sábado, julho 13, 2013

O fascismo politicamente correto - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA

De que adianta manter as crianças numa redoma, se o mundo está cheio de lobos maus?



Vivo numa democracia. Como escritor, é difícil ter certeza disso. Acho que todo artista em algum momento teve a mesma sensação. Pessoas comuns também. A proibição em torno do que deve ser ou não falado é de lascar. As crianças são usadas como pretexto para proibições que nada têm de democráticas. Existe o veto claro, por meio de leis batalhadas pelas ONGs que se dizem bem-intencionadas. Mas também o realizado por grupos, professores e até pais de alunos que, eventualmente, criam situações constrangedoras para os mestres. Houve um caso, há anos, em que uma professora adotou, num colégio, um livro em que dois adolescentes tinham uma relação sexual – a primeira e mais romântica de suas vidas. Um pai exaltado reclamou. A saída encontrada pela direção foi arrancar a página da cena em que se realizava o ato, de todos os livros já comprados. Mas Shakeaspeare não mostra, em seu inesquecível Romeu e Julieta, dois adolescentes passando uma noite juntos? Escrevo livros infantojuvenis. Nunca me aventurei a falar de sexo por um simples motivo: a maioria dos pré-adolescentes sabe bem mais do que eu poderia escrever!
Professores cedem à pressão. Escolhem livros que não ofereçam riscos de reclamação. Da mesma maneira, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe colocar as crianças em situações constrangedoras. Aqui no Brasil, seria impossível filmar O exorcista, já que a menina possuída pelo demônio vive situações de violência. Outro dia, estive num debate em que, como sempre, a televisão foi duramente atacada.

– Como vocês podem mostrar situações de violência? E as crianças?

Resolvi falar das histórias de fadas:

– Joãozinho e Maria são abandonados pelos pais numa floresta. Atraídos pela bruxa má, Maria se torna escrava doméstica e Joãozinho é preso em cárcere privado, para engordar. Será, então, devorado pela bruxa. Engana a canibal e mostra um ossinho de frango no lugar do dedo, para fingir que continua magro. Finalmente, ela resolve assá-lo. Com a ajuda de Maria, Joãozinho empurra a bruxa para dentro do forno. Apoderam-se de suas riquezas e voltam para os pais, que os recebem felizes.

Quando terminei, houve um silêncio. Ninguém pensara nesse e noutros contos de fadas, muito mais fortes que qualquer novela de televisão. Concluí:

– Mas o conto é instrutivo. Ajuda a criança a lidar, simbolicamente, com sentimentos de rejeição familiares. A saber que há um mundo difícil a enfrentar lá fora. Do ponto de vista do inconsciente, é rico em possibilidades.

As ONGs e os defensores do politicamente correto se apoiam em questões que julgam ser objetivas. Dividem o mundo entre bom e mau. Confundem o que é complexo com o nocivo. Mesmo a Cinderela, tão querida do público infantil, não pode passar por uma interesseira, que se casa baseada no status do príncipe? Hummm... mas a questão é que esse é um conto de formação, que novamente lida com a rejeição e a existência de qualidades intrínsecas ao ser humano, aquelas que sobressaem mesmo quando negadas. O inconsciente não funciona como uma receita de bolo, em que determinados ingredientes levam aos mesmos resultados. É um sistema complexo e simbólico. Vivenciar a realidade por meio da ficção é uma preparação para a vida adulta e para este mundo, que não anda nada fácil.

As restrições já deixaram o campo da teoria. Além de livros inscritos num “índex educacional”, há escolas que aboliram o Dia das Mães e dos Pais. Argumentam que, com as novas famílias, divórcios, recomposições, deve ser comemorado o Dia da Família. Não é errado de um ponto de vista teórico. Poderia ser incorporado no calendário, assim como o Natal – que, para mim, sempre foi o dia da família, mas enfim... Defendo o Dia das Mães e dos Pais. É uma maneira de festejar um vínculo emocional, de reforçar os laços de amor, de dizer novamente: “Eu te amo”.

Estruturar o mundo por meio do politicamente correto é criar proibições que afetam as obras artísticas. Mais que isso, as relações com as crianças. De que adianta criá-las numa redoma, se o mundo lá fora está cheio de lobos maus e um dia será preciso enfrentar alguns deles?

Antes eu achava que o “politicamente correto”era apenas uma grande bobagem. É mais sério: tornou-se um exercício de controle, travestido de boas intenções. Sob a capa de democrático, revive anseio por um mundo autoritário e, por que não dizer, fascista.

Voz das ruas - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 13/07
O "Financial Times" publicou ontem reportagem dizendo que os acionistas minoritários de Eike Sempre Ele Batista tinham esperança que o governo (leia-se, o BNDES) fosse socorrer suas empresas.
Mas, segundo o jornalão, a agência de risco Moody"s, na sua análise desta semana, afastou a possibilidade devido à irritação demonstrada nas manifestações de rua com gastos do governo.

Usina de carvão

Aliás, gente do governo que acompanha o colapso do império de Eike diz que este projeto da MPX de construir uma usina de carvão de 590 megawatts é vital para o Porto de Açu não degringolar.
Nesta visão, a disponibilidade de energia e os incentivos fiscais tendem a atrair novos projetos para o porto. A conferir.

Calma, gente

O Ministério Público pediu a interdição do campo de São Januário, do Vasco, para os grandes clássicos do futebol carioca, inclusive do próprio clube.
Alega problemas de segurança.

Amigo do Papa

Uma semana antes de o Papa Francisco desembarcar no Rio, quem chega à cidade é o rabino argentino Abraham Skorka, que escreveu um livro junto com o Pontífice, e a quem Francisco chama de "meu irmão".
Na quinta, Skorka participa, com o padre Jesús Hortal, de um debate na Associação Religiosa Israelita.

Depois da cota

Segundo a Ancine, de julho do ano passado para cá, foram 2.851 licenças para filmes e programas de conteúdo nacional para a TV paga.
Um salto de 244% em relação a igual período do ano anterior
Ventos do norte Leo Gandelman lança mês que vem um CD em homenagem a mestres do saxofone nascidos no Nordeste.

São temas compostos por Moacir

Santos, Severino Araújo, K-Ximbinho e Ratinho, entre outros nomes responsáveis pela criação de um estilo genuinamente brasileiro para o sax. O projeto leva o título de "Ventos do norte".
Dente furado A Ampla terá que pagar R$ 5 mil a uma consumidora.

Ela adquiriu um plano

odontológico da empresa, pago em sua fatura de energia, e, ao usar o serviço de uma dentista credenciada, teve oito dentes sadios perfurados. A decisão é da 2ª Câmara Cível do Rio.

Caos nos cemitérios

Está na 5ª Vara de Órfãos e Sucessões um pedido de prisão contra o curador da Santa Casa, Dahas Zarur.
É que um senhorzinho diz que ganhou um jazigo perpétuo no cemitério São João Batista, no Rio. Há mais de um ano, por ordem judicial, ele tenta passar a propriedade para o seu nome. E não consegue.

Santa bolivariana

Com a assinatura de 60 crianças de uma creche, esta imagem de N. S. de Copacabana será entregue ao Papa.
Pouca gente sabe é que o nome do famoso bairro surgiu no século XIX com uma capela na praia com a imagem da santa que ganhou o nome da cidade boliviana de Copacabana.

Caso Myrian Rios

A Assembleia do Rio marcou para terça o depoimento de Anderson Souza da Silva, ex-motorista da deputada e atriz Myrian Rios.
Ela é acusada de usar verba pública para abastecer seu carro particular.

Cena carioca

Um ônibus da linha 226 parou fora do ponto, na altura do 6º BPM, na Tijuca, e uma passageira esbravejou: - Ô, motorista! Pode parar no ponto! Não vou descer aqui...
E o do volante: - Calma! É só falar direito! - Dá teu jeito! Eu pago o seu salário.
E o motorista, gaiato: - Ah é?! Então me dá um adiantamento.
Há testemunhas.

Viva Elba!

Devota de Nossa Senhora, Elba Ramalho vai abrigar em sua casa, em São Conrado, dez pessoas que participarão da JMJ.

Os jovens virão de Pernambuco, Paraíba, Espírito Santo e São Paulo. A querida cantora se apresenta no dia 22 no Riocentro e dia 23 no Santuário de Aparecida.

PORQUE HOJE É SÁBADO...

Ao lado de "dona" garça, o "seu" pato-do-mato (Cairina moschata) dá as caras no Jardim Botânico, e é flagrado por Laizer Fishenfeld, o nosso correspondente naquele oásis ambiental do Rio. A bióloga do Projeto Fauna, do JB, Gabriela Heliodoro, explica que o pato estava sumido, mas está aparecendo nesses dias de inverno, mais frios por lá. Domesticado por indígenas, pelo sabor de sua carne, o pato-do-mato é o mesmo que acaba na mesa paraense como a iguaria conhecida como pato no tucupi. Que seja feliz, fora do prato, claro.

O automóvel é o vilão. Ele está sozinho? - LICINIO DA SILVA PORTUGAL

O GLOBO - 13/07

As manifestações de junho colocaram a mobilidade urbana na pauta de reivindicações, o que parece ter motivado o governo e a sociedade a buscarem soluções para o setor, tendo sido o automóvel apontado como um dos principais vilões. E de fato ele o é.

Nessa direção, a política do governo federal de estímulo à aquisição de automóveis vem sendo questionada por muitos e responsabilizada como causa principal para a degradação do trânsito e dos próprios serviços de transporte público. Sem dúvida há uma quantidade indiscriminada de veículos na malha viária, gerando congestionamentos, acidentes de trânsito e impactos ambientais.

Mas a citada política é mesmo a principal culpada por essa situação? O governo se defende ressaltando a sua preocupação de preservar o emprego da mão de obra da indústria automobilística, que sabidamente engloba direta e indiretamente um grande contingente de trabalhadores, mesmo reconhecendo que, com a maior automatização usada nas fábricas, seu peso empregador vem se reduzindo. Tal preocupação se justifica diante da crise internacional que tem no alto desemprego um elemento crítico e impactante em muitos países, enquanto no Brasil observamos taxas equiparáveis ao pleno emprego. Além disso, essa medida de diminuição de impostos é reclamada por distintos setores da sociedade e, no caso do automóvel, o seu valor, mesmo após a redução, é relativamente maior que o praticado em outros países, como os EUA, além de as montadoras multinacionais produzirem aqui um veículo tipicamente menos sofisticado, o que reduz comparativamente o apelo pela sua compra.

Por outro lado, a partir do perfil dos manifestantes em defesa da Tarifa Zero, é provável que uma parcela significativa deles tenha pelo menos um automóvel na sua família e deve ter se aproveitado dessas facilidades de compra oferecidas pelo governo.

Junto a isso, verifica-se que o Brasil apresenta índice de motorização relativamente abaixo dos padrões internacionais. Estatísticas disponíveis indicam que, a cada mil habitantes, o Brasil tem em média menos de 300 a 400 automóveis que o observado na Europa e nos Estados Unidos (EUA).

Portanto, há outros fatores, além da posse de automóveis, que determinam a qualidade dos transportes, considerando que a população das cidades europeias e americanas tem uma melhor mobilidade que a nossa, apesar de também conviverem com problemas de congestionamento.

Entre tais fatores, pode-se citar: a) a disponibilidade de uma infraestrutura viária especializada e baseada em vias expressas (particularmente nos EUA), b) um gerenciamento adequado do espaço viário e da demanda de viagens, c) a qualidade da rede estrutural de transporte público (particularmente na Europa), e d) um corpo técnico capacitado e uma cultura de planejamento no quadro institucional. E tais fatores não são encontrados nas nossas cidades, o que potencializa os impactos de incrementos nos fluxos veiculares e sugere naturalmente atenção na adoção de incentivos à compra dos automóveis.

No Brasil, no que diz respeito à ampliação da infraestrutura viária, destinada fundamentalmente ao automóvel, seja pelo alto custo, seja por ser um modelo criticado por atrair mais veículos, deveria somente ser contemplada em condições muito especiais, mas sempre se reservando prioritariamente espaço para o transporte público e o não motorizado.

Quanto aos outros três fatores, eles devem ser efetivamente os principais focos a serem valorizados e fortalecidos nesse esforço para melhorar a mobilidade urbana. Inclusive, insisto, é essencial se dispor de um marco institucional respaldado tecnicamente e segundo processos de decisão participativos e transparentes, a fim de se construir e impor os interesses públicos diante do lobby e da força que movem a especulação imobiliária e a caixa- preta das empresas operadoras de transportes.

Esse contexto favorece a redução da necessidade de viagens motorizadas e principalmente por automóveis. Ou seja, com redes integradas e qualificadas de transporte público, seguramente estas modalidades serão atraentes, resultando em um menor uso do automóvel. E, se preciso, por meio de políticas restritivas à circulação e ao estacionamento do transporte individual. Havendo um planejamento adequado e articulado entre uso do solo e transporte, ocorrerão menos deslocamentos motorizados e consequentemente menos automóveis nas vias. Um exemplo disso pode ser mostrado em pesquisa recente realizada em Niterói, que apontou que em condomínios residenciais localizados em áreas mais compactas, com uso do solo misto e com melhor oferta de transporte público, são realizadas em média quatro viagens de automóveis a menos diariamente por unidade residencial.

Assim, é possível pensar em uma cidade cada vez menos dependente do automóvel e com uma população menos propensa a comprá-lo e a usá-lo. Quem sabe com pessoas que não o vejam como um símbolo de ostentação e poder, o que pode refletir maior sensibilidade e comprometimento com as mudanças efetivas para um mundo melhor e mais justo, a começar pela utilização de um bem coletivo como é a infraestrutura de transportes.

Mau momento para o herói - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 13/07

RIO DE JANEIRO - George Reeves, o primeiro Super-Homem do cinema (1953-1957), não podia sair à rua. As crianças o reconheciam, chutavam-lhe a canela para ver se era mesmo de aço e ficavam desapontadas quando ele saía pulando num pé só. Reeves morreu em 1959 com um tiro na cabeça, disparado por uma namorada, um marido traído ou - versão oficial - ele próprio. Seja como for, não foi uma morte apropriada para um super-herói.

Por causa disso, Hollywood levou 20 anos para voltar a acreditar em Super-Homem. Quando aconteceu, a escolha de Christopher Reeve (1978-1987) para interpretá-lo parecia definitiva, não fosse o acidente que deixou Reeve tetraplégico, em 1995. Mas o homem se sobrepôs ao herói --nenhuma façanha de Super-Homem, nem a de girar a Terra ao contrário para fazer voltar o tempo, se compara à atitude pessoal e pública de Reeve diante da doença, lutando por si e por outros na sua condição, até o desfecho, em 2004.

São só dois casos, mas tão contundentes que sugerem uma mandinga sobre Super-Homem. Outra personagem do cinema americano que também não parece dar sorte é Vicky Lester, a protagonista de "Nasce uma Estrela" --foi o último grande papel das três potências que a viveram: Janet Gaynor em 1937, Judy Garland em 1954 e Barbra Streisand em 1976.

Reeves e Reeve eram Super-Homens à altura de seus melhores desenhos nos gibis: maciços, de pescoço sólido e queixo quadrado. Já Henry Cavill, o novo Super-Homem, é microcéfalo e tem algum parentesco com Barbie. Se passar à história, será só como o primeiro Super-Homem a não usar a cueca por cima da calça.

Este é um mau momento para Super-Homem. Ficou antipático saber que, com sua visão telescópica e de raios X, ele pode não apenas ver a cor da calcinha de Lois Lane (tudo bem) como ler os e-mails de Lex Luthor --e os nossos.

Meio médico, meio escravo - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 13/07

Incapaz de convencer jovens médicos a trabalhar no SUS, o governo federal resolveu criar um novo profissional, o meio médico meio escravo. Esse profissional, inspirado nos mitológicos centauros e na famosa meia muçarela meia calabresa, virá em duas versões, nacional e importado. É a pizza que vai ser servida no SUS.

Durante anos dei aula para os calouros da Faculdade de Medicina da USP. Eram jovens que haviam escolhido uma profissão em que a derrota é certa. Ninguém consegue escapar da morte. Ingenuamente arrogantes e prepotentes, algo compreensível em quem sempre foi o melhor aluno, sobreviveu dois anos de cursinho, e se classificou entre os 300 melhores no vestibular mais competitivo, acreditavam que se tornando médicos curariam doenças letais, mitigariam o sofrimento, descobririam novos remédios e, lutando contra o único inimigo realmente invencível, ajudariam a humanidade. Durante os dois primeiros anos de curso, a maior dificuldade era mantê-los longe do hospital. Bastava surgir a oportunidade de participar em alguma atividade que envolvesse pacientes e a frequência nas minhas aulas de bioquímica minguava. Isso não era um problema, aqueles alunos aprendiam sozinhos.

Mas nos anos seguintes a realidade desabava sobre a cabeça dos alunos. O primeiro cadáver dissecado, cenas de sofrimento, a primeira morte observada de perto, a primeira parada cardíaca que não consegui reverter, um erro que só não foi fatal porque um supervisor estava atento. A primeira noite no pronto-socorro, uma lâmpada quebrada dentro da vagina de uma paciente. Na década de 80 ano, um aluno se suicidava todo ano. Hoje existe na Medicina da USP um serviço dedicado exclusivamente a ajudar os alunos a enfrentar a impotência e o convívio com o sofrimento e a morte.

Mas a realização do sonho também aparece, sofrimentos são amenizados, situações desesperadoras são revertidas. Aos poucos, os alunos percebem que a medicina moderna é poderosa, mas complexa. Com conhecimento teórico, muita prática e um trabalho coordenado de toda a equipe, o sonho pode se tornar realidade.

A arrogância do calouro que acreditava que se bastava, que o sucesso dependia somente de sua dedicação e esforço, desaparece. Ele aprende que o bom médico, sem recursos diagnósticos e equipamentos, sem leitos hospitalares, sem remédios, sem enfermeiros, sem fisioterapeutas, sem nutricionistas e sem um processo de gestão sofisticado e ágil, vai praticar uma medicina medíocre.

Doenças que poderiam ser curadas pioram, doenças controláveis progridem rapidamente e mortes que poderiam ser evitadas ocorrem frequentemente. Aprendem que o médico é somente uma peça importante do sistema de saúde. Esse aprendizado não é teórico, os alunos trabalham no caos semiorganizado do Hospital das Clínicas, fazem estágios em outros hospitais públicos e em centros de saúde. Ao terminar o curso, eles sabem que praticar a medicina sem suporte é tão difícil quanto jogar tênis sem raquete.

Para os recém-formados, a frustração mais difícil de tolerar é não praticar a medicina que aprenderam por falta de infraestrutura. Muitos, incapazes de suportar a impotência diante de pacientes que voltam piores por falta de remédio, frustrados diante de pacientes que não podem ser tratados por falta de resultados de diagnósticos, ou desesperados com a visão de filas infinitas, abandonam a prática médica. Outros, apesar de despreparados para tarefas administrativas, se tornam gestores na esperança de melhorar a infraestrutura pública. Vários preferem trabalhar em hospitais de elite, onde a infraestrutura é quase perfeita. Alguns desenvolvem uma casca mais grossa e aceitam fazer o que é possível, tolerando a frustração. E é claro que há os que se aproveitam da bagunça para fingir que trabalham e receber o salário no final do mês.

Não é de se espantar que nos últimos anos os serviços públicos não tenham conseguido atrair médicos para trabalhar nos postos de saúde e hospitais onde as condições de trabalho são piores. Os salários foram aumentados, mas a maioria dos médicos recusa um emprego fixo de R$ 10 mil em um local sem infraestrutura. O experimento não foi levado adiante, mas seria interessante saber o salário necessário para convencer os melhores alunos de nossas melhores universidades a venderem seus sonhos.

Melhorar as condições de trabalho é a solução óbvia. Mas isso exige que o governo assuma a culpa e deixe de empurrar o problema com a barriga. Mais fácil é culpar os jovens médicos, pouco patrióticos, que só pensam em dinheiro e se recusam a trabalhar em um sistema público de saúde bem organizado, eficiente, sem filas e tão bem avaliado pela população.

Diálogo no Planalto: "A solução é forçar os médicos a trabalhar onde queremos. Mas como é possível forçar alguém que possui um CRM e portanto o direito de praticar sua profissão em qualquer lugar do País? Fácil, basta criar um CRM provisório, que só permite ao recém-formado clinicar no local designado. Cumprida a missão, liberamos o CRM definitivo. Mas isso não é uma forma de coerção? Não se preocupe, o trabalho cívico fará parte formal do treinamento, basta aumentar o curso em dois anos. Boa ideia, quem escreve a medida provisória?"

No dia seguinte: "Um aluno com um CRM provisório é um médico de verdade? Pode tratar pacientes sem supervisão? Claro que sim, senão como ele vai trabalhar no local designado? Mas então ele não é um aluno, é um médico escravizado. Não, escravidão é inconstitucional, ele tem de ser também aluno, vai lá, escreve a MP, depois resolvemos esse detalhe. Sim, chefe, mas que tal incluirmos os médicos importados na MP? Basta dar a eles uma licença provisória para praticar a medicina no País, uma espécie de CRM provisório atrelado ao local de trabalho. Brilhante, vai, escreve a MP que o Diário Oficial fecha daqui a duas horas."

No terceiro dia eles descansaram. Haviam criado o meio médico, meio escravo. A pizza que esperam servir aos manifestantes. Se tudo der certo, agora vamos protestar na frente das Faculdades de Medicina e do CRM, os verdadeiros culpados pela crise na saúde pública.

De moscas, bêbados e dedicatórias - SERGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 13/07

Há coisa de um mês me referi aqui ao projeto de uma antologia literária sobre a mosca que a morte não deixou o escritor guatemalteco Augusto Monterroso levar adiante. Não me alonguei sobre o tema, restringindo-me ao próprio Monterroso (que revelou seu intento em Movimiento Perpetuo) e a Lydia Davis, que ao mais universal dos insetos dedicou dois dos microrrelatos compilados em Tipos de Observação, recém-traduzidos pela Cia. das Letras; e se agora o retomo é para, única e exclusivamente, dar conta de uma presença brasileira, e das mais ilustres, na confraria das moscas.

Se você não leu Um Inseto Sentimental, publicado neste caderno, pouso mensal de Milton Hatoum desde 2007, recupere o prazer perdido no preâmbulo às dezenas de crônicas que compõem a coletânea Um Solitário à Espreita, seleção de quase duas décadas de atividade jornalística do grande ficcionista amazonense, lançada durante a Flip pela Cia. das Letras. São 280 páginas de deleite ininterrupto, infensas à ação do tempo e pelo menos uma delas, Estádios Novos, Miséria Antiga, publicada no Estadão um ano atrás, atualíssima, para não dizer profética.

Hatoum cultiva o hábito, raro no gênero e profundamente gentil, de dedicar determinadas crônicas a amigos que de certo modo têm algo a ver com elas. Qual não foi minha surpresa ao me descobrir contemplado com uma dedicatória. Ganhei o dia, fiquei prosa como não ficava desde 2008, quando Tom Zé lançou um neossamba bossa nova (Barquinho Herói, no CD Estudando a Bossa), segundo ele inspirado num artigo sobre a mulher que eu havia publicado no Pasquim em 1970.

O mimo que o solitário à espreita me ofertou foi escrito para um livro sobre a Era Vargas, publicado em 2004. Com título de Uma Fábula, é uma viagem ao ano em que Getúlio se matou, a partir de lembranças da infância de Hatoum em Manaus. Ele tinha apenas 2 anos quando o presidente saiu da vida para entrar na história com o pijama manchado de sangue, mas conviveu longo tempo com seu fantasma: o retrato do velho na parede do grupo escolar, as brigas familiares em torno dele (um parente próximo o venerava, outro o odiava).

Custei um pouco a descobrir onde nessa história me encaixava. No dia em que Getúlio se matou eu estava de cama, derrubado por uma caxumba. Ouvi a notícia pelo Repórter Esso da Rádio Nacional, em edição extraordinária. Sem qualquer parti pris em relação ao presidente (tinha só 12 anos e meus familiares pareciam indiferentes aos arranca-rabos entre o trabalhismo e o udenismo), minha única reação à trágica notícia foi de regozijo pelos três dias de feriado na rede escolar, decretado pelo governo.

A reação do parente getulista de Hatoum foi dramática. Soube do suicídio enquanto almoçava no centro do Rio com a namorada; largou os talheres, a namorada, e foi-se juntar à turba enlutada diante do Palácio do Catete. O parente antigetulista morava em São Paulo e aderiu ao festejo que algumas vítimas da ditadura estado-novista, entre as quais o escritor e jornalista Paulo Duarte, improvisaram no velho e já desativado hotel Esplanada.

Nele pouco antes se hospedara William Faulkner, vindo de Lima (Peru) para um congresso de escritores. Só aí atinei com o motivo da dedicatória: Faulkner no Brasil. Ou terá sido outra coisa, recôndita, enigmática?

Por dez dias Faulkner não pegou a morte de Vargas. Chegou em 8 de agosto e se mandou seis dias depois. Bêbado full time, mal viu, se é que viu, a cidade, que num primeiro instante confundiu com Chicago, e no congresso fez forfait o tempo todo. Não desceu ao saguão do hotel para dar autógrafos nem entrevistas, "preferiu ficar bebendo e talvez escrevendo em seu quarto", conjectura Hatoum, quem sabe finalizando Uma Fábula, que publicaria naquele ano e, apesar das primeiras críticas adversas, lhe valeria um Pulitzer.

Admiro Faulkner, com menos intensidade que Hatoum, presumo, mas o ano em que Getúlio se matou e eu peguei caxumba ficou mais marcado em minha memória infantil pelo fiasco do Brasil na Copa do Mundo na Suíça, pelas fatais duas polegadas nos quadris da Marta Rocha, pelo Congresso Eucarístico no Rio, pelos ecos do Quarto Centenário de São Paulo, e, acima de tudo e todos, pela curta e tempestuosa temporada carioca da atriz Ava Gardner.

Faulkner acabara de ir embora, e Getúlio também, quando ela, "o mais belo animal do mundo", na imortal definição de Cocteau, desembarcou no Rio para promover o lançamento do filme A Condessa Descalça. Até porque não tinha idade para frequentar os lugares onde ela pisou, nem sequer de longe pude vê-la. Conheci, porém, um punhado de gente que a viu de pertinho, até apertou-lhe a mão e acendeu-lhe um cigarro (façanha histórica do José Lewgoy), e confirma: era mesmo o colosso projetado na tela.

Sua beleza inexcedível, quase irreal, dispensava realces artificiais. O menor adorno lhe era supérfluo. Até com os cabelos displicentemente presos com os palitos das azeitonas do Dry Martini (assim um fotógrafo amigo surpreendeu-a no bar do Copacabana Palace, e até hoje lamenta ter deixado sua câmera em casa) continuava imbatível. O problema era o martini; ou melhor, os martinis. Ava bebia como gente grande; muito grande. E do sexo masculino. Sua passagem pelo Rio foi, dizem, um pileque do princípio ao fim. Como a do Faulkner pela Pauliceia.

Ava armou um tremendo fuzuê no hotel Glória porque esperava ser hospedada no Copacabana Palace, onde por fim a alojaram depois de muita gritaria, ameaças (era desbocadíssima) e alguns móveis quebrados. Em sua autobiografia, a deusa negou tudo. Resta ver se na que acaba de sair, The Secret Conversation, fruto de longas conversas da atriz com Peter Evans, ela fornece mais detalhes sobre a "armação" de que teria sido vítima, a mando de Frank Sinatra, que por ela ainda morria de ciúmes. Quem não?

A gente cantamos - ROBERTO DIAS

FOLHA DE SP - 13/07

Quem sintoniza o rádio hoje no Brasil pode achar que os plurais foram abolidos da língua portuguesa. Parece ter sido implantada uma novíssima gramática, que desconhece fronteiras de gênero musical e regras de conjugação verbal.

Mais popular embaixador da atual música brasileira, dono de meio bilhão de visualizações no YouTube, Michel Teló promoveu um atentado à sintaxe, visível a olho nu já no título: "É Nóis Fazer Parapapá".

Gusttavo Lima, líder da lista latina da revista "Billboard", emplacou "As Mina Pira".

O sertanejo Sorocaba, compositor que mais arrecadou em 2012, oficializou o fim do "você" (em "O Que Cê Vai Fazer") e ainda tirou onda de sua habilidade linguística. Em "Imagina na Copa", mandou:

"E o nosso inglês tá bonito, tá bacana / Tô fluente igual o Joel Santana / Eu vou sempre empurrando com a barriga / Vou fazer um intensivão só pra pegar as gringas" (sim, ele canta o "s" de "gringas", mesmo atrapalhando a rima).

No rap e no funk, quem dá a bola quadrada é Neymar, habitué dos novos clipes. Se na Espanha ele se aventurou mais no catalão do que Messi, aqui gravou com a banda Ao Cubo um rap que anuncia: "Liga nóis canta assim". O jogador também promoveu McRodolfinho, que declama: "Traz bebida pras gatona, deixa elas malucona".

(As letras recentes, aliás, fazem Vinicius de Moraes, poeta do uísque "on the rocks", e Zeca Pagodinho, cantor das paratis e das geladas, parecerem abstêmios, tamanha a centralidade que o álcool tomou.)

Quem não quiser se arriscar a sentir saudade da nova língua de Brown deve evitar o funkeiro Neguinho do Kaxeta, portador de versos como "Eu tinha alguns bailinho marcado" e "Ô novinha vem com nóis, nóis damo condição".

O KLB, banda de sucesso entre adolescentes e eleitores, não viu problemas em aniquilar a matemática e a conjugação do verbo mais basilar da língua: "Cada dez palavras que eu falo onze é você".

O filósofo Wilhelm von Humboldt dizia que a linguagem espelha o pensamento. Por essa lente, vê-se em outra galáxia o tempo em que o drama cognitivo da música era desenhar o abajur cor de carne do inglês Ritchie ou destrinchar o tchan para mentes uspianas.

Ficou longe a época em que a música, mesmo a mais elitizada, produzia exemplos escolares. Caso do concretismo biológico de "O Pulso", dos Titãs. Da propositalmente desconjugada "Inútil", do Ultraje a Rigor. De "Corrente", de Chico Buarque, nas salas mais filosóficas. Da destreza com que Cartola, que parou de estudar no primário, desfilava pela segunda pessoa do singular.

Morto há mais de 400 anos, Camões sambaria miudinho para entender a vivíssima língua que o tem como referência. Nesses mares nunca dantes navegados, as mina pira.

O presente é afilhado do passado - MARCELO RUBENS PAIVA

O Estado de S.Paulo - 13/07

Levei minha afilhada para dar um rolê pelo meu passado.

Tomamos café. Pão francês quente estalando com dois jornais. Deixaram na madrugada na porta de serviço. Ensinei a ler jornal, virar uma página, sem esfregar os dedos na foto, para não deixar sujos de tinta. Descemos. Estranhou a porta do edifício escancarada. Nada de guarita, grades, cercas, câmeras. Estranhou o porteiro roncando, apesar do radinho de pilha ligado: "Acorda gorda!". Saímos sem incomodá-lo.

Nas casas vizinhas, pão e leite encaixados nas janelas sem grades. Vamos de táxi. Um Fusca vermelho à frente. Fiz o sinal. Perto, reparei que estava ocupado. Lá vinha outro Fusca. Verde. Parou, abriu a porta da frente, deu bom-dia, pulamos para o banco traseiro, puxou a corda de nylon amarrada na porta, para fechá-la. Vamos para o metrô. Nem precisei indicar a estação. Só havia uma linha.

A menina riu. É, os táxis não seguiam um padrão. Cada um era de uma cor. Fuscas não tinham banco de passageiro na frente. Eram raros carros quatro portas no Brasil. Só para os ricos.

No entanto, apontei, olha lá, os ônibus são padronizados, todos da mesma companhia, CMTC, todos com listas, azul e branco, como pijama de presidiário, ônibus sonolentos, que soltam fumaça escura, fedorenta. O taxista acendeu um cigarro e me ofereceu. Fumamos ouvindo pelo rádio Zé Bettio, com sotaque caipira: "Acorda, gorda!". Em BG, barulhos de passarinho, de gado. "Sete e treze em São Paulo. Acorrrdaaa!" Minha sobrinha ria. Mal sabia que era o programa primeiro lugar em audiência. Que ele era o maior salário da rádio brasileira. Que milhões o escutavam às manhãs: "Gorda, acorda!".

Fomos de metrô até a Estação São Bento. "Não é perigoso, tio?" Não, aqui é tranquilo. Perigoso é só na Praça da Sé, onde tem uns gatunos. Pelo resto da cidade, não tem problema.

Um grupo se acumulava na lateral da banca de jornal. Lia as capas expostas, pregadas como roupas num varal. Nos juntamos a eles. De repente, alguns jornais eram trocados. Por suas versões matinais. Porque tinham as edições noturnas, matinais e vespertinas. Tinham os tabloides eventualmente recolhidos pela censura. Uma banca de jornal era movimentada. Sempre cercada. Era o ponto de encontro de cada quarteirão. "Como o Twitter", ela disse. Como.

Descemos a Rua Direita, atravessamos o Viaduto do Chá e fomos tomar um café na Leiteria Americana. Sentamos numa mesa com toalha branca e cheirosa e guardanapos brancos e cheirosos. Um garçom com calça preta e avental branco nos atendeu. "Uma vez, minha mãe quando era estudante viu o Oswald de Andrade naquela mesa, tomando café. Ele frequentava este lugar." A menina perguntou se pediu autógrafo, falou com ele. "Ela diz que não. Que, naquela época, não se interrompia os devaneios de um escritor, de uma pessoa famosa."

"Nem fotos?"

Não, garota, ninguém carregava uma câmera fotográfica portátil no bolso acoplada a um minitelefone, com toda coleção de discos, álbuns de fotos, agenda, banco de dados, bússola, TV, despertador, correio, até aplicativos para transações bancárias, compras de passagem, que cabe na palma da mão. A maioria das pessoas nem telefone tinha.

Demos uma volta pelas livrarias da Barão de Itapetininga. Eram enormes, entulhadas. Pelas lojas de disco da 24 de Maio. Ela se surpreendeu, pois loja de sapato se chamava Sapataria, loja de roupa, Casa das Camisas, Casa dos Ternos, Casa das Cuecas, que lanchonetes se chamavam Lanchonete, Sucos, Sanduíches, que quem vendia óculos era Ótica, e relógios, Relojoaria. Que os únicos ambulantes tinham placas com dizeres "Compro Ouro". Que as ruas eram limpas, as pessoas, elegantes e magras.

Fomos até a Praça da República e, num banco, sob o sol que confrontava a névoa, tomamos um sorvete. "Estudei naquela escola no primário", apontei para o prédio do Caetano de Campos. "Minha avó morava naquele prédio", apontei para o luxuoso edifício da 7 de Abril. "Eu fugia da aula, pedia para alguém me ajudar a atravessar a avenida, a pessoa me dava a mão, atravessávamos, e me deixava naquela portaria. De uniforme. Bermuda azul, camisa de abotoar branquinha, meia até o joelho e sapato engraxado. Eu mesmo engraxava."

"Você tem saudades?"

"Claro que não. Você ia demorar para nascer."

Pegamos o trólebus até a Estação da Luz. Subimos a Rua Mauá. Na Praça General Osório, barricadas impediam a passagem de pedestres. Precisávamos atravessar a rua e caminhar pelo outro lado da calçada. Antes que ela perguntasse, expliquei: "Este prédio é o Dops. Ninguém pode passar em frente."

Na Estação Júlio Prestes, pegamos o trem húngaro até Campinas. Rápido, confortável, com ar condicionado. Em 50 minutos, passeávamos pelo centro de Campinas. Fizemos um piquenique no coreto da Praça Carlos Gomes.

"As pessoas são emburradas", comentou.

"As pessoas têm medo."

"De gatunos?"

"Não. Não deles."

"Teu passado parece triste."

"Um pouco. Todos devem ser. Quer voltar pro presente?"

Ela fez afirmativo. Não deu tempo para mostrar as pensões em que morei. Pensei que o passado era mais feliz. Mas passado não é melhor nem pior. Existe porque ainda estamos no presente. Que existe graças ao passado. Mais que parente, o presente é seu afilhado. E as tristezas, relegadas. Voltamos num Cometa.

Obama! Onde está Wally? - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 13/07

Ueba! Nova dupla na praça: Barbosa e Huck. Batman e Robin! Rarará! Eles não parecem Batman e Robin?


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Homem se esconde em presídio para fugir da polícia em Roraima". Rarará!

E mais esta: "Casamento gay é aprovado na Costa Rica por engano".

E mais esta: "Homem registrado como morto é eleito prefeito no México". Melhor um morto do que um que se finge de morto! Rarará!

E o Obama? Bom dia, Obama! Nós queremos saber: "Onde está o Wally?".

O Obama espiona o mundo inteiro e não sabe onde está o Wally!

E uma leitora quer que o Obama decifre um texto do Bial. Aí o agente da CIA pede demissão e vai morar no aeroporto de Moscou!

E a manchete do Piauí Herald: "Após espionar Galvão Bueno, agente da CIA pede asilo na Venezuela". Em camisa de força! Rarará!

E olha a pergunta que um leitor fez pro Obama: "Querido presidente Obama, eu só quero saber uma coisa: o Lula sabia?". Rarará!

E agora é assim: "Onde está o posto Ipiranga?". "Não sei, é melhor perguntar pro Obama." Rarará!

E adorei a fotomontagem do Lucca charges que revela como será o encontro da Dilma com o Obama.

Dilma: "Meu amigo Lula disse que você espionou o meu governo". Obama: "Ele não é seu amigo!". Rarará!

E os sindicalistas deviam ter aproveitado a greve geral de quinta e enforcado a sexta.

Não se faz mais sindicalista como antigamente! Rarará!

E outra coisa sobre manifestações: não aguento mais barulho de helicóptero. Se eu não aguento mais barulho de helicóptero, imagine quem mora perto do Cabral!

E sabe como se chamam as andanças, ops, as voanças do Cabral de helicóptero? Cabral Folia!

Mas o Cabral não andava de caravela? Trocou por helicóptero?

Em 1500, o Cabral tinha seis caravelas. Em 2013, o Cabral tem sete helicópteros! #obrasilmudou! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E esta: "Barbosa grava vídeo surpresa para festa de aniversário de pai do Huck".

Ueba! Nova dupla na praça: Barbosa e Huck. Batman e Robin! Rarará! Eles não parecem Batman e Robin?

E o que a gente faz neste fim de semana? Todos pra Paulista! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Mais médicos - DRAUZIO VARELLA

FOLHA DE SP - 13/07

Estamos despreparados para atender à demanda das enfermidades responsáveis pela maioria das mortes


A saúde no Brasil padece de dois grandes males: falta de dinheiro e gerenciamento incompetente.

Impossível levar a sério qualquer projeto que não enfrente ao mesmo tempo esses dois desafios. Investir apenas na organização é tão insuficiente quanto alocar mais recursos para um sistema perdulário, contaminado pela corrupção e por interesses políticos da pior espécie.

Há anos gravo programas de educação em saúde pelo interior do Brasil e na periferia das cidades maiores. Nessas andanças, aprendi que o Programa Saúde da Família (PSF) foi um grande avanço para o atendimento dos mais necessitados.

Por meio do PSF, iniciado em 1994, equipes formadas por médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários acompanham até 4.000 pessoas distribuídas em áreas geográficas delimitadas. Seus objetivos são a "promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e manutenção da saúde da comunidade."

Mais de 30 mil equipes, que contam com pelo menos 250 mil agentes comunitários, estão espalhadas pelo país. Aos olhos do visitante é notável a diferença das condições de saúde das populações que contam com elas. Estudo conjunto das Universidades de São Paulo e de Nova York mostrou que para cada 10% de aumento da população assistida, a mortalidade infantil cai 4,6%.

Pois bem, esse programa de sucesso precisa de médicos nem sempre fáceis de atrair, mesmo com salários mais altos. Precisa também de enfermeiras, dentistas e de técnicos qualificados, mas vamos nos deter na parte médica.

Médicos forçados a passar dois anos nessas equipes antes de receber a autorização definitiva para clinicar podem dar impulso considerável em busca da universalização do programa.

Se a Constituição permitir que o Estado obrigue alguém a trabalhar em local que não deseja, acho que os recém-formados poderão se beneficiar da experiência: aprenderão a exercer uma medicina que não é ensinada nas faculdades, conhecerão melhor as grandezas do país e a realidade perversa que condena à miséria, que governantes ufanistas insistem em proclamar extinta.

Essa medicina de pés descalços, no entanto, é incapaz de resolver problemas mais complexos. Estes dependem de profissionais motivados, com carreiras no serviço público bem estruturadas, unidades de saúde aparelhadas, hospitais equipados e administrados sem corrupção ou ingerências políticas.

Na Constituição de 1988, declaramos que saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes teve a ousadia de fixar meta tão pretensiosa. Infelizmente, os constituintes levantaram da mesa sem indagar quem pagaria a conta.

Passados 25 anos, constatamos que 56% do investimento em saúde vêm da iniciativa privada, para cobrir os gastos dos 48 milhões de brasileiros com mais recursos. Aos 150 milhões que dependem do governo cabe menos da metade do bolo.

Como consequência, esses 48 milhões de usuários dos planos de saúde têm à disposição quatro vezes mais médicos do que os 150 milhões atendidos pelo SUS.

Tal distorção acontece por uma razão óbvia: o médico procura estar no mercado que oferece salários mais altos e melhores condições de trabalho. Num sistema capitalista como o nosso, não são essas as expectativas de advogados, engenheiros, lixeiros, metalúrgicos e agricultores?

Apregoar como um grande salto na qualidade do atendimento à população a medida de obrigar recém-formados a prestar serviços em localidades desprovidas da infraestrutura mais elementar é simplificação demagógica.

Sem equipes treinadas, laboratórios de análises, imagens, centros cirúrgicos, acesso a medicamentos e a hospitais de referência para encaminhar os casos mais graves não se faz assistência médica digna desse nome.

Os especialistas calculam que no Brasil faltem 70 mil leitos hospitalares. Estamos vergonhosamente despreparados para atender à demanda das enfermidades responsáveis pela maioria dos óbitos: ataques cardíacos, câncer, diabetes, obesidade, derrames cerebrais, acidentes de trânsito, tabagismo, doenças pulmonares.

Atribuir a responsabilidade pelo descaso com o SUS à simples falta de médicos é jogar areia nos olhos do povo descontente.

Pouco a esperar no front fiscal - MAÍLSON DA NÓBREGA E FELIPE SALTO

O Estado de S.Paulo - 13/07

Depois que as agências de classificação de risco colocaram o Brasil sob perspectiva negativa, surgiram rumores de que o governo poderia adotar duras medidas fiscais para restabelecer a credibilidade nessa área. A grave perda da qualidade da gestão fiscal foi um dos principais motivadores do alerta de possível rebaixamento de nossa classificação. Mesmo assim, há poucas razões para crer em uma reviravolta.

A maquiagem das estatísticas fiscais foi criticada no nascedouro, neste mesmo espaço, pelos autores deste artigo (Contabilidade criativa turva meta fiscal, Estado, 30/11/2009). Passados quatro anos, o quadro piorou. Ao mesmo tempo, a denominada "Nova Matriz Econômica" tem colhido maus resultados: perda de confiança, inflação alta, retração de fluxos externos e baixo crescimento. Um grande fracasso. A retórica oficial de reafirmação do compromisso com a meta de superávit primário não convenceu. De fato, logo em seguida foram anunciadas novas ações expansionistas (Medidas Provisórias n.ºs 615, 618 e 620) e outras para "fabricar" dividendos dos bancos oficiais para o Tesouro.

O extensivo uso de abatimentos de gastos para cumprimento da meta fiscal contribuiu para o descrédito. Ficou claro que havia duas metas de superávit primário - a "meta cheia" e a "meta descontada" -, não demorando muito para que se duvidasse da responsabilidade fiscal. No caso do PAC, o governo anuncia uma meta de R$ 155,9 bilhões para o resultado primário e indica que R$ 65,2 bilhões poderão ser abatidos. Assim, a meta fiscal efetiva é de apenas R$ 90,7 bilhões.

Apareceram também inacreditáveis malabarismos financeiros. Em setembro de 2010, o governo contabilizou como superávit primário R$ 31,9 bilhões, relativos à cessão onerosa das reservas do pré-sal à Petrobrás. Sem que uma gota do petróleo tivesse sido extraída da camada do pré-sal, o caixa já registrava esse valor.

Não bastasse tudo isso, o governo achou uma espécie de pedra filosofal de dividendos nas operações do BNDES. Por um esquema inédito no mundo, o Tesouro perde dinheiro e, mesmo assim, recebe dividendos. Empresta recursos ao BNDES a custo inferior ao incorrido na venda de títulos públicos federais, faturando um prejuízo implícito. Como o banco lucra na operação (cobra um spread do cliente), paga dividendos ao Tesouro, que os contabiliza como receita primária. Desde 2000, o fluxo de dividendos passou de R$ 3,8 bilhões para R$ 28 bilhões. Agora, com um decreto de 28/6/2013, alterou-se o estatuto do BNDES, permitindo que os lucros destinados à composição de reservas para aumento de capital sejam transferidos à União na forma de dividendos. A correspondente deficiência de capital do banco será coberta pelo Tesouro, por meio de aumento da dívida pública. Enquanto isso, os subsídios decorrentes do diferencial dos juros nas citadas operações não são contabilizados, o que agrava as distorções e turva a contabilidade pública.

Por último, há as vendas, para bancos públicos, de créditos da União perante a Eletrobrás e o resgate de dinheiro do Fundo Soberano do Brasil (FSB), no exercício de 2012, justamente no último dia do ano.

Diante desse quadro, a reconquista da credibilidade perdida requereria que o governo desse um basta na contabilidade criativa, renunciando aos abatimentos de gastos e às renúncias tributárias, mesmo que a meta de superávit primário fosse revista para baixo. Dificilmente essa reconquista virá com o corte de despesas de R$ 15 bilhões, anunciado pelo ministro da Fazenda. Caberia interromper a transferência de recursos para os bancos públicos, que ampliam o endividamento público e escondem subsídios dos olhos da sociedade.

Estamos longe, pois, de uma reviravolta que restabeleça a confiança na gestão fiscal.

Dilma: Suste o susto do SUS - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 13/07

Não há como combinar a liberdade do exercício da profissão do médico com o âmbito projetado


A presidente da República marcou, para 2015, o início da atuação de acadêmicos de medicina a serem contratados para trabalhos próprios de sua carreira no SUS (Sistema Único de Saúde).

Sua justificativa --se aprovada no Congresso e acolhida pelo Judiciário em tempo hábil para seu cumprimento-- está na necessidade de ampliar o atendimento médico hoje disponível, marcado pela insuficiência quantitativa e qualificativa em algumas regiões do país. A medida vai engajar acadêmicos dos dois últimos anos do curso.

Quando chegar a hora de aplicar a nova legislação, talvez a atual presidente não esteja no cargo. Assumiu corajosamente o risco de remediar o número restrito de profissionais, com estudantes em final de aprendizado.

Verdade é que assustou alunos que se programaram para outros caminhos, não se dispondo à contratação referida. A questão constitucional, nada obstante a nobre finalidade da presidente, enfrentará forte resistência para a aprovação.

A chefe do Executivo dignificará, ainda mais, seu mandato se sustar para melhor análise as providências noticiadas. É o que explica, no título desta coluna, o verbo sustar (isto é: parar, por ora), mais o substantivo susto (sobressalto repentino do ato inesperado) e a invocação do Sistema Único de Saúde, nos limites do art. 198 da Carta.

Nele está dito que ações e serviços de saúde integram rede nacional, regionalizada e hierarquizada, a serem financiados nos termos do art. 196 da Constituição. Nesse, por sua vez, se lê que a saúde é direito de todos, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, que o povo bem conhece.

As medidas cogitadas, segundo a Folha noticiou nesta semana, incidirão sobre estudantes de medicina, para o fim de sua contratação oficial, como pré-requisito da formatura e posterior diplomação para exercício da medicina. É mais um ponto no qual o carro federal esbarra no direito alheio, a ser conferido pelos outros Poderes da República.

São duas razões básicas. A primeira está no capítulo inicial do segundo título de Carta Magna. Lá são definidos direitos e deveres individuais e coletivos do brasileiro e de estrangeiros residentes neste país.

A norma se encontra no art. 5º da Constituição, pelo qual é garantida a inviolabilidade (inviolabilidade, veja bem o leitor) do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

São dados que incluem, por exemplo, os termos do inciso 13 da mesma norma, na frase: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Possivelmente, foi nessa parte final que os conselheiros da presidente se basearam para dizer que a lei pode especificar o campo da necessidade de contratação pelo SUS.

Não há, porém, modo de combinar a liberdade do exercício da profissão com o âmbito projetado e, certamente, com o trabalho a contratar. Basta pensar na miríade de especialidades da medicina atual para a livre escolha e a vedação restritiva pretendida.

Cabe até lembrar as diversas condições da vida junto aos milhares de quilômetros em áreas próximas à nossa fronteira terrestre. É o que explica a coluna de hoje.

Campos troca aliados por Lula - JORGE BASTOS MORENO - Nhenhenhém

O GLOBO - 13/07

Há praticamente um ano, numa conversa a dois, Eduardo Campos disse a Lula que só haveria uma hipótese de não ser candidato a presidente: — Se o senhor for candidato, eu saio da disputa. Lula devolveu a gentileza com ironia: — Você só diz isso porque sabe que não serei candidato. — Essa posição é definitiva, presidente? — Eduardo Campos, vou te dizer uma coisa : a única hipótese de eu ser candidato não vai acontecer . Seria a ameaça de a Dilma perder a reeleição. Mas ela vai chegar lá melhor do que eu cheguei. A partir daí, Campos botou na rua a sua campanha. Passou a se reunir com empresários, políticos, líderes sindicais e artistas. Mas, assim como surgiu, desapareceu. Há quase um mês que Campos não conversa com ninguém do seu núcleo político. Mas, nesse intervalo , teve dois encontros com Lula, fora os telefonemas que passaram a trocar depois da passeata de 16 de junho

Candidatos, já!
Vem do PT de São Paulo a maior pressão para que o partido defina ainda em setembro seus candidatos aos governos dos estados. Éque o prazo para mudança de partidos com finalidade eleitoral termina no início de outubro.

Reforma ministerial
E Dilma considerou excelente ideia usar essa data também para dispensar os ministros que serão candidatos às eleições de 2014, embora, pela lei, possam ficar no cargo até abril do ano que vem. Assim, a tão requisitada re forma ministerial e administrativa seria colocada como pauta natural do governo e não como consequência das manifestações de ruas .

Paranoia
Toda vez que sai nos jornais que Dilma e Lula brigaram, o Palácio do Planalto acha que é coisa do Rui Falcão.

Predadores
Até os mais ferrenhos oposicionistas ao governo se declaram constrangidos com a oficina de desmanche da Dilma comandada pelos líderes do PT na Câmara, em parceria com o líder do PMDB, Eduardo Cunha.

Falange
Do Palácio do Planalto me vem a confirmação de que Vaccarezza e André Vargas são contabilizados já como liderados do “Coisa-Ruim”.

Geleira
Dilma, a um político que lhe perguntou se estava abalada com a sua queda nas pesquisas: — Às vezes, eu mesma estranho a minha frieza!

‘Fora, PMDB!’
Gleisi Hoffmann já teria também embarcado na canoa dos que defendem uma aliança preferencial do governo com o PSB para a reeleição da Dilma.

Recado
Do governador Cabral a um petista que quis saber se já tinha uma solução para tirar Lindbergh da disputa: — Não é problema do PMDB. Quem pariu Mateus que o embale.

Flip
Dilma e Eduardo Campos já têm assunto para o encontro que terão daqui a alguns dias: ambos gostaram do livro “Choque de democracia — Razões da revolta”, do professor Marcos Nobre, sobre as manifestações de junho.

Legendas partidas
Não pensem que a tsunami atingiu apenas Dilma e os governadores, os partidos todos estão se esfarinhando pelas divergências internas que conseguiam esconder antes de junho. Agora, o próprio PT , partido antes organicamente unido pelo discurso único , é o primeiro a querer separar o joio do trigo .

Colo amigo
Lula avocou para si a solução da briga entre Vaccarezza e Fontana pela reforma política. Teria, inclusive, convocado os dois para uma reunião ontem, em São Paulo. O ex-presidente defende a refor ma ministerial, mas só que, desta vez, quer ser menos invasivo do que quando impôs um Ministério a Dilma. O ex-presidente sabe que as restrições ao Ministério são feitas pela própria Dilma, que, por mais de uma vez, já reclamou que não gosta da maior ia dos ministros. Dilma teria dito a Lula que se sente muito incomodada, nos últimos dias, com a ação deletéria de alguns líder es do PT no Congresso


Em busca do novo Graal - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 13/07

Durante toda a Idade Média na Europa a busca foi pelo Graal, o cálice sagrado que, após o Cristo ter se servido dele na Santa Ceia, conteria o sangue que escorreu das suas chagas e feridas após ser crucificado. O Graal jamais foi descoberto, mas a sua busca alimentou e embelezou a grande literatura medieval (Tristão, o rei Arthur, a rainha Guinevère, etc.).

O petróleo é o Graal do nosso tempo, ou melhor, os substitutos do petróleo, as novas energias. Como o Graal, os engenheiros pensam de tempos em tempos ter descoberto este "Graal", mas depois de alguns anos nos frustramos e vemos que as novas e maravilhosas energias são apenas uma ilusão. Como o primeiro, este novo Graal energético é uma miragem. Magnífico quando observado de longe. Mas evapora quando o tocamos.

Hoje, Europa e França examinam dois destes "Graais" miraculosos. O primeiro é o agrocombustível. Considerados no início uma bênção e o advento de um paraíso energético, adorados pelos ecologistas, os biocombustíveis agora são acusados de todas as desgraças e tratados como infames.

Há alguns anos a Comissão Europeia apostou muito nos agrocombustíveis, mas agora os descarta. E deverá dar uma violenta "freada" na sua expansão em setembro, no Parlamento Europeu. Esta semana a Comissão do Meio Ambiente, que prepara o debate, decidiu contra o agrocombustível, que no futuro não deverá superar 5% dos combustíveis usados na Europa.

Agora o estímulo será no sentido de biocombustíveis realmente duráveis, à base de lixo e mais tarde de microalgas. O ministro britânico da Energia, Ed Davey, fez uma acusação brutal: "A Europa cometeu um erro. É preciso pôr fim ao agrocombustível o mais cedo possível".

Por que tanto opróbio depois de tantas esperanças? Em primeiro lugar, em razão do equilíbrio ambiental, desastroso segundo a União Europeia, em termos de gás de efeito serra. E em seguida diante de um novo conceito, da "mudança do uso do solo", ou seja, o deslocamento das culturas alimentares que teria provocado, na Amazônia e na Indonésia, a destruição de florestas, campos e turfeiras que são poderosas "armadilhas de CO2".

O segundo Graal energético é o gás de xisto. O governo socialista de François Hollande, cuja maioria é formada por ecologistas, desde o início descartou, em declaração solene, a hipótese de explorar o gás de xisto. Mas nem todos aprovam a proibição. Mesmo dentro do governo Hollande há alguns "indisciplinados" que afirmam que o gás de xisto, apesar de tudo...

Há dias foi um dos pesos pesados do governo Hollande, Arnaud Montebourg, que infringiu a doutrina oficial. O ministro da Retomada Industrial declarou que o gás de xisto, embora desastroso hoje, será uma "panaceia" amanhã, quando forem implementados protocolos de extração não poluente.

Mas os ecologistas aliados de Hollande já se rebelaram. E, de fato, horas depois o ministro da Ecologia, Philippe Martin (nomeado há oito dias), reagiu e lembrou que a doutrina do governo é clara: nada de gás de xisto.

E quanto à energia eólica? Sim, o vento, que não deixa traços.

Energia que tem aspecto bastante limpo. É verdade que faz muito ruído. Ela rompe o belo silêncio dos campos e além disso corujas, cegonhas e pardais se emaranham nas pás giratórias e podem morrer. No momento, contudo, nem os ecologistas nem a Comissão em Bruxelas se mobilizaram. A energia eólica continua de "vento em popa". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Um gesto americano - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/07
O governo dos Estados Unidos está disposto a fazer , nos próximos meses, uma revisão de seu sistema de monitoramento de informações no exterior . O gesto é um reconhecimento da dificuldade criada por seu país aos países da Europa e da América Latina que foram alvos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês)

O programa de acompanhamento de e-mails e ligações telefônicas foi denunciado pelo GLOBO, com base nas informações do ex-técnico da CIA Edward Snowden, que já havia denunciado o esquema a nível internacional.

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil ,Thomas Shannon, informou às autoridades brasileiras que um grupo de especialistas americanos virá ao Brasil e a outros países, citando diretamente a Alemanha, para iniciar essas conversações . Não houve a especificação sobre a missão americana, mas as autoridades brasileiras consideraram que uma reformulação desse sistema denunciado pelo ex -técnico da CIA Edward Snowden é necessária para que as relações bilaterais não sejam afetadas mais do que já foram no episódio .

Um ministro chegou a comentar que seria desnecessário enviar especialista s para explicar às autoridades brasileiras como funciona o sistema de espionagem dos Estados Unidos , "pois isso a gente já sabe". O governo americano estaria inclinado a um gesto desse tipo para dar aos países aliados razões para continuar agindo de maneira a não aumentar a crise internacional.

A situação do Brasil, por exemplo, seria delicada devido ao Mercosul, que reúne países da região hostis, na sua maioria, aos Estados Unidos, e a reação negativa, como era esperado, ganhou tom aci-ma do que vinha sendo utilizado pelo próprio governo brasileiro. Foi anotada pela diplomacia dos EUA a não adesão do governo brasileiro a sugestões drásticas feitas no calor da descoberta do esquema de espionagem, como dar asilo a Snowden ou cancelar a viagem de Estado que a presidente Dilma fará aos Estados Unidos brevemente.

O exemplo contrário é o do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, que vinha negociando nos bastidores uma reaproximação com os Estados Unidos, mas não resistiu a oferecer asilo a Snowden quando a oportunidade surgiu. O governo americano está ciente de que será necessário dar um tratamento especial ao Brasil nesses gestos de boa vontade justamente para permitir que o governo brasileiro tenha condições políticas de manter uma posição equilibrada na questão.

O caso do presidente da Bolívia, Evo Morales , que, em 2 de julho , na volta de uma viagem oficial à Rússia, teve os espaços aéreos de França, Espanha, Portugal e Itália fechados a seu avião oficial devido à suspeita de que Snowden estivesse a bordo, é emblemático de como essas situações delicadas das relações internacionais têm diversas facetas .


O fato de os governos europeus terem colaborado no cerco ao avião de Morales é ao mesmo tempo uma demonstração de que eles continuam apoiando os EUA, mesmo depois das denúncias de espionagem, mas também é combustível para aprofundar as divergências dos países da América Latina com a política externa americana. Os presidentes do Mercosul assinaram ontem documento em que deixam claro "o repúdio à espionagem por parte dos Estados Unidos nos países da região ".

Também haverá ação conjunta contra os países europeus exigindo desculpas formais pelo constrangimento a que teriam submetido Evo Morales . É previsível que, depois da revelação desse esquema de monitoramento de dados, a questão da segurança cibernética ganhe relevo na região e em especial no Brasil, que tem informações importantes a proteger , desde o enriquecimento de urânio até a exploração do pré-sal.

O ministro da Defesa, Celso Amorim, admitiu no Senado que o Brasil é vulnerável à ação de outros países e mesmo de hackers , e pretende aproveitar o episódio para transformar o tem a da segurança cibernética em prioridade em sua área. O fato é que o governo brasileiro soube enfrentar as denúncias com uma atitude firme, mas sem transformá-las em uma crise institucional que impedisse a continuidade das relações com os EUA em bom nível, como hoje. O passo seguinte está com os Estados Unidos.

Bravo mundo novo - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 13/07

Mesmo sendo um espaço desprotegido da irresponsabilidade, a internet é a celebração da liberdade individual



No dia 29 de setembro de 2010, o diário francês “Libération”, fundado por Jean-Paul Sartre, publicava denúncia que se tornaria um grande escândalo em toda a imprensa europeia. Em sua primeira página, o “Libé” dizia que misterioso vírus invadira o programa atômico do Irã e o presidente Ahmadinejad responsabilizava os serviços secretos israelense e norte-americano pelo caos instalado em centrífugas nucleares e computadores que controlam a infraestrutura do país. O vírus era imune a qualquer programa para eliminá-lo e nunca se conseguiu determinar de onde ele de fato viera.

Embora alvo de justa indignação, a espionagem internacional através de sofisticados processos cibernéticos já deixou, há muito tempo, de ser novidade no chamado concerto das nações. Ela é apenas um avanço tecnológico no sistema de escuta que nações exercem sobre outras, desde sempre. Sobretudo quando as que espionam são mais poderosas e têm mais interesses fora de seu território do que as que são espionadas. Cada vez que surge um escândalo desse, nada muda no mundo, a não ser a venda de “1984”, de George Orwell, com seu Grande Irmão que tudo vê.

O que é novo e digno de atenção é que não se trata mais apenas de espionagem militar, política ou econômica, mas do escancaramento de um mundo em que a privacidade deixou de existir, desde que Tim Bernes-Lee inventou a internet, um sistema digital de relacionamento que pudesse sobreviver ao apocalipse atômico, previsto como inevitável durante a Guerra Fria. O que quer que acontecesse, todos permaneceriam conectados para sempre, através da rede impossível de ser desfeita. Como acabou acontecendo.

Quando você fala em seu iPhone, alguém que não está em contato com você poderá saber onde se encontra, em que língua está falando, quem é seu interlocutor. Nenhum de seus e-mails ou posts em rede social está isento de publicidade. Eles se acumulam, junto com nossos dados pessoais, na infinita memória das grandes empresas do ramo, como Google, Gmail, Firefox, Facebook, Apple, Microsoft, todos esses nomes que incentivaram involuntariamente uma nova forma de pensar e que nos deram, junto com o fim de nossa privacidade, nova oportunidade de desenvolver o conhecimento e praticar as relações humanas de um modo diferente.

Hoje, um fabuloso satélite como o Hubble 3D nos revela a existência de um planeta azul como a Terra, o HD189733, numa galáxia muito distante do Sistema Solar. No macro ou no micro, estamos condenados ao fim de todos os disfarces e mistérios.

Tudo isso nos leva a um mundo pós-industrial, onde os valores não são mais medidos pelos objetos que fabricamos, mas por algo que está se organizando através de novos modos de conhecer, pensar e agir. É sobre isso que devemos refletir, em vez de simplesmente estigmatizar, com justa ira, o olhar de Tio Sam sobre nossas jabuticabas. Assim como a invenção da indústria não eliminou a agricultura ou o artesanato, a teia pós-industrial não vai eliminar nada do que lhe veio antes. Vamos sempre acumular a experiência do que vivemos e fabricamos, com a do que passamos a fabricar e viver.

Mesmo sendo um espaço desprotegido da irresponsabilidade, a internet é a celebração da liberdade individual e uma progressiva forma de relacionamento e confraternização. Não é desejável que ela sofra restrições, seja mantida sob controle de Estados autoritários ou não, desapareça (o que já é impossível). Para isso, talvez estejamos pagando o preço do risco de exposição de nossas comunidades e de nossas vidas privadas. E é difícil encontrar um meio de evitar essa angústia, talvez tenhamos que aprender, não sei como, a conviver com ela.

Em vez de reclamar do poder dos outros, construamos nossa própria força. Tornemos a submissão de nossa identidade às grandes empresas capitalistas do ramo uma garantia da liberdade conquistada através da internet. No Brasil, ainda estamos na infância cibernética, naquela idade em que mal aprendemos a ler. Mas não nos basta a alfabetização — precisamos ensinar nossos filhos a entrar no youtube, mas também e sobretudo a criar seu próprio youtube. Só podemos viver este mundo novo através daquilo que ainda não sabemos.

Recentemente, meu neto de 6 anos de idade perguntou de sopetão à mãe se era preciso casar para ter filhos. Apanhada de surpresa e desconcertada, minha nora balbuciou que não sabia. Ao que o menino retrucou firme: “Então entra aí no Google, mãe”. Segundo o grande neurocientista Antonio Damásio, “nossa vida política faz parte da evolução biológica”. Se não conseguirmos compreender isso e construir nossa democracia em cima disso, o sacrifício pessoal de Edward Snowden terá sido em vão.

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Marc Beauchamps sempre foi um homem doce, gentil e generoso. Como produtor e distribuidor de filmes, ele foi fundamental na retomada da produção de cinema no Brasil, a partir dos anos 1990. A partir de certo momento, Marc sucumbiu às drogas pesadas, abandonou seu trabalho e perdeu tudo. Desde 2010, passou a lutar contra a dependência química e já está limpo há mais de dois anos. Pois exatamente agora a polícia resolve prender Marc e atirá-lo no cárcere, ignorando seu tratamento e sua recuperação. Confundir uma pessoa doente com bandido é injusto, desumano e primitivo.

Arrumar a casa - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 13/07

A votação da Lei de Royalties revelou que o governo está desarticulado na Câmara. Por isso, os aliados advertem o Planalto que é preciso dar um jeito para evitar nova derrota, na reabertura dos trabalhos. Alertam que mantido o clima de “barata voa” será dura a batalha na votação do Código da Mineração. Os ministros do PSB, do PCdoB, do PDT, do PSD e do PRB vão levar uma prensa.

“Nunca na história deste país houve tanto desacerto numa base de sustentação de governo. Não há divã que resolva!”
Chico Alencar Deputado federal PSOL-RJ

Naufrágio à vista
Os grandes partidos (PT, PMDB, PSD e PSDB) definiram que o primeiro tema a ser votado na Comissão da Reforma Política será emenda constitucional pelo fim das coligações nas eleições para deputado federal e estadual. O coordenador da comissão, Cândido Vaccarezza (PT-SP), vai começar por aí. A intenção é liquidar com uma dezena de partidos. Mesmo assim, o clima é de pessimismo, porque os pequenos e médios partidos votarão contra, para assegurar suas sobrevivências. Um importante líder do PMDB comentou que o DEM, depois de ter sido dizimado pelo PSD, está mudando de posição.

Goela abaixo
Os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) têm a missão de enquadrar o líder do PT, José Guimarães, e o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT), contrários ao marco civil da internet.

Recado ao Planalto
Depois de se alinhar ao governo Dilma na batalha dos royalties, o líder do PP, Arthur Lira, informou ao Planalto que foi a última vez. Relatou que está desgastado na bancada, insatisfeita por ter perdido cargo na direção da Petrobras e pelas limitações impostas ao ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades) que, dizem eles, não tem autonomia.

Lavando as mãos
O presidente do PT, Rui Falcão, não quer nem ouvir falar de reforma ministerial. Diz que o partido não opina sobre a mudança de ministros, pois do contrário o governo poderia pedir a troca de integrantes de sua Executiva Nacional.

Sem feudos
Marina Silva enfrenta resistência de políticos interessados em embarcar na Rede. Os que têm mandato e prometem migrar para o novo partido querem a presidência da sigla em seus estados. E Marina está dizendo não! Ela quer uma nova formatação: uma coordenação, liderada por duas pessoas, sendo um homem e uma mulher, com mandato de dois anos e sem direito à reeleição.

Operação tartaruga
Alguns cartórios eleitorais estão usando filigranas para rejeitar filiações ao Rede. Eles têm se recusado a conferir as assinaturas de filiados com a do título de eleitor. As recusam por não conferir com a rubrica usada nas eleições de 2012.

Sem perdas nem danos
Apesar dos temores, o Rio não vai perder dinheiro com a Lei dos Royalties aprovada pela Câmara. Os recursos para Educação e Saúde serão provenientes do Fundo Social, ou seja, é dinheiro novo e da parte da União.

O SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA do governo do Rio concluiu investigação: os encapuzados nas manifestações são ligados ao tráfico de drogas e às milícias.

Verão passado - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 13/07

O lobby, encabeçado pelo ex-presidente Lula e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para que Aldo Rebelo reassuma a articulação política do governo provocou a ira da ala do PMDB ligada a Michel Temer. Peemedebistas lembram que o atual ministro do Esporte travou duro embate com o vice-presidente da República pelo comando da Câmara em 2009. Na época, Aldo criticou a aliança entre PT e PMDB, núcleo da base de sustentação a Dilma Rousseff no Congresso.

Em ata "No futuro, esse apoio vai depender de uma lista infindável de reivindicações e espaços que muitos aqui terão de ceder para a grandeza e para a força de um único partido'', discursou Aldo, advertindo sobre o preço que o PMDB cobraria pelo apoio a Dilma em 2010.

Tô fora Aliados do ministro do Esporte dizem que ele só deixará de disputar a eleição para deputado no ano que vem para ficar no comando da Copa do Mundo e não tem planos de voltar à pasta que ocupou no governo Lula.

Supervisão... Antes de ir para Montevideu, Dilma despachou com Gleisi Hoffmann (Casa Civil) sobre as alterações que o governo vai propor ao projeto de Marco Civil da Internet, que tramita na Câmara, com ênfase na proteção à privacidade e inviolabilidade de informações.

...direta Para o governo, a nova lei deve declarar nulas de pleno direito cláusulas de uso de sites que não estejam de acordo com a legislação brasileira. Informações pessoais só poderiam ser usadas comercialmente por redes sociais como o Facebook e sites como o Google com autorização expressa dos usuários.

Caça às bruxas Com a conclusão da Polícia Federal de que não houve crime na propagação do boato sobre o fim do Bolsa Família, Dilma vai instar a Caixa Econômica Federal a reavaliar seus procedimentos internos.

Mico coletivo Assessores palacianos acham que a demora do banco em admitir que havia feito mudanças no mecanismo de repasse do benefício "induziu" o Planalto a considerar que havia crime no boato, hipótese que o Ministério da Justiça chegou a considerar provável nos primeiros dias da investigação.

Rota... O PR retomou as negociações com Geraldo Alckmin para aderir a seu governo e ao projeto de reeleição do tucano em São Paulo.

... de fuga Dirigentes levaram ao Palácio dos Bandeirantes a mensagem de que o partido, que ocupa o Ministério dos Transportes, deixou de sofrer pressão de Dilma para firmar alianças com o PT nos Estados após a queda na avaliação da presidente.

Onde? Alckmin estudava ceder ao PR a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, mas decidiu extinguir a pasta no pacote de corte de despesas de seu governo anunciado no fim de junho.

Peregrinação Eduardo Suplicy (PT) tem percorrido o Estado nas caravanas organizadas pelo partido em São Paulo para defender sua candidatura ao Senado em 2014. Nos palanques dos eventos, ele constrange a cúpula partidária ao falar sobre a possibilidade de o PT ceder sua vaga a outra sigla e pede apoio para disputar a reeleição.

Via rápida 1 Militantes do PT estão sendo instados a assinar o anteprojeto de iniciativa popular pela realização do plebiscito da reforma política para participar da eleição interna para dirigentes da legenda, em novembro.

Via rápida 2 O apoio ao plebiscito foi incluído entre as atividades partidárias que o filiado tem de cumprir como exigência para votar no PED.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Criticados nas ruas, os políticos discutem a situação e propõem saídas para a crise. Mas Haddad sumiu. O prefeito tem medo do povo."
DO VEREADOR GILBERTO NATALINI (PV-SP), sobre a discreta submersão do prefeito Fernando Haddad (PT) após a crise da tarifa de transportes, em junho.

contraponto


Ritual do chá
Em palestra anteontem em São Paulo, Marina Silva dizia que, diferentemente de muitos que se disseram surpresos com a explosão dos protestos de junho, ela já previra, em entrevista, que o ativismo digital iria "transbordar" do "virtual" para o presencial.

--Me lembro que, quando falei isso, o jornalista me perguntou, se referindo ao ritual do Santo Daime: Que chá a senhora toma quando vai ao Acre'?

Diante das risadas da plateia, a ex-senadora emendou:

--Queria encontrar esse jornalista novamente para dizer a ele: Tome um pouco desse chá das ruas'...

A arte autoritária de passar a responsabilidade - ROLF KUNTZ

O ESTADO DE S. PAULO - 13/07
Num país quase desgovernado, a notícia mais animadora do mês foi o novo aumento de juros anunciado pelo Banco Central (BC), um raro sintoma de responsabilidade no alegre mundo brasiliense. Pode-se aprovar o arrocho monetário ou abominá-lo. Mas pelo menos em uma área da administração federal, é preciso admitir, há uma resposta organizada e racional a um desafio do dia a dia. Essa resposta é formulada para um problema bem definido, uma inflação persistente e distante da meta oficial, 4,5% ao ano. Além do mais, essa estratégia contribui para a restauração da credibilidade do BC, condição essencial para uma das funções principais da autoridade monetária, a administração de expectativas. Qual deveria ser a decisão, se essa autoridade tivesse de seguir os padrões agora dominantes, por exemplo, na área da saúde?

Como primeiro passo para -se ajustar a esses padrões, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria jogar ò problema para outro organismo, talvez para empresários e consumidores - de toda forma, para alguma entidade, grupo ou pessoa sem responsabilidade direta pela solução. O governo seguiu esse critério para cuidar - mais precisamente, para se livrar - do problema da saúde, um dos temas das manifestações de rua em todo o País. O exemplo é instrutivo.

Prover assistência médica universal e outros serviços de saúde, como sabe qualquer pessoa medianamente informada, è responsabilidade do poder público. A presidente Dilma Rousseff decidiu, no entanto, jogar o encargo para os estudantes de Medicina. Repetiu a façanha de outro petista, ministro da Previdência no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o pretexto de combater fraudes, esse ministro obrigou milhões de pessoas a um trabalhoso recadastramento. Para cumprir a tarefa, muitos aposentados e pensionistas foram obrigados a buscar agências bancárias em outras cidades. Houve casos de velhinhos em cadeiras de roda forçados a enfrentar filas.

Houve protestos e demonstrações de indignação. Mesmo sem aquelas barbaridades, no entanto, a decisão ministerial ainda seria condenável. Nada poderia justificar a transferência de um problema gerencial, o controle de fraudes, para milhões de pessoas inocentes e sem a mínima obrigação de fazer o serviço do setor público. Mas essa foi a solução escolhida pelo ministro da Previdência, com a bênção do presidente da República. O nó da questão, a transferência arbitrária de responsabilidade, nunca foi suficientemente discutido.

Em relação às políticas de preços, hoje é preciso buscar fora do Brasil os grandes modelos de repasse de tarefas. A arte de empurrar problemas para
Serviço civil obrigatório é mais uma aplicação do modelo Kirchner à administração brasileira os outros tem sido praticada com virtuosismo pelo governo da Argentina e com menor brilho pelo da Venezuela. A presidente Cristina Kirchner tem usado o conhecido poder de persuasão de seu secretário do Comércio, Guillermo Moreno, para jogar para produtores e comerciantes a tarefa e o custo de conter a inflação.

Com essa redivisão do trabalho, o governo pode continuar gastando e o BC fica livre da missão de usar a política monetária para conter a alta de preços. A estratégia é complementada pela publicação regular de indicadores ao gosto do governo e pelo veto à divulgação de índices calculados por economistas independentes.

Apesar da evidente admiração da presidente Dilma Rousseff por sua colega argentina, o governo brasileiro ainda se abstém de comandar os preços do comércio varejista e de intervir no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para controlar seus indicadores. Nessa áreas, o jogo de empurrar custos e responsabilidades permanece quase encerrado - atenção ao quase - nos limites do setor público. Envolve, por exemplo, a contenção de preços da Petrobrás e o uso de bancos e outras empresas do Estado para ajeitar as contas fiscais. As perdas impostas à Petrobrás por meio da intervenção nos preços de combustíveis são conhecidas. Parte do custo é transferida, naturalmente, aos acionistas minoritários, convocados, contra sua vontade, para a generosa missão de conter os preços.

A política recém-traçada para a saúde é um salto qualitativo em relação a esses padrões. Até agora os estudantes de Medicina só precisam, para conquistar o diploma, enfrentar com sucesso as tarefas e os testes acadêmicos. Terminada essa etapa, sua formação se completa com a residência - depois de mais um exame - e com a especialização. Os degraus seguintes, mestrado e doutorado, são opcionais. Mas o governo decidiu condicionar a formatura à prestação compulsória de um serviço público.


Além de ser mais uma tentativa escandalosa de transferir responsabilidade, essa pseudossolução é uma evidente demonstração de incompetência. Não se implanta uma política minimamente razoável de assistência à saúde sem investimentos em hospitais, postos de atendimento, transportes e serviços laboratoriais, por exemplo. É preciso pensar tanto nas condições de trabalho quanto na remuneração e na carreira dos profissionais. Se faltam médicos dispostos a entrar no serviço público, tanto nas capitais quanto no interior, o problema deve estar nas condições do próprio serviço, como apontaram nos últimos dias médicos experientes e altamente qualificados. Mesmo para um governo incompetente todos aqueles pontos deveriam ser óbvios.

Se a transferência de responsabilidades se tornar padrão em todo o setor público, a adoção do modelo Kirchner de política de preços poderá ser uma das próximas novidades. Não faltarão patriotas dispostos a fiscalizar os supermercados e - por que não - a apoiar pela força qualquer tentativa de controle da informação. Afinal, modelos desse tipo são essencialmente autoritários. Autoritarismo é complemento freqüente da incompetência.

Desfigurado - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 13/07

Desta vez, a pauta política caiu das nuvens sobre o colo dos dirigentes do Mercosul, no encontro de ontem em Montevidéu, capital do Uruguai.

As denúncias e os protestos contra a espionagem sistemática dos Estados Unidos e contra a inexplicável interdição do avião do presidente Evo Morales, da Bolívia, na Europa foram o ponto alto das intervenções da reunião.

E isso tem o lado ruim, na medida em que o Mercosul vai perdendo de vista seu principal objetivo, que é a integração econômica e comercial, para se tornar um organismo político de eficácia duvidosa.

Antes que alguém possa ter um entendimento equivocado sobre o que ficou dito, convém pontuar que a política de espionagem sistemática do Grande Irmão, exercida pelo Prêmio Nobel da Paz, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, merece o repúdio dos governantes e das instituições. Mas, decididamente, o Mercosul não é o fórum adequado para o que tem de ser feito.

Há questões econômicas e comerciais relevantes a discutir e colocar em ordem. A Argentina, por exemplo, vem impondo travas injustificáveis ao comércio intrabloco, que pelos tratados precisa ter livre fluxo.

A Tarifa Externa Comum (TEC), o conjunto de tarifas alfandegárias que incidem sobre mercadorias de fora do bloco e que teriam de ser uniformes para os países sócios, está hoje inteiramente desfigurada. O presidente do Uruguai, José Mujica, já observou que a TEC "virou um chiclete".

A integração comercial dentro do Mercosul não só deixou de evoluir; está em retração. Pior ainda, as negociações do bloco com o resto do mundo seguem bloqueadas. A condição de união aduaneira implica união comercial. Impede que cada um dos seus membros negocie acordos comerciais em separado com outras áreas e outros parceiros comerciais.

Com isso, o Brasil não consegue nem sequer abrir negociações. É um dos fatores que vêm fechando mercados para a indústria, num momento em que outros países seguem acertando acessos preferenciais entre si. Esta é a ocasião em que os dois maiores mercados do mundo, Estados Unidos e União Europeia, por exemplo, negociam o maior acordo de abertura comercial do Planeta. Também se forma agora outro bloco latino-americano, a Aliança para o Pacífico, que engloba México, Chile, Peru e Colômbia, com muito mais dinamismo que o Mercosul. E sempre que se abre preferência à indústria dos outros, a indústria nacional é que sai perdendo.

A solução imediata para o Mercosul, não custa repetir, é seu rebaixamento temporário à condição de área de livre-comércio, estágio de integração anterior ao da união aduaneira, que está longe de ter sido completado. Teria por objetivo liberar cada um dos seus membros para novas negociações, essenciais para garantir mercado e competitividade para a indústria.

Na falta de ações concretas, as cúpulas do Mercosul vêm-se limitando a ser encontros destinados à foto tradicional, à produção de espuma e a alguma performance política, quase sempre de impacto insignificante, porque destituída de densidade econômica.