domingo, novembro 24, 2013

De onde vem a nossa dor - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 24/11

A dor nas costas vem das costas, a dor de estômago vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de onde?

Ela vem da história que você meio que viveu, meio que criou – é sabido que contamos para nós mesmos uma narrativa que nem sempre bate com os fatos. Nossa memória da infância está repleta de fantasias e leituras distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que decidimos oficializar e passar adiante, e dela resultam muitas de nossas fraturas emocionais.

Nossa dor existencial vem também do quanto levamos a sério o que dizem os outros, o que fazem os outros e o que pensam os outros – uma insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam os outros? Pensamos no lugar deles e sofremos por esse pensamento imaginado. Nossa dor existencial vem dessa transferência descabida.

Nossa dor existencial, além disso, vem de modelos projetados como ideais, a saber: é melhor ser vegetariano do que comer carne, fazer faculdade de medicina do que hotelaria, namorar do que ficar sozinho, ter filhos do que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna entre quem você é e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de confundi-lo: existe mesmo uma lógica nas escolhas?

Como se não bastasse, nossa dor existencial vem do que não é escolha, mas destino: quem é muito baixinho, ou tem cabelo muito crespo, ou é pobre de amargar, ou tem dificuldade de perder peso vai transformar isso em uma pergunta irrespondível – por que eu? – e a falta de resposta será uma cruz a ser carregada.

Nossa dor existencial vem da quantidade de nãos que recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas isso, uma proposta negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos, uma conscientização das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de virarem traumas ou convites à desistência.

Nossa dor existencial vem do bebê bem tratado que fomos, nada nos faltava, éramos amamentados, tínhamos as fraldas trocadas, ninavam nosso sono, até que um dia crescemos e o mundo nos comunicou: agora se vire, meu bem. Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por acaso deixou totalmente de ser criança?

Nossa dor existencial vem da incompreensão dos absurdos, da nossa revolta pelos menos favorecidos, da inveja pelos mais favorecidos, da raiva por não atenderem nossos chamados, por cada amanhecer cheio de promessas, pela precariedade das nossas melhores intenções e pela invisibilidade que nos outorgamos: por que nunca ninguém nos enxerga como realmente somos?

Dor de dente vem do dente, dor no joelho vem do joelho, dor nas juntas vem das juntas. Nossa dor existencial vem da existência, que nenhum plano de saúde cobre, de tão difícil que é encontrar seu foco e sua cura.

Plim plim - FÁBIO PORCHAT

O ESTADÃO - 24/11

Eu tenho viajado muito de avião nos últimos anos fazendo shows pelo Brasil. Mas só semana passada percebi que as aeronaves estão que nem camisetas de futebol. Anúncio em todo canto. Onde houver um espacinho livre, merchan! No paninho do encosto pra cabeça, na adesivagem das mesinhas, colado nas janelas...

Até aí, tudo bem. É uma poluição visual, mas é mais um jeito de ganhar dinheiro. Que aliás é uma dúvida que eu tenho: de onde vem tanto prejuízo das companhias aéreas? Todo ano eu leio que elas estão endividadas até a alma e que o semestre fechou no negativo. Só que as passagens estão cada vez mais caras, o número de passageiros aumentou, já não servem mais comida de graça nos voos, o ar condicionado só é ligado quando a porta fecha para economizar gasolina e, agora, uma hora de voo parece uma hora de um intervalo da novela das oito... Eles tão ganhando mais dinheiro e perdendo cada vez mais?

Bom, de qualquer forma, não vou me meter onde não entendo. O preço da gasolina deve estar uma loucura, a taxa do aeroporto deve estar tão inflacionada quanto um imóvel no Rio de Janeiro e a manutenção das naves deve estar saindo pela hora da morte.

Enfim, a mais nova moda agora são as televisõezinhas que passam conteúdo para o viajante. Eba, que legal! Quando você embarca, a primeira coisa que te oferecem é bala e, depois, um fone de ouvido. Maravilha, apesar de a imagem ficar passando a viagem toda, vê quem quer e, afinal de contas, é uma distração. Mais ou menos.

Na TAM, você é obrigado a ouvir, propagado em alto e bom som, o que está passando na TV, inclusive depois que já levantou voo. E metade daquilo que você está vendo é o quê? Anúncio!

Se você quer ler, não consegue, se quer dormir não pode. Eu me sinto o personagem do Laranja Mecânica forçado a ver as imagens. Sempre peço pra diminuírem o som, mas os comissários dizem que não podem fazer nada. Como ler um livro ao som de "pergunta no Posto Ipiranga"?

Ninguém quer assistir às propagandas na TV ou na internet, então por que raios eu ia querer ver no avião? Vê quem quer. Não tem o fone? Isso é mais um desrespeito com o cliente. A empresa quer ganhar mais e não está nem aí para o conforto do passageiro. E agora os comissários de bordo fazem

propaganda pelo sistema de som! Anunciam promoções da empresa e parcerias vantajosas pra você que quer aproveitar ainda mais. Quer dizer, você se sente no programa da Sônia Abraão quando aparece o japonês vendendo cogumelo do sol.

Tô vendo a hora em que no meio da viagem uma aeromoça vai passar vendendo jornal, outra entregando folheto de empreendimento imobiliário, enquanto um comissário agita uma bandeira e o piloto aparece no corredor falando: "Desculpe interromper a viagem dos senhores. Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas estou vendendo gado Nelore".

Abduções por extraterrestres - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 24/11

Poucos sabem, mas o primeiro caso que ganhou notoriedade internacional ocorreu no Brasil, em 1957


Talvez poucos leitores saibam que o primeiro caso de abdução por seres extraterrestres que ganhou notoriedade internacional tenha ocorrido no Brasil, em 1957. É a história de Antônio Villas Boas, um fazendeiro do oeste de Minas que conta que, na noite de 16 de outubro, enquanto arava o campo, foi sequestrado contra a sua vontade por ETs medindo em torno de 1,5 metro.

A história tem três pontos interessantes: 1) ocorreu antes do famoso caso americano da abdução de Betty e Barney Hill, em 1961; 2) Antônio teve relações sexuais com uma atraente fêmea de cabelos brancos, pelos púbicos vermelhos e olhos azuis no formato dos de um gato, que o seduziu para se reproduzir com um terrestre; 3) Antônio exibiu queimaduras que, ao serem examinadas por um médico, mostraram-se clinicamente semelhantes às provocadas por materiais radioativos.

O que levou muitos, especialmente no exterior, a acreditar na história é que consideravam improvável que um "humilde" fazendeiro fosse capaz de elaborar uma narrativa tão complexa. Na verdade, Antônio não era assim tão humilde: além de a sua família possuir muitas terras, formou-se em advocacia, que praticou até sua morte em 1992.

A maioria dos cientistas nega que abduções sejam relatos reais, considerando-as, quando não pura invenção, produto de estados psicológicos anormais, causados por tendências a fantasiar, estados auto-hipnóticos, síndrome de falsa memória, paralisia durante o sono ou algum tipo de psicopatologia.

O pesquisador americano Peter Rogerson questionou a veracidade do relato de Villas Boas, argumentando que um artigo sobre abduções havia sido publicado na popular revista "O Cruzeiro" em novembro de 1957; segundo ele, a história de Villas Boas começou a ganhar impulso apenas no início de 1958. Fora isso, argumentou que Villas Boas havia sido influenciado pelas narrativas sensacionalistas do ufólogo George Adamski, populares nos anos 50. Infelizmente, Adamski foi desmascarado como um farsante.

A maioria das narrativas de abdução tem elementos em comum com a de Villas Boas: sequestro para uma nave alienígena, exames médicos sobre reprodução ou de natureza sexual, marcas misteriosas deixadas no corpo. Existem mitologias datando de milhares de anos, por exemplo, na Suméria, em torno de 2400 a.C., na qual um demônio em forma masculina (incubo) ou feminina (súcubo) seduz um humano durante o sono. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino escreveram sobre demônios que seduzem humanos. Exemplos semelhantes ocorrem no folclore de várias partes do mundo.

A estrela mais próxima da Terra está a aproximadamente 4 anos-luz daqui. Nossa espaçonave mais rápida demoraria uns 100 mil anos para chegar lá. Se ETs vieram aqui, teriam que ter tecnologias para fazer viagens interestelares e não serem detectados, visto que relatos de abdução atingem os milhares.

Os ETs parecem ter sérias dificuldade de entender nosso sistema reprodutor, dada a sua insistência nos mesmo experimentos. O paleontólogo J. William Schopf escreveu que "asserções extraordinárias necessitam de provas extraordinárias". No caso das abduções, explicações mais ordinárias dominam a ausência de provas extraordinárias.

Piadas de salão - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 24/11

Dirceu e Genoino se dizem presos políticos; para isso, seria preciso que o atual governo fosse uma ditadura


E agora, como ficam Lula e seu partido? O processo do mensalão chegou ao final, com a condenação dos responsáveis pela falcatrua levada a cabo por destacados membros do governo Lula e do PT: José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil da Presidência; José Genoino, então presidente do Partido dos Trabalhadores; Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, e João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados.

Isso sem falar em Marcos Valério, operador do sistema, e um alto funcionário do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, que entregou R$ 73 milhões ao PT para a compra de deputados. A pergunta é como ficam Lula, seu partido e o governo petista agora, diante da nação.

Vou referir-me aqui a determinados fatos, de que o leitor talvez não se lembre, mas o ajudarão a entender como nasceu o mensalão. Os fatos são estes: quando Lula foi eleito presidente da República, José Dirceu disse-lhe que o PMDB estava disposto a apoiar seu governo, mas Lula não quis.

Sabem por quê? Porque o PMDB, com o peso que tinha no Congresso, iria exigir dele ministérios e a direção de empresas estatais. Preferia aliar-se a partidos pequenos que, em lugar de altos cargos, se contentariam como muito menos. E assim foi: em vez de ministérios ou empresas estatais, deu-lhes dinheiro. Falando claro, comprou-os com dinheiro público.

Não tenho dúvidas de que Lula não sujou suas mãos nessa tarefa. Encarregou disso, conforme ficou evidente na apuração processual, seu ministro José Dirceu, que, como disse o procurador-geral da República na época, era o chefe da quadrilha. E dela faziam parte, entre outros, além de Marcos Valério e do presidente do PT na época, José Genoino, o diretor da marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, companheiro de partido.

A compra de deputados veio a público porque o então presidente do PTB, Roberto Jefferson, negou-se a aceitar dinheiro em troca do apoio ao governo: queria a direção de Furnas, mas José Dirceu disse não. Esse conflito entre os dois chegou a tal ponto que ele foi à imprensa e denunciou o que o governo fazia para ter apoio dos partidos de sua base parlamentar: comprava-os. Era o mensalão que vinha à tona.

Lula, pego de surpresa, declarou: "Fui traído". Ou seja, admitiu que a denúncia era verdadeira, mas ele ignorava a falcatrua. Isso ele disse naquela hora, para se safar, porque, pouco depois, refeito do susto, passou a afirmar que era tudo mentira, nunca houve mensalão nenhum. Sucede que, durante sete anos, a Justiça, por meio do exame de documentos, interrogatório e testemunhos, apurou o que realmente aconteceu e definiu o papel de cada um nesse grave crime.

O escândalo, ao eclodir, quase acaba com o PT e o governo Lula. Os membros efetivamente comprometidos com a ética deixaram o partido, e Lula, ao que tudo indica, chamou os executores do mensalão e os fez se deixarem acusar sem contar a verdade. Delúbio assumiu sozinho a culpa por tudo, disse que Lula não sabia de nada. Isso, mesmo estando todos os domingos com ele, na Granja do Torto, fazendo churrasco.

A verdade é que, embora eles pensassem que tudo ia acabar como piada de salão, não foi isso que aconteceu. Rompendo com a tradição de impunidade, que sempre favoreceu aos poderosos, o Supremo Tribunal Federal, num julgamento que foi realizado à vista da nação inteira, decidiu pela condenação e prisão de todos os que comprovadamente participaram da operação criminosa, cujo objetivo era dar apoio político ao presidente Lula.

Em consequência dessa decisão, José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, entre outros, irão pagar na cadeia pelo crime que cometeram.

Condenados pela Suprema Corte da Justiça, num julgamento em que todos os ministros manifestaram suas opiniões e votaram conforme sua consciência, não tem cabimento dizer que se trata de um julgamento político. Não obstante, Dirceu e Genoino se fazem de vítima e se dizem "presos políticos". Para isso, seria preciso que o atual governo fosse uma ditadura e que Dilma é que tivesse mandado prendê-los. Isso, sim, é piada de salão.

Soube que, ao sair a ordem de prisão, Lula telefonou para Dirceu e Genoino e lhes disse: "Estamos juntos!". Só que os dois estão em cana e ele, solto. Outra piada.

Bem na foto - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 24/11

Qual o problema em remexer lembranças, dizia meu amigo Geraldo Mayrink, se daqui a pouco vamos esquecer tudo? Não dá para deter o derretimento da memória. Mas ainda me recordo, acredite, de que na semana passada, a propósito de Moda Intuitiva, delícia de livro da Cris Guerra, desovei nesta página umas histórias catadas no meu arquivo Indumentária. Uma blusa vermelha, por exemplo, no tempo em que ousadias cromáticas da parte de indivíduos do sexo masculino causavam espécie em Belo Horizonte. Desastradamente, posso ter passado a imagem de um vanguardista do guarda-roupa que nunca fui. Minha mãe, se viva estivesse, estaria morta. Envergonhada, me incitaria a remediar a má impressão com recordações menos acintosas.

É o que não falta. Em nossa casa havia, há ainda, uma instituição chamada "os três mais velhos", na qual, por ordem de chegada, ocupo a segunda posição, a pequena distância do Rodrigo e do Otávio. Trio que, na infância ao menos, primava pela elegância sóbria tão ao gosto dos mineiros. Vestíamos roupas idênticas, que para ocasiões festivas podiam ser camisa, calças curtas e meias três-quartos, conjunto cuja alvura era quebrada pelo azul-marinho dos cintos, suspensórios e sapatos. Assim trajados, comparecíamos a festinhas de aniversário. Mande os três mais velhos - o convite vinha em bloco. Ou os três mais novos. Um dos meus primos se queixava de nunca ser chamado, pois era o quarto entre sete irmãos.

Destoávamos da turba, e não só pela fatiota: ninguém nos via avançar nas bandejas de doces e salgados. Wanda, seus filhos são tão educados!, pasmavam as mães dos vândalos. Mal sabiam elas que em casa a mamãe nos havia empuxado um pratão de sopa.

Houve tempo em que o figurino dos três meninos se completava com um corte de cabelo idêntico ao que o Ronaldo Fenômeno ostentaria décadas mais tarde. Com aquelas moitinhas no alto do coco rapado, éramos também nós uns fenômenos. Obra do Seu José, barbeiro em mais de um sentido, que atendia em domicílio com seu instrumento manual, nheco, nheco, nheco. Mamãe não aprovava as moitinhas, mas era ela bobear e o Seu José criar o fato consumado. "É o corte que lhes assenta", justificava ele, sorridente.

Era costume da classe média levar as crias, com roupa de festa, a um estúdio fotográfico, para a produção de imagens caprichadas. Em vários deles havia um genuflexório onde meninos e meninas em trâmites de Primeira Comunhão se ajoelhavam de mãos postas para receber de um Cristo cenográfico uma simulação da hóstia inaugural. Os filhos da dona Wanda e do doutor Hugo escaparam dessa encenação. E também, se bem me lembro, da exposição pública num "quadro de formatura" que a cada dezembro as faculdades entronizavam nas vitrines do Centro da cidade. Em eras anteriores à nossa, quando nada favorecia a paquera, aqueles quadros coalhados de fotos tinham o objetivo nunca explicitado de permitir que as moças contemplassem os moços sem passarem por assanhadas, de tal forma que pudessem, quem sabe, pôr na alça de mira um futuro marido.

A certa altura dos anos 50, meus pais compraram uma câmera suíça do tipo "caixote", marca Mithra, modelo 1947, cujo olho metálico, em piscadelas velocíssimas, capturou praticamente todas as imagens de nossa família durante aquela década e um pedaço da seguinte. Já estava aposentada quando comprei uma Olympus Pen, que de cada quadro fazia duas imagens, permitindo "bater" 72 fotos com um filme de 36 poses.

Sentindo-me o próprio fotógrafo do Blow Up, de Antonioni, saí disparando por aí. Até bolei uma fotonovela, protagonizada por meus irmãos Marcos e Maria Elizabeth. Já não me lembro do enredo, mas a última foto permite concluir que o Marcos, conquistador sem peias (refiro-me ao personagem), teve punida a sua predação sexual, pois acabou às voltas com uma paternidade indesejada: perplexo, ele tem nos braços um bebê de mãe suicida.

Nenhum de nós, fotógrafo e atores, perseverou no ramo - o que, no caso deste cronista, por certo não constituiu perda para a arte fotográfica, e menos ainda para a dramaturgia nacional.

A arte de andar de bicicleta nas calçadas do Rio - TONY BELLOTTO

O GLOBO - 24/11

As decisões começam no momento em que o ciclista sai de casa e a interrogação se impõe: rua ou calçada?


Solvitur ambulando

No conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, de Rubem Fonseca, Augusto, o andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio, anda nas ruas da cidade o dia inteiro e parte da noite. Ele acredita que ao caminhar pensa melhor e encontra soluções para os problemas. “Solvitur ambulando”, diz para seus botões.

Também adepto de solvitur ambulando — “resolver caminhando” em latim —, ao contrário do personagem de Rubem Fonseca, prefiro ambular de bicicleta.

Amsterdã

O Rio é uma cidade bem servida de ciclovias. Tem a maior malha cicloviária do Brasil e a segunda da América Latina, perdendo apenas para Bogotá. Isso se deve a iniciativas de políticos e ambientalistas como Fernando Gabeira, Carlos Minc e Alfredo Sirkis, entre outros, que desde a década de 1980 se preocupam com a emaranhada problemática dos transportes nos grandes centros urbanos. Mas o Brasil e a América Latina ainda engatinham na implementação de ciclovias em suas metrópoles, assim como nas campanhas incentivadoras e informativas dos benefícios do ciclismo. Compare-se o Rio a Amsterdã, cidade com a maior malha cicloviária do mundo, e se terá um vislumbre de quanto ainda nos falta evoluir nesse sentido.

Veleidade

Muito do desprezo que alguns de nossos administradores públicos demonstram por ciclovias vem da ideia cada vez mais insustentável de que andar de bicicleta é uma veleidade de ambientalistas e atividade ligada apenas ao esporte e ao lazer de fim de semana de burgueses entediados. Embora existam problemas mais prementes — e a má qualidade do transporte público seja uma das principais reclamações da população —, não se pode esquecer que o ciclismo é uma alternativa eficiente ao caos ambiental gerado pelo acúmulo de automóveis que se arrastam em nossas ruas movidos a combustível fóssil, aquele que, além de poluir a atmosfera, um dia vai acabar.

O Grande Vazio

David Byrne — músico, compositor, diretor de cinema, escritor e emérito ciclista — narra no livro “Diários de bicicleta” suas deambulações de bicicleta pelas cidades do mundo que visita profissionalmente ou como turista. Ele defende a ideia de que a relação de um habitante com a cidade em que vive se intensifica quando deixa de andar de carro e passa a fazer seus trajetos rotineiros a pé ou de bicicleta. Deslocar-se mais lentamente permite ao cidadão observar o que se passa ao redor e interagir com situações das quais nem se daria conta se estivesse dentro de um carro. Isso sem falar no enorme espaço estéril necessário para abrigar tantos automóveis, os desolados estacionamentos que à noite compõem um monumento silencioso ao Grande Vazio.

Agruras de um ciclista

As decisões começam no momento em que o ciclista sai de casa e a interrogação se impõe: rua ou calçada?

A dúvida é mais complexa do que parece. Em tese — e nos termos da lei — o ciclista deve optar por andar na rua quando não há ciclovias. O problema é que as estatísticas e os jornais vivem nos assombrando com notícias de ciclistas que são frequentemente atropelados nas ruas das cidades brasileiras. Há casos trágicos e verdadeiramente bizarros, como o do ciclista em São Paulo que teve seu braço decepado por um motorista que, além de não lhe ter prestado socorro, fugiu e tentou se livrar do braço comprometedor atirando-o num córrego distante.

Por medo de ser atropelado, em algumas situações decido por andar de bicicleta na calçada. E cada vez que vejo um ônibus passar na rua tenho certeza de que fiz a opção certa. Muitos dos motoristas de ônibus do Rio de Janeiro parecem acometidos de uma forma agressiva de psicopatia urbana.

Chagall

Quando o ciclista opta por andar na calçada ele deixa de ser vítima e passa a ser ameaça. Nessa situação é preciso atenção redobrada e cidadania a toda prova. Muitas vezes é necessário saltar da bicicleta e empurrá-la pacientemente. Crianças, idosos, poetas e cachorros costumam caminhar distraídos, e é preciso respeitá-los, como a todos os pedestres, os verdadeiros donos do pedaço. O respeito é extensivo aos bêbados e mendigos que dormem sobre as pedras portuguesas e sonham com colchões macios e lençóis brancos num mundo em que bicicletas e seres humanos flutuam no ar como numa pintura de Chagall.

Epígrafe

Em 1862, Joaquim Manuel de Macedo, autor de “A moreninha”, publicou “Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro”, reunião de crônicas em que relata suas andanças e impressões da cidade. Foi daí que Rubem Fonseca extraiu a perturbadora epígrafe de seu conto: Em uma palavra, a desmoralização era geral. Clero, nobreza e povo estavam todos pervertidos.

O que tira uma mulher do sério? - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 24/11

– Receber um beijo um pouco mais longo e concluir que ela quer sexo e ir descendo a mão;

– Deixar as tampas abertas dos potes;

– Elogiar pelo motivo errado: gostar do vestido que ela usa há três anos ou confundir a camisola de seda com roupa de sair;

– Não desembaraçar as peças antes de pôr na máquina;

– Não expor o que deseja fazer no final de semana;

– Nunca controlar a data de validade dos produtos na geladeira (não somente no supermercado);

– Debochar de tudo, não ter limite para a piada;

– Dizer que ela está ficando parecida com a mãe;

– Responder ok no fim de uma briga.

– Acreditar que as mentiras pequenas não são mentiras;

– Alterar o horário de um encontro e deixá–la esperando;

– Começar conversas paralelas com amigos e não explicar o que está falando;

– Rir do nada e responder que é nada;

– Submetê–la a reverenciar seu churrasco todo domingo.

– Demorar de propósito a retornar um torpedo ou uma ligação e responsabilizar o excesso de trabalho;

– Não trocar as cuecas da gaveta;

– Pedir para ela cozinhar com a justificativa calhorda de que “ninguém faz aquela comida como você”;

– Concordar rápido por preguiça. Dizer o que ela quer ouvir, não dizer porque acredita;

– Achar que declarar eu te amo uma vez ao dia é suficiente;

– Avisar que ela está em TPM fora do período da TPM;

– Esconder meias sujas nos tênis;

– Fugir das respostas objetivas;

– Armar festa com amigos em casa logo depois de uma briga;

– Pedir ajuda para procurar o que perdeu;

– Justificar em vez de assumir a culpa;

– Trocar de canal enlouquecidamente no momento do comercial;

– Disfarçar a falta de vontade na avareza. Aceitar participar de um passeio e reclamar de qualquer coisa, do preço do estacionamento ao preço do cinema;

– Fazer massagem nas costas com uma única mão, com aquela disposição de doente terminal;

– Regredir a dicção na presença da sogra;

– Almoçar na casa da família e sestear enquanto ela tem que entreter os sogros;

– Dirigir trocando música da rádio e com o celular no ouvido e ainda xingar os outros motoristas por distração;

– Nunca pensar duas vezes antes de ter ciúme e cometer injustiças;

– Pegar a lixa preferida de unha dela como material de construção;

– Isolar–se com o videogame para esfriar a cabeça, e jamais regressar ao convívio;

– Passar o telefone com alguém que ela nem tem intimidade;

– Chegar atrasado ao arrependimento. O amor é pontual. E o perdão cansa de esperar.

A reinvenção de Bill Gates - RENATO CRUZ

O Estado de S.Paulo - 24/11

Deve ser difícil para um jovem imaginar como era a imagem de Bill Gates na década de 1990. Gates se transformou num grande filantropo, que ataca com seus bilhões grandes problemas do mundo, por meio da fundação que dirige desde que se aposentou da Microsoft. Ele coloca sua fortuna e sua experiência gerencial para combater globalmente doenças e pobreza de uma forma que governos e empresas não se mostram capazes de fazer.

Há pouco mais de 20 anos, Gates era temido e, para usar a palavra certa, odiado por muita gente. Depois de decidir colocar fora do mercado a Netscape, empresa de navegadores responsável pela popularização da internet, a Microsoft foi alvo de um processo antitruste movido pelo governo dos Estados Unidos. O depoimento de Gates durante o processo foi considerado, na época, um símbolo de arrogância e até de falta de humanidade.

Muita coisa mudou. Entre os jovens empreendedores do Vale do Silício, Gates chega a ser uma figura mais admirada até que Steve Jobs, fundador da Apple. Não tem como essa garotada, que combina idealismo e ambição sem limites, deixar de sentir admiração pelo trabalho da Fundação Bill & Melinda Gates.

Recentemente, Gates voltou a liderar a lista dos homens mais ricos do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 76,5 bilhões, segundo a agência Bloomberg. Apesar de se classificar como um "fã devoto" do capitalismo, o fundador da Microsoft escreveu na edição mais recente da revista Wired: "o capitalismo sozinho não consegue atender as necessidades dos muito pobres. Isso significa que a inovação orientada ao mercado pode, na verdade, aumentar o fosso entre ricos e pobres".

A estratégia de Gates foi buscar áreas de pesquisa que recebiam poucos recursos, e cujos resultados poderiam beneficiar muitas pessoas. Segundo ele, seu primeiro investimento em pesquisa sobre malária quase dobrou os recursos disponíveis na área, "não porque nossa doação tenha sido muito grande, mas porque a pesquisa sobre malária estava muito subfinanciada".

O fundador do Microsoft chama a forma de atuar da fundação de "filantropia catalisadora". Ao colocar dinheiro na busca de solução para problemas que não recebem a atenção devida, ele quer incentivar que governos e empresas também se dediquem a esses problemas, fazendo com que a inovação passe a beneficiar também as pessoas pobres.

Quando foi criada, a Microsoft tinha como missão "colocar um computador em cada mesa de trabalho e em cada casa". Sob o comando de Gates, a empresa teve tanto sucesso que a missão acabou mudando para "permitir que pessoas e empresas ao redor do mundo realizem todo seu potencial". Vamos ver o que ele consegue com seus esforços para combater miséria e doenças.

Apenas bebês - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 24/11

SÃO PAULO - De onde vem a moral? Para os religiosos, ela vem de Deus. Para empiristas como John Locke, da experiência. Já Hume a subordina às paixões. Em Kant, ela desponta como um "a priori" da razão.

Essas abordagens, em que pese os valiosos "insights" que produziram, têm um problema em comum: elas estão mais calcadas em especulações filosóficas do que na realidade. É bem verdade que, à época em que tais teorias foram concebidas, não havia muito como proceder de outra forma. De algumas décadas para cá, porém, neurocientistas, psicólogos e até filósofos se puseram a escarafunchar e medir as reações humanas a diferentes tipos de estímulo moral e reuniram uma coleção de dados que, embora não bastem para resolver a questão, são suficientes para pelo menos guiar nossas reflexões através de caminhos mais sólidos.

O recém-lançado "Just Babies: The Origins of Good and Evil" (apenas bebês: as origens do bem e do mal), de Paul Bloom, explora bem essa senda. O autor retoma seus clássicos experimentos que mostram que bebês de poucos meses já exibem clara preferência por personagens bonzinhos e até se arriscam a punir os maus, os junta com interessantes achados em campos tão variados como a antropologia e a metaética e nos oferece uma obra profunda e gostosa de ler, rica em temas campeões de audiência, como sexo, raça e religião.

A tese central do autor é que, embora a evolução nos tenha dotado com impulsos inatos, como o sentido rudimentar de justiça já presente nos bebês, e sentimentos morais como compaixão e empatia, isso ainda não basta para erigir uma ética. Afinal, somos mais do que bebês. Uma parte fundamental de nossa moralidade, a que nos torna humanos, diz Bloom, vem da nossa enorme capacidade de utilizar a razão para resolver problemas, aspecto que ficou fora de moda na ciência recente.

Nesse contexto, "Just Babies" ganha ares de manifesto iluminista.

Mulheres assassinadas - DIANA LICHTENSTEIN CORSO

ZERO HORA - 24/11

Tem sempre o dia em que a casa cai. Elas perderam a esperança porque o perdão também cansa de perdoar. Uma sucessão de abusos, de surras causadas pelo ciúme delirante, finalmente encontrou um basta. Seus maridos e namorados ficam enfurecidos, não compreendem a rejeição. Quanto atrevimento! O que foi que mudou? Na lógica deles, vontade própria não existe nas mulheres, portanto a ruptura deve ser por causa de outro. Abstinentes da relação que lhes sustentava a virilidade, decidem lavar a honra ferida: elas não pertencerão a mais ninguém.
Léia, oito tiros; Eliene, marteladas; Caroline, degolada; Karla, 10 tiros; Bruna, grávida de 15 anos, facadas; Joyce, negou-se a ter relações sexuais com o marido bêbado, 16 facadas; Rosilene, 12 facadas; Elisângela, espancada até a morte; Tânia, esfaqueada, asfixiada e colocada na geladeira; Maria da Guia, pauladas; só para citar alguns dos muitos casos de outubro, recolhidos a esmo, espalhados por todo o Brasil. Em todos eles os matadores eram ex-companheiros.
O fim de um amor sempre causa desespero, sentimento de dissolução, perde-se parte de si. Há também a vergonha pública, pois amor e reputação têm seu destino enlaçados. Portanto, homens e mulheres deveriam equivaler-se nas manifestações de despeito, a dor é democrática. Não é o caso: elas se deprimem, podem praticar maldades, maledicência, partilhas litigiosas; já para muitos deles é uma questão de honra, de vida e morte.
Simone de Beauvoir lembrava que o prestígio social da guerra, território masculino, sempre foi maior que o do ato de dar a vida, atributo feminino. Assim, frente à impotência maior de ver-se privado daquela que se julgava possuir, decidir pela sua morte acaba sendo o exercício de um prática milenar.
Nos anos 80, usávamos a frase: “Quem ama não mata”, lembrando que não é aceitável qualquer condescendência com os crimes passionais. Melhoramos um pouco na punição dos assassinos de mulheres, que já gozaram de maior prestígio, acredite. Porém, um dos graves obstáculos na prevenção dos assassinatos de mulheres é a resistência delas, assim como das pessoas ao seu redor, em levar a sério as ameaças que sofrem. Elas acreditam que faz parte do amor e conseguirão reverter a situação. Protegem o agressor como se fosse um filho travesso, são incrédulas frente à letalidade do seu homem. A mulher não tem intimidade com a morte enquanto argumento final, atribuem a eles a capacidade que elas têm de duelar com palavras.
Nossas leis são melhores na teoria do que a prática. O amor, em sua face possessiva e descontrolada, continua sendo um serial killer de mulheres. Isso é assim porque no fundo ainda se espera que a mulher se apegue à relação acima de tudo, que ela exerça seu poder através da entrega. São restos, ainda ativos, de um tempo em extinção. O segredo para a erradicação da violência está num trabalho com as potenciais vítimas: é preciso que elas acreditem que serão apoiadas, que maus-tratos são inadmissíveis, que correm riscos e não devem morrer. Nunca mais.

Tijolinhos - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 24/11

Bogotá é quase tão cheia de tijolos aparentes quanto Londres. Na verdade há trechos de ruas que parecem exemplos de arquitetura inglesa. Mas mesmo os prédios modernos e retilíneos são majoritariamente de tijolinhos visíveis. O tom do barro é, em geral, mais claro do que o londrino, mas não dá para não pensar na Inglaterra ao ver as ruas da capital da Colômbia. Prometi a mim mesmo que estudaria (na Wikipédia, sei lá) a história da possível influência da arquitetura inglesa sobre a bogotana, mas, para variar, escrevo sem ter tido tempo de me preparar. Dei uma parada aqui e olhei, correndo, umas fotos que surgiram quando dei enter em “arquitetura inglesa em bogotá” no Google: trechos de rua puramente ingleses escolhidos por um fotógrafo local provam que houve mais construções em estilo britânico em Bogotá do que eu pude perceber a caminho do hotel ou do teatro (este tem acústica excelente, aspecto elegante e está bem equipado de tudo). Eu já tinha ido à cidade, com o show “Cê”, e me lembrava de ver muitos tijolinhos. Desta vez confirmei a impressão. Na verdade os tijolos me pareceram dominar a paisagem urbana agora mais do que antes. Os prédios novos seguem o figurino do sem-reboco. Da janela do meu quarto de hotel eu via muitos desses novos edifícios, alguns deles rodeando uma plaza de toros igualmente em tijolos aparentes. Isso tudo dá um ar de elegância sóbria à cidade. Sóbria mas leve e mesmo alegre, já que a argila tende sempre para um vermelho alaranjado. O fato é que, apesar do relativo desconforto por causa da altura, me senti muito bem em Bogotá.

Aproximo-me dos palcos de cidades onde sei que sou apenas conhecido de alguns poucos interessados com pena dos que saem de casa para me ver. Sempre faço o show que estou apresentando no Brasil, predominantemente relativo ao último disco lançado, e suponho que as pessoas estejam, no máximo, preparadas para reencontrar exemplos já conhecidos do meu repertório de várias décadas. Cantar canções inéditas — e talvez em estilos discordantes da ideia que muitos podem fazer da minha música — parece-me que resultará em tortura para o público. Bem, no “Cê” estavam “Sampa”, “O leãozinho”, “You don’t know me”, sei lá. Mas no “Abraçaço” as canções antigas parece-me que só são conhecidas no Brasil. Ou melhor: há canções que podem ser conhecidas de gravações de Bethânia ou de Daniela Mercury mas que o ouvinte não relaciona necessariamente a mim. Ou, como é o caso de “Alguém cantando”, está num álbum que gravei, mas nela faço apenas uma segunda voz, no refrão final, para o canto de minha irmã mais velha, Nicinha. Temi aborrecer demais os bogotanos. Mas, se “Cê” foi recebido respeitosamente (com as naturais intensificações dos aplausos para as músicas já conhecidas), “Abraçaço”, por razões que vou aprendendo com o desenrolar de seu histórico, parece capaz de agradar por si mesmo. A plateia simplesmente elege “A bossa nova é foda”, “Quando o galo cantou”, “Parabéns” ou “Abraçaço”, de cara. E o som da banda.

Por causa de minha preocupação, decidi não cantar “Um comunista”, que dura dez minutos, é lenta e fala de coisas que só os brasileiros entendem. Depois me arrependi: eles teriam gostado do tratamento dado ao tema pela banda Cê — e respeitariam o tom de “canção de protesto” tipo anos 1960, tão reconhecível para plateias hispanoamericanas. Em vez disso, quis cantar um bolero de Bola de Nieve, que adoro, e terminei, no esforço de relembrar letra e melodia, tomando talvez os mesmos dez minutos da canção que evitara. As repetições e os comentários deram aquele tom de proximidade que agrada a alguns, mas os aplausos finais não foram dos mais calorosos. Bom mesmo foi no bis (onde sempre posso recompensar com sucessos — embora eu não tenha cantado “Sozinho”, como pediam) — quando decidi cantar a “Tonada de luna llena”, de Simón Díaz (nunca agradecerei o suficiente a Márcia Rodrigues), pela primeira vez somando alguns acordes de violão ao meu canto. Me surpreendi. Algo se revelou ali. O público reagiu à altura. Pude voltar pro Brasil satisfeito. Ainda bem que Genoino pôde ir pra casa. Li com gosto o primeiro artigo do livro “No jornalismo não há fibrose”, de Felipe Pena. Os Racionais MCs (li na “Rolling Stone”) são pela exigência de aprovação prévia das biografias (tendência geral dos artistas de origem popular, certamente pela desconfiança de indenizações e por serem vacinados contra as certezas das manchetes). Mano Brown é o único que diz não querer falar sobre esse assunto que, para ele, não é do interesse do povo e sim um tema classista. Será?

Com frutas LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 24/11

Yuri é um daqueles russos que só estavam esperando o fim do comunismo para ficar multimilionário. Ouvira dizer que o lugar no mundo para se conhecer mulheres sensacionais era o Brasil. Fez um curso rápido de português, o bastante para não se perder ou ser enganado no Rio, e veio.

No avião a caminho do Rio, Yuri sentou-se ao lado de um brasileiro, e quis a sorte que fosse um brasileiro gaiato. Uma das comissárias de bordo do avião era belíssima, e quando começaram a servir o café da manhã, antes da aterrisagem no Galeão, Yuri virou-se para seu companheiro de voo e perguntou:

– Como se diz “quero fazer sexo com você” em pórtugues?

– Yogurt – disse o brasileiro.

Quando chegou a sua vez de pedir à aeromoça o que queria com seu café, Yuri disse depressa:

- Yogurt! E a aeromoça: – Com frutas ou natural?

E Yuri, radiante, se convenceu de que estava vindo para o lugar certo.

RELATÓRIO

Mateus não era um simplório. Era um homem inteligente e bem informado. O que não significa que não tenha ficado intrigado, sem saber se era verdade mesmo ou brincadeira, quando sua mulher Dalinda disse que tinha recebido um relatório da CIA a seu respeito.

– Cumé?

– O serviço de espionagem americano tem seguido todos os seus passos.

– Que bobagem é essa, Dalinda? Por que os americanos iriam se interessar por mim?

– Eu pedi. – O quê?!

– Eu pedi. Gravações 24 horas por dia, todos os dias. Neste momento, tem um satélite americano contando os seus fios de cabelo.

– Vai me dizer que a CIA trabalha para você!

– Eles fazem serviço pra fora. Espionam qualquer um, por uma módica quantia. É uma das maneiras que têm de financiar o programa.

– De qualquer maneira, eu não fiz nada suspeito. Eles não têm o que espionar.

– Não é o que diz o relatório. – Quero ver esse relatório.

– Nem pensar. – Você está blefando, Dalinda.

– Acredite o que quiser.

Matheus deu uma gargalhada. Com quem a Dalinda pensava que estava tratando? Ele não era um simplório. Mas a verdade é que tem ficado mais em casa, cortou os encontros com a Suzette às quintas-feiras e volta e meia olha para o alto, tentando ver alguma coisa.

Alma de continente - YOANI SÁNCHEZ

O Estado de S.Paulo - 24/11

Os contrastes, os anacronismos, são parte inseparável de Cuba. As sombras e as luzes compõem essa realidade que entrou aos tropeços no século 21. Um poeta definiu a insularidade com uma frase que pode ser confirmada a cada passo: "A maldita circunstância da água por todos os lados". É isso mesmo: mar, mar e mar, por todos os lados.

Não só as águas azuis onde as crianças mergulham, mas também um mar de nostalgias, isolamentos, sonhos e balseros. Um país difícil de decifrar, até para os que nasceram nele. Aqui, tudo anda mais devagar, como se a vida fosse mostrada em câmara lenta. O efeito que as velharias provocam é reforçado pelos casarões para os quais ainda não chegou a hora de dar lugar a arranha-céus. Joias arquitetônicas com colunas rachadas pelos anos e pela falta de recursos. Pisos de mosaicos e arabescos, os abajures com lágrimas de cristal conservados pela avó. O esplendor ao lado da necessidade.

Longe do centro histórico, com seus hotéis e opulentos restaurantes, estende-se a verdadeira Havana. A qualquer hora, surpreende a quantidade de gente pelas ruas. Estamos diante de uma cidade pedestre, em parte porque durante décadas a compra e venda de carros foi proibida. Por isso, o cubano está acostumado a andar ou a esperar horas a fio pelo ônibus. Isto reforça a impressão de imobilismo.

A espera é um dos elementos inerentes à identidade da ilha. Uma piada popular garante que o "ioga deve ter sido inventado em Cuba", dada a paciência das pessoas nas enormes filas e com os prolongados governos. Mas, na hora da diversão e do baile, é como se o ponteiro dos minutos andasse mais rápido, saltando. Hoje, Havana conserva algo desse glamour notâmbulo que a tornou famosa como "a Babilônia do Caribe" na primeira metade do século 20.

A dualidade monetária - entre o peso cubano e o conversível - determina o tipo de diversão à qual se pode ter acesso. Os mais pobres fazem suas bebidas em casa, com álcool barato, um pouco de açúcar e limão. Mas, de uns anos para cá, também proliferam os bons restaurantes, conhecidos como paladares. A cozinha crioula mistura-se com a internacional nesses lugares que prosperaram graças às flexibilizações econômicas dos últimos anos.

Os turistas são seus principais clientes, mas também os cubanos no exílio ou a emergente classe empresarial. Perto da meia-noite, pode até aparecer algum figurão do governo que trocou o verde-oliva por um traje à paisana. Entretanto, a magia principal não está no presente. Curiosamente, as duas atrações principais ainda são o passado e o futuro.

O que foi, com seus carros antigos e o orgulho de ter uma cidade que compartilhava astros em cartaz com Paris, Nova York e Buenos Aires. Apesar disso, uma força contrária o obriga a olhar para o que virá. Porque Cuba é um país com potencial oculto.

Aqui, o absurdo está em toda parte. Desde a especialista em estomatologia que come uma pizza enquanto atende o paciente com dor de dente até o trâmite complicado para excluir o defunto da lista do mercado de produtos racionados. Inexplicável cotidianidade, mas também cativante. A unidade habitacional principal do cubano está nos edifícios conhecidos como solares, antigas mansões que o tempo e as dificuldades econômicas foram dividindo e povoando com múltiplas famílias. O pátio central, o banheiro coletivo, o terraço onde os adolescentes criam pombas, as roupas de cor indecifrável penduradas nos varais. O dominó, a solidariedade das pessoas e uma mãe que berra o nome do filho da sacada: "Yunisleidy!"

Uma semana não é suficiente, um hotel não é suficiente, um olhar da janela do ônibus climatizado também não. Cuba deve ser vivida em suas ruas para se compreender suas contradições. Como o mercado ilegal de material de construção que floresce a poucos metros da Praça da Revolução.

Porque Cuba é uma ilha com anseios de continente, ávida por ser mais, por ir mais depressa, por chegar mais longe. Um país adolescente no qual cresceram braços e pernas, mas dentro de uma roupa apertada demais. Visitar sua realidade não deixa ninguém indiferente. Como um postal sépia. Em lugar de emoldurá-lo, somos obrigados a entrar nele, para viver sua realidade, sofrê-la e amá-la. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Mártires da democracia - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 24/11

Sabemos todos que a História muda segundo quem a observa. Para os contemporâneos dos fatos, a importância que lhes é dada frequentemente é bem distinta da que terá dentro de poucas décadas. O que era invisível aparece, o que não tinha importância a adquire, o que era básico se torna acessório, quem era tratado como gênio ou esperança nem mais é lembrado. E o anedotário de todos os povos armazena uma fartura de previsões hoje estapafúrdias, vaticínios que se demonstraram asneiras descomunais, afirmações definitivas cuja validade mal chegou a aniversariar. Mas isto não impede que continue irresistível a tentação de dar palpites sobre o chamado veredito da História, é uma espécie de jogo que pode até ser divertido, assim para um domingo ocioso, sem nada melhor para fazer.

Não creio que nós, os contemporâneos do mensalão, estejamos, no geral, enganados quanto à importância histórica do julgamento. Até apostas estão sendo resolvidas pelo Brasil afora, porque houve muitos que empenharam um dinheirinho na convicção de que não viria cadeia para nenhum dos réus engravatados e influentes. Nada realmente autorizava a crer que fosse acontecer algo de muito diferente do que acontece desde o tempo do Marquês de Pombal. Até alguns ministros do Supremo Tribunal Federal eram, ou são, considerados comprometidos com o partido no poder e muito se comentou que, no caso do ministro Joaquim Barbosa, sua nomeação foi tencionada para resultar no mesmo tipo, digamos, de apoio — só que, neste caso, como dizia meu amigo Cuiuba, alguém tomaram um bonde errado.

Em outros contextos, o assunto já estaria morrendo. O julgamento engasgou bastante, rateou várias vezes e suscitou um número espantoso de besteiras e bravatas, mas acabou chegando ao fim, depois de anos de doloroso trabalho de parto. Pronto, assunto encerrado, sentenças em cumprimento, está na hora de cuidar de outras coisas, nossos problemas são bem mais graves e não cabe ficar falando mais em presidiários, já acabou. Só que, como temos visto, não acabou. Os condenados, que insistem em ser considerados presos políticos, também mobilizam apoio para a tese de que são inocentes e vítimas de uma espécie de golpe e de instituições que se perverteram para destruí-los.

Qualquer presidiário, em qualquer tempo e de qualquer natureza, invariavelmente se declara inocente, direito garantido pela liberdade de expressão. Mas a avaliação que os presos do mensalão fazem de seu papel nesses acontecimentos para mim será inteiramente diversa, dentro de pouco tempo. Eles de fato são, como quase chegam a pintar-se, mártires da democracia — e eu acrescentaria do progresso —, mas não no sentido de que foram atingidos por grupos (?) que manipularam as instituições democráticas para levá-los ao cárcere, tratando-se, pois, de uma falsa democracia, que precisa ser reformulada.

Eles são mártires da democracia, do progresso e — de novo faço um acréscimo — da igualdade, porque, através de seu suplício, demonstra-se, finalmente na prática e não no gogó — que figurão poderoso da elite governante ou financeira também pode ir para a cadeia, banqueiro importante também pode e pode até ser fugido do xadrez como qualquer ladrão de galinha, mulher rica pode, deputado pode, qualquer um pode. Este é um compromisso das instituições que agora ultrapassa o palavreado gongórico das leis que exaltam a soberania popular, em direção à realidade compreensível por qualquer um. Os governantes atualmente no poder não deviam agir tão compungida ou petulantemente, diante do cumprimento das sentenças; deviam vangloriar-se e mostrar ao mundo que agem conforme o que professam.

São mártires da democracia, do progresso, da igualdade e — lá vai novo acréscimo — da educação, porque, logo nos primeiros dias de cadeia, provocaram esclarecimentos envolvendo direitos dos cidadãos. Tratados, sem razão ou embasamento jurídico, de forma privilegiada em relação a outros presos, na questão das visitas, logo tiveram de ingressar, por pressão dos discriminados noticiada pela imprensa, no mesmo regime que os demais. Outros privilégios foram, ou serão certamente coibidos. Na cadeia, o único doutor deve ser o diretor da enfermaria. Tudo igualitário e educativo, exatamente o que eles sempre defenderam politicamente, mas nunca conseguiram implantar pelos métodos que tentaram, notadamente o de comprar adesões e agir como se a coisa pública devesse ser de quem consegue gastar mais dinheiro — o que talvez seja uma verdade cínica, mas deve ser rejeitada pela boa consciência e não pode constituir a forma de agir do governante. Indo para a cadeia, fizeram muito mais para a consecução dos ideais e objetivos proclamados que quando em liberdade.

Através desse martírio, chama-se também a atenção para problemas talvez menores, que de vez em quando ocupam um governante ou outro, mas jamais de forma decisiva ou que leve a uma ação eficaz. Um deles é a situação dos presídios e cadeias. Que vergonha seria para a famosa imagem nacional, se aparecesse em alguma revista ou tevê americana um ex-dignitário brasileiro confinado numa cela junto com mais oito condenados, um cano de água fria saindo da parede, um vaso sem tampa e demais componentes talvez da maior parte das celas brasileiras. O espetáculo das duas senhoras condenadas expostas a vexames também é uma visão vergonhosa, deprimente e lamentável. Sempre foi assim, mas não se notava com muita clareza, cabendo aqui, mais uma vez, a venerável observação de que no dos outros é refresco. Agora que o dos outros pode vir a ser o nosso, teremos mudanças. Estes são os grandes legados dos mártires, os que nosso futuro guardará. Se não guardar, vai dar-se mal.

Dirceu! O Papudo da Papuda! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 24/11

Diz que o Zé Dirceu tá adorando o beliche da cela. Ele dorme embaixo e o ego dorme em cima!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E a predestinada do mensalão! Sabe como se chama a namorada do Zé Dirceu? Patrícia TRISTÃO! Rarará!

E a dúvida do mensalão: "você estar preso na Papuda e receber visita do Suplicy é bullying?". Rarará!

E um leitor me disse que tanto o Genoino como o Zé Dirceu têm problemas de saúde: o Genoino é cardiopata e o Zé Dirceu é psicopata.

E o Joaquim Barbosa parece a minha sogra: ranzinza, não deixa ninguém falar e os outros estão sempre errados! E o Pizzolato fugiu pro seu habitat: Nápoles. Disfarçado de meia calabresa, meia margherita.

E o Delúbio tá a cara do Saddam Hussein quando saiu do buraco! E eu já disse que o culpado de tudo é o Gabeira, que trocou o embaixador americano pelo Zé Dirceu. Rarará!

E o Dirceu é o Papudo da Papuda! Aliás, diz que o Zé Dirceu tá adorando o beliche da cela. Ele dorme embaixo e o ego dorme em cima!

E sabe qual é a semelhança entre o PT e o PSDB? Ambos deram calote no Marcos Valério. O Marcos Valério foi o único careca que derrubou um monte de barbudo! E eu acredito na inocência do Marcos Valério. Já viu algum mineiro distribuir dinheiro? Mesmo que não seja dele! E o nome da agência do Marcos Valério: SMPB. Quer dizer: "Surgiu em Minas e Pegou o Brasil". Rarará!

E a onda agora é o semiaberto. Olha a charge do Duke com o escrivão perguntando pro casal: "Em que regime vocês pretendem se casar?". "Semiaberto." Já sei, casamento semiaberto é assim: de dia dorme com a amante no motel e à noite volta pra cadeia pra dormir com a mulher. Ou vice-versa. De dia dorme com o amante no motel e de noite volta pra cadeia pra dormir com o maridão. De dia, cama redonda, e de noite, cama quadrada! É mole? É mole, mas sobe!

E sabe o que o Massa devia fazer hoje em Interlagos? Vender batida! Rarará! Hoje é dia da dupla: Felipe Amassa e o Bruno Acena. Hoje o Galvão entra em erupção!

E no Maracanã: Flamengo x Corinthians. Urubu x Gambá! O jogo devia ser no lixão. Rarará! E atenção! Agora falta o julgamento do mensalão mineiro tucano e do metrosão de São Paulo. Tem que pegar todo mundo. Não tem virgem na zona! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Triste Jasmine - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 24/11

A consagração é da atriz Cate Blanchard, que nos dá, sem exagero, uma das grandes interpretações da história do cinema. Demolição é o que sofre a sua personagem



O filme “Blue Jasmine”, de Woody Allen, é ao mesmo tempo uma consagração e uma demolição. A consagração é da atriz Cate Blanchard, que nos dá, sem exagero, uma das grandes interpretações da história do cinema. Demolição é o que sofre a sua personagem no filme.

Há alguns exemplos de diretores que fizeram filmes especificamente para suas atrizes brilharem, como acontece com “Blue Jasmine”. O exemplo mais recente é do próprio Woody Allen, que fez “Annie Hall” para Diane Keaton dar seu show — e, pelo que se diz, para levá-la pra cama. Desta vez o presente é para Blanchard. Que, por justiça, deve dedicar o Oscar que fatalmente ganhará no ano que vem a Allen. Já Jasmine, a trágica personagem que ela interpreta, teria todo o direito de processar o autor do filme por crueldade mental.

Woody Allen costuma homenagear diretores que admira em seus filmes. Já brincou de Ingmar Bergman várias vezes, já fez sua versão do “Oito e meio” de Fellini, e em “Blue Jasmine” evoca “Um bonde chamado desejo”, que Elia Kazan fez de uma peça de Tennessee Williams. Como a Blanche Dubois interpretada por Vivien Leigh naquele filme, Jasmine é uma vítima dos homens e das suas próprias fantasias. No filme de Kazan, a insensibilidade masculina que destrói a frágil Blanche é a de um Marlon Brando brutal e suarento. Em “Jasmine”, o homem é um sofisticado Alec Baldwin, do mundo das altas falcatruas financeiras. A destruição é a mesma.

Allen faz tantos filmes seguidos que conversas sobre sua obra poderiam sempre começar com a pergunta “Viste o deste ano?” Acho que não há outro cineasta vivo ou morto com uma produção tão grande — fora, claro, aqueles diretores do cinema primitivo que faziam um filme por semana. Sua obra inclui algumas bobagens (aquele sobre Barcelona ele deve estar querendo esquecer), mas a média é extraordinária. E “Blue Jasmine” é um dos melhores.

A força dos hinos - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 24/11

O hino nos estádios, cantado com o coração saindo pela boca, é como uma faísca em um barril de pólvora


Quando vi toda a torcida francesa, emocionada, cantando o belíssimo e vibrante hino do país, "A Marselhesa", antes e durante a partida contra a Ucrânia, tive a sensação que tinham aumentado as chances de a França se classificar para a Copa, mesmo com a desvantagem de dois gols. A mesma percepção tive na final da Copa de 1998. Estava no estádio. Lamentável foi escutar os franceses vaiando o hino da Ucrânia.

Quando os torcedores brasileiros começaram a cantar o Hino na Copa das Confederações, e a euforia, uma tempestade, se espalhou entre os jogadores e por todos os estádios, percebi que eram grandes as chances do Brasil. O técnico Vicente del Bosque disse que a Espanha perdeu o título no hino.

Os torcedores brasileiros separaram a Seleção em uma disputa esportiva dos protestos contra os absurdos gastos públicos no Mundial. Algo parecido ocorreu na Copa de 1970, quando um grande número de pessoas, revoltadas com a ditadura, que torceriam contra, ficaram arrepiadas com o time brasileiro.

Muitos vão argumentar que, na Copa de 1950, ocorreu o contrário. Mas, estatisticamente, as possibilidades de uma seleção de tradição vencer em casa são grandes, ainda mais quando o time é bom, como o do Brasil.

O hino nos estádios, quando cantado com o coração saindo pela boca, é como uma faísca em um barril de pólvora.

Exageros à parte, o escritor Stefan Ezweig, no livro "Momentos decisivos da humanidade", conta, em várias histórias, como um instante, um olhar, um sim ou um não, muda a historia de um indivíduo, de um grupo, de uma nação. Um dos capítulos é sobre como um músico insignificante, em um momento genial, compôs a Marselhesa.

Assim é também no futebol. Por causa de um instante, uma bola perdida, uma indecisão, como a de Júlio César, contra a Holanda, no Mundial de 2010, o melhor goleiro do mundo na época passa a ser tratado como um frangueiro, e Dunga, que tinha 80% de aprovação antes da partida, passa a ter traços. Felipão, chamado hoje de super-herói, corre o mesmo risco. É cruel.

BRASIL 2x1 CHILE

O Chile, mais uma vez, jogou bem e perdeu para o Brasil. Valdivia parecia um jogador de Série B e/ou um ex-atleta inativo. É um suicídio jogar com os defensores quase na linha do meio-campo, ainda mais com zagueiros fracos, contra os velozes e hábeis Neymar, Oscar e Hulk. Isso facilitou também para Robinho, quando entrou descansado.

Mestre Juca, já gostei mais de Robinho. Penso que todos nós, imprensa e torcedores, ao constatarmos, ao longo do tempo, que Robinho não era um craque, apenas um bom ou, às vezes, um excelente jogador, nos sentimos decepcionados e traídos. O erro foi nosso, de avaliação. Robinho é extremamente habilidoso, mas possui várias deficiências técnicas, principalmente na finalização.

Santa paixão - ANA DUBEUX

CORREIO BRAZILIENSE - 24/11
O tricolor pernambucano Santa Cruz joga hoje, às 17h, contra o Sampaio Corrêa, do Maranhão. A primeira partida da decisão da Terceirona deve reunir público de 40 mil pessoas (lotação máxima) no Estádio Castelão, em São Luís. O jogo de volta será num Arruda abarrotado, com 60 mil torcedores. Não é pouca coisa. Aliás, é um recorde - a final da Libertadores reuniu 86 mil, por exemplo - e um susto, sobretudo quando se tem em mente que os dois times disputam o título de campeão da Série C e estão devidamente classificados para a Segunda Divisão.
Notícia dada, deixemos a imparcialidade para o caderno Superesportes. Quem vos fala aqui é uma torcedora, e não é surpresa para ninguém que o meu coração bate alucinado pelo Santa. Com ele, já chorei e já sorri. Sofri de amor e de raiva. Desci ao fundo do poço. Tentei até me despedir, anunciei um rompimento, que nada teve de definitivo, fiz as pazes, emergi com ele. A Cobra Coral me enroscou de novo, como faz há anos com sua torcida monumental, esteja ela em qualquer patamar do futebol brasileiro.
Se Nelson Rodrigues estivesse vivo, já teria dedicado uma das suas crônicas geniais ao torcedor tricolor, respeitável legião de fanáticos, de admiradores incontestes do time mais amado do Brasil. O Santa é tema das rádios, dos jornais e  das tevês internacionais pela inusitada façanha de continuar atraindo sua gente mesmo nos momentos de fracasso, como nos remotos, pelo menos para mim, tempos de Série D. Portanto, é um fenômeno no país do futebol e em qualquer outro lugar do mundo.

Mas o que move essa massa entorpecida pelo Santa? O que a faz não abandonar seu time jamais, nem nos mais sombrios momentos? O torcedor tricolor não recolhe a paixão. Para ele, sentimento não tem a ver com a matemática dos campeonatos, com as classificações técnicas e burocráticas dos cartolas. É um caso de amor, não de números. E toda paixão aceita fracassos e vitórias, alegrias e tristezas, idas e vindas.

Não é à toa que a decisão brasileira de maior público em 2013 será protagonizada por dois times da Série C que sobrevivem da amorosa dedicação do torcedor. Meus respeitos ao Sampaio Corrêa, nobre adversário, que aceitará, com paixão e resignação, a derrota nesta decisão. Só mesmo uma torcedora fanática pelo Santa para prever com tanta certeza a vitória. E se ela, por um capricho, escapulir, não há de ser nada... No ano que vem, seremos 60 mil, 100 mil novamente, no retorno à Série A do Brasileirão.

A candidatura capitalista - JOÃO BOSCO RABELLO

O Estado de S.Paulo - 24/11

No momento em que o governo comemora, muito justamente, o êxito dos leilões dos aeroportos, com ágios de até o triplo do estimado - e até por isso -, ganha nitidez o custo pago pelo seu principal opositor, o PSDB, por renunciar gradativamente à sua principal virtude política - de ter iniciado, com as privatizações e o programa de estabilização da era FHC, a modernização do País.

Processo interrompido com a eleição do PT, que se limitou a manter nos dois primeiros mandatos do ex-presidente Lula os fundamentos dessa estabilidade e a ampliar o alcance do Bolsa Família, de concepção e implantação também anteriores. Soube capitalizar, porém, os dois feitos como patrimônio do partido, com discurso socialista que situou o PSDB ideologicamente à direita, negando-lhe o papel inseminador nesse ciclo virtuoso.

Para isso contou com a ajuda inestimável do próprio rival, que somente agora faz a revisão crítica por se deixar constranger, durante uma década, pelo rótulo conservador que lhe foi imposto e que o fez perder, no plano eleitoral, a autoria e a capitalização do ciclo virtuoso iniciado com o Plano Real, que derrotou Lula duas vezes no primeiro turno.

Os protestos de junho, que reclamaram o chamado padrão Fifa de qualidade, denunciaram a exaustão do modelo de consumo, transformado de receita tópica em base da política econômica, e flagraram o governo do PT inadimplente com as ofertas básicas devidas ao contribuinte. Uma cobrança clara por eficiência, aviso ostensivo de que não se poderia mais, dali em diante, governar com discursos.

Não se registrara, até então, oportunidade mais propícia à retomada, pela oposição, da qual o PSDB é a expressão partidária mais representativa, do discurso capitalista, do Estado indutor, mas não intervencionista, do estímulo à iniciativa privada como motor do desenvolvimento, do governo de resultados.

Foi essa a linha da campanha do candidato tucano, Mário Covas, em 89, mas somente aplicada quase uma década e um impeachment presidencial depois, por Fernando Henrique Cardoso e saudado pelo ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco como "o mais puro choque de capitalismo, feito como nenhum de seus proponentes anteriores poderia imaginar".

Mas, na medida em que o governo Dilma, embora a contragosto, começa a se render à evidência da privatização como propulsora do desenvolvimento, o PSDB exibe uma convicção desbotada em relação ao tema. Ainda se constrange diante dele, o que o faz perder nova oportunidade de ter o candidato capitalista que falta ao cenário eleitoral e político.

E, pior, assistindo ao adversário roubar-lhe a identidade mais uma vez.

Esvaziem as prateleiras! - MARIO VARGAS LLOSA

O Estado de S.Paulo - 24/11

Como o desabastecimento e a escassez de alimentos estavam devastando a Venezuela e aumentando o descontentamento popular, o presidente Nicolás Maduro, que não tem muito conhecimento de economia, mas é homem de verdade e valentão, decidiu resolver o problema num piscar de olhos.

Explicou à população que a inflação alta no país (a mais alta da América Latina) era produto de um complô maquinado pelos EUA, por empresários e comerciantes açambarcadores e os partidos de oposição para destruir a revolução bolivariana ou o "socialismo do século 21". E, em uma canetada, ordenou uma redução dos preços dos alimentos e dos eletrodomésticos entre 50% e 70%, ao mesmo tempo que mandou soldados e tropas de choque ocuparem estabelecimentos comerciais e mandou para a prisão um bom número de "conspiradores", ou seja, proprietários de lojas e de armazéns.

A campanha foi lançada pelo presidente Maduro com o lema "Esvaziem as prateleiras". A ordem foi entendida por um bom número de pessoas equivocadas como uma carta-branca para saquear. Principalmente em Valência, mas também em Caracas e em outras cidades, ocorreram assaltos e pilhagens em meio a uma enorme confusão.

Era patético escutar as sofridas donas de casa venezuelanas explicando aos repórteres da TV pública o quão felizes estavam com aquelas espetaculares reduções de preços que lhes permitiriam trocar de geladeira, de fogão e assegurar duas refeições por dia para a família.

Ao mesmo tempo que derrotava a inflação com um soco na mesa, ou seja, leiloando e confiscando cadeias de produtos alimentícios e eletrodomésticos, o presidente, com a aprovação da Lei Habilitante, garantiu para si os poderes absolutos que durante um ano lhe permitirão governar sem leis, à maneira cômoda e expeditiva dos ditadores. Para conseguir isso, a Assembleia Nacional retirou a imunidade de uma deputada da oposição, María Mercedes Aranguren, e substituiu-a pelo seu suplente, o deputado Carlos Flores, que, da noite para o dia (e mediante generosos benefícios) tornou-se chavista e votou a favor da lei.

Em resumo, passada a ilusão que essas operações criaram numa opinião pública desesperada em virtude da corrupção, do empobrecimento e da anarquia crescente que vive a Venezuela, o preço que o país terá de pagar pela demagogia irresponsável desses últimos dias será muito alto.

Sem dúvida, contrariamente aos cálculos do governo, ela se traduzirá numa nova e mais massacrante derrota do governo nas próximas eleições de 8 de dezembro, o que o obrigará, como ocorreu nas presidenciais, a uma nova fraude monumental para manter-se no poder, apesar do seu descrédito e da ruína a que leva a cada dia o seu desventurado país.

A Venezuela nunca teve uma agricultura próspera, à altura das enormes possibilidades agrícolas que possui, mas, com o chavismo, suas expropriações e invasões, o confisco arbitrário de fazendas e a asfixiante burocracia que impera, a produção agrária em determinadas regiões ficou reduzida ao mínimo e em outras simplesmente desapareceu.

O resultado de tudo isso é que o país precisa importar quase 95% do que consome, algo que na época do apogeu do petróleo apenas se insinuava. No entanto, o controle revolucionário da indústria implantado por Chávez e Maduro reduziu a produção petrolífera venezuelana radicalmente, ao passo que as medidas de controle do câmbio, uma das fontes mais férteis da corrupção, transformaram num verdadeiro pesadelo a obtenção de dólares para os comerciantes e empresários que precisam da moeda para importar matéria-prima e produtos do exterior. Somente os apadrinhados do governo conseguem divisas ou aqueles que podem pagar comissões milionárias para consegui-las.

Os outros precisam comprar dólar no mercado negro, onde custa dez vezes mais do que no câmbio oficial. Essa é a explicação para a alta desmedida dos preços e para o desabastecimento generalizado. As intrépidas reduções impostas por Maduro só serviram para acelerar a escassez de produtos. As prateleiras ficarão vazias de fato e o mercado negro, que crescerá de maneira descomunal, só estará ao alcance dos privilegiados, ou seja, dos favorecidos pelo regime ou pela vertiginosa corrupção causada pela política intervencionista na economia. Em outras palavras, a política do socialismo chavista contribuiu para agravar as desigualdades econômicas e sociais que propunha abolir.

Ao mesmo tempo que ocorriam esses fatos na Venezuela, em Pequim, o Comitê Central do Partido Comunista anunciava uma nova estratégia econômica, ampliando os mercados livres já existentes para assegurar uma melhor distribuição dos recursos e permitir uma participação das empresas privadas, chinesas e estrangeiras, nas indústrias estatais.

No entanto, advertiu também que essa abertura não terá correspondência política, pois o Partido Comunista continuará sendo a autoridade suprema da vida social. É improvável que o PC chinês adote essas medidas de inequívoco viés capitalista em virtude de uma conversão ideológica e que vá implementá-las com alegria. Não, ele resignou-se a adotá-las porque, fiel ao pragmatismo tradicional da sua cultura, compreendeu que o coletivismo e o estatismo econômico arruínam os países.

Além de empobrecê-los e de deixá-los atrasados, multiplicam as injustiças sociais, criam uma distância cada vez maior entre os funcionários privilegiados da nomenclatura e os cidadãos comuns que, além de viver na insegurança e no temor, continuam a fazer filas, receber salários miseráveis e sem a menor igualdade de oportunidades.

Essas verdades elementares, que já chegaram à União Soviética antes do seu colapso e começam a surgir, embora timidamente, em Cuba, parecem fora do alcance intelectual e do olfato político do presidente Maduro e dos seus assessores econômicos.

Por isso, não é difícil prever qual será o futuro imediato da Venezuela, país que, com a sua abundância de recursos, deveria registrar um dos mais altos níveis de vida da América Latina. Como o desabastecimento e a escassez de produtos, que obedecem a leis econômicas e não a ordens de caráter político, devem se agravar, o passo seguinte do governo será proceder à nacionalização progressiva das lojas e estabelecimentos que "conspiram" contra a revolução, especulando e deixando a população faminta.

Os pequenos espaços da economia em mãos privadas começarão a ser fechados até desaparecer e cair nas mãos de uma burocracia incompetente e corrupta. Assim, o racionamento de produtos da cesta básica de alimentos, que em boa parte já ocorre, vai se estender como uma hidra para toda as áreas da economia até transformar a Venezuela num país tão estatizado quanto Cuba ou Coreia do Norte.

Resultado inevitável dessa hegemonia do Estado: o desaparecimento dos escassos meios de comunicação independentes que, com enormes sacrifício e coragem, resistem ainda ao assédio governamental. Terá valido a pena tudo o que significou a revolução chavista em termos de ilusões, esforços e violência?

É verdade que a democracia por ela derrubada era ineficiente, esbanjadora, demagógica e insensível aos grandes problemas sociais, criando um grande descontentamento de uma população que ingenuamente - mais uma vez na desgraçada história da América Latina - viu num caudilho carismático e desbocado o seu salvador.

O resultado está à vista: uma Venezuela empobrecida, exasperada, devastada por demagogia e corrupção, repleta de novos ricos que enriqueceram de maneira ilícita, que, quando recuperar a liberdade e a sensatez, precisará de muitos anos para recuperar o tempo que perdeu com o colapso da sua democracia. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

O avô abranda o guerreiro - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 24/11

Uma história entre Israel e um líder palestino que, com mais tolerância, seria um conto de fadas


Esta história poderia ser um conto de fadas, se o ser humano tivesse um bocado mais de tolerância para com "o outro", seja qual for o outro.

É a história de Aamal Haniyeh, menina palestina de 1 ano de idade, que sofre de grave inflamação gastrointestinal que afeta seu sistema nervoso.

Por isso, a menininha foi levada ao Hospital Infantil Schneider, na cidade israelense de Petah Tikva, quase um subúrbio de Tel Aviv.

Aamal seria apenas uma das cerca de 200 crianças palestinas que são atendidas a cada ano só no Schneider, para não falar dos 593 palestinos que, de janeiro a setembro, foram encaminhados a hospitais de Israel --incluídos os de Jerusalém Oriental, área que deveria pertencer aos palestinos, segundo as normas da ONU, mas que Israel ocupa.

Acontece que o sobrenome Haniyeh denuncia o parentesco com Ismail Haniyeh, que vem a ser o primeiro-ministro do Hamas (Movimento de Resistência Palestina), grupo radical cuja bandeira é "lutar contra os judeus e matá-los".

Haniyeh, ainda recentemente, convocou os palestinos da Margem Ocidental [do rio Jordão] a uma rebelião contra a ocupação israelense.

No domingo, no entanto, o avô Ismail sobrepôs-se ao guerreiro (boa parte dos israelenses prefere chamá-lo de terrorista). Mandou ligar para o escritório do coordenador israelense de Atividades Governamentais nos Territórios (ocupados), para solicitar que fosse atendida uma criancinha palestina.

Era, claro, a neta Aamal, imediatamente transferida para o Schneider, acompanhada pela avó materna.

Pena que esta história não tenha final feliz: a neta do líder palestino foi devolvida no dia seguinte à faixa de Gaza, porque seu mal era incurável.

De todo modo, escreve Sarah Tuttle-Singer, diretora de mídia social do "The Times of Israel":

"Naquele dia, Ismail Haniyeh agiu como um avô, da mesma maneira que os avós de minhas crianças teriam agido se seus netos estivessem com problemas: o líder do Hamas pediu ajuda. E, sem hesitação, Israel concordou, e a criança foi transferida através de linhas inimigas para Israel, onde uma equipe de médicos estava esperando."

Fecha com: "As linhas entre Nós e Eles foram embaçadas através do véu das lágrimas de uma mãe".

Eis onde poderia entrar o conto de fadas: se as linhas entre judeus e palestinos pudessem ser definitivamente borradas a partir da gratidão de um avô que suplantasse o ódio de um guerreiro.

Impossível? Também acho, mas não vejo alternativa melhor. E os 65 anos de conflitos desde o nascimento do Estado de Israel são uma comprovação talvez definitiva de que, de fato, não há.

É claro que não dá para ignorar os crimes que cada lado comete contra o outro.

Mas se é possível deixá-los de lado por um momento, para salvar a vida de uma criança, talvez as duas partes pudessem tomar o caso como marco para uma sincera tentativa de salvar tantas outras vidas que o conflito ceifa ou prejudica enormemente, muito mais do lado palestino, é sempre bom ter claro.

Nem tudo mudou em 50 anos - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 24/11

Encerra-se hoje a temporada de overdose permitida para relembrar o assassinato ocorrido em Dallas 50 anos atrás. Houve a esperada enxurrada de livros novos; brotaram vídeos, fotografias e gravações espetaculares, até então inéditos; artigos, seminários, exposições e eventos se multiplicaram ao longo dos últimos meses.

Do cinquentenário escapou apenas o tailleur cor de melancia manchado com o sangue do marido usado por Jacqueline Kennedy no dia 22 de novembro de 1963. Este continua guardado num dos prédios do Arquivo Nacional, dentro de um cofre de temperatura controlada. Jamais teve as manchas removidas.

Por determinação da família, o tailleur que a viúva insistiu em manter no corpo durante o restante do fatídico dia — inclusive na caótica cerimônia de posse do vice-presidente Lyndon Johnson — só poderá ser aberto à exibição pública em 2063, decorridos cem anos do atentado que marcou a História do século 20.

Um livro dessa safra recente, “JFK’s Last Hundred Days: The Transformation of a Man and his Presidency”, de Thurston Clarke, tem algum mérito por elencar a frequência com que Kennedy aventava a possibilidade da própria morte. “O que você acha da coincidência de nos últimos cem anos todo presidente dos Estados Unidos eleito em ano divisível por 20 ter morrido enquanto estava no poder?”, perguntou o ocupante da Casa Branca a um casal de amigos semanas antes de seguir para Dallas. Ele fora eleito, justamente, num ano com essa característica (1960) e referia-se às mortes de Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley, Warren Harding e Franklin D. Roosevelt.

“Como você acha que Lyndon Johnson se sairia se me matassem?”, quis saber de outra amiga, participante de um passeio a bordo do iate presidencial Honey Fitz, também em 1963. Kennedy sempre dizia não ver perigo nas multidões, mas admitia ter medo de “algum sujeito instalado em algum telhado com um rifle nas mãos. Não há como evitar alguém ser assassinado”.

Clint Hill, imortalizado no atentado de Dallas como o agente que fez a dramática escalada pela traseira do Lincoln conversível ao ouvir o primeiro disparo, narrou seu horror ao ver a primeira-dama coberta de sangue e de miolos do marido procurando escapar do assento. Com o carro já em alta velocidade, segurou-a pelo braço e empurrou-a de volta para dentro. Hoje, aos 81 anos, Hill continua inconformado com a impossibilidade de ter salvado um presidente e uma presidência no tempo de seis segundos entre o primeiro e o terceiro tiros.

Mas aqueles eram outros tempos e o Serviço Secreto lidava pela primeira vez com um estadista-celebridade, um ocupante da Casa Branca que gostava de circular por toda parte em carros abertos, com o torso e a cabeça expostos. Ninguém à época fazia qualquer varredura nos imóveis ao longo da rota presidencial.

Desde então tudo mudou, é claro. Se em Dallas havia 28 agentes acompanhando a viagem de Kennedy e o orçamento da agência era de US$ 5,5 milhões, em 2008, quando Barack Obama sequer ainda tinha sido eleito, 60 agentes já faziam a sua segurança como candidato. E o orçamento do Serviço Secreto ultrapassava US$ 1,6 bilhão.

Hoje a agência foi acrescida de unidades de contra-atiradores de elite e de equipes de assalto. E a limusine presidencial Cadillac One ganhou uma blindagem tão impenetrável que mais se assemelha a um tanque sobre rodas — é resistente a explosões e disparos de bazuca.

Graças ao trabalho do jornalista Marc Ambinder alguns detalhes operacionais se tornaram conhecidos recentemente. Ambinder é o único repórter até hoje que obteve autorização para acompanhar em tempo real uma megaoperação do Serviço Secreto: a proteção à centena de chefes de Estado desembarcados em Nova York para a Assembleia Geral da ONU de 2011. Seu relato consta do livro “Inside the Government Secret Industry — Deep State”, ainda sem edição no Brasil.

Apesar do seu gigantismo e complexidade, contudo, uma Assembleia Geral da ONU não consta da lista de eventos de dificuldade máxima (NSSE, da sigla em inglês) da agência. A cerimônia de posse de Obama e as convenções partidárias para a escolha dos presidenciáveis, sim.

Qualquer percurso de dez minutos a ser percorrido pela caravana presidencial, aliás, é precedido pela elaboração de um manual de instruções de 60 a 70 páginas sobre contingências, eventuais rotas alternativas, o que fazer em caso de ataque químico, entre outros.

Quando os deslocamentos são de porte o serviço pode dispor de 130 equipes de cães farejadores, e a primeira varredura dos futuros aposentos pode incluir a instalação de sensores químicos, biológicos ou radiológicos.

Ninguém que porventura se encontrar na rota presidencial estará dispensado de participar.

Que o diga um cidadão carioca de fino trato que em junho passado estava aquietado no Adlon Kempinski de Berlim — um dos grandes hotéis de berço da Velha Europa. Inaugurado pelo Kaiser, frequentado pela realeza no início do século XX, festejado nos anos dourados e destruído em 1945, o cinco estrelas Adlon continua a abrigar freguesia seleta depois de reconstruído. A localização privilegiada, com uma das faces escancarada para o Portão de Brandenburgo, sempre foi um de seus atrativos.

“Prezados hóspedes”, começava o comunicado redigido em alemão e inglês que o brasileiro guardou como memento, “[...] solicitamos manter janelas e cortinas fechadas no dia 19 de junho entre 14h e 18h. Solicitamos evitar que olhem pela janela ou ali façam qualquer movimento. A polícia e o Serviço Secreto terão unidades de elite posicionadas nos telhados da área e estarão observando a fachada do hotel e as janelas. Se necessário, a polícia e a gerência precisarão ter acesso a quartos e suítes [...]”

Era Barack Obama, em sua primeira visita-relâmpago por Berlim como presidente dos Estados Unidos. A frase dita por JFK meio século atrás, porém, continua valendo: não há como evitar em 100% um assassinato. Mesmo deslocando o presidente dentro de uma bolha de segurança cada vez mais fechada.

A nova América Central - MAC MARGOLIS

O ESTADÃO - 24/11

O ataque foi rápido e violento. Na madrugada de 14 de novembro, três homens armados invadiram a sede da Pro-Búsqueda, entidade cívica de El Salvador dedicada a rastrear crianças desaparecidas na guerra civil. Saquearam o escritório, levaram computadores e atearam fogo no que restava. Ninguém foi preso ou assumiu o ataque, nem precisava. Naquele país mal cicatrizado do combate, tal truculência dispensa apresentações.

Apenas 72 horas antes, a Corte Suprema salvadorenha ouvira depoimentos inéditos sobre outro ataque, ocorrido três décadas antes, quando tropas do governo entraram atirando num vilarejo. As testemunhas, crianças na época, viram seus pais serem mortos pelos militares, mas sob a guarida da Pro-Búsqueda, agora, contam à nação a história daquele dia de 1982.

Os tempos de chumbo na América Central estão de volta? A Igreja Católica não titubeou. Mês passado, a arquidiocese de San Salvador, repentinamente, fechou seu escritório jurídico. Pudera. Seu arquivo de 50 mil documentos sobre abusos de direitos humanos é a fonte principal dos processos contra ex-autoridades nacionais.

Há muito mais. De 1979 a 1992, sucessivos governos salvadorenhos, muitos com a bênção dos EUA, combateram insurgentes marxistas. De ambos os lados, morreram 75 mil. Veio a anistia, em 1993, que pôs o véu sobre o conflito, com a crença de que a sociedade só se cura quando para de cutucar a ferida. O assalto contra Pro-Búsqueda abalou essa convicção. Ou não.

Vitaminada pela reconquista de liberdade democrática, a sociedade reivindica direitos e rejeita o silêncio. Alega que não há reconciliação com histórias mal contadas. O clamor moveu parlamentos e tribunais, que começam a escancarar os porões. Ganharam reforço da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, ano passado, vetou a anistia para crimes contra a humanidade.

Foi a senha para vasculhar o massacre de El Mozote, de 1981, quando tropas oficiais mataram mil pessoas, metade delas crianças. Outros processos pipocaram pela região, arrastando os antes intocáveis aos tribunais - até Efraín Ríos Montt. O ex-general guatemalteco conseguiu anular uma sentença, em maio, mas ainda responde por genocídio.

Claro, os brutos ainda rondam a região, mas não amedrontam mais. Eis a boa-nova na América Latina. A má notícia é que os opressores de hoje não usam manequim verde-oliva. Têm roupas de grife e smartphones, trabalham nas frestas do sistema financeiro e dominam a democracia. Alguns usam popularidade nas urnas para concentrar superpoderes, como Nicolás Maduro.

Na América Central, os militares cedem lugar aos narcoempresários e suas redes de crimes transnacionais, com as quais conseguem intimidar governos, comprar juízes e desordenar seus países. A América Latina é a região mais insegura do mundo. Três dos países mais mortíferos - Honduras, El Salvador e Guatemala - estão na região.

Seu calvário é a geografia da droga, com os produtores da cocaína e maconha, ao sul, e o maior mercado consumidor, ao norte. Assim, em pleno reavivar das liberdades democráticas, a América Central sofre com corrupção, instituições frágeis e política fratricida. A ditadura de bananas tornou-se a democracia de bananas, onde imperam os donos do crime. É um poder com que os generalíssimos apenas sonhavam.


GOSTOSA


O pastor e os negros - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 24/11

O pastor Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que briga com os gays, talvez para não ficar completamente isolado, parece cortejar o movimento negro.
Marcou para o dia 12 de dezembro audiência pública a pedido do Instituto de Advocacia Racial. Será discutido o descumprimento da lei que instituiu o ensino de história e cultura afro-brasileira.

A hora da bola
Portela e União da Ilha ensaiam toda quarta. Menos na próxima. É que no mesmo dia e horário o Flamengo vai disputar a final da Copa do Brasil contra o Atlético Paranaense.
Os ensaios serão na quinta.

Calma, gente
Um formando da turma de Medicina da Souza Marques levantou um cartaz, quinta, na formatura no Citibank Hall, no Rio, com a inscrição: “Mais vale um recém-formado do que um médico cubano.”
Parece preconceito. E é.

Cueca é calcinha
Rita de Sousa Tavares, filha do escritor português Miguel de Sousa Tavares, autor de “Equador”, está lançando um guia de compras de Lisboa para... brasileiros.
O guia explica, por exemplo, que cueca é... calcinha de mulher. E calção de banho é... tanga.

Um pingo de História
O diretor André Heller-Lopes vai montar “Norma”, de Vincenzo Bellini, no início do ano que vem no Rio.
A ópera causou furor na corte brasileira no final do século XIX, estrelada pela cantora lírica italiana Augusta Candiani (1820-1890).
Ela terminou não voltando para a Itália e virou uma espécie de musa de Machado de Assis.

O papel de Sarney
Foi consagrado nos livros escolares que a ditadura implantada no Brasil em 1964 terminou no dia 15 de março de 1985, quando José Sarney assumiu o cargo de presidente.
Mas não é esta a opinião do historiador Daniel Aarão Reis, que lança, em janeiro de 2014, o livro “Ditadura e democracia no Brasil — 1964-1988”, pela Zahar.

Segue...
Na obra, Aarão Reis sustenta que, em 1985, não houve nenhuma mudança relevante no Brasil, além da chegada de Sarney ao governo:
— Sarney foi líder da ditadura e, depois, mudou de lado. Defendo a ideia de que a ditadura existe quando o governo pode criar ou revogar leis na hora que bem entende. De 1979, quando os atos institucionais foram revogados, até 1988 houve um período de transição. Já não era ditadura, mas ainda não tínhamos uma democracia.

Agora é oficial
Eliana Calmon entrou, sexta, com pedido de aposentadoria no STJ. A publicação no DO será somente no dia 18. Ela vai disputar um cargo eletivo, em 2014, pelo PSB da Bahia.

Parece, mas não é
Veja só o quadro ao lado. Ele está na Pinakothek der Moderne, em Munique.
Ruy Castro e Heloisa Seixas, o querido casal de escritores, assim que viram a peça julgaram estar diante do retrato do Congresso Nacional, projeto de Oscar Niemeyer, de 1958.

Na verdade...
Trata-se de Komposition K IV, do vanguardista húngaro Moholy-Nagy, feito em 1922.

Por falar em...
A Transpetro decidiu dar o nome de Oscar Niemeyer ao navio gaseiro que está sendo construído pelo Estaleiro Vard Promar, antigo Caneco, no Rio.

Favela disputada
A favela Santa Marta, a primeira a ser pacificada no Rio, recebe tantos pedidos para servir de locação que chega a ter fila de espera.
A produtora Glaz Entretenimento queria rodar na comunidade cenas do longa “Copa de elite”.

Só que...
A favela já estava ocupada pela tropa de Spike Lee, o diretor americano que roda um documentário sobre o Rio.
“Copa de elite” só vai poder subir o morro na sexta que vem.

Cena carioca
Na aula de spinning, quinta, na BodyTech da Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, o professor, para fazer o mulherio pedalar mais forte, soltou esta:
“Vamos lá! Imagina que vocês estão pedalando no calçadão, e vem o arrastão! Tem que correr! Olha o arrastão!”
Há testemunhas!

MÃE-MODELO - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 24/11

A top Carol Francischini vai se mudar para os EUA com a filha para retomar a carreira longe das especulações sobre o pai da criança e fala do machismo e das ciladas do mundo da moda


Aos 12 anos, Carol Francischini desembarcava em Nova York para iniciar sua carreira internacional. Em 2001, a garota de Lindoia (154 km de SP) passava-se por gente grande no glamouroso e incerto mundo da moda.

"Saí de casa adolescente. Foi uma loucura. Sozinha, sem falar inglês. Te jogam em um mundo bem real. Era tratada como adulta e tinha que me comportar como tal", relata à repórter Eliane Trindade, às vésperas de embarcar novamente para os Estados Unidos para um recomeço.

Doze anos depois, a modelo de 24 anos decidiu se mudar do Brasil, levando a filha, Valentina, que faz um ano na próxima sexta-feira. "Uma das razões é protegê-la da curiosidade."

O temor materno é que a filha seja tragada pelo turbilhão de especulações que cercou sua gravidez, quando Carol decidiu não revelar a identidade do pai da criança. Uma bisbilhotada no Google dá a medida do que a "produção 100% independente" representou na vida e na carreira da top. Entre as pesquisas relacionadas ao nome da modelo aparecem "grávida de Luciano Huck", "grávida de Bruno Gagliasso", "quem é o pai", e por aí vai.

"Não sei se vai ter um ponto final nessa loucura. Valentina está crescendo, vai fazer perguntas e ver tudo isso na internet", angustia-se Carol.

A bola de neve, reconhece, ganhou forma pelo modo como comunicou a gravidez. No backstage de um desfile no Fashion Rio, em maio de 2012, contou a novidade para um jornalista. "Ele perguntou quem era o pai e respondi: Não é ninguém'." Assim foi publicado. "Quando você fala é uma coisa, escrito é outra. Foi o meu erro. Achei que falava com um amigo."

Ao ler a notícia em um site de celebridades, Carol diz ter tomado um susto. "Era para ser o anúncio de uma coisa maravilhosa. Virou barraco."

A sanha em desvendar a paternidade do bebê da top logo se apresentou. Hospedada no hotel Fasano, Carol conta ter sido surpreendida com a primeira nota que dizia que o pai de sua filha era o músico Gabriel, o Pensador. "Eu estava na piscina e ele pediu para deixar a mochila do meu lado para ir surfar. Já virou pai, coitado", relata.

Era o primeiro famoso de uma lista que foi ganhando nomes, dia após dia. Em seguida, surgiram as especulações com astros da Globo, como Luciano Huck. "Coitado dele e da Angélica [mulher do apresentador]. Não tenho ideia de como ele surgiu no meio disso. A última vez que o vi havia sido seis anos antes. Ele nem lembrava que eu tinha ido ao programa dele."

Apontada como pivô da separação do ator Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank --o casal reataria meses depois--, Carol também se disse surpresa. "Encontrei o Bruno numa festa e virou isso."

Desabafa: "Precisavam achar um global? Não posso namorar um anônimo, um pobretão? Tinha acabado de terminar um namoro. Pessoas que encontrei em festas e jantares já viravam suspeitas."

Diz que a figura mais notória que namorou é o campeão olímpico César Cielo. Bem antes de engravidar, esclarece. "Meu histórico de relacionamentos é tranquilo. Nunca fui santa, mas também não peguei todo mundo." Jura que o anticoncepcional falhou.

Depois, apareceram os empresários. Um deles, Luigi Cardoso, ganhou ação de indenização de R$ 20 mil contra um blogueiro que escreveu ser ele o pai. Carol não processou ninguém. "Não tenho cacife pra isso. Advogado é caro", diz ela. Jantar em Miami com Luigi e a mulher dele, Lala Rudge, teria sido a deixa para que ele entrasse na lista.

Sobre a identidade do pai da criança, ela repete: "A pessoa sabe que é o pai, mas nunca procurou saber da filha. É minha filha e ponto". Um exame de DNA foi feito para liquidar o assunto. Quem espera a revelação nesta reportagem também vai se frustrar. "Valentina é a única pessoa que tem direito de saber quem é. No momento certo eu vou contar a ela."

O ônus de ser mãe solteira foi grande. Quando anunciou que estava grávida de quatro meses, a top estampava uma campanha mundial da GAP. Na volta às passarelas após o parto, livre dos 10 kg que engordou na gestação, Carol viu os contratos minguarem.

"Ela perdeu muitos trabalhos aqui. O cliente diz que é perfeita, mas não quer associar a imagem dela com sua marca", relata Isabel Oliveira, agente da modelo. Agenciada pela Joy, no Brasil, e pela Women, no exterior, a top chegou a faturar US$ 1,5 milhão por ano. "O dinheiro entrava e saía. Sou o homem da casa. Minha mãe e meus dois irmãos dependem de mim."

Os julgamentos foram impiedosos. "Ninguém ficou do lado dela. Decidir não abortar é uma atitude corajosa de uma menina tão jovem e com tanta coisa em jogo", afirma Liliana Gomes, dona da Joy. "Carol pegou o caminho mais difícil, o de não pedir ao cara que a sustentasse."

Em pleno século 21, sentiu na pele que o peso da decisão de ter um filho fruto de um relacionamento fortuito ainda recai sobre a mulher. "Sempre foi assim e está longe de mudar", resigna-se. "Nunca pensei em tirar o bebê. Muitas meninas disseram: Carol, com a sua idade passei por isso e não tive a coragem que você teve. Fui lá e abortei'. E se arrependem. Mas não abrem a boca."

Assim como pouco se fala da roda-viva em que candidatas a tops são lançadas, em ritmo de sexo, drogas e rock'n'roll. "Já passei por tudo isso. Vivo nesse mundo desde os 12, podendo ver e fazer tudo. Escapei de muita enrascada. Saía pra balada quase todos os dias. Se não tivesse cabeça, não estaria aqui. Muitas amigas se perderam."

A mãe e modelo diz que não deixaria a filha trilhar o mesmo caminho tão cedo. A top parou de estudar na sétima série. Rodou o mundo, com acesso VIP às melhores festas do circuito Paris, Milão, Nova York.

A maturidade veio a fórceps. "Virei mulher de uma hora para outra. Sou pai' de família. Valentina está em primeiro lugar." Agora, tenta passar a limpo a imagem de "destruidora de lares". A passagem por NY em novembro foi frutífera. Emplacou uma campanha para a Macy's. "Comecei a respirar", disse ela, por telefone, ansiosa para desembarcar hoje em São Paulo e poder abraçar a filha. "Fico sem ar quando a vejo pelo Skype. Valentina foi a melhor coisa que me aconteceu na vida."