República promoverá uma limpeza geral em suas dependências em 2012, com detergente, sabão, água sanitária etc. Reservou R$ 514,5 mil para renovar o estoque da copa e cozinha.

RIFA PARAIBANA

Rei Lear, drama de Shakespeare, é fichinha. O senador Vital do Rego Filho (PMDB-PB) e o irmão Vezeziano, prefeito de Campina Grande, “rifaram” a própria mãe, deputada Nilda Gondim (PMDBP-B), obrigada a se licenciar por quatro meses, para atender arranjos políticos deles.

TIRIRICA NOEL

O deputado Tiririca (PR-SP) deu uma de Papai Noel e doou R$ 1.500 para caixinha dos funcionários do edifício onde mora, em Brasília. 

PODER SEM PUDOR

OLHOS NOS OLHOS

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) jamais perde uma boa piada. Ele ouvia o então ministro da Defesa Waldir Pires (Defesa) se meter onde não é chamado, reclamando do projeto de Tasso Jereissati que previa a videoconferência na Justiça. Para Waldir, o projeto “impede que o magistrado interrogue o acusado ‘olhos nos olhos’”. Demóstenes observou na bucha, lembrando a conhecida canção:

– Baiano, o ministro Waldir com certeza prefere uma lei Maria Bethânia