O Estado de S.Paulo - 24/11
No final do primeiro trimestre uma onda positiva atingiu a Europa. O crescimento foi bom no período abril-junho, as bolsas subiram e o euro se valorizou.
Os dados mais recentes, entretanto, esfriaram os ânimos. No terceiro trimestre, a taxa de expansão do PIB, quando comparada com a do segundo trimestre, caiu fortemente na França (de 0,5 para -0,1%), a vida na Itália continuou difícil (quedas de -0,3 e -0,1%) e houve desaceleração na Alemanha (de 0,7 para 0,3%). O PIB da área como um todo cresceu apenas 0,1%. Embora a Espanha tenha saído tecnicamente da recessão (crescimento de 0,1%), a perspectiva para 2014 ficou mais preocupante.
Esse resultado é frustrante, porque foram feitos muitos sacrifícios até agora na busca de uma saída para a crise, como atestam as elevadas taxas de desemprego na região: Espanha, 26%; Grécia, 27%; França, 11%; e Itália, 12%.
Embora existam melhoras aqui e ali, o dominante é que a produção se eleva muito pouco, o crédito para as empresas ainda cai (-1,9% em setembro deste ano em relação ao mesmo período do ano passado), a competitividade das companhias italianas e francesas é cada vez mais preocupante e a dívida pública cresce em relação ao PIB, como se vê na tabela.
Entre 2010 e este ano, a dívida bruta em relação ao PIB da Grécia subiu de 157% para 176%, a da Itália de 119% para 132%, a da França de 82% para 93% e a da Espanha (que não tinha dívida significativa quando da eclosão da crise em 2008) viu seu passivo público subir de 62% para 94%, sendo que todos os dados deste ano são projeções para dezembro.
Ademais, descobre-se agora que a ameaça de deflação está muito mais próxima. Como se vê no gráfico, as taxas de inflação caem rapidamente na região, sendo que os 12 meses terminados em outubro, foram negativas em 2% na Grécia e em 0,1% na Espanha. Na Itália, a inflação no mesmo período caiu de 2,7% em outubro de 2012 para 0,7% no mês passado. Mesmo na Alemanha, a inflação foi de 1,2% vinda de 2% no ano terminado em outubro de 2012. A inflação na zona do euro caiu para apenas 0,7%.
Cresce a assimetria na Europa. A Alemanha construiu as bases de sua forte competitividade ao conseguir um histórico acordo entre patrões e sindicatos, na gestão de Gerard Schroeder, cujo resultado foi um crescimento muito moderado nos salários nominais durante a última década. Isso, associado à grande competência da indústria e à relocação de parte do parque produtivo na Europa Oriental, tornou os produtos alemães particularmente competitivos no mundo todo. Assim, o grosso da vantagem comparativa alemã é fruto de seu trabalho e de seus méritos.
Entretanto, é também necessário lembrar que a Alemanha se beneficiou muito da criação da moeda comum por, pelo menos, duas razões poderosas: o acesso dos produtos germânicos na zona do euro ficou muito facilitado. Embora isso seja verdade para todos os países, é óbvio que o mais competitivo se beneficiou mais. E mais importante ainda, o euro certamente foi sempre mais desvalorizado do que seria o marco alemão, sem a moeda comum, o que beneficiou a Alemanha na inversa medida que o mesmo euro prejudicou as exportações dos países mais fracos, como a Itália e a Espanha.
Além disso, pós-crise de 2008, a Alemanha é novamente beneficiada por três fatores adicionais. As empresas alemãs têm acesso a capital a um custo muito menor que as empresas similares nos outros países da zona do euro. Ao longo do tempo, essa é uma vantagem que se acumula.
Por outro lado, muitos jovens profissionais bem formados correm para trabalhar na Alemanha, fazendo com que as taxas de salário se mantenham relativamente baixas.
Em terceiro lugar, o país rola sua dívida pública sem grande prêmio de risco. Na verdade, às vezes, ele foi negativo. O resultado desse fenômeno também pode ser visto na tabela, onde se compara a projeção para o final de 2013 da relação da dívida bruta/PIB com a mesma posição em 2010. Lá se vê que a Alemanha é o único país cuja dívida caiu em relação ao PIB.
Exatamente o inverso de todas essas questões ocorre nos outros países europeus, cada vez menos competitivos em relação ao líder da região e sem grandes perspectivas de melhoras.
Diálogo de surdos. Ao mesmo tempo em que a assimetria se elevou no corrente ano, os esforços de integração fiscal e bancária pouco andaram. Parte disso se deveu às eleições em vários países. Entretanto, o impasse europeu ficou muito mais evidente. De um lado, os países devedores querem mais garantias e ajuda da Alemanha, argumentando inclusive que o crescente superávit externo do país é deflacionário e não ajuda o crescimento.
A esse argumento, os alemães retrucam que o superávit e o baixo desemprego decorrem exclusivamente de sua prudente política econômica e competência industrial e tecnológica, não estando dispostos a subsidiar gastadores compulsivos. As recentes críticas do Tesouro americano e do governo europeu ao superávit alemão reforçam o impasse. Temos hoje um diálogo de surdos na região.
Rumo ao impasse político. A Europa não vai, evidentemente, acabar. Entretanto, a percepção de um impasse vai contaminando a vida política: os pequenos partidos radicais em vários países são cada vez mais contra o euro e isso deverá se refletir nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. Uma França muito enfraquecida frente à Alemanha tende a desestabilizar a união monetária. Uma Itália em permanente crise política e que vê sua indústria ser lentamente destruída vai na mesma direção.
Logicamente, veremos em algum tempo do futuro o final do experimento do euro, tal como está organizado hoje. Entre outras coisas, é cada vez mais evidente a vantagem desfrutada por um país como a Polônia, que se beneficia do convívio com a Comunidade Europeia, mas com sua moeda própria. Basta ver que entre 2010 e 2012, o país cresceu 3,4% ao ano, mais de 10%.
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