sexta-feira, agosto 17, 2012

Os angustiados - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 17/08

O estresse nesta sexta-feira e na próxima semana não será privilégio dos réus do mensalão, que passarão dias ouvindo o voto do relator da Ação Penal 470, ministro Joaquim Barbosa. O presidente da Câmara está nesse rol, ainda que por outros motivos. Quem viu a imagem de um Marco Maia todo sorridente em Estocolmo, sentado ao lado de Pelé durante o amistoso Brasil e Suécia, jamais poderia supor que se trata de alguém pra lá de incomodado com a armadilha que criou para si próprio.

Maia prometeu aos oposicionistas que o governo seria democrático na execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União. Disse a integrantes de PSDB, DEM e PPS que seus municípios, leia-se as bases eleitorais, seriam atendidos em breve.

A promessa, feita com a chave do cofre que está sob o comando da presidente Dilma Rousseff, jamais havia sido feita por um presidente da Câmara. E, diante desse inusitado, os aliados do petista gaúcho veem o comandante da Casa em xeque diante do próximo esforço concentrado da Câmara, a partir da próxima terça-feira. Isso porque, depois das festividades dos últimos dias, em Londres e Estocolmo, os congressistas têm o dever de mostrar serviço e aprovar as propostas de interesse da população. Mas, por conta do baixo comparecimento das excelências na Casa, está cada vez mais difícil isso acontecer, especialmente na semana em que os candidatos a prefeito dão a largada na propaganda de rádio e tevê.

Por falar em esforço…

O Planalto já fez chegar aos congressistas que, na próxima segunda-feira, haverá liberação de limites orçamentários para os ministérios. Mas não há nada garantido para a oposição, uma vez que, em pleno calendário eleitoral, não é possível liberar recursos para obras novas nem assinatura de convênios. Isso significa que, se Marco Maia depender da liberação de emendas da oposição para aprovar qualquer coisa na Casa, vai amargar mais uma semana de Congresso paralisado. E, cá entre nós, por que um governo que, em tese, tem ampla maioria na Casa, precisa liberar emendas da oposição para empreender votações?

A resposta a essa pergunta traz algumas conclusões que fazem parte do portfólio das suposições em alta no Planalto. A primeira delas: Marco Maia e o líder do governo, Arlindo Chinaglia, usam a oposição como escudo para não deixar transparecer o descontrole sobre a base governista. Só que uma hora esse descontrole ficará cristalino, da mesma forma que, nos bastidores do Supremo Tribunal Federal, já se fala em possíveis condenações.

Por falar em STF…

A muitos soou esquisito o ministro-relator, Joaquim Barbosa, começar o voto pelo caso do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara. João Paulo é o único réu candidato a prefeito. Disputa a prefeitura de Osasco como se a cidade ficasse em outro planeta. No fundo, os petistas tinham poucas esperanças de que o voto do relator fosse diferente. Sabiam que a tendência de Joaquim Barbosa era em favor da condenação do deputado. Mas não supunham que seria por vários crimes — lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato (uso do cargo em benefício próprio). Muito menos que João Paulo seria o primeiro a ser colocado à beira do cadafalso por Barbosa.

Entre quatro paredes dentro do PT, há quem diga que ficará cada vez mais difícil o deputado manter uma campanha nesse período. Até porque não se sabe quantos dias os ministros vão levar para proferir os votos. E visto que os demais integrantes não são obrigados a seguir a mesma ordem do relator, talvez deixem para votar o caso de João Paulo ao fim de cada voto. Isso torna o período de julgamento embolado com a campanha eleitoral ainda mais incerto. Perto do caso de João Paulo, a angústia de Maia é, realmente, um passeio.

A Marilena Chaui sou eu - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 17/08


O mensalão foi uma farsa criada por Lula e Zé Dirceu com a ajuda de membros dos partidos aliados


COMO PUDE ser tão inexperien­te. Demorei a concluir o ra­ciocínio, a organizar o pen­samento e a juntar dois mais dois, mas cheguei lá. As peças agora se encaixam. Agora eu consigo ver o Roberto Jefferson e o Zé Dirceu se abraçando e rindo. Os tapinhas nas costas rolando soltos entre quem investigou e quem foi investigado.

Agora vejo Quim Barbosa, alonga­daço, tomando um uíscão relax no seu gabinete na gloriosa compa­nhia de Ricardinho Lewandowski. Apalpo a alegria de ambos, a amiza­de que os une e a cumplicidade compartilhada no comentário so­bre os momentos mais dramáticos do dia vivido na Corte. O teatro terá sido fabricado para surtir efeito na frente das câmeras.

Naquele mes­mo momento, não muito longe da­li, Marcos Valério e Duda Mendon­ça se reúnem depois dos extenuan­tes trabalhos no STF em algum sa­lão privado do Piantella, o restau­rante point do advogado Kakay (balão, aqui na minha mão) para ensaiar o dia seguinte.

Caiu a ficha, meu horizonte cla­reou: o mensalão foi apenas um fac­toide inventado pelo PT. O chama­do "maior escândalo político da história" e o intricadíssimo julga­mento que somos obrigados a as­sistir dia após dia na TV, com seus depoimentos, seus empréstimos forjados para cá, seus contratos fic­tícios com agências de publicidade para lá e sua grana de estatais pulu­lando acolá, não passa de pretexto.

O novelão que culminou na ação penal 470 e vem ocupando as aten­ções do país nos últimos sete anos nada mais é do que uma grande far­sa criada por Lula e seu ex-chefe da Casa Civil, Zé Dirceu, com a ajuda de membros dos partidos aliados.

Foi tudo feito para encobrir o lan­çamento, no nono ano do PT no poder, do maior e mais audacioso pla­no capitalista de que se tem notícia. Os barbudos não brincam em ser­viço. Bem que eles avisaram.

Se tivesse sido lançado por Rea­gan ou, digamos, Collor, o pacote anunciado por Dilma na última quarta já seria considerado de uma ousadia tremenda. Mas só mesmo no Brasil um governo que se autointitula de esquerda conse­guiria fazer Stálin, Ceausescu, En­ver Hoxha, Pol Pot e Kim Il-Sung (pai e filho, veneradíssimos) pular dobrado e bem mais alto sobre as brasas daquele lugar onde ora pas­sam a eternidade.

Só no Brasil a esquerda seria ca­paz de rasgar "O Capital" ao meio (haja músculo), mandar a tradição do sindicalismo catar coquinho na ladeira e constranger a Marilena Chaui em caminho de ida sem vol­ta. O que ela vai dizer para as negas dela agora, gente? O que, pelo amor de Deus?

Tentará a professora ale­gar que concessão não rima com privatização? Dirá que os desvali­dos também têm urgência de viajar de avião e que em razão dessa pre­mência tão real e palpável, nascida na região do diafragma, o governo se dispôs a privatizar absolutamen­te todos os aeroportos do país? Ai que dor, Marilena!

O Plano Dilma levanta suspeitas de que só os "amici" serão benefi­ciados pelo tutu das viúvas e em­préstimos do BNDES. Nada disso. Estamos falando da maior ejacula­ção capitalista desde que a Dama de Ferro se deitou pela primeira vez com Dennis Thatcher naquele lon­gínquo pós-guerra.

Daquele encontro nasceu uma parceria que mudou os destinos da humanidade e da economia de livre mercado. Deste agora, quem muda sou eu, que me igualo a Marilena Chaui na certeza absoluta de que o mensalão nunca existiu. Foi tudo uma farsa criada para que os fins justificassem os meios.

CPI com cabresto - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de S. Paulo - 17/08


Comissão parlamentar do caso Cachoeira decide não quebrar sigilo de firmas de fachada que atuavam com a construtora Delta no Sudeste
A CPI que deveria investigar ligações de políticos com suposto esquema de corrupção coordenado por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, transformou-se num espetáculo vexatório para o Legislativo federal.

Fabricada nas oficinas do lulismo com o intuito de expor malfeitos de nomes da oposição, fustigar a imprensa e dividir atenções com o julgamento dos réus do mensalão, a CPI rendeu-se à manipulação desde o início. Com ampla maioria governista, deu-se logo conta de que o caso poderia ter efeitos nocivos para petistas e aliados.

O feitiço lançado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em desastrada volta à cena política após período de enfermidade, revelou-se perigoso a ponto de seus acólitos providenciarem uma série de restrições ao inquérito. O desejado antídoto contra o mensalão arriscava tornar-se tóxico.

Agora mais um limite é imposto, com a rejeição a cerca de 250 requerimentos, entre os quais pedidos de quebra de sigilo bancário de empresas de fachada que teriam sido utilizadas pela construtora Delta no Sudeste. Ninguém ignora que nessa região se localiza o Rio Janeiro do governador Sérgio Cabral (PMDB), amigo do governo petista e de Fernando Cavendish, dono da construtora.

De acordo com a Polícia Federal, Cachoeira, preso há meses sob acusação de explorar o jogo ilegal, seria sócio oculto da Delta, que manteve relações com diversas autoridades e contratos com vários governos.

A alegação é que a atuação dessas empresas ultrapassa o foco da CPI, centrada nas atividades de Cachoeira no eixo Goiás-Distrito Federal. A recusa de devassar tais contas bancárias impedirá que parlamentares tenham acesso a dados importantes para o questionamento do empresário Adir Assad, responsável por parte das firmas, que deverá depor no dia 28.

Com sua tarefa facilitada, quem sabe Assad não precise repetir a cena patética dos depoentes que entram mudos e saem calados, no gozo do direito de nada dizer que possa incriminá-los. Silêncio, aliás, é o que desde já se espera do depoimento de Cavendish, que comparecerá à CPI no mesmo dia 28.

No dia seguinte, contudo, haverá alguma chance de a comissão obter repercussão, com a presença do ex-diretor do Dnit Luiz Antônio Pagot e do ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. Acredita-se que eles possam lançar suspeitas sobre campanhas eleitorais do PSDB e do próprio PT -cujos líderes tratam o recurso ilegal ao caixa dois como corriqueiro.

Nada de substancioso, porém, deve-se ainda esperar dessa CPI. Só mais escárnio com o país.

Olímpiada de gastos - ROBERTO FREIRE

BRASIL ECONÔMICO - 17/08


A Olimpíada de Londres acabou em festa, principalmente para a Inglaterra, que terminou em terceiro lugar no quadro de medalhas. Quanto a nossa participação, não há nada para comemorar. Houve aumento significativo nos repasses da Lei Piva para preparação dos atletas, passando de R$ 230 milhões no ciclo Pequim — 2008, para R$ 331 milhões neste ciclo.

O Brasil gastou quase R$ 2 bilhões de investimento no esporte neste ciclo olímpico, somando-se aos repasses da Lei Piva, o Bolsa-Atleta, os patrocínios estatais e os recursos vindos diretos do governo.

No entanto, ganhamos apenas um bronze e uma prata a mais e o número de atletas brasileiros em finais caiu de 41 para 35. Apenas em termos comparativos, conforme dados do Comitê Olímpico Brasileiro, a Austrália gastou cerca de R$ 1,7 bilhão e ficou em 10º no quadro de medalhas, a Grã-Bretanha gastou R$ 2 bilhões e ficou em 3º, e a Alemanha gastou R$ 3,8 bilhões e ficou em 6º.

Nossa decepcionante 22ª posição no quadro de medalhas é fruto de uma estratégia equivocada em sua origem. Em produtividade da equipe, estaríamos em posição ainda pior.

Segundo reportagem da Folha de São Paulo, em um ranking com a divisão do número de atletas inscritos (enviamos 258 brasileiros aos Jogos) pelo número de pódios, o Brasil ficaria em 51º lugar entre os 85 países que ganharam medalhas em Londres. Se levássemos em consideração o tamanho da população e o PIB, seria o fracasso completo.

O atual governo erra ao optar em torrar o dinheiro do contribuinte em esporte de alto rendimento ao invés de investir em estruturas e equipamentos esportivos de qualidade nas escolas e nas cidades, bem como universalizar a educação física e práticas esportivas para crianças e jovens, como forma de integração, lazer e identidade de nossa juventude.

É impossível formar atletas de alto rendimento sem ter a base que só a formação escolar pode oferecer. É necessário milhares de praticantes dos esportes para se garimpar e formar campeões olímpicos e se tornar uma potência esportiva.

A falta de bons resultados no esporte reflete a precariedade da educação no país, a falta de um planejamento estratégico do governo, tendo como horizonte, o longo prazo, e não uma premência midiática em cima "das grandes promessas olímpicas". Sem resolver o problema de base, o gasto em esporte tem se revelado desperdício de dinheiro público.

Precisamos cobrar resultados das políticas públicas, não só dos esportes, mas na educação, saúde, segurança, infraestrutura, etc. No entanto, vivemos em um país em que isso não é comum.

Cobramos resultados dos atletas e algumas vezes de maneira até insultuosa, todavia não cobramos resultados nem transparência dos dirigentes e gestores públicos. É essa cultura que precisa mudar.

Estamos torrando bilhões de reais para sediarmos a próxima Copa do Mundo e a próxima Olimpíada, e o "foco" é sempre o proselitismo ufanista. Precisamos ter claro quais benefícios, quais resultados, devemos esperar desses eventos. Estruturas esportivas que serão deixadas sem uso como elefantes-brancos na paisagem farão somente o Brasil campeão e recordista do desperdício de dinheiro público, mais uma vez. E, o pior, associado não raras vezes à corrupção.

Provas e versões - MARCELO COELHO

Folha de S. Paulo - 17/08


POSSIVELMENTE, QUEM acompanha o julgamento na TV Justiça já oscilou um bocado de opinião, conforme a lógica, sempre tão bem articulada, de quem acusa e de quem defende.

A "prova dos autos", repetiram todos os advogados nestes últimos dias, é insuficiente para condenar os réus do mensalão.

A partir do voto de ministro Joaquim Barbosa, que começou ontem focando as acusações contra João Paulo Cunha, a impressão de culpa se fortalece.

E isso se deve, por exemplo, a algumas circunstâncias lembradas por Barbosa. São as mesmas, aliás, de quem acompanhava o caso à medida que ele ia aparecendo nos jornais.

No começo, bem no começo, João Paulo Cunha negava ter recebido R$ 50 mil de Marcos Valério, na agência do Banco Rural de Brasília.

A mulher de João Paulo Cunha tinha ido ao Banco Rural apenas para resolver dívidas com a empresa de TV a cabo.

A famosa "opinião pública", tão atacada pelos advogados de defesa, talvez tenha até se disposto a acreditar nessa versão.

Mas teria de ser "pateta", como anda na moda dizer, se continuasse acreditando na história da TV a cabo depois que outros fatos apareceram.

Conta Joaquim Barbosa: foi feita uma busca nos arquivos do Banco Rural. Lá se encontra um fax, autorizando a retirada dos R$ 50 mil da agência bancária de Brasília.

No fax, estava a assinatura da mulher de João Paulo, atestando o recebimento.

Agora, a defesa utiliza esse fato para dizer que João Paulo é inocente, pois nunca recorreria à própria mulher para realizar a operação.

Mas será que ele não estava certo de outra coisa, a saber, que nunca iriam descobrir o que a mulher foi de fato fazer no banco?

E mais: o fax se refere a um cheque emitido pela agência de publicidade SMPB, de Marcos Valério.

Ainda assim, não houve corrupção, diz a defesa. O dinheiro veio por ordem de Delúbio Soares, para futuras despesas eleitorais.

Onze dias depois do recebimento desse dinheiro, João Paulo Cunha organizou uma licitação na Câmara dos Deputados, da qual saiu vencedora uma empresa de Marcos Valério.

Tudo parece bem evidente. Mas não se pode esquecer que estamos, sobretudo, no plano da convicção individual.

"Conjeturas, não provas", diz a defesa. "Tudo conduz a essa conclusão", diz quem acompanha o percurso das diversas versões, que começam negando tudo e terminam admitindo o menos pior.

A variedade das versões não é, a rigor, "prova" de crime. Mas é elemento de convicção para se considerar alguém culpado ou inocente. Até que ponto o juiz deve levar em conta, ou esquecer, essa parte da história?

A Babel - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 17/08


BRASÍLIA - Cumpre-se a profecia: o relator Joaquim Barbosa, que vem do Ministério Público e tem a cultura (ou vícios) do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não perdoa. Em seu primeiro voto, pediu a condenação do deputado João Paulo Cunha por corrupção passiva e do publicitário Marcos Valério e dois sócios por corrupção ativa.

João Paulo é um réu muito especial. Foi presidente da Câmara dos Deputados à época do mensalão, é um dos três com mandato parlamentar e o único candidato em outubro -à Prefeitura de Osasco (SP).
Além de corrupção passiva, Joaquim votou também pela condenação de João Paulo por peculato e lavagem de dinheiro. Em resumo, considerou que o réu usou o cargo na Câmara para favorecer Valério e tirar vantagens pessoais.

Esse primeiro voto de Joaquim Barbosa confirma a expectativa de que ele será um relator duro, implacável. Os demais réus devem estar profundamente abalados, com exceção dos dois para os quais Roberto Gurgel já pediu absolvição, Luiz Gushiken e Antônio Lamas.

Quem também parece abalado é o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, que começou a carreira como advogado, evoluiu para magistrado e que, mesmo antes do início do julgamento, já dera sinais (e declarações) de que iria criar problemas e confrontar o relator Joaquim. Há o temor, inclusive, de que um dos dois não suporte a pressão e renuncie.

O novo bate-boca é em torno de metodologia. O relator seguiu o roteiro de Gurgel, votando os oito itens originais da denúncia. Já o revisor -que era a favor do desmembramento- preparou o seu voto considerando o contrário: "um todo único".

Como alertou Marco Aurélio, se os votos do relator forem "fatiados" e ministros votarem "no todo", vão votar em alguns casos antes da manifestação do próprio relator. "Será a Babel", disse, equivocando-se. Não "será" uma confusão. Já é e está.

GOSTOSA


Papagaios noturnos - MILTON HATOUM


O Estado de S.Paulo - 17/08


Depois da Olimpíada, a ressaca. Mas durante o breve período dos jogos olímpicos, nós, que lutamos contra o sedentarismo e dores lancinantes na coluna, revivemos o tempo em que praticávamos esportes em várzeas, praças, quintais e descampados. Um insolente amigo sessentão chegou a afirmar que jogava melhor que Rafael e Juan, a quem atribuiu a derrota da seleção brasileira de futebol na disputa pela medalha de ouro. O que ele disse sobre o técnico Mano é impublicável.

Nem de longe fui esse craque que meu amigo afirma ter sido. Tampouco não era dos piores em três esportes que me fascinavam: tênis de mesa, futebol e judô. Nos dois últimos era apenas um atleta razoável, um jogador e lutador sem muito brio nas peladas em balneários ou nas lutas no tatame no porão de minha casa. Mas no tênis de mesa eu não fazia feio e, por pouco, não fui adiante. Nesse mesmo porão havia uma mesa oficial, adquirida por um de meus tios, que se tornou tricampeão amazonense de tênis de mesa. Ele e tantos outros jovens foram inspirados por Biriba, um dos grandes mitos do esporte brasileiro e um dos maiores mesa-tenistas de todos os tempos: o garoto que em 1961 derrotou Jung Kuo Tuan no Mundial de Pequim.

Meu tio, que em 1958 morava em São Paulo, assistiu à histórica partida em que Biriba derrotou o campeão mundial Toshiaki Tanaka. Poucos anos depois, de volta a Manaus, esse tio, que só falava na façanha de Biriba, me ensinou a jogar tênis de mesa. E eis que, em 1966 ou 67, ele entrou em casa com Biriba, que passava uma breve temporada no Amazonas. Vi de perto o mito de um dos meus esportes preferidos, assisti a várias partidas em que ele derrotou facilmente meu tio, que mal conseguia aparar os venenosos saques de efeito e as cortadas sempre certeiras, como se a bola faiscasse no ar e fulminasse o adversário com o estalo de uma chicotada.

Hoje, quando penso nessas partidas de Biriba, logo me vem à mente o poder de intuição e concentração do atleta genial, o modo de se posicionar e se movimentar em volta da mesa, o momento propício para a cortada fatal, habilidades que dependem muito da técnica e do treino obstinado, mas não apenas disso. Porque o desempenho de um grande jogador depende de algo mais, que eu não saberia nomear com precisão; talvez um dom particular, uma sensibilidade inerente a um tipo de esporte, uma sabedoria que transcende a técnica e o preparo físico, algo de que são dotados alguns poetas, músicos, atores e artistas.

Depois das surras sucessivas que Biriba deu no tricampeão amazonense, desisti do tênis de mesa e me dediquei a um esporte mais solitário: empinar papagaio. Passava cerol na linha, amarrava uma lâmina na extremidade da rabiola e participava de batalhas aéreas com papagaios belíssimos, que exibiam desenhos geométricos em papel de seda colorido. Voavam nas alturas e quase podiam tocar as nuvens. Não conhecíamos nossos adversários, e isso mitigava a humilhação dos vencidos e a exaltação dos vitoriosos.

Lembro que no fim de uma tarde, sem adversários à vista, fiquei flechando o belo objeto de papel, que ondulava no ar sob meu comando. Aos poucos, fui descaindo toda a maçaroca de linha até o papagaio tornar-se um ponto quase indistinto no céu anilado. Enquanto segurava a linha, sustentando no ar o papagaio invisível, minha imaginação também voava. Já escurecia quando vi uma estrela, e pouco depois uma constelação cobriu o céu do Amazonas.

Não abandonei o futebol, o judô e o tênis de mesa, mas descobri outro esporte, sem vencedores nem vencidos, que era um convite à divagação e a viagens imaginárias na solidão noturna de minha aldeia.

Vovó cortesã - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 17/08


RIO DE JANEIRO - Parece uma queda travada pelos dois braços de uma só pessoa. De um lado da mesa, a Constituição, que garante a liberdade de expressão, de imprensa e de acesso à informação. Do outro, o Código Civil, que garante ao cidadão o direito à privacidade e o protege de agressões à sua honra e intimidade. Dito assim, parece perfeito -mas os copos e garrafas afastados para os lados, abrindo espaço para a luta, não param em cima da mesa.

A Constituição provê que os historiadores e biógrafos se voltem para a história do país e reconstituam seu passado ou presente em narrativas urdidas ao redor de protagonistas e coadjuvantes. Já o Código Civil, em seu artigo 20, faz com que não apenas o protagonista tenha amparo na lei para se insurgir contra um livro e exigir sua retirada do mercado, como estende essa possibilidade a coadjuvantes de quarta grandeza ou a seus herdeiros.

Significa que um livro sobre d. Pedro 1º pode ser embargado por algum contraparente da família real que discorde de um possível tratamento menos nobre do imperador. Ou que uma tetra-tetra-tetraneta de qualquer amante secundária de d. Pedro não goste de ver sua remota avó sendo chamada de cortesã -mesmo que, na época, isso fosse de domínio público-, e parta para tentar proibir o livro.

Quando se comenta com estrangeiros sobre essa permanente ameaça às biografias no Brasil, a reação é: "Sério? Que ridículo!". E somos obrigados a ouvir. Nos EUA e na Europa, se alguém se sente ofendido por uma biografia, processa o autor se quiser, mas o livro segue em frente, à espera de outro que o desminta. A liberdade de expressão é soberana.

É a que se propõe o Associação Nacional dos Editores de Livros: arguir no Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do artigo 20 do Código Civil. Assim que terminar o mensalão.

Novos ares - SONIA RACY


O ESTADÃO - 17/08 

Matheus Mella Rodrigues, delegado da PF responsável pela Operação Monte Carlo – que levou o bicheiro Carlinhos Cachoeira para a prisão –, pediu e… levou. Acaba de deixar Brasília para morar com a mulher em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Reconhecido pela atuação na área de inteligência, chefia agora delegacia de combate ao desvio de recursos públicos.

English tea
Depois de Dilma visitar Downing Street durante as Olimpíadas, é a vez de David Cameron vir ao Brasil.

A embaixada brasileira em Londres trabalha com foco no mês de setembro.

Conta-gotas
A presidente, aliás, se encontra hoje com Graça Foster durante inauguração de fábrica da Braskem em Maceió.

Boa oportunidade para tratarem do necessário aumento dos combustíveis da Petrobrás?

Endereço
Unanimidade entre integrantes da iniciativa privada em São Paulo. Dilma precisou de coragem para montar o pacote de maneira técnica, ignorando idiossincrasias políticas.

Sinal claro de que quer deixar legado de peso no avanço da economia brasileira.

Rebatizado
E o pacote para o setor automotivo, a ser anunciado entre os dias 29 e 30, não será mais chamado de Inovar Auto.

O governo descobriu que o nome do pacote – com incentivos para fabricantes de peças e investimentos em geral – já está registrado.

Seguro da segurança
Comunicado recebido por moradores de sofisticado edifício nos Jardins: a empresa que faz a segurança, Haganá, teve carro… roubado.

“Pedimos que redobrem a atenção no procedimento de entrada e saída do prédio.”

Périplo
A Fifa inicia tour pelas cidades-sede do Mundial de 2014. Missão? Esmiuçar às autoridades locais, ponto por ponto, o regime de proteção às marcas de seus patrocinadores.

A comitiva visitará Salvador, Recife, Brasília e São Paulo até a semana que vem. No fim do mês, será a vez de BH e Rio.

Quem, eu?
Brizola Neto, ministro do Trabalho, se diz injustiçado com as críticas que vem sofrendo por suposta omissão diante da greve dos servidores federais. “A prerrogativa de negociar é do Ministério do Planejamento”.

Para o Trabalho, sobra ouvir e tentar flexibilizar limites impostos pela outra pasta.

Tipo exportação
A JHSF comprou prédio em Nova York, na 5ª Avenida. Zeco Auriemo confirma, mas mantém segredo sobre o que fará com o imóvel. “Será destinado a dar continuidade às nossas atividades internacionais, com foco em projetos para alta renda”, diz, misterioso.

Seria um novo Hotel Fasano?

Boca de urna
Somam 162 os candidatos que, a pedido da AGU, tiveram de mudar o nome no registro eleitoral. A Justiça vetou coisas como Ratão INSS, Caetano do Incra, Kennedy da Funasae outros criativos que tentaram pegar carona em autarquias e fundações públicas à caça de votos.

Mais 43 processos ainda estão à espera de julgamento.

Na frente
O Salão de Arte de São Paulo, de Vera Lucia Chaccur Chadad e Joca Guanaes, começa segunda, na Hebraica. Com obras de Volpi, Tarsila do Amaral e Portinari.

João Bosco inicia turnê para lançar o disco 40 Anos Depois. Hoje, no Sesc Pompeia. No mesmo local, dias 25 e 26, Joshua Redman, saxofonista americano, se apresenta com a Orkestra Rumpilezz.

Preta Gil canta em festa de 10 anos da grife de Emar Batalha. Dia 30.

André Franco Montoro Filho lança livro sobre ética concorrencial. Com prefácio de Tercio Sampaio Ferraz Jr. Dia 21, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos.

A Promenade Chandon, na Oscar Freire, é dia 26.

É hoje a final do torneio de golfe na Quinta da Baroneza.

Adriana Yazbek abre exposição em seu ateliê. Amanhã.

Alceu Castilho autografa seu Partido da Terra. Segunda, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

E chegaram atrasados à cerimônia no Palácio do Planalto – anteontem, para ouvir Dilma falar sobre portos e estradas – executivos de Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, além de Antonio Anastasia e Geraldo Alckmin, entre outros. Tiveram problemas com… aeroportos.

Mistérios esportivos - NELSON MOTTA


O Estado de S.Paulo - 17/08


O maior fascínio do esporte é a sua imprevisibilidade. A preparação, a dedicação, o esforço, o talento, não bastam para garantir a vitória - numa pista, numa quadra ou numa piscina, tudo pode acontecer. Haverá sempre um melhor, mais forte, mais rápido. Afinal, são seres humanos que sofrem, têm medo, são traídos, amargam perdas e frustrações, como todos nós. Grandes alegrias, ou tristezas, às vésperas de uma final, devem influenciar decisivamente a performance de um atleta. Mas a competição pode ser a motivação para superar uma grande perda; ou uma grande alegria pode afrouxar a tensão necessária para esticar a corda do violino.

Vitórias surpreendentes, derrotas inacreditáveis, viradas impossíveis, são a graça do esporte, que maltratam os nervos e explodem corações. Análises técnicas podem explicar resultados, mas não os mistérios das almas que habitam aqueles músculos. O que vai na cabeça desses garotos?, eu me perguntava na véspera da final olímpica do futebol. O que pensam? Como dormem? Será que dormem?

Numa bela tarde de verão, emocionado com a grandiosidade e beleza do estádio de Wembley, testemunhei mais um desses dramas. Como já havia assistido, em 1966, à seleção brasileira bicampeã, com Pelé e Garrincha, ser massacrada por Portugal em Liverpool. O pior foi a longa volta de trem para Londres: para animar o velório esportivo, a batucada dos brazucas veio cantando "Tristeza, por favor vai embora / minha alma que chora" até a Victoria Station.

Sem dúvida esses garotos são todos atletas de alto nível, que já foram vistos brilhando em seus clubes ou na seleção. São todos jovens, ricos, vitoriosos, e estão só começando a carreira. Então, como explicar o fiasco?

Trancafiados num hotel para velhos ricos, sem qualquer contato com os outros atletas na Vila Olímpica, nossos jovens craques eram mandados para os quartos às 10 da noite, onde lhes restavam a internet e o celular. Enquanto isso, no bar do hotel, cartolas de todas as federações estaduais do Brasil, convidados da CBF, enchiam a cara de uísque nacional, antegozavam a vitória e faziam planos para o futuro.

GOSTOSA


Na frigideira - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 17/08

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, candidato à prefeitura de Osasco, vai ficar fritando em toda a pré-campanha na condição de condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato. Sua condenação foi pedida pelo relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e, embora dez ministros do STF ainda não tenham votado, será nessa condição que ele pedirá votos aos eleitores. Um cartão de visitas e tanto.

O estilo Dilma
Depois de meses de indecisão, a presidente Dilma optou por um nome absolutamente técnico para a presidência do Banco do Nordeste. Ary Joel Abreu Lazarin é do Paraná, tem MBA pela USP e trabalha há 25 anos no Banco do Brasil. Ele era, até ontem, diretor da rede de agências do BB. Lazarin foi convidado terça-feira de manhã, por telefone, pelo ministro Guido Mantega (Fazenda). Ontem pela manhã, foi chamado ao Ministério, para que fosse apresentado aos governadores do Nordeste. Nenhum deles conhecia Lazarin, e o anúncio pegou a todos de surpresa. Depois da reunião, formou-se uma fila para marcar reuniões.

“Oba! Vamos às compras! Estamos com limite no cartão de crédito”
Marcelo Déda Governador (SE), sobre a ampliação dos limites de endividamento dos estados

Colocados no mesmo balaio
Por causa do Programa de Investimento em Logística, lançado anteontem pela presidente Dilma em solenidade no Planalto, o campus da Universidade de Brasília (UnB) foi tomado por cartazes proclamando: “Dilma = FHC”.

Ironia tucana
O anúncio do PSDB cumprimentando a presidente Dilma, por aderir às privatizações, foi saudado pelo governador Jaques Wagner (BA) como “piada de bom gosto”. Para o petista, essa discussão está superada e argumenta: “Esse debate valia até 2008, quando tinha caído o Muro de Berlim, e ainda não tinha caído o Muro de Wall Street.”

Lula lá. Lula aqui.
O ex-presidente Lula já gravou mensagem de apoio para ser exibida no programa de TV do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. Hoje ele estará no Rio a fim de gravar, para a TV, seu apoio à reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB) e fazer contatos políticos.

Uma ideia fixa
A militarização da segurança de grandes eventos é ideia fixa da presidente Dilma, da Casa Civil e do Planejamento. Sustentam que o governo não pode ficar refém de paralisações e manifestações. “Militar não faz greve”, resume uma ministra. As pastas de Justiça, Turismo, Esporte e Relações Institucionais tentam demover a presidente. Argumentam que o Brasil não é o Oriente Médio.

Agência vai intervir no mercado
A Anatel vai arbitrar um preço único na tarifa de interconexão entre operadoras diferentes de telefonia. A Agência vai derrubar o preço dessa tarifa. A intenção é desestimular a formação de redes exclusivas, modelo adotado pela TIM.

PTB: a transição começou
Vice do PTB, Benito Gama já está dando as cartas como presidente interino. Ele acaba de destituir o presidente do partido no Rio Grande do Norte, abrindo caminho para que o deputado Betinho Rosado (DEM) assuma o comando da legenda.

OS POLÍTICOS QUEREM SABER: o que vai provocar maior estrago político no PT? O escândalo do mensalão em 2005? Ou o julgamento pelo STF em 2012?

A demagogia das cotas - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 17/08


Ao aprovar o projeto de lei que obriga as universidades e as escolas técnicas federais a reservar 50% de suas vagas para alunos da rede pública, na semana passada, o Senado não se limitou a fazer demagogia com as chamadas políticas de ação afirmativa. Sua decisão, além de mascarar o problema da má qualidade do ensino médio, é quase inócua, em seu alcance, uma vez que 45% dos 900 mil alunos matriculados nas 59 instituições federais de ensino superior cursaram o ensino básico em escolas municipais ou estaduais.

A constatação é do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), que acaba de divulgar o Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais Brasileiras. O trabalho foi realizado a partir de um levantamento iniciado em novembro de 2010 e concluído em julho de 2011. A base de dados foi fornecida pelo Ministério da Educação (MEC) e cada instituição pesquisada forneceu, online, informações quantitativas e qualitativas que foram avaliadas pelos técnicos do Fonaprace. A pesquisa é por amostragem, tem um índice de confiabilidade de 95% e levou em conta somente os alunos das universidades federais matriculados em cursos presenciais. Em outras palavras, o levantamento não cobre os cursos a distância, oferecidos por meio de sistemas de televisão e internet.

Esse é o terceiro levantamento do gênero já feito pelo órgão - o primeiro foi realizado entre 1996 e 1997. A terceira edição da pesquisa mostra que os maiores contingentes de estudantes das universidades federais egressos da rede pública estão nas Regiões Norte e Sul, com 71,5% e 50,5%, respectivamente. Nas instituições federais de ensino superior situadas no Centro-Oeste e Nordeste, o contingente de universitários vindos da rede pública de ensino básico é de 40,5% e 41,5%, respectivamente. O Sudeste é a região que registrou o menor índice: 37%.

O levantamento do Fonaprace fez outras constatações importantes. Ele mostra, por exemplo, que o número de alunos negros, pardos e índios e pobres vem crescendo significativamente, ano a ano, nas universidades federais. Entre 2004 e 2011, o aumento desse segmento de estudantes nas instituições mantidas pela União foi de quase 50% e os maiores crescimentos foram registrados nas universidades federais do Norte e do Nordeste.

Em termos socioeconômicos, a pesquisa revela que 69% dos estudantes das instituições federais de ensino superior situadas na Região Norte são das classes C, D e E e 63% pertencem a famílias que recebem até três salários mínimos mensais. No Nordeste, 52% dos alunos das federais pertencem às classes C, D e E e 50% são membros de famílias com renda de até três salários mínimos. Os menores contingentes estão nas instituições federais de ensino superior situadas nas Regiões Sul e Sudeste, onde 34% dos alunos pertencem às classes C, D e E.

No plano nacional, os estudantes da classe A representam 15% do corpo discente das universidades federais, com maior concentração nas instituições da Região Centro-Oeste. O levantamento mostra ainda que somente 28% de pais e 33% de mães dos alunos das universidades federais possuem nível superior completo. Também revela que 57% dos alunos utilizam transporte público para irem às aulas e 11% têm bolsa de permanência. Segundo o Fonaprace, esses números desmoralizam dois mitos que ainda sobrevivem na sociedade brasileira - de que os alunos das universidades federais são, em sua maioria, ricos e que se dirigem a essas instituições com automóvel próprio.

Além de relegar para segundo plano a questão de fundo, que é a reforma do ensino médio, o projeto aprovado pelo Senado impõe enormes encargos burocráticos às universidades federais - a ponto de o MEC alegar que elas não têm a menor condição de cumpri-los dentro do período previsto de quatro anos. Mais grave ainda, se for sancionado pela presidente da República, o projeto comprometerá a autonomia pedagógica dessas universidades, que ficarão impedidas de adotar os critérios que julgarem necessários para avaliar o mérito acadêmico, em seus processos seletivos.

Ueba! Ceni faz frango contra! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 17/08


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Direto do País da Piada Pronta: "Polícia Ambiental apreende 29 pássaros em Arapongas". E votem em mim! Ônestidade! Ônradez!

E Ó Proceis! Prometo criar bilhete único pra chapéu mexicano no Hopi Hari! E adorei esse candidato de Carazinho (RS): Pinto Pequeno! Tadinho! As pessoas vão votar de dó! E o slogan: "Pinto Pequeno só no nome. A vontade é grande". Ou seja, fica só na vontade.

E o meu São Paulo FC? Tá duro ser são-paulino, viu! Tá cruel ser bambi! O Rogério Ceni fez até frango contra! Então muda o nome pra Granjério! Granjério Ceni!

E sabe como se chama gol contra em Portugal? Autogol! o Rogério cometeu um autofrango! E sabe o que o Ceni gritou depois do jogo? "Para no Frango Assado que eu ainda tô com fome."

E sabe o que o Ceni gritou pro atacante do Náutico? "Não tenho mais idade pra engolir frango. Manda uma canja de galinha." Rarará! Rogério Senil!

E o Brasil na Suécia? O Brasil ganhou! Com cinco dias de atraso! Quando o Galvão gritou: "Goool do Brasil", eu gritei de volta: "Com cinco dias de atraso!". O Galvão tava comemorando até "bola que passou perto". E adivinha quem tava no estádio? O Michel Temer, o mordomo de filme de terror.

E o Gagallo! Como se fala "engolir" em sueco? Rarará! E o Daniel Alves com aquela barba? Entrou pro Taleban? Ele que vai implodir o estádio sueco em novembro! Rarará!

E o Pato fez dois gols. Porque a bola era de fisioterapia! Rarará!

E o Mensalão Mensonão? E o voto do relator que tem mil páginas? Vai ficar pronto pra Copa de 2014! E em 2016 ele ainda tá lendo! E quando terminar de ler, o Zé Dirceu já pegou fila especial no Carrefour! Rarará!

Pra ser mais trepidante, ele podia ler as mil páginas no dialeto da bispa Sônia. Aí que ninguém ia entender mais nada. E por conta do mensalão, uma tucana entrou no Twitter dizendo que "o Lula é analfabeto e que ele é uma "farça" (sic). Comentário: "Noça! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

E o adesivo numa Fiorino velha: "Não buzine! Não seja cruel! Já sou corno, pobre e feio". E ainda por cima leva uma buzinada? Ou por isso mesmo! Rarará!

E o Vágner Love? "Vágner Love, Vágner Love/ se eu te puser na vitrine/ não vale R$ 1,99". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Governo não quer mais privatizar aeroportos - CLAUDIA SAFATLE


Valor Econômico - 17/08


O debate, no governo, sobre as concessões dos aeroportos é intenso, divide opiniões, faz emergir desavenças ideológicas e não há, neste momento, qualquer decisão da presidente Dilma Rousseff. Ela não quer fazer novas concessões no modelo tradicional. Não gostou e não tem a intenção de reproduzir a solução que foi aplicada às três concessões feitas no primeiro semestre (Guarulhos, Viracopos e Brasília) para os aeroportos de Confins, em Belo Horizonte, e do Galeão, no Rio de Janeiro. Aliás, apenas esses dois devem entrar numa provável nova modelagem. Quanto aos demais, por enquanto, a intenção é deixá-los com a Infraero.

O anúncio da política aeroportuária, parte importante do pacote de infraestrutura que o governo começou a divulgar na quarta-feira, ficou para a segunda etapa. Ao contrário do que foi definido para as rodovias e ferrovias - onde o setor privado estará no centro dos grandes investimentos -, nos aeroportos, daqui por diante, o Estado pretende fazer associações mas manter-se majoritário.

A Secretaria de Aviação Civil foi encarregada de preparar um desenho onde a Infraero Participações (Infrapar), empresa criada legalmente em maio, mas ainda não constituída, deverá buscar como sócia uma ou mais operadoras de grandes aeroportos internacionais. A secretaria ficou incumbida, também, de sondar as maiores empresas do setor para ver se haveria algum interesse delas em se associar minoritariamente a essa subsidiária da estatal Infraero.

Antes de o governo se aventurar em uma operação é preciso estar seguro de que há condições de essa modelagem se sustentar, o que não está claro para os especialistas envolvidos na discussão. Se for atrativa e, portanto, a presidente decidir levar adiante essa alternativa, no acordo de acionistas ficaria claro que a operadora que entrar e vencer o leilão será a responsável pela administração dos aeroportos, com sua tecnologia que seria absorvida pelo país e com total autonomia para geri-los.

A Infraero Participações será constituída com os ativos dos três aeroportos já concedidos - Guarulhos, Viracopos e Brasília - e os dos dois novos da fila, Confins e Galeão.

Como sócia da Infrapar, a operadora que entrar passaria a ser sócia, portanto, dos cinco aeroportos. Por esse arranjo, ela seria também um elo importante para garantir a boa administração das concessionárias dos três aeroporto citados.

A Infraero tem três assentos nos conselhos de administração desses aeroportos e indicaria um representante dessa grande operadora para uma das vagas, se essa proposta for adiante.

A reviravolta na questão dos aeroportos decorreu do imenso mal-estar que causou à presidente Dilma o resultado das concessões feitas no início do ano. Esperava-se uma disputa acirrada entre as empresas que operam os mais bem equipados aeroportos do mundo, mas os vencedores decepcionaram o governo.

Idealizava-se um ambiente de forte concorrência e, por isso, as exigências para a habilitação das companhias não foram rigorosas. Por exemplo, era suficiente ser o operador de um aeroporto com fluxo de 5 milhões de passageiros por ano, o que remete à movimentação do aeroporto de Salvador.

Os técnicos do governo miravam uma disputa entre as gigantes mundiais, como a Fraport, de Frankfurt, ou a BAA, de Londres, dentre outras. Apareceram 11 concorrentes e todos ofereceram ágio em pelo menos um dos três aeroportos. Mas quem fez as ofertas mais agressivas foram exatamente as empresas menos cotadas.

A concessionária de Guarulhos é liderada pela Invepar (com participação da operadora sul-africana ACSA). O grupo formado pela brasileira Engevix e pela argentina Corporación América ganhou o Aeroporto Internacional de Brasília. E Viracopos ficou a cargo do consórcio formado pela brasileiras Triunfo, UTC e pela francesa Egis (que administra aeroportos no Chipre, na Polinésia e na África). Neles a Infraero ficou com participação de 49% e deu a garantia de que não mais interferiria na operação após o sexto mês de concessão.

Temendo o descumprimento dos compromissos com as obras e prazos, o governo teve conversas duras com os representantes das concessionárias. E elas decidiram antecipar os investimentos e fazer ampliações de capacidade dos terminais superiores às exigências, determinadas por contratos, até a Copa do Mundo de 2014. Atrasos terão multa de R$ 150 milhões.

A contrariedade com o resultado dos leilões fez surgir, no governo Dilma, um debate marcadamente ideológico sobre o futuro das privatizações dos aeroportos. Para se contrapor às concessões tradicionais, defendidas pelo ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, surgiu a voz estatizante do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Ele é hoje um dos mais próximos assessores da presidente Dilma.

Foi de Augustin a ideia de manter a Infraero no controle das eventuais novas parcerias com empresas privadas. A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, gostou e passou a defender a proposta, em detrimento dos argumentos de Wagner Bittencourt, ministro que está hoje sob intenso bombardeio.

Ainda que se chegue à conclusão de que o modelo em discussão é viável e atrativo para as operadoras de grande porte, há algumas perguntas sem respostas. Uma seria se a Infrapar, mesmo associada a uma operadora de Cingapura ou de Frankfurt, permaneceria submetida às exigências da lei 8.666, das licitações. Outra é se a estatal disporá de recursos suficientes para bancar os investimentos necessários no futuro. Por ora a Infraero está tocando as obras de Confins e do Galeão e esses não vão demandar expansão no futuro próximo, explicaram fontes oficiais. Vão exigir, sim, boa gestão. Mas ambos foram os que mais cresceram em movimentação de passageiros no primeiro semestre e essa visão pode estar subestimada.

No ponto em que está a conversa, se essa ideia não vingar restariam apenas duas hipóteses: deixar tudo como está ou admitir a volta da concessão tradicional.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 17/08


São Paulo tem R$ 29 bi de investimento em estudos

O Estado de São Paulo tem hoje uma carteira de 63 projetos de investimento em estudo, com potencial de R$ 29 bilhões, segundo a agência do governo Investe São Paulo.

"São recursos ainda não anunciados, de empresas que buscam o governo para acompanhá-las em identificar município, terreno, questões ambientais e outros. Ainda estão no acordo de confidencialidade", diz Luciano Almeida, presidente da Investe SP.

Podem levar entre seis meses e três anos de maturação.

Outros 40 projetos estão na lista, mas congelados.

"Alguns investidores querem esperar a crise ou ver a reação da economia do país."

A origem das companhias que estudam se instalar no Estado é, principalmente, americana (34%). "Não estão entrando mais projetos de grande magnitude. É a segunda onda, dos fornecedores das que se instalaram."

Expansão O McDonald's abrirá suas primeiras lanchonetes nas cidades paulistas de Itaquaquecetuba e Poá em agosto -estima criar 200 vagas. Presente em 150 cidades no país, a rede inaugurará ainda a segunda unidade em Guarulhos e a quarta em Cuiabá.

Estufa Quase cem grandes empresas participantes de um programa ambiental promovido pela Eaesp-FGV vão divulgar no dia 4 de setembro seus inventários corporativos de emissão de gases de efeito estufa. O evento, na sede do BNDES, é aberto ao público.

Visita tributária Uma delegação do governo americano para comércio e tributos de álcool e cigarro visitou nesta semana a fábrica da Ambev em Brasília para conhecer o sistema de combate à sonegação -Sicobe (de controle de produção de bebidas)- da Receita.

Inadimplência no comércio cai pelo terceiro mês seguido em SP

O consumidor paulistano começa a reduzir dívidas, segundo pesquisa sobre endividamento e inadimplência das famílias da Fecomercio SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo).

Pelo terceiro mês seguido a inadimplência cai, demonstrando que o consumidor que tinha dificuldade para saldar dívidas no início deste ano já está conseguindo liquidá-las, conforme a Fecomercio. Na comparação com agosto de 2011, entretanto, houve alta de 3,2 pontos percentuais.

Embora tenha crescido o número de famílias com algum tipo de dívida no município de São Paulo em relação ao mês anterior, o percentual daqueles que afirmam não ter condição de pagar caiu de 6,5% para 5%.

Segundo o levantamento, 53,5% das famílias possuem algum tipo de dívida, ante 50,9% apurados em julho, crescimento de 2,6 pontos percentuais.

Em relação ao mesmo mês do ano passado, o nível de endividamento também aumentou de 45,1% para 53,5%.

O número de famílias com contas em atraso, porém caiu 2,8 pontos em agosto ante julho, e alcançou 15,2%.

DE CASA

O sistema online de pedidos de documentos de cartório tem maior participação dos moradores do Sudeste.

Segundo levantamento da Cartório Postal, que analisou 15.195 requisições em todas as regiões do país, a região acumula 78% das solicitações feitas entre junho e julho.

O documento mais requisitado via internet é a Certidão de Nascimento.

Suas eminências - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 17/08


Este é um momento magnífico da democracia brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) está na parte final de um longo processo, em que todo o direito de defesa foi respeitado, e 37 réus estão sendo julgados. Alguns eram integrantes da linha de frente do mais popular governo que a República já teve. É lamentável que a tensão e os desentendimentos pessoais ocupem a cena.

Não se sabe o que o STF vai decidir. E essa é a melhor notícia. Suas eminências, os ministros e ministras, não votarão de acordo com o desejo de quem os nomeou. Dos 11 ministros da Corte, oito foram nomeados nos últimos dez anos, em governos do PT. Se o Brasil fosse a Venezuela, já se saberia o resultado. Na verdade, não haveria o julgamento.

Não será a sentença que definirá o valor do momento. Ele tem valor em si. A condenação ou absolvição dos réus será uma decisão dos juízes. Cada brasileiro pode torcer pelo resultado que pense ser o mais adequado, mas o mais relevante é entender a informação que o próprio processo carrega.

Todas as instituições que nos trouxeram até aqui já viveram piores momentos. O Congresso já foi fechado, o Supremo teve ministros aposentados por ato institucional, o Ministério Público não tinha independência, a Polícia Federal era braço da repressão política.

Neste caso, todas essas instituições exerceram papéis corretos. Não houve perfeição. A Polícia Federal acha que o procurador ignorou certas partes da investigação, a CPI recolheu depoimentos em ambiente exacerbado pela disputa política, o Supremo vive cenas desconcertantes. Um dos ministros tem um óbvio impedimento porque terá que julgar aquilo que defendeu não existir. Alguns advogados foram muito além do razoável na defesa dos seus clientes, ofendendo relator e procurador. Um deles esteve mais dedicado às exibições de sua proximidade do poder.

Com tudo isso, o desempenho das instituições tem sido notável nos sete anos entre o conhecimento dos fatos e o julgamento. A nota fora do tom tem sido o clima de atrito entre os ministros relator e revisor. Debates regimentais e processuais eram de se esperar. Animosidades, não. O país não espera que ministros do Supremo sejam amigos, mas aguarda que sejam capazes de superar eventuais antipatias de natureza estritamente pessoal. Um provoca, o outro se deixa aprisionar na rede da provocação, quando ambos deveriam estar concentrados em exercer cada um o seu papel.

O relator tem um destaque central; o revisor tem o segundo papel. Já se sabe que os dois divergem, e isso é ótimo. Poderemos ver o mesmo fato por ângulos diferentes. Mas só o relator é relator. Por cinco anos o processo foi a ele entregue. O revisor preparou nos últimos seis meses o seu contraponto. Na hora do voto, serão todos iguais. Não há voto com peso maior.

Não está em questão a biografia dos ministros, mas sim a capacidade de as instituições passarem por um teste extremo. O ex-presidente Lula foi o mais popular dos chefes de governo. JK foi popular a posteriori, Getúlio teve grandes momentos nos braços do povo, mas sua história de ditador e presidente eleito é única. FH teve forte apoio no auge do Plano Real. Ninguém, no entanto, teve a popularidade de Lula.

A despeito disso, alguns dos seus principais auxiliares no primeiro mandato estão sendo julgados. Está lá o seu ex-chefe da Casa Civil. Está lá o responsável por sua propaganda eleitoral. É o fato de estarem no banco dos réus que mostra a solidez das instituições. A democracia brasileira se fortalece quando demonstra que não existem cidadãos acima das leis.

Os pontos-chave
1 Não é a sentença que mostrará a força das instituições; é o próprio julgamento

2 O debate processual entre os ministros do Supremo é natural; mas animosidades pessoais, não

3 A democracia fica mais forte quando prova que não existem cidadãos acima das leis

Dos embargos auriculares - MARIA CRISTINA FERNANDES



Valor Econômico - 17/08


Este recurso não está em nenhum manual de direito e não consta dos currículos das universidades mas seu uso faz fama e fortuna de muitos advogados. À conversa ao pé do ouvido, obtida por acesso privilegiado a magistrados, cunhou-se a gíria do embargo auricular.

O recurso tem contribuído para a prosperidade de gerações de advogados na mesma velocidade com que levou 60% dos brasileiros a descrer dos seus juízes (Índice de Confiança na Justiça, FGV, 2012).

Um senador recentemente cassado fazia frequente uso deles junto a um ministro do Supremo Tribunal Federal. Um ex-candidato à Presidência da República e até mesmo um ex-presidente já foram flagrados em embargos auriculares junto ao mesmo ministro.

Julgar à luz dos autos numa nação que espera ser redimida

Tal foi a pressão que os ministros passaram a gravar as audiências concedidas aos advogados do mensalão.

Nos cinco dias a que a defesa teve direito no processo assistiu-se, finalmente, ao contraditório que, ao longo dos últimos sete anos, foi sonegado à opinião pública.

Desiguais na consistência dos argumentos e no anedotário, a banca de advogados foi capaz de abalar convicções sedimentadas como a de que parlamentares que pagam dízimo para integrar um partido seriam remunerados para segui-lo ou a de que o escoadouro de recursos públicos do mensalão tucano em Minas Gerais não guarda relação com aquele que os petistas colocariam em curso anos depois.

Depois de uma sucessão de advogados terem se empenhado em apelar para que os juízes se atenham aos autos, um dos derradeiros da banca foi à tribuna protestar contra o que acredita ser o cerceamento de sua atividade. Reclamou de não poder lanchar ao lado dos ministros do Supremo no intervalo das sessões, a exemplo do que o faz o procurador-geral da República.

O acesso do Ministério Público à magistratura é uma velha queixa da advocacia em nome do direito de defesa.

O reclamo passaria como uma nota dissonante de pé de página não tivesse sido verbalizada pelo defensor de presidentes da República, governadores, ministros, empreiteiros, banqueiros e advogado-sócio do restaurante que tem a maior concentração de embargos auriculares da capital federal.

A confissão pública de inconformismo parte de quem se vê obstruído no acesso ao poder.

Mas o Supremo já ofereceu sinalizações. Das muitas tentativas da defesa de desmembrar o processo e devolver os réus sem foro para a primeira instância, apenas aquela levantada pelo único defensor público do processo foi acatada pela Corte.

Em benefício do Estado de Direito, a causa que os advogados defendem hoje oferece contraditório a uma denúncia que ainda está por ser julgada verdadeira.

Mas o amplo aparato mobilizado pela defesa, de advogados a bem relacionados assessores de imprensa, confronta a tese de que, desde a denúncia, o conjunto de réus formado por políticos, publicitários, banqueiros e empresários foram desprovidos de poder e influência.

A indústria da defesa posta em curso nos últimos meses também colide com a tese que ganhou ampla divulgação, a despeito de ferir o bom senso, de que o governo Dilma Rousseff nada tem a ver com a turma do banco dos réus.

De fato, parece outro o país que, desde a eclosão do mensalão, passou a disputar o noticiário com seu julgamento: ampla greve do funcionalismo público, aprovação da cota de 50% das vagas de universidades federais para alunos egressos de escolas públicas e a divulgação dos piores balanços dos últimos tempos de grandes empresas.

São fatos que margeiam os autos mas apontam no mesmo rumo. O mensalão traz os ecos de um momento em que o país, acalentado por conjuntura econômica favorável contemplou de alto a baixo amplos setores da sociedade. Foi esse país para todos, como dizia o slogan, que ajudou a segurar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cargo.

O Brasil do julgamento depara-se com escolhas mais prementes. A classe média tradicional pode estar ligada ou completamente desinteressada no julgamento, mas não há como ficar indiferente ao fato de que uma universidade pública para seus filhos é uma possibilidade cada vez mais remota.

A mudança nas regras da poupança ou o histórico discurso em que, vaiada pelo funcionalismo, a presidente disse que mais importante para o país é assegurar empregos para a população mais frágil e sem direito à estabilidade dificilmente poderiam ter sido iniciativas de um governo que estivesse com a corda no pescoço.

Nesses enfrentamentos, Dilma Rousseff pode se beneficiar do sentimento difuso de que se busca justiça. Mais difícil é avaliar o movimento na mão inversa. Como fazer justiça se sobre esse caso acumulam-se expectativas de uma nação a ser redimida?

As expectativas de justiçamento se dão em parte porque muitas das paradas postergadas pelo Executivo e pelo Congresso acabaram, nos últimos anos, resolvidas pelo Supremo - foi o caso da validação das cotas raciais, o aborto dos anencéfalos e o reconhecimento do casamento gay.

É disso que fala o ativismo judicial. O PT que hoje se vê às voltas com o risco desse ativismo ser levado às últimas consequências num julgamento pautado pela opinião pública, colhe o que plantou por ter trocado portas de fábricas por aquelas do Ministério Público.

Mas o ativismo judicial não tem um único pai. A paternidade legítima deve ser buscada junto à Constituição de 1988. Como guardião das ambições da Carta - aquelas de que falam os slogans de campanha - o Supremo acabou sobrepujando o Legislativo. Talvez esta seja uma das razões por que hoje pareça mais fácil lembrar o nome dos ministros do Supremo do que do deputado em que se votou nas últimas eleições.

A proeminência adquirida pelo Judiciário, aliada à transmissão das sessões enfatizou personalidades em detrimento do colegiado e são uma explicação para seus desentendimentos.

Mas ao contrário dos parlamentares que têm de prestar contas de quatro em quatro anos, os ministros retiram legitimidade de decisões juridicamente justificadas. É, portanto, sob esta pressão que os votos se debruçarão sobre os autos.

As más lembranças e as megaobras - WASHINGTON NOVAES


O ESTADÃO - 17/08


Há poucos dias, o 67.º aniversário da primeira bomba atômica, despejada sobre Hiroshima, provocou uma catadupa de artigos na comunicação mundial, já preocupada com as consequências que a guerra cibernética - aqui comentada na semana passada - possa a vir a ter nos destinos do planeta. Agora se começa a recordar que no final do mês será lembrado o 25.º aniversário do acidente com o césio 137 em Goiânia.

Nesse contexto da nossa fragilidade diante de elementos tão destruidores, vale a pena recordar o que disse a uma CPI da Assembleia Legislativa de Goiás o cientista Júlio Rosenthal, encarregado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) de comandar a operação de "salvamento" da capital goiana. Ele recebeu a missão por telefone na manhã de um domingo e também por telefone convocou alguns peritos em São Paulo e com eles combinou de se encontrarem no fim da noite no aeroporto de Goiânia. Consultando arquivos da CNEN, Rosenthal já verificara que havia um instituto de radiologia na cidade, dono de uma bomba de césio, que havia pouco tempo recebera uma bomba de cobalto. Por isso desativara a de césio - e a possibilidade maior de acidente era com esta última.

Com a roupa do corpo e suas malas, a equipe seguiu do aeroporto diretamente para o endereço do instituto de radiologia, onde só encontrou os restos de uma construção e, no seu interior, alguns mendigos. À luz de isqueiros, souberam por eles que as construções na área haviam sido demolidas; ficaram aqueles restos pendentes de uma decisão judicial, onde o instituto deixara a bomba de césio desativada. Ela fora dali retirada na véspera por um mecânico, que a levou para casa, despedaçou-a a marretadas e vendeu os pedaços a um ferro-velho; dentro havia uma substância azulada, com a qual começou a brincar sua filha Leide, misturada com uma fruta.

Goiânia, em pânico, soube do acidente enquanto via na televisão os técnicos da CNEN, com macacões improvisados pelo Estado, cercarem com tabiques a casa do mecânico, de onde fugiam pássaros e gatos. Só uma semana depois, indignado com o pânico que a CNEN deixara crescer, o então governador Henrique Santillo (que fora professor de Física), numa cadeia de TV, explicou a todos que o césio não se propagava pelo ar. E como os goianos tinham seus carros apedrejados em outras cidades, temerosas de contágio, conseguiu arranjar um terreno para onde foram levadas centenas de toneladas das construções afetadas. Um depósito provisório, que lá continua, teve de ser instalado acima do solo, porque o lençol freático, muito superficial, não permitia um depósito subterrâneo. E é para lá que hoje se cogita de transferir todo o lixo nuclear das usinas Angra I e II, que não tem destinação e permanece em piscinas nas próprias usinas.

Neste 25.º aniversário seria muito adequado cogitar de um monumento para a tia de Leide, Gabriela - analfabeta e sem informações -, que vendo a menina passar mal colocou numa sacola de supermercado todos os restos da bomba e do césio, pegando-os com as próprias mãos, e os levou exatamente para onde deveriam ir: a Vigilância Sanitária. Salvou a vida de muitas pessoas. E pagou com a sua própria.

Tudo isso vem à memória quando o competente físico Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do governo federal, recomenda, como fez no programa Roda Viva, da TV Cultura, que se revejam os planos de implantação da usina Angra III, ao lado de Angra I e II, porque há evidências científicas de elevação do nível do mar naquela região. Mas ali continuam sendo investidos R$ 9,5 bilhões. E ainda se pensa em mais oito usinas nucleares para o País, plano congelado neste momento, quando o mundo todo começa a desativar suas instalações nucleares.

Melhor faria o governo federal se incluísse essa área no âmbito do recém-aprovado Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais (MMA, 9/8), que terá R$ 18,8 bilhões até 2014, principalmente para "deslizamentos e enxurradas" em 851 municípios já mapeados. Mas também para secas. E aí se entra em outro capítulo de perplexidades, já que quase não merece mais atenção que a seca na Caatinga atinja 1.187 municípios em estado de emergência, onde vivem 8,35 milhões de pessoas, em oito Estados do Semiárido. Há algumas semanas se anunciou a liberação de R$ 2,7 bilhões, inclusive para implantação de cisternas de polietileno, técnica cara, inadequada (muitas já derreteram), quando o caminho já provado é de cisternas de placas de concreto (que custam metade do preço das de plásticos). Como é inadequada a transposição das águas do Rio São Francisco, que não chegará a milhões de pessoas que vivem em áreas isoladas, mas já custou R$ 4,7 bilhões e custará mais R$ 4,5 bilhões, e só ficará pronta (se ficar) em 2015.

Até lá, milhões de pessoas continuarão sofrendo com secas conhecidas há séculos e que a cada 30 anos são muito mais intensas. Sem que se tenham políticas (ou práticas) adequadas. Nesta seca as perdas de lavouras já superam R$ 12 bilhões (Estado, 23/5). E nem será surpresa se vierem estiagens ainda mais fortes nos 180 mil quilômetros quadrados de território brasileiro em processo de desertificação - principalmente no Semiárido -, como antecipam estudos que admitem uma redução de até 20% a 25% nos recursos hídricos dessa região.

É inacreditável que questões como essa e a nuclear continuem a ser tratadas como o são. Porque não se resolvem com as megaobras que são o centro do desejo de políticos e empreiteiros. No caso nuclear, igualmente o desejo é de megausinas, em lugar das chamadas "energias alternativas" e de projetos diversificados e esparsos. Contentes mesmo ficam aqueles com iniciativas tais como o Plano Nacional de Logística Integrada: dezenas de bilhões para integrar ferrovias e hidrovias a portos e aeroportos (Agência Estado, 5/8).

'Goela abaixo' - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 17/08


A estratégia de Joaquim Barbosa de fatiar seu voto no mensalão foi combinada previamente entre o relator e o presidente da corte, Carlos Ayres Britto, para viabilizar o voto de Cezar Peluso. Pego de surpresa, Ricardo Lewandowski se queixou de ser o "último a saber", como ocorrera na definição do cronograma do julgamento. "É tudo goela abaixo", reagiu um interlocutor do revisor. Barbosa optou começar pelos réus dos quais, nas palavras de um membro do STF, "quer a cabeça".

Muita calma... Minutos após o término da sessão, Britto, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello tentaram acalmar Lewandowski na saída do plenário. Pediram a ele "tranquilidade" e asseguraram que seu "exaustivo" trabalho será respeitado.

... nessa hora Ante o semblante fechado do revisor, o trio contou até piadas para descontraí-lo.

Control V Lewandowski se levantou diversas vezes para reorganizar, por telefone com a equipe, a ordem do seu voto após o anúncio da metodologia adotada pelo relator.

Aos pedaços Contrários ao voto fatiado afirmam que a corte concederá a Peluso o direito de votar réu por réu e talvez se aposentar antes da conclusão do julgamento.

Vem aí Nas contas dos críticos da metodologia de Barbosa, o próximo da lista deve ser José Dirceu. "Se fosse um julgamento normal, seria vetado. Mas o mensalão é um vale-tudo e o STF, um serpentário", desabafa um membro da corte, irritado.

Que fase Primeiro a ter a condenação pedida pelo relator, o petista João Paulo Cunha enfrenta debate ao vivo na TV Bandeirantes contra os adversários na campanha pela Prefeitura de Osasco, amanhã pela manhã.

Tá valendo Em seu voto, Joaquim Barbosa não só validou as provas colhidas na CPI dos Correios como usou evidências elencadas no processo contra João Paulo no Conselho de Ética da Câmara.

Perplexos Reunidos depois da tensa sessão, advogados dos principais réus se queixaram da condução de Ayres Britto, que, na avaliação deles, acolhe todos os pedidos do relator do mensalão.

Revanche 1 Audiência da Comissão da Verdade ontem na Câmara paulistana acabou em confusão. A procuradora Eugênia Gonzaga Fávero, que investigou as valas do cemitério de Perus, depunha quando foi interrompida por protesto do vereador Agnaldo Timóteo (PR).

Revanche 2 "A ditadura foi um mal necessário. Vou chamar o coronel Ustra aqui para rebatê-la", gritava o vereador. O parlamentar referia-se a Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar brasileiro reconhecido pela Justiça como torturador.

Em alta Luiza Erundina (PSB) se cacifou ao renunciar à vice de Fernando Haddad (PT) por causa do apoio de Paulo Maluf. Ficou em segundo lugar em pesquisa do site "Congresso em Foco" com jornalistas sobre os parlamentares que melhor representam seus eleitores.

Piquete Informadas de última hora do PAC das concessões, as centrais sindicais pedirão ao governo estimativa de empregos gerados com o pacote. As entidades manifestaram a Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) preocupação com as condições de trabalho e citaram casos das usinas de Jirau e Santo Antônio.

Homenagem Será aberta hoje, às 10h30, exposição fotográfica sobre a trajetória de Orestes Quércia. A exibição acontece no Centro Empresarial de São Paulo, onde será inaugurado busto do ex-governador, morto em 2010.

Visita à Folha Sergio Machado, presidente da Transpetro, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Fernando Thompson, Nicola Pamplona e Silvio Bressan, assessores de comunicação.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Toda vez que Dilma se aproxima das ideias do PSDB o país avança. Quando é submetida às ideias do PT o país para. Literalmente."

DO SENADOR AÉCIO NEVES (PSDB-MG), elogiando o pacote de concessões do governo, em contraposição com a greve dos servidores, capitaneada pela CUT.

contraponto

A arte de vender o peixe

O candidato do PDT à Prefeitura de São Paulo, Paulinho da Força, fazia campanha ontem em Santana quando pisou numa poça d'água e percebeu que seu sapato estava furado.

Ele aproveitou que estava numa rua comercial e entrou numa loja para comprar um par de sapatos novos. O vendedor viu a oportunidade e propôs:

-Por que o senhor não leva logo dois pares? Em dois meses de campanha, vai queimar muito chão ainda!

Privatização começa a ser política de Estado - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 17/08


Entendem-se os cuidados semânticos da presidente Dilma. Afinal, seu partido soube manipular o tema da privatização, na campanha eleitoral de 2006, para tachar o candidato de oposição Geraldo Alckmin de perigoso "privatista", e assim fragilizá-lo no segundo turno daquelas eleições presidenciais, ganho por Lula. Por isso, Dilma e equipe fazem contorcionismos para tentar provar que "concessão" não é "privatização". Mas a discussão é pueril, diante do que é importante: o governo se rendeu ao óbvio, à necessidade de ceder à iniciativa privada parte da infraestrutura de transportes do país.

Embora haja inevitável exploração partidária, o lucro da mudança de rumo é da sociedade, porque privatizar começa a ser uma política de Estado, independentemente de quem esteja no poder. É o que se espera. Dilma, em certa medida, repete o candidato Lula quando ele, na campanha de 2002, assinou a Carta ao Povo Brasileiro, para garantir que não executaria os delírios prometidos do palanque pelo PT, durante os tempos de oposição. E não executou mesmo. Preservou princípios consagrados em qualquer país de economia de mercado com alguma maturidade institucional: respeito aos contratos, BC com alguma margem de autonomia, metas de inflação, câmbio flutuante. Como o figurino ideológico petista deriva do dirigismo destilado na primeira metade do século passado, há sempre algum cacoete estatista nas ações de governo desde 2003, embora este modelo tenha tido a falência decretada na década de 80. A correção de rota, agora, com as concessões, em bases mais racionais, de estradas, ferrovias e, em breve, portos e aeroportos, reparará erros derivados deste dogma.

O Planalto, enfim, se rendeu ao fato de que os investimentos públicos não conseguem assumir o papel que deveriam ter na infraestrutura, por deficiências gerenciais e até mesmo constrangimento fiscal, diante da realidade de um Estado convertido em provedor de pessoas, via "bolsas" e contas previdenciárias. Sem considerar a já elevada folha de pagamento de servidores, sob risco de ser ainda mais inflada, caso o Palácio ceda a grevistas já bastante bem remunerados.

Destaque-se, no pacote anunciado anteontem, o esvaziamento da estatal Valec, convertida pelo fisiologismo de petistas em moeda de troca para obter apoio político. A empresa foi "doada", ainda no primeiro governo Lula, ao antigo PL, rebatizado depois de PR, partido que montou, na empresa e no próprio Ministério dos Transportes, um balcão de negociatas. O escândalo explodiu no início do governo Dilma. No caso da Valec, o ex-presidente da estatal José Francisco das Neves, o disputado Juquinha, chegou a ser preso pela PF, com mulher e filho, por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro - certamente desviado de obras ferroviárias (Norte-Sul).

O programa continuará a ser esmiuçado. Cabe, a partir de agora, acompanhá-lo, para que a burocracia não atravanque a sua tramitação, por incompetência e/ou sabotagem ideológica.

As voltas que Dilma dá - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE


Valor Econômico - 17/08


Foram muitas as reviravoltas da presidente desde que assumiu o cargo máximo da República em 2011. Um governo que começou sob forte suspeita de que um intervencionismo desenfreado seria deslanchado, de que as mudanças nas políticas macroeconômicas seriam todas para o mal e de que os problemas estruturais da economia brasileira não seriam enfrentados, sobretudo porque à presidente eleita faltava o molejo político. Pelo visto, se reinventou. Quem diria. Quem te viu, ou viu mal, quem te vê, Dilma Rousseff...

Nem tudo tem sido bom, evidentemente. Medidas protecionistas, como as regras de conteúdo local e o aumento dos impostos sobre determinados produtos importados, além das intervenções agressivas nos mercados de câmbio, algumas desfeitas devido aos seus efeitos perversos sobre a alocação de recursos, abundaram. No início de 2011, quando a inflação subia e a economia dava claros sinais de sobreaquecimento, criou-se uma confusão desnecessária em torno da política monetária. Medidas macroprudenciais \\- ações para reprimir o crédito e o fluxo de recursos financeiros - foram usadas sem parcimônia ou timidez, gerando muitas especulações de que o regime de metas de inflação fora abandonado ou de que o Banco Central perdera, de vez, a sua autonomia. O regime de metas de inflação de fato mudou - está mais para um regime que segue, informalmente, uma meta de PIB nominal, que soma à inflação o crescimento, do que para o que tínhamos até meados de 2010.

Plano de concessões na infraestrutura prioriza a eficiência do setor privado e reconhece a ineficiência do governo

Por outro lado, há, hoje, um reconhecimento maior de que o Banco Central não perdeu, necessariamente, a autonomia. Apenas está mais alinhado com o pensamento da presidente, que é economista, e, que, portanto, tem lá as suas próprias ideias sobre como a política econômica deve ser conduzida.

Depois desses embaraços e da confusão gerada pela má comunicação do governo e do Banco Central, a instituição saiu-se bem. Com o aval da presidente, fez um movimento ousado de queda de juros, apostando numa virada perversa do ambiente internacional que favoreceria a inflação brasileira. Acertou. Ainda que tenha contribuído para o mau desempenho da economia em 2011 e no início deste ano, com o uso desenfreado de medidas quantitativas que, por sua própria força bruta natural, afetam mais rapidamente as quantidades - a atividade, o PIB - do que os preços. Constatados os danos da experiência, elas foram deixadas de lado e o instrumento tradicional da política monetária foi resgatado. Afinal, era hora de reduzi-lo.

Para que fosse possível baixar os juros, promovendo a convergência almejada pela presidente, veio uma mudança importante e muito bem arquitetada: a alteração nas regras da caderneta de poupança. Tão bem pensada foi essa mudança, antes vista como politicamente inviável, que passou praticamente despercebida, especialmente pela imprensa. Eliminou-se, assim, um resquício perverso dos tempos de inflação alta que travava alguns canais de transmissão importantes da política monetária.

Mas eis que, mesmo com a reviravolta nos juros, a atividade continuou a desacelerar, provocando surtos de ansiedade na equipe econômica. A guerra aos spreads bancários foi declarada e o arsenal dos bancos públicos foi engajado, pacotes e mais pacotes foram anunciados, a desconfiança quanto à intensidade do viés intervencionista do governo voltou. Diante do crescente desconforto, as medidas anticíclicas promovidas pelo governo para impulsionar o consumo e reanimar certos setores foram recebidas com um enorme mau humor. Um mau humor tão arraigado que conseguiu criar da própria retórica rarefeita um prognóstico ominoso para a economia brasileira. O consumo havia se esgotado. As famílias, afogadas em dívidas, não reagiriam aos incentivos do governo. Como sabemos, a profecia não tem se materializado exatamente da forma como imaginavam seus proponentes.

Contudo, esses mesmos proponentes tinham outro ponto, esse, sim, de extrema relevância. Era preciso que o governo mudasse o foco da política econômica. Era necessário impulsionar o investimento, sem o qual não seríamos capazes de sustentar taxas de crescimento mais elevadas sem gerar inflação. A produtividade e a competitividade passaram a ser o cerne das críticas, sobretudo daqueles que insistiam que a competitividade não era uma mera questão cambial. Tratava-se do mais abrangente custo Brasil - a falta de infraestrutura adequada, a carga tributária onerosa, a má qualificação da mão de obra.

O governo tardou, mas ouviu. A presidente, em nova reviravolta, anunciou um plano ambicioso de concessões nas áreas de transporte e logística. Um plano que, a despeito das declarações de que não se trata de privatização, prioriza a eficiência do setor privado e reconhece a ineficiência do setor público. Ainda é muito cedo para dizer algo sobre os efeitos na economia, a não ser o óbvio: o impacto de curto prazo é mínimo. Entretanto, na mais recente virada aprendemos algo de novo sobre o raciocínio da presidente. Ela é intervencionista, sim. Mas é também pragmática. E o pragmatismo impõe limites aos seus impulsos intervencionistas.