O Estado de S.Paulo - 24/11
No início de 2013, o governo federal assumiu o compromisso de fechar o ano com um superávit primário equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Depois, reduziu a meta para 2,3%. Em setembro, o índice fechou em 1,58% e, faltando pouco mais de um mês para encerrar o ano, há mais dúvida do que certeza se alcançará, pelo menos, 1,7% do PIB.
Além dos investimentos públicos, em 2013 o governo passou a descontar da meta também as desonerações tributárias, possibilitando abater mais R$ 64,350 bilhões (até outubro) do resultado final. Com um jeitinho aqui, outro ali, manobras financeiras em bancos públicos, triangulação em operações com estatais, empréstimos exóticos ao BNDES, um leilão do petróleo para arrecadar uma bolada de dinheiro, mágicas e pajelanças de "tira da despesa e bota na receita", o governo tem abusado do manejo de números e desmoralizado as contas públicas para fingir cumprir a meta fiscal.
A quem engana? Ninguém. O que ganha com isso? Descrédito. Não há mais quem acredite na autenticidade das contas públicas. A última, agora, sangrou a Lei de Responsabilidade Fiscal ao desobrigar a União de cobrir metas fiscais não atingidas por Estados e municípios. A próxima será a mudança do indexador das dívidas dos Estados e municípios para favorecer a gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo (acaba de ser adiada, mas não cancelada).
Ao final de três anos de gestão e com a ajuda do mágico de disfarces decifráveis, Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional, a presidente Dilma Rousseff desconstruiu boa parte da estrutura de leis e regras que embasam a gestão séria e responsável e a credibilidade estatística no setor público. Uma estrutura que começou a ser construída há 20 anos, enfrentou dificuldades de aprovação no Congresso Nacional e que teve na Lei de Responsabilidade Fiscal a barreira maior a frear a ação de políticos e administradores públicos irresponsáveis e corruptos. Pois, lastimavelmente, essa estrutura vem sendo desconstruída, desmorona no governo Dilma.
Nos últimos dias a presidente ensaiou algumas ações para tentar recuperar a credibilidade e desfazer a impressão de que alimenta antagonismos com empresários. Foram poucas, frágeis e malsucedidas, porque destituídas de firmeza em seu propósito. Quer ver? No mesmo dia em que ela arrancou de líderes de partidos aliados um pacto para evitar a aprovação de matérias que impliquem aumento de gastos e cortes de impostos, ela afrouxou a meta fiscal ao desobrigar a União de cobrir metas não alcançadas por Estados e municípios. E mais: nesse mesmo dia, a pedido do governo, o Senado criou a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, com orçamento de despesas de R$ 1,3 bilhão, e mais 518 cargos comissionados no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), inflando a já obesa máquina de 39 ministérios - mais da metade deles é desnecessária e só serve para atrapalhar a eficácia na gestão.
Na terça-feira, Dilma Rousseff escolheu uma plateia de comerciantes reunidos na abertura do Congresso de Associações Comerciais de São Paulo para reconhecer razão em algumas críticas dos empresários. Beneficiados pelo modelo Dilma de estímulo ao consumo contra a crise econômica, os comerciantes não estão entre os empresários que mais a criticam. As críticas partem muito mais de potenciais investidores, que, por temerem interferências extemporâneas do governo em seus negócios, acabam retraindo investimentos. É o que tem atrapalhado e dificultado licitações de serviços públicos em busca do capital privado. A estes ela tem negado haver oposição de parte de seu governo: "Não há oposição, há é a vontade de meu governo de colaborar com os empresários".
Superávit factível. Há dias o ex-ministro Delfim Netto propôs a Dilma Rousseff que anuncie um superávit primário de 2% do PIB para 2014, sem truques nem enganações. "O importante é dizer que o superávit será de 2% do PIB e, quando chegar ao fim do ano, entregar 2%, sem truques", afirmou em entrevista ao Estado. Na quinta-feira, matéria da repórter Débora Bergamasco, publicada no Estado, informava que a presidente ordenou aos assessores que preparem uma estratégia e apresentem um número de superávit primário "alcançável e factível" até o final de seu mandato.
Estaria ela acatando o conselho de Delfim Netto? É possível. Mas, se seu propósito é verdadeiro, e não mais uma tentativa de enganar quem não se deixa enganar, serão necessárias muita determinação, disposição e firmeza para ela rejeitar demandas políticas de toda a sorte que resultam em dobrar, por vezes triplicar, certos gastos públicos em anos de eleições.
Firmeza para dizer NÃO aos caciques do Congresso, aos candidatos a governador, aos futuros senadores e deputados, aos prefeitos, aos partidos de sua extensa base de apoio, dizer NÃO às demandas de sua própria candidatura à Presidência. Dilma afrouxou as rédeas das despesas correntes e desonerações tributárias ao longo de três anos de governo e acabou se metendo na popular sinuca de bico de uma situação em que, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Não fosse a ameaça de ver a nota soberana do Brasil rebaixada por agências de classificação de risco justamente em seu governo, ela continuaria empurrando o imbróglio fiscal com a barriga. Mas tantos foram os truques para forjar o cumprimento da meta fiscal que seu governo caiu em absoluto descrédito como capaz de frear a gastança e garantir a capacidade de pagamento da dívida pública. Chegou a hora da verdade, de um superávit sério e crível. Será muito difícil de responder aos ataques políticos dos adversários na campanha eleitoral se ela fracassar e o País perder a posição de grau de investimento, conquistada e comemorada com muito festejo pelo amigo, padrinho, idealizador e antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
O tal superávit "factível" terá de contemplar forças opostas: ela precisa de dinheiro para vencer a eleição e continuar como presidente, ao mesmo tempo que terá de comprimir despesas para apresentar um superávit capaz de convencer as agências a não rebaixarem o risco Brasil. Como os truques estão desmoralizados e descartados, o que fará Dilma?
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