FOLHA DE SP - 02/06
Todos movimentos socialistas começam dizendo que amam a liberdade e acabam matando quem discorda deles
Literatura é um documento histórico? Para mim, a literatura é um documento antes de tudo porque "brota" do solo de uma época, dos modos de vida, das ansiedades, das práticas morais e políticas. Enfim, da "matéria social e psicológica" de quem escreve.
Entretanto, a verdade histórica é mesmo um drama. Existe "fato histórico"? Aliás, como nos ensinou George Orwell em seu brilhante "1984", podemos criar um passado (ou um presente) que não existe, a fim de fazer as pessoas esquecerem o que queremos que esqueçam ou acreditem no que queremos que elas acreditem. A nossa Comissão da Verdade está bem no olho do furacão deste debate. Professores de história ensinam o que querem, contanto que façam a cabeça dos alunos do jeito que querem.
Proponho que todo mundo que queira ter uma ideia do que foi e é Cuba, para além da propaganda ideológica ainda em curso em nossas terras neolíticas, leia Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), escritor cubano, mais tarde naturalizado e radicado na Inglaterra devido aos conflitos com a ditadura cubana, "nuestra camarada".
Entre vários títulos, leia "Mapa Dibujado por un Espía", da editora de Barcelona Galaxia Gutenberg, de 2013 ("mapa desenhado por um espião", numa tradução direta). Creio, ainda sem publicação no Brasil.
O livro, publicado postumamente por sua mulher Miriam Gómez, é um documento do ano de 1965 em Havana. Os especialistas discutem se teria sido escrito em 1973 ou antes. Antoni Munné, que faz o prefácio desta edição, suspeita, devido a inúmeros detalhes biográficos de Cabrera Infante, que é mais provável que tenha sido escrito antes de 1968.
O autor, que vivia então na Bélgica como funcionário diplomático, volta a Havana (cidade profundamente amada por ele) devido à morte de sua mãe. E aí começam suas agruras. O livro pode ser lido pelo viés de como Cabrera Infante passa esses quatro meses e pouco em Havana, sem conseguir sair, dormindo com inúmeras mulheres. Mas pode ser lido também como um documento do dia a dia de seus amigos, sua família e dele mesmo.
Uma coisa que chama atenção é o progressivo sistema de controle do comportamento que a ditadura cubana cria por meio de seu Ministério do Interior e seu departamento de "lacras sociales" (vícios sociais). Por exemplo, suspeitos de homossexualidade eram acompanhados diariamente porque eram considerados praticantes de vícios burgueses. Para os revolucionários, os gays eram uma doença social, não muito diferente do entendimento que alguns pentecostais famosos no Brasil têm dos gays.
Cabrera Infante é retirado do avião quando ia voltar para Bruxelas, sem que uma razão seja dada, apenas ordem do Ministério do Exterior (Minrex), no qual ele trabalhava.
Meses passam sem que tenha qualquer resposta da razão de ele ter sido tirado do avião. Ele vai inúmeras vezes ao ministério, mas sem que seja atendido pelas autoridades revolucionárias. Assim é sua aventura kafkiana. Regimes burocráticos movidos pela certeza de representar o "bem social" costumam ser inacessíveis.
Num diálogo especialmente elucidativo, o autor ouve de uma alta patente revolucionária, Haydée Santamaría, qual o entendimento da revolução com relação aos seus supostos 15 mil inimigos presos: "La Revolución no cuenta a sus enemigos sino que acaba con ellos". Todos os movimentos socialistas que começam dizendo que amam a liberdade, a democracia e a justiça social acabam matando todo mundo que discorda deles.
A comida era pobre (basicamente vegetais) e repetida. Todo dia a mesma coisa. Faltava água (banhos eram uma raridade) e apenas a aristocracia revolucionária tinha acesso a carne e luxos semelhantes. A medicina, um lixo, como é até hoje. Café, uma festa! "Radiolas" não funcionavam por falta de baterias (pilhas). Ninguém confiava em ninguém.
O regime chegou a pensar em retirar o pátrio poder das famílias e fazer das crianças "filhos da revolução". Enfim, o horror que quem conhece a história do século 20 sabe, mas que começa a ser omitido para os alunos em suas aulas de história no Brasil.
segunda-feira, junho 02, 2014
Política, moral e gestão - AFONSO FARIAS
CORREIO BRAZILIENSE - 02/06
Percebe-se que as pessoas estão divididas perante torcer ou não para o Brasil nesta Copa do Mundo de 2014. Isso não é tão verdadeiro assim, pois o volitivo racional representa exatamente esse intento, mas o volitivo emocional nunca abandona o ser e, querendo ou não, as pessoas torcerão pelo selecionado brasileiro de futebol.
Aquém dos aspectos volitivos e considerando as cercanias da razão, este torneio internacional está mostrando um país esfacelado em três quesitos: político, moral e de gestão. Que fique claro que o evento não é a causa, mas o vetor de revelação das inoperâncias tupiniquins.
A questão política aparentemente revela a inoperância dos partidos e seus distanciamentos das demandas do povo. Os partidos políticos estão divididos em grandes interesses corporativos e intenções de manutenção de poder. Perderam significância e os políticos atuais não são bem vistos, uma vez que a quantidade de cassações de mandatos, prisões e envolvimento em falcatruas e desvios é gritante. É importante entender que o mundo clama por novo modelo de governança, uma vez que o povo se sente informado (pela revolução da internet) e urbanamente empoderado, pois consegue atrapalhar (e até mesmo parar) o funcionamento de cidades para reivindicar seus direitos.
Sobre a dimensão moral, parece que a relativização do conceito impera. É comum observar que os fins justificam os meios. Os próprios políticos desrespeitam as leis e as instituições, mas paradoxalmente querem que o povo não faça isso. Esqueceram-se da regra sagrada do exemplo e da regra de ouro: não faça com o outro aquilo que não gostaria que fosse feito contigo.
Olvidaram as amarras que garantem harmonia ao convívio social. Banalizaram as necessidades e aspirações do povo e passaram a viver em castelos de ideologias, onde se perderam e atrofiaram como dirigentes e líderes do povo. Destilam teorias impraticáveis e inconcebíveis para a atualidade e, principalmente, para a condição humana. Há uma total miopia governamental. Afloram procedimentos erráticos, casuísticos e irresponsáveis. Estão construindo hiatos, fossas e separações com políticas públicas segmentadas.
No que tange à gestão, não há planejamento, organização, execução e controle. Tudo pode em nome dos fins. Sabe-se que os estudos voltados à tarefa, à estrutura, às pessoas, à tecnologia e ao ambiente são de responsabilidade da gestão. O amalgamamento, a integração e o funcionamento ajustado desses fatores é que tornam o processo decisório exequível. Para responder a contento, faz-se necessário operar o processo administrativo de forma sinérgica e daí retirar a tão desejada eficiência e eficácia.
Nenhuma nação conseguiu atingir desenvolvimento real sem decisões políticas conscientes, coerentes e continuadas, assim como sem sinergia na gestão. Países como Finlândia, Cingapura e Coreia definiram politicamente seus horizontes socioeconômicos, educacionais e de desenvolvimento, bem como planejaram, executaram e controlaram suas ações estratégicas para o atingimento desses objetivos.
Mostraram ao mundo o que já era sabido: decisões políticas responsáveis, gestão governamental eficaz e atendimento das demandas sociais básicas elevam a qualidade de vida da população, melhoram os indicadores de desenvolvimento do país, promovem a autoestima de governados e governantes e consolidam as engrenagens do círculo virtuoso em andamento. O resultado disso tudo é um aprimorado e constante alinhamento entre o que o povo quer e o que o governo faz.
No Brasil, o tempo vai passando e o governo vai perdendo aliados potentes. Pessoas que antes sonhavam com a transformação do Brasil perceberam o engodo fático em que foram envolvidas. Há um discurso do bem, mas as ações estão longe disso. No fim, as atitudes falam sempre mais alto. Elas são realmente as respostas mais importantes e pelas quais os governos devem se orientar: fazer o que deve ser feito, em tempo e local planejado, mas atendendo ao povo em suas demandas (necessidades, interesses e aspirações reais).
O distanciamento continuado entre governo e sociedade está levando à anomia, e as consequências desta são: frequentes episódios de vandalismo, ausência de segurança, desrespeito generalizado e forte incremento nos indicadores de criminalidade.
Por fim, procura-se um estadista, um líder que possa devolver o sentido moral da palavra governar, assim como apostar no sentido administrativo do termo desenvolvimento. Mais ainda, fazer o que deve ser realizado para conseguir a harmonia socioeconômica e política desta nação, vilipendiada e enfraquecida pela postura equivocada, ineficiente e embusteira de dirigentes descolados do significado real do servir, do gerir e do saber.
Percebe-se que as pessoas estão divididas perante torcer ou não para o Brasil nesta Copa do Mundo de 2014. Isso não é tão verdadeiro assim, pois o volitivo racional representa exatamente esse intento, mas o volitivo emocional nunca abandona o ser e, querendo ou não, as pessoas torcerão pelo selecionado brasileiro de futebol.
Aquém dos aspectos volitivos e considerando as cercanias da razão, este torneio internacional está mostrando um país esfacelado em três quesitos: político, moral e de gestão. Que fique claro que o evento não é a causa, mas o vetor de revelação das inoperâncias tupiniquins.
A questão política aparentemente revela a inoperância dos partidos e seus distanciamentos das demandas do povo. Os partidos políticos estão divididos em grandes interesses corporativos e intenções de manutenção de poder. Perderam significância e os políticos atuais não são bem vistos, uma vez que a quantidade de cassações de mandatos, prisões e envolvimento em falcatruas e desvios é gritante. É importante entender que o mundo clama por novo modelo de governança, uma vez que o povo se sente informado (pela revolução da internet) e urbanamente empoderado, pois consegue atrapalhar (e até mesmo parar) o funcionamento de cidades para reivindicar seus direitos.
Sobre a dimensão moral, parece que a relativização do conceito impera. É comum observar que os fins justificam os meios. Os próprios políticos desrespeitam as leis e as instituições, mas paradoxalmente querem que o povo não faça isso. Esqueceram-se da regra sagrada do exemplo e da regra de ouro: não faça com o outro aquilo que não gostaria que fosse feito contigo.
Olvidaram as amarras que garantem harmonia ao convívio social. Banalizaram as necessidades e aspirações do povo e passaram a viver em castelos de ideologias, onde se perderam e atrofiaram como dirigentes e líderes do povo. Destilam teorias impraticáveis e inconcebíveis para a atualidade e, principalmente, para a condição humana. Há uma total miopia governamental. Afloram procedimentos erráticos, casuísticos e irresponsáveis. Estão construindo hiatos, fossas e separações com políticas públicas segmentadas.
No que tange à gestão, não há planejamento, organização, execução e controle. Tudo pode em nome dos fins. Sabe-se que os estudos voltados à tarefa, à estrutura, às pessoas, à tecnologia e ao ambiente são de responsabilidade da gestão. O amalgamamento, a integração e o funcionamento ajustado desses fatores é que tornam o processo decisório exequível. Para responder a contento, faz-se necessário operar o processo administrativo de forma sinérgica e daí retirar a tão desejada eficiência e eficácia.
Nenhuma nação conseguiu atingir desenvolvimento real sem decisões políticas conscientes, coerentes e continuadas, assim como sem sinergia na gestão. Países como Finlândia, Cingapura e Coreia definiram politicamente seus horizontes socioeconômicos, educacionais e de desenvolvimento, bem como planejaram, executaram e controlaram suas ações estratégicas para o atingimento desses objetivos.
Mostraram ao mundo o que já era sabido: decisões políticas responsáveis, gestão governamental eficaz e atendimento das demandas sociais básicas elevam a qualidade de vida da população, melhoram os indicadores de desenvolvimento do país, promovem a autoestima de governados e governantes e consolidam as engrenagens do círculo virtuoso em andamento. O resultado disso tudo é um aprimorado e constante alinhamento entre o que o povo quer e o que o governo faz.
No Brasil, o tempo vai passando e o governo vai perdendo aliados potentes. Pessoas que antes sonhavam com a transformação do Brasil perceberam o engodo fático em que foram envolvidas. Há um discurso do bem, mas as ações estão longe disso. No fim, as atitudes falam sempre mais alto. Elas são realmente as respostas mais importantes e pelas quais os governos devem se orientar: fazer o que deve ser feito, em tempo e local planejado, mas atendendo ao povo em suas demandas (necessidades, interesses e aspirações reais).
O distanciamento continuado entre governo e sociedade está levando à anomia, e as consequências desta são: frequentes episódios de vandalismo, ausência de segurança, desrespeito generalizado e forte incremento nos indicadores de criminalidade.
Por fim, procura-se um estadista, um líder que possa devolver o sentido moral da palavra governar, assim como apostar no sentido administrativo do termo desenvolvimento. Mais ainda, fazer o que deve ser realizado para conseguir a harmonia socioeconômica e política desta nação, vilipendiada e enfraquecida pela postura equivocada, ineficiente e embusteira de dirigentes descolados do significado real do servir, do gerir e do saber.
Desordem e progresso - LÙCIA GUIMARÃES
O ESTADÃO - 02/06
As palavras me fizeram sentir popular num quarteirão do bairro carioca do Flamengo: "O pessoal na rua prefere brincar na sua casa porque lá pode fazer bagunça."
Mesmo aos 7 anos, entendi que o comentário não seria interpretado como lisonja pelos meus pais e fiquei calada. Mas sentia gratidão por não ser filha dos outros pais e sim dos pais que deixavam meu irmão, precoce em Engenharia, montar barracas no meio da sala de visitas com direito a eletricidade instalada no nosso acampamento.
Hoje a nossa inocente proto-versão do movimento Occupy causaria desgosto aos filhos do modernismo minimalista, com seus apartamentos brancos onde até as flores nos vasos parecem uma infração do esquema monocromático. Não falo de falta de asseio, é claro, e sim do ambiente que nem de longe se parece com a falsa domesticidade de uma série fotografada para revista de decoração.
Cresci entre livros, pilhas de jornais, discos e brinquedos espalhados. Não precisei ler Psicologia ou assistir reality shows sobre acumuladores compulsivos para saber que há uma relação entre saúde mental e acumulação desordenada, como a documentada no clássico Grey Gardens, de 1975, dirigido pelos irmãos Maysles. Embora deva notar que o desmoronamento de uma parede do nosso apartamento foi evitado num mutirão em que a escora consistia na coleção de revistas National Geographic colecionadas desde 1928.
Mas não posso deixar de notar ironia no fato de que o minimalismo doméstico em voga coincide com a mais desordenada e caótica inovação tecnológica da história, a Internet. Nas minhas estantes de livros eu sou dona da hierarquia idiossincrática. Na estante do algoritmo da ferramenta de busca on-line, o obscuro e o irrelevante têm a petulância de se igualar ao consistente e ao clássico.
O debate sobre a desorganização do ambiente em casa ou no trabalho não é novo e não faltam vozes respeitadas para me consolar: "Em todo o caos há o cosmos, em toda desordem uma ordem secreta." (Carl Gustav Jung)
Os americanos chamam de limpeza de primavera o momento de esvaziar armários e abrir mão de tantos objetos que pareciam necessários e nunca foram tocados. Já fiz a minha e me despedi aliviada de 12 sacolas. Há incautos aqui dispostos a pagar US$ 125 por hora a um profissional cujo serviço é uma pérola de charlatanismo: o organizador profissional. Ele ou ela virá ao seu apartamento, abrirá seus closets e gavetas para rearranjar seus pertences numa violação de privacidade que me faria ir para a cama com febre.
Como defensora da ordem em meio a algum caos ou do método na loucura, não posso evitar uma certa suspeita quando visito casas e apartamentos que parecem vitrines. Fico segurando a bolsa e sento na ponta do sofá como se corresse o risco de ser catapultada por egrégia ruptura da composição visual.
Há três anos, o departamento de Neurociência da Universidade de Princeton divulgou um estudo sobre como o cérebro interage com o ambiente em volta. O resultado teria feito os pais da garotada da minha rua recomendarem distância do nosso apartamento. Os cientistas concluíram que viver ou trabalhar num ambiente desorganizado sobrecarrega o córtex visual e limita a capacidade de concentração.
Mas, enquanto lanço um olhar carinhoso sobre a pilha de revistas literárias da década passada, vou seguir o conselho do estimado Johnny Mercer na canção Acentue o Positivo. Escolho outra pesquisa, da Universidade de Minnesota, que concluiu: A ordem encoraja convenções e aversão ao risco. Ambientes desorganizados inspiram rompimento com tradições, criatividade e produzem introspecção inovadora. Sem contar surpresas agradáveis como ter acabado de encontrar um par de brincos favorito, embaixo de uma New Yorker de dezembro.
As palavras me fizeram sentir popular num quarteirão do bairro carioca do Flamengo: "O pessoal na rua prefere brincar na sua casa porque lá pode fazer bagunça."
Mesmo aos 7 anos, entendi que o comentário não seria interpretado como lisonja pelos meus pais e fiquei calada. Mas sentia gratidão por não ser filha dos outros pais e sim dos pais que deixavam meu irmão, precoce em Engenharia, montar barracas no meio da sala de visitas com direito a eletricidade instalada no nosso acampamento.
Hoje a nossa inocente proto-versão do movimento Occupy causaria desgosto aos filhos do modernismo minimalista, com seus apartamentos brancos onde até as flores nos vasos parecem uma infração do esquema monocromático. Não falo de falta de asseio, é claro, e sim do ambiente que nem de longe se parece com a falsa domesticidade de uma série fotografada para revista de decoração.
Cresci entre livros, pilhas de jornais, discos e brinquedos espalhados. Não precisei ler Psicologia ou assistir reality shows sobre acumuladores compulsivos para saber que há uma relação entre saúde mental e acumulação desordenada, como a documentada no clássico Grey Gardens, de 1975, dirigido pelos irmãos Maysles. Embora deva notar que o desmoronamento de uma parede do nosso apartamento foi evitado num mutirão em que a escora consistia na coleção de revistas National Geographic colecionadas desde 1928.
Mas não posso deixar de notar ironia no fato de que o minimalismo doméstico em voga coincide com a mais desordenada e caótica inovação tecnológica da história, a Internet. Nas minhas estantes de livros eu sou dona da hierarquia idiossincrática. Na estante do algoritmo da ferramenta de busca on-line, o obscuro e o irrelevante têm a petulância de se igualar ao consistente e ao clássico.
O debate sobre a desorganização do ambiente em casa ou no trabalho não é novo e não faltam vozes respeitadas para me consolar: "Em todo o caos há o cosmos, em toda desordem uma ordem secreta." (Carl Gustav Jung)
Os americanos chamam de limpeza de primavera o momento de esvaziar armários e abrir mão de tantos objetos que pareciam necessários e nunca foram tocados. Já fiz a minha e me despedi aliviada de 12 sacolas. Há incautos aqui dispostos a pagar US$ 125 por hora a um profissional cujo serviço é uma pérola de charlatanismo: o organizador profissional. Ele ou ela virá ao seu apartamento, abrirá seus closets e gavetas para rearranjar seus pertences numa violação de privacidade que me faria ir para a cama com febre.
Como defensora da ordem em meio a algum caos ou do método na loucura, não posso evitar uma certa suspeita quando visito casas e apartamentos que parecem vitrines. Fico segurando a bolsa e sento na ponta do sofá como se corresse o risco de ser catapultada por egrégia ruptura da composição visual.
Há três anos, o departamento de Neurociência da Universidade de Princeton divulgou um estudo sobre como o cérebro interage com o ambiente em volta. O resultado teria feito os pais da garotada da minha rua recomendarem distância do nosso apartamento. Os cientistas concluíram que viver ou trabalhar num ambiente desorganizado sobrecarrega o córtex visual e limita a capacidade de concentração.
Mas, enquanto lanço um olhar carinhoso sobre a pilha de revistas literárias da década passada, vou seguir o conselho do estimado Johnny Mercer na canção Acentue o Positivo. Escolho outra pesquisa, da Universidade de Minnesota, que concluiu: A ordem encoraja convenções e aversão ao risco. Ambientes desorganizados inspiram rompimento com tradições, criatividade e produzem introspecção inovadora. Sem contar surpresas agradáveis como ter acabado de encontrar um par de brincos favorito, embaixo de uma New Yorker de dezembro.
Falta de articulação - PAULO GUEDES
O GLOBO - 02/06
Empresas vencedoras que se integram às mais eficientes cadeias globalizadas aceleram a desindustrialização nacional
A desindustrialização da economia brasileira prossegue em ritmo acelerado. As ameaças estavam antes na adversa configuração de políticas macroeconômicas. O ininterrupto crescimento dos gastos públicos trouxe impostos excessivos, juros elevados e taxa de câmbio sobrevalorizada. Marcos regulatórios inadequados trouxeram gargalos na infraestrutura. Décadas de descaso com a educação resultaram numa força de trabalho com pouca escolaridade e baixa produtividade, reduzindo também a competitividade da indústria brasileira.
A boa notícia é que o aperfeiçoamento do marco regulatório e a criação de políticas públicas para democratizar o acesso à educação deflagraram um tsunami de investimentos no setor. Uma verdadeira revolução que promete transformar o país pela educação. Mas a má notícia é que o parque industrial brasileiro sofre novas ameaças de natureza inteiramente distinta. Trata-se de um esforço darwiniano de adaptação de nossas próprias empresas aos desafios da globalização em meio a esta persistente e perversa configuração do macroambiente.
A desindustrialização não se limita mais às empresas enfraquecidas que estão sendo abatidas pela maior competitividade dos produtos importados. Há também vítimas da desarticulação das cadeias produtivas internas. Empresas vencedoras que se integram às mais eficientes cadeias produtivas globalizadas abandonam fornecedores locais de máquinas e equipamentos, matérias-primas e insumos industriais. Importavam em um primeiro momento apenas bens de capital para suas instalações industriais. Mas foram empurradas pela maior competitividade dos asiáticos para a importação de insumos, semimanufaturados e até mesmo produtos finais.
Em busca de vantagens competitivas, tiveram de abandonar cadeias produtivas locais, integrando-se às globais. Em vez de se chocarem com a produtividade asiática, embutiram-na em seus produtos finais. Usam sua inteligência de negócios, suas marcas com boa penetração e suas redes de distribuição para atender o consumidor brasileiro. Pena que, pela baixa qualidade de nossas políticas, condenamos alguns à morte e outros à abertura de fábricas no exterior, quando poderíamos e deveríamos nos lançar todos juntos, integrados e mais eficientes, às correntes globais de comércio.
A boa notícia é que o aperfeiçoamento do marco regulatório e a criação de políticas públicas para democratizar o acesso à educação deflagraram um tsunami de investimentos no setor. Uma verdadeira revolução que promete transformar o país pela educação. Mas a má notícia é que o parque industrial brasileiro sofre novas ameaças de natureza inteiramente distinta. Trata-se de um esforço darwiniano de adaptação de nossas próprias empresas aos desafios da globalização em meio a esta persistente e perversa configuração do macroambiente.
A desindustrialização não se limita mais às empresas enfraquecidas que estão sendo abatidas pela maior competitividade dos produtos importados. Há também vítimas da desarticulação das cadeias produtivas internas. Empresas vencedoras que se integram às mais eficientes cadeias produtivas globalizadas abandonam fornecedores locais de máquinas e equipamentos, matérias-primas e insumos industriais. Importavam em um primeiro momento apenas bens de capital para suas instalações industriais. Mas foram empurradas pela maior competitividade dos asiáticos para a importação de insumos, semimanufaturados e até mesmo produtos finais.
Em busca de vantagens competitivas, tiveram de abandonar cadeias produtivas locais, integrando-se às globais. Em vez de se chocarem com a produtividade asiática, embutiram-na em seus produtos finais. Usam sua inteligência de negócios, suas marcas com boa penetração e suas redes de distribuição para atender o consumidor brasileiro. Pena que, pela baixa qualidade de nossas políticas, condenamos alguns à morte e outros à abertura de fábricas no exterior, quando poderíamos e deveríamos nos lançar todos juntos, integrados e mais eficientes, às correntes globais de comércio.
Desoneração da folha pode criar nova dificuldade para meta fiscal - RIBAMAR OLIVEIRA
Valor Econômico - 02/06
A desoneração da folha de pagamento das empresas pode criar uma dificuldade adicional para o cumprimento da meta fiscal deste ano. Ao definir o contingenciamento das despesas orçamentárias, em fevereiro, o governo reestimou o custo que o Tesouro teria para compensar a Previdência Social pela perda de receita com a desoneração. A estimativa de R$ 17 bilhões do Orçamento foi reduzida para R$ 11 bilhões.
Com esse corte de R$ 6 bilhões, o governo conseguiu anunciar uma diminuição de R$ 13,5 bilhões nas despesas obrigatórias e, com isso, apresentar um contingenciamento total de R$ 44 bilhões para garantir o superávit primário do setor público de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014.
O problema é que, nos primeiros quatro meses deste ano, a despesa do Tesouro com essa compensação já atingiu R$ 5,2 bilhões e o acumulado em doze meses até abril está em R$ 12,3 bilhões, com tendência à elevação. Mantida a média mensal do primeiro quadrimestre, de R$ 1,29 bilhão, o valor do ano chegaria a R$ 15,5 bilhões -- R$ 4,5 bilhões acima do projetado no decreto de contingenciamento.
Essa média mensal tende a aumentar, pois a perda da Previdência com a desoneração de novos setores da economia em janeiro último só começou a ser compensada pelo Tesouro a partir de maio. Se esta despesa for maior que a projetada no decreto de contingenciamento, o governo terá que encontrar uma nova fonte de recursos para financiá-la ou, então, cortar outros gastos orçamentários, pois só assim obterá a sua meta de superávit primário deste ano.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, estimou em R$ 21,6 bilhões a renúncia fiscal com a desoneração da folha neste ano. Mas não ficou claro, na apresentação que ele fez durante reunião de empresários com a presidente Dilma Rousseff, na semana passada, se este é o valor da compensação que o Tesouro repassará à Previdência em 2014 ou se é uma estimativa da Receita Federal sobre o potencial de perda de arrecadação com a desoneração de todos os 56 setores beneficiados com a medida.
Atualmente, há uma expressiva diferença entre as projeções da Receita e os valores mensais efetivamente repassados pelo Tesouro para a Previdência. Essa diferença nunca foi explicada pelo Ministério da Fazenda, o que alimenta a suspeita, entre economistas e entidades representativas dos servidores da Previdência, de que o Tesouro estaria subestimando a perda de receita com a desoneração.
Em 2011, o governo decidiu desonerar a folha de pagamento das empresas com o objetivo de facilitar a criação de empregos formais no país e aumentar a competitividade dos produtos brasileiros frente aos estrangeiros. Para isso, propôs a criação de uma contribuição sobre o faturamento que substituiria a contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento.
No início, as alíquotas definidas de 1,5% e 2,5% sobre o faturamento não agradaram os empresários. Eles argumentaram que elas não representavam uma redução de custo frente à contribuição de 20% sobre a folha. O governo cedeu e reduziu as alíquotas para 1% e 2%.
Com essa decisão, a presidente Dilma Rousseff concordou com uma redução da receita própria da Previdência, o que resultou em um déficit adicional do sistema previdenciário. Mesmo que a economia cresça muito, é pouco provável que as alíquotas de 1% e 2% sobre o faturamento das empresas produzam a mesma receita da contribuição de 20% sobre a folha.
Para evitar as críticas de entidades sindicais e representantes dos servidores da Previdência, a legislação estabeleceu que o Tesouro seria obrigado a compensar, mensalmente, a perda de receita da Previdência. Esse dispositivo, no entanto, apenas diz que o acréscimo do déficit será de responsabilidade do Tesouro, o que melhora a contabilidade da Previdência, mostrando que a piora das contas não resulta de desequilíbrio do sistema. Mas não altera o fato de que o déficit previdenciário aumentará com a desoneração. É importante observar que o Tesouro sempre cobriu o déficit da Previdência, pois os benefícios previdenciários são despesas obrigatórias.
Na semana passada, a presidente Dilma decidiu propor ao Congresso que a desoneração da folha tenha caráter permanente. Pela legislação atual, a medida acabaria em dezembro deste ano. A decisão da presidente significa que o aumento do déficit do sistema previdenciário terá caráter permanente. "Para fazer frente a uma perda permanente de receita própria da Previdência, o Tesouro terá que procurar outra fonte de recurso, aumentando a carga tributária, ou cortar outros gastos", sintetizou o economista Marcelo Abi-Ramia, especialista em assuntos previdenciários. Ele não tem dúvida também que esse problema ajudará a recolocar a reforma da Previdência no centro do debate nacional.
Com esse corte de R$ 6 bilhões, o governo conseguiu anunciar uma diminuição de R$ 13,5 bilhões nas despesas obrigatórias e, com isso, apresentar um contingenciamento total de R$ 44 bilhões para garantir o superávit primário do setor público de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014.
O problema é que, nos primeiros quatro meses deste ano, a despesa do Tesouro com essa compensação já atingiu R$ 5,2 bilhões e o acumulado em doze meses até abril está em R$ 12,3 bilhões, com tendência à elevação. Mantida a média mensal do primeiro quadrimestre, de R$ 1,29 bilhão, o valor do ano chegaria a R$ 15,5 bilhões -- R$ 4,5 bilhões acima do projetado no decreto de contingenciamento.
Essa média mensal tende a aumentar, pois a perda da Previdência com a desoneração de novos setores da economia em janeiro último só começou a ser compensada pelo Tesouro a partir de maio. Se esta despesa for maior que a projetada no decreto de contingenciamento, o governo terá que encontrar uma nova fonte de recursos para financiá-la ou, então, cortar outros gastos orçamentários, pois só assim obterá a sua meta de superávit primário deste ano.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, estimou em R$ 21,6 bilhões a renúncia fiscal com a desoneração da folha neste ano. Mas não ficou claro, na apresentação que ele fez durante reunião de empresários com a presidente Dilma Rousseff, na semana passada, se este é o valor da compensação que o Tesouro repassará à Previdência em 2014 ou se é uma estimativa da Receita Federal sobre o potencial de perda de arrecadação com a desoneração de todos os 56 setores beneficiados com a medida.
Atualmente, há uma expressiva diferença entre as projeções da Receita e os valores mensais efetivamente repassados pelo Tesouro para a Previdência. Essa diferença nunca foi explicada pelo Ministério da Fazenda, o que alimenta a suspeita, entre economistas e entidades representativas dos servidores da Previdência, de que o Tesouro estaria subestimando a perda de receita com a desoneração.
Em 2011, o governo decidiu desonerar a folha de pagamento das empresas com o objetivo de facilitar a criação de empregos formais no país e aumentar a competitividade dos produtos brasileiros frente aos estrangeiros. Para isso, propôs a criação de uma contribuição sobre o faturamento que substituiria a contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento.
No início, as alíquotas definidas de 1,5% e 2,5% sobre o faturamento não agradaram os empresários. Eles argumentaram que elas não representavam uma redução de custo frente à contribuição de 20% sobre a folha. O governo cedeu e reduziu as alíquotas para 1% e 2%.
Com essa decisão, a presidente Dilma Rousseff concordou com uma redução da receita própria da Previdência, o que resultou em um déficit adicional do sistema previdenciário. Mesmo que a economia cresça muito, é pouco provável que as alíquotas de 1% e 2% sobre o faturamento das empresas produzam a mesma receita da contribuição de 20% sobre a folha.
Para evitar as críticas de entidades sindicais e representantes dos servidores da Previdência, a legislação estabeleceu que o Tesouro seria obrigado a compensar, mensalmente, a perda de receita da Previdência. Esse dispositivo, no entanto, apenas diz que o acréscimo do déficit será de responsabilidade do Tesouro, o que melhora a contabilidade da Previdência, mostrando que a piora das contas não resulta de desequilíbrio do sistema. Mas não altera o fato de que o déficit previdenciário aumentará com a desoneração. É importante observar que o Tesouro sempre cobriu o déficit da Previdência, pois os benefícios previdenciários são despesas obrigatórias.
Na semana passada, a presidente Dilma decidiu propor ao Congresso que a desoneração da folha tenha caráter permanente. Pela legislação atual, a medida acabaria em dezembro deste ano. A decisão da presidente significa que o aumento do déficit do sistema previdenciário terá caráter permanente. "Para fazer frente a uma perda permanente de receita própria da Previdência, o Tesouro terá que procurar outra fonte de recurso, aumentando a carga tributária, ou cortar outros gastos", sintetizou o economista Marcelo Abi-Ramia, especialista em assuntos previdenciários. Ele não tem dúvida também que esse problema ajudará a recolocar a reforma da Previdência no centro do debate nacional.
Filha pródiga - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 02/06
BRASÍLIA - Eleição presidencial sem candidato paulista de peso e com dois fortes oponentes mineiros --a petista Dilma e o tucano Aécio-- é uma novidade. Faz de Minas, segundo colégio eleitoral do país, palco estratégico da guerra nacional.
Andando por Belo Horizonte nos últimos dias, fica claro que a petista Dilma sofre forte rejeição em sua terra, muito acima do imaginado --dado captado por pesquisas e checado no contato direto com os mineiros.
Surtiu efeito a estratégia tucana de colar na presidente a imagem de uma mineira que abandonou sua terrinha. E só agora, na véspera da eleição, volta para casa para ser perdoada pelos seus conterrâneos.
Em BH, na sexta-feira (30), Dilma desfiou uma série de ações que destinou a Minas para tentar mostrar que não é uma mineira ingrata. Enquanto isso, cartazes eram colados nas ruas tachando-a de mentirosa, de prometer obras e não cumprir.
Como em tudo na política, os dois lados têm sua parcela de razão e seu naco de pinóquio na história. Só que Dilma levou a pior. A seu favor, terá um candidato forte na disputa pelo governo mineiro. O petista Fernando Pimentel está na frente das pesquisas e vai trabalhar para reduzir a rejeição ao nome da amiga.
Mas pode ter de conviver com a repetição, talvez em dose menor, de um fenômeno presente em eleições anteriores. Nas ruas, há quem diga que pode votar em Aécio para presidente e Pimentel para governador.
Em Minas, por sinal, é engraçado assistir a comerciais do candidato tucano Pimenta da Veiga ao governo. É mais um pedido de voto para presidente do que para governador. Tática montada sob encomenda para turbinar Aécio em seu Estado.
Enfim, como disse Lula em BH, ao lado de Dilma e Pimentel, a presidente terá de ser, cada vez mais, paz e amor para apagar a imagem de raivosa que grudaram nela. Em Minas, terá de se esforçar ainda mais para provar que seu sangue é mais mineiro do que gaúcho.
BRASÍLIA - Eleição presidencial sem candidato paulista de peso e com dois fortes oponentes mineiros --a petista Dilma e o tucano Aécio-- é uma novidade. Faz de Minas, segundo colégio eleitoral do país, palco estratégico da guerra nacional.
Andando por Belo Horizonte nos últimos dias, fica claro que a petista Dilma sofre forte rejeição em sua terra, muito acima do imaginado --dado captado por pesquisas e checado no contato direto com os mineiros.
Surtiu efeito a estratégia tucana de colar na presidente a imagem de uma mineira que abandonou sua terrinha. E só agora, na véspera da eleição, volta para casa para ser perdoada pelos seus conterrâneos.
Em BH, na sexta-feira (30), Dilma desfiou uma série de ações que destinou a Minas para tentar mostrar que não é uma mineira ingrata. Enquanto isso, cartazes eram colados nas ruas tachando-a de mentirosa, de prometer obras e não cumprir.
Como em tudo na política, os dois lados têm sua parcela de razão e seu naco de pinóquio na história. Só que Dilma levou a pior. A seu favor, terá um candidato forte na disputa pelo governo mineiro. O petista Fernando Pimentel está na frente das pesquisas e vai trabalhar para reduzir a rejeição ao nome da amiga.
Mas pode ter de conviver com a repetição, talvez em dose menor, de um fenômeno presente em eleições anteriores. Nas ruas, há quem diga que pode votar em Aécio para presidente e Pimentel para governador.
Em Minas, por sinal, é engraçado assistir a comerciais do candidato tucano Pimenta da Veiga ao governo. É mais um pedido de voto para presidente do que para governador. Tática montada sob encomenda para turbinar Aécio em seu Estado.
Enfim, como disse Lula em BH, ao lado de Dilma e Pimentel, a presidente terá de ser, cada vez mais, paz e amor para apagar a imagem de raivosa que grudaram nela. Em Minas, terá de se esforçar ainda mais para provar que seu sangue é mais mineiro do que gaúcho.
A Copa da decisão - JOEL PINHEIRO
GAZETA DO POVO - PR - 02/06
Os conflitos que cercam a Copa são mais complexos do que a dicotomia PT x PSDB, ou direita x esquerda. Cada vez mais a briga se configura como governo versus todo o resto. Colocar-se contra a Copa é colocar-se contra o símbolo máximo do projeto de poder do PT, que não necessariamente coincide com o que se chama de esquerda. R$ 10 bilhões não é quantia que se jogue fora. É mais de um terço do gasto anual com o Bolsa Família. Ainda assim, é uma gota no orçamento estatal. Sua importância maior é como símbolo vistoso de um governo que quer se afirmar, dentro e fora de casa, como um sucesso absoluto.
Só que nem todos estão felizes. Com a situação econômica cada dia mais preocupante – com direito a contabilidade criativa, manipulação de preços do índice de inflação, naufrágio da Petrobras, endividamento dos cidadãos e esfriamento do consumo – e com velhos problemas sociais longe de resolvidos, todo mundo que não partilha do sentimento de oba-oba do governo federal encontrou a oportunidade ideal para protestar.
O governo conta com o mérito de ter aumentado o poder de consumo da parcela mais pobre da população. Entretanto, negligenciou as reformas estruturais que permitiriam avanços qualitativos na sua capacidade produtiva, para aí sim crescer sustentavelmente.
A Copa, afinal, também simboliza o que está errado na administração: o império das aparências. A simbiose com a Fifa reproduz a política de compadrio que marcou a atuação sufocante do Estado sobre a economia: escolha de empresas campeãs em detrimento do processo de mercado; obras monumentais de grande visibilidade, feitas por critérios políticos, sem nenhuma preocupação com os afetados. O uso político de todos os eventos e instituições. A Fifa sai com os lucros, o governo federal faz seu marketing, tudo isso pago pelos impostos da população exaurida e atropelando as necessidades de setores mais frágeis.
Não é segredo que, para levar adiante sua ideia de modernização, o governo Dilma azedou a relação com os índios. Ambientalistas também veem o modelo de desenvolvimento com preocupação. Setores que há tempos acumulam reivindicações (professores, médicos) aproveitam o momento. E, por fim, os problemas perenes da corrupção e da violência invadem os noticiários e as vidas como nunca antes na história deste país. O clima de protesto, portanto, não é monopólio “da direita” ou de um grupo qualquer; reúne um pouco de todos os descontentes no momento de maior visibilidade.
Para o governo, o fiasco é inaceitável, e já tivemos mostras de sua opção preferencial pela repressão violenta. Ao mesmo tempo, intensifica-se uma campanha ideológica pró-Copa. Quem não louva a Copa é um vendido ao pessimismo, é um derrotista, ou mesmo um golpista que odeia o Brasil. Voltamos ao “Ame-o ou deixe-o”.
Sempre achei que o brasileiro, mesmo incomodado, se acomodaria. Que a Copa seria um período caótico, mas de festa geral. Agora tenho dúvida; desde os protestos de junho passado, o cenário mudou. A proximidade das eleições acirra os ânimos; tal como em final de campeonato, sente-se no ar um clima de “tudo ou nada”. Este, mais do que todos, é o momento de expressar o descontentamento. Que as oposições, contudo, façam-se ouvir não só pela revolta, mas também proponham alternativas.
Os conflitos que cercam a Copa são mais complexos do que a dicotomia PT x PSDB, ou direita x esquerda. Cada vez mais a briga se configura como governo versus todo o resto. Colocar-se contra a Copa é colocar-se contra o símbolo máximo do projeto de poder do PT, que não necessariamente coincide com o que se chama de esquerda. R$ 10 bilhões não é quantia que se jogue fora. É mais de um terço do gasto anual com o Bolsa Família. Ainda assim, é uma gota no orçamento estatal. Sua importância maior é como símbolo vistoso de um governo que quer se afirmar, dentro e fora de casa, como um sucesso absoluto.
Só que nem todos estão felizes. Com a situação econômica cada dia mais preocupante – com direito a contabilidade criativa, manipulação de preços do índice de inflação, naufrágio da Petrobras, endividamento dos cidadãos e esfriamento do consumo – e com velhos problemas sociais longe de resolvidos, todo mundo que não partilha do sentimento de oba-oba do governo federal encontrou a oportunidade ideal para protestar.
O governo conta com o mérito de ter aumentado o poder de consumo da parcela mais pobre da população. Entretanto, negligenciou as reformas estruturais que permitiriam avanços qualitativos na sua capacidade produtiva, para aí sim crescer sustentavelmente.
A Copa, afinal, também simboliza o que está errado na administração: o império das aparências. A simbiose com a Fifa reproduz a política de compadrio que marcou a atuação sufocante do Estado sobre a economia: escolha de empresas campeãs em detrimento do processo de mercado; obras monumentais de grande visibilidade, feitas por critérios políticos, sem nenhuma preocupação com os afetados. O uso político de todos os eventos e instituições. A Fifa sai com os lucros, o governo federal faz seu marketing, tudo isso pago pelos impostos da população exaurida e atropelando as necessidades de setores mais frágeis.
Não é segredo que, para levar adiante sua ideia de modernização, o governo Dilma azedou a relação com os índios. Ambientalistas também veem o modelo de desenvolvimento com preocupação. Setores que há tempos acumulam reivindicações (professores, médicos) aproveitam o momento. E, por fim, os problemas perenes da corrupção e da violência invadem os noticiários e as vidas como nunca antes na história deste país. O clima de protesto, portanto, não é monopólio “da direita” ou de um grupo qualquer; reúne um pouco de todos os descontentes no momento de maior visibilidade.
Para o governo, o fiasco é inaceitável, e já tivemos mostras de sua opção preferencial pela repressão violenta. Ao mesmo tempo, intensifica-se uma campanha ideológica pró-Copa. Quem não louva a Copa é um vendido ao pessimismo, é um derrotista, ou mesmo um golpista que odeia o Brasil. Voltamos ao “Ame-o ou deixe-o”.
Sempre achei que o brasileiro, mesmo incomodado, se acomodaria. Que a Copa seria um período caótico, mas de festa geral. Agora tenho dúvida; desde os protestos de junho passado, o cenário mudou. A proximidade das eleições acirra os ânimos; tal como em final de campeonato, sente-se no ar um clima de “tudo ou nada”. Este, mais do que todos, é o momento de expressar o descontentamento. Que as oposições, contudo, façam-se ouvir não só pela revolta, mas também proponham alternativas.
Lei Anticorrupção, desestímulo empresarial? - ARMANDO LUIZ ROVAI
VALOR ECONÔMICO - 02/06
Se mal aplicada, a lei poderá ser mais um entrave para o país conhecido por seu formalismo e burocracia
Dentre os problemas mais sensíveis de nossos tempos, o que causa maior repercussão é o que remete ao envolvimento de corrupção e malversação com a coisa pública.
Como tentativa de combate a essa doença social surge a Lei Anticorrupção - Lei 12.846, de 2013 -, que nasce justamente com um entendimento interdisciplinar dos fatos e dos atos perante a administração pública, a empresa e a ordem jurídica, evidenciando que há uma necessidade premente de transformação na sociedade em relação às empresas e o poder público.
O espírito da legislação anticorrupção representa o desejo da sociedade por mudanças, refletida na esperança de acionistas, membros de conselhos de companhias, diretores de sociedades, consumidores, enfim, daqueles que vivenciam a atividade negocial e dos que simplesmente querem um país melhor.
Os entes enquadrados pela Lei Anticorrupção como possíveis praticantes de ilícitos são as sociedades empresárias, as sociedades simples - sociedades personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
Os atos praticados capitulados pela lei são, entre outros, prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada. Comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos efetivamente previstos na lei.
Nada obstante outras normas também imporem penas e responsabilizações às empresas que cometem ilicitudes, a novidade da Lei nº 12.846, de 2013, está na responsabilização das empresas na esfera administrativa, por lesar o patrimônio público. Aliás, em razão do rigor das penas que serão aplicadas, provavelmente, muitas empresas desenvolverão programas de compliance - o que não deixa de ser positivo negocialmente para o Brasil, num mundo altamente competitivo e globalizado.
Nesse sentido, cumpre dizer que num futuro próximo o aprimoramento e o desenvolvimento de áreas de compliance nas empresas serão um atenuante na determinação das punições, possibilitando uma espécie de delação premiada para a empresa que denunciar atos ilegais.
A Lei Anticorrupção não trata apenas dos aspectos criminais da corrupção, mas sim regula a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos ilícitos em contrato com o poder público federal, estadual ou municipal.
Entrementes, se punidas com altas multas por atos de corrupção, essa pena pode ser reduzida em até dois terços, se for assinado um acordo de leniência por meio do qual a empresa faz uma autodenúncia e colabora com as investigações. Trata-se de um mecanismo muito parecido ao previsto na Lei da Concorrência.
Entretanto, aqui vale uma reflexão no quanto esses mecanismos de punição à pessoa jurídica não se contrapõem ao principio da livre inciativa e da livre concorrência, fundamentais para o crescimento econômico e desenvolvimento de um país.
Tal análise deve ser feita se detectarmos o que ocorre com medidas que têm se demonstrado altamente benéficas do ponto de vista teórico, porém, quando aplicadas em larga escala por nossos tribunais, ocasionam distorções sensivelmente consideráveis no dia a dia jurídico e negocial.
Um dos exemplos mais factíveis é o do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que teve sua existência voltada para combater o abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial. No entanto, é hoje muito mal utilizado pelo Poder Judiciário, a pretexto de realizar-se justiça social, ocasionando um verdadeiro risco patrimonial e negocial aos que pretendem empreender no Brasil.
Não podemos correr o mesmo risco com a Lei Anticorrupção que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, devendo os operadores do direito ter muito cuidado para que a pretexto do estrito cumprimento da lei gere mais um desestímulo à atividade econômica e, por consequência, a um retrocesso no âmbito do desenvolvimento empresarial.
Deste modo, se bem aplicada, a lei pode gerar uma nova cultura anticorrupção no país, pois, no fim das contas, trata-se de um conjunto de boas práticas negociais a fim de tornar o Brasil mais viável, transparente, atraente e competitivo. Entretanto, se mal aplicada, poderá ser mais um entrave para o país conhecido por seu formalismo, burocracia e falta de estímulo ao empreendedorismo.
Se mal aplicada, a lei poderá ser mais um entrave para o país conhecido por seu formalismo e burocracia
Como tentativa de combate a essa doença social surge a Lei Anticorrupção - Lei 12.846, de 2013 -, que nasce justamente com um entendimento interdisciplinar dos fatos e dos atos perante a administração pública, a empresa e a ordem jurídica, evidenciando que há uma necessidade premente de transformação na sociedade em relação às empresas e o poder público.
O espírito da legislação anticorrupção representa o desejo da sociedade por mudanças, refletida na esperança de acionistas, membros de conselhos de companhias, diretores de sociedades, consumidores, enfim, daqueles que vivenciam a atividade negocial e dos que simplesmente querem um país melhor.
Os entes enquadrados pela Lei Anticorrupção como possíveis praticantes de ilícitos são as sociedades empresárias, as sociedades simples - sociedades personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
Os atos praticados capitulados pela lei são, entre outros, prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada. Comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos efetivamente previstos na lei.
Nada obstante outras normas também imporem penas e responsabilizações às empresas que cometem ilicitudes, a novidade da Lei nº 12.846, de 2013, está na responsabilização das empresas na esfera administrativa, por lesar o patrimônio público. Aliás, em razão do rigor das penas que serão aplicadas, provavelmente, muitas empresas desenvolverão programas de compliance - o que não deixa de ser positivo negocialmente para o Brasil, num mundo altamente competitivo e globalizado.
Nesse sentido, cumpre dizer que num futuro próximo o aprimoramento e o desenvolvimento de áreas de compliance nas empresas serão um atenuante na determinação das punições, possibilitando uma espécie de delação premiada para a empresa que denunciar atos ilegais.
A Lei Anticorrupção não trata apenas dos aspectos criminais da corrupção, mas sim regula a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos ilícitos em contrato com o poder público federal, estadual ou municipal.
Entrementes, se punidas com altas multas por atos de corrupção, essa pena pode ser reduzida em até dois terços, se for assinado um acordo de leniência por meio do qual a empresa faz uma autodenúncia e colabora com as investigações. Trata-se de um mecanismo muito parecido ao previsto na Lei da Concorrência.
Entretanto, aqui vale uma reflexão no quanto esses mecanismos de punição à pessoa jurídica não se contrapõem ao principio da livre inciativa e da livre concorrência, fundamentais para o crescimento econômico e desenvolvimento de um país.
Tal análise deve ser feita se detectarmos o que ocorre com medidas que têm se demonstrado altamente benéficas do ponto de vista teórico, porém, quando aplicadas em larga escala por nossos tribunais, ocasionam distorções sensivelmente consideráveis no dia a dia jurídico e negocial.
Um dos exemplos mais factíveis é o do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que teve sua existência voltada para combater o abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial. No entanto, é hoje muito mal utilizado pelo Poder Judiciário, a pretexto de realizar-se justiça social, ocasionando um verdadeiro risco patrimonial e negocial aos que pretendem empreender no Brasil.
Não podemos correr o mesmo risco com a Lei Anticorrupção que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, devendo os operadores do direito ter muito cuidado para que a pretexto do estrito cumprimento da lei gere mais um desestímulo à atividade econômica e, por consequência, a um retrocesso no âmbito do desenvolvimento empresarial.
Deste modo, se bem aplicada, a lei pode gerar uma nova cultura anticorrupção no país, pois, no fim das contas, trata-se de um conjunto de boas práticas negociais a fim de tornar o Brasil mais viável, transparente, atraente e competitivo. Entretanto, se mal aplicada, poderá ser mais um entrave para o país conhecido por seu formalismo, burocracia e falta de estímulo ao empreendedorismo.
Se mal aplicada, a lei poderá ser mais um entrave para o país conhecido por seu formalismo e burocracia
Simplificando a ortografia e o ensino - ERNANI PIMENTEL
CORREIO BRAZILIENSE - 02/06
A princípio, pode parece simples, mas está longe de ser. A língua portuguesa possui inúmeras regras de composição de palavras, acentuação e uso de letras. Para dificultar, são incontáveis as exceções e os desvios inexplicáveis. Encontrar quem saiba usar hífen, j, g, x, ch, s, z, por exemplo, é algo raro. Até Professores, cidadãos com notório saber e autoridades acadêmicas precisam recorrer constantemente a dicionários ou corretor ortográfico para confirmar como se escreve uma palavra ou outra, de tão complexo que é o nosso sistema. Acrescente-se aí, ainda, a diversidade de grupos culturais nos países que têm o português como língua oficial, cada um com suas características regionais. Chegar a um resultado que facilite ao máximo o aprendizado da escrita e a intercomunicação desses falantes é um desafio a ser vencido.
Notoriamente, há um desconhecimento de determinados aspectos da realidade ortográfica atual e dos benefícios que a simplificação de algumas regras pode trazer aos países de língua oficial portuguesa e aos seus povos. Engana-se quem pensa o contrário e, felizmente, o governo brasileiro atentou para a importância de prorrogar a implementação das novas regras, criando oportunidade de, num esforço conjunto, especialistas, Professores, estudantes e a sociedade civil como um todo contribuírem com sugestões para tornar a ortografia mais simples, objetiva e lógica.
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, após ter recebido vários sinais de alerta, realizou duas audiências públicas (em 2009 e 2012), convidando as autoridades responsáveis pelo encaminhamento do Acordo Ortográfico e representantes das opiniões críticas repercutidas na sociedade, perante senadores como Cyro Miranda, Ana Amélia, Cristovam Buarque, Lídice da Mata, Paulo Bauer, Flávio Arns, Marisa Serrano e Augusto Botelho.
Nas duas oportunidades, ficou evidente a necessidade de se trabalhar pela melhora de alguns pontos, motivo pelo qual solicitou e obteve, via audiência com a então ministra Gleisi Hoffmann, que a Presidência da República adiasse o prazo de implantação definitiva das novas regras para 1º de janeiro de 2016. Em seguida, criou o Grupo de Trabalho Técnico (GTT), com o objetivo de reunir sugestões simplificadoras - coordenado por dois Professores de português que participaram ativamente das audiências públicas. A sociedade civil, por meio do Centro de Estudos Linguísticos da Língua Portuguesa (CELLP ) e do www.simplificandoaortografia.com, está divulgando e recebendo sugestões de simplificação.
Não se trata de posicionamento contra o Acordo Ortográfico, mas existe a consciência de que algumas de suas regras (como o uso de certas letras, o hífen, os acentos de pára/para, fôrma/forma) continuam dificultando e encarecendo o ensino. Levantamento feito por Professores da Fundação Educacional do Distrito Federal indicam o gasto de 400 horas/aula com ortografia, do ensino fundamental ao médio, para decorar muito e aprender quase nada. É nesse interregno que nasce o desânimo e a crença de que português é muito difícil, criando o bloqueio gerador do analfabetismo funcional e causador do fato de que apenas 20% da população pode ser considerada plenamente alfabetizada. Esses mesmos Professores calcularam que, com a simplificação de algumas regras, a ortografia seria ensinada mais eficazmente com apenas 150h/a, 250h/a a menos, o que representa uma forte economia de tempo e dinheiro (R$ 2 bilhões/ano).
E mais: levando-se em consideração que a simplificação de certas regras faz com que se aprenda ortografia com praticamente um terço do tempo e com muito mais facilidade, pode-se prever uma forte redução nos índices de analfabetismo e na taxa de rejeição ao estudo da língua, simultaneamente fortalecendo a inclusão social. E ainda: a quantidade de cidadãos plenamente alfabetizados (capazes de ler e produzir textos mais profundos), que constitui apenas 20% da população, pode vir a ser multiplicada por dois, três, quatro ou cinco.
Isso significa dizer que na mesma proporção crescerá o número de leitores e autores, permitindo uma produção literária, intelectual e científica jamais vista, criando saber e riqueza suficientes para colocar estrategicamente nossos povos e países em estágio muito superior de respeito e influência internacionais.
A princípio, pode parece simples, mas está longe de ser. A língua portuguesa possui inúmeras regras de composição de palavras, acentuação e uso de letras. Para dificultar, são incontáveis as exceções e os desvios inexplicáveis. Encontrar quem saiba usar hífen, j, g, x, ch, s, z, por exemplo, é algo raro. Até Professores, cidadãos com notório saber e autoridades acadêmicas precisam recorrer constantemente a dicionários ou corretor ortográfico para confirmar como se escreve uma palavra ou outra, de tão complexo que é o nosso sistema. Acrescente-se aí, ainda, a diversidade de grupos culturais nos países que têm o português como língua oficial, cada um com suas características regionais. Chegar a um resultado que facilite ao máximo o aprendizado da escrita e a intercomunicação desses falantes é um desafio a ser vencido.
Notoriamente, há um desconhecimento de determinados aspectos da realidade ortográfica atual e dos benefícios que a simplificação de algumas regras pode trazer aos países de língua oficial portuguesa e aos seus povos. Engana-se quem pensa o contrário e, felizmente, o governo brasileiro atentou para a importância de prorrogar a implementação das novas regras, criando oportunidade de, num esforço conjunto, especialistas, Professores, estudantes e a sociedade civil como um todo contribuírem com sugestões para tornar a ortografia mais simples, objetiva e lógica.
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, após ter recebido vários sinais de alerta, realizou duas audiências públicas (em 2009 e 2012), convidando as autoridades responsáveis pelo encaminhamento do Acordo Ortográfico e representantes das opiniões críticas repercutidas na sociedade, perante senadores como Cyro Miranda, Ana Amélia, Cristovam Buarque, Lídice da Mata, Paulo Bauer, Flávio Arns, Marisa Serrano e Augusto Botelho.
Nas duas oportunidades, ficou evidente a necessidade de se trabalhar pela melhora de alguns pontos, motivo pelo qual solicitou e obteve, via audiência com a então ministra Gleisi Hoffmann, que a Presidência da República adiasse o prazo de implantação definitiva das novas regras para 1º de janeiro de 2016. Em seguida, criou o Grupo de Trabalho Técnico (GTT), com o objetivo de reunir sugestões simplificadoras - coordenado por dois Professores de português que participaram ativamente das audiências públicas. A sociedade civil, por meio do Centro de Estudos Linguísticos da Língua Portuguesa (CELLP ) e do www.simplificandoaortografia.com, está divulgando e recebendo sugestões de simplificação.
Não se trata de posicionamento contra o Acordo Ortográfico, mas existe a consciência de que algumas de suas regras (como o uso de certas letras, o hífen, os acentos de pára/para, fôrma/forma) continuam dificultando e encarecendo o ensino. Levantamento feito por Professores da Fundação Educacional do Distrito Federal indicam o gasto de 400 horas/aula com ortografia, do ensino fundamental ao médio, para decorar muito e aprender quase nada. É nesse interregno que nasce o desânimo e a crença de que português é muito difícil, criando o bloqueio gerador do analfabetismo funcional e causador do fato de que apenas 20% da população pode ser considerada plenamente alfabetizada. Esses mesmos Professores calcularam que, com a simplificação de algumas regras, a ortografia seria ensinada mais eficazmente com apenas 150h/a, 250h/a a menos, o que representa uma forte economia de tempo e dinheiro (R$ 2 bilhões/ano).
E mais: levando-se em consideração que a simplificação de certas regras faz com que se aprenda ortografia com praticamente um terço do tempo e com muito mais facilidade, pode-se prever uma forte redução nos índices de analfabetismo e na taxa de rejeição ao estudo da língua, simultaneamente fortalecendo a inclusão social. E ainda: a quantidade de cidadãos plenamente alfabetizados (capazes de ler e produzir textos mais profundos), que constitui apenas 20% da população, pode vir a ser multiplicada por dois, três, quatro ou cinco.
Isso significa dizer que na mesma proporção crescerá o número de leitores e autores, permitindo uma produção literária, intelectual e científica jamais vista, criando saber e riqueza suficientes para colocar estrategicamente nossos povos e países em estágio muito superior de respeito e influência internacionais.
Navegando o rio das eleições - EMMANUEL PUBLIO DIAS
O ESTADÃO - 02/06
Entre as analogias para explicar pesquisas eleitorais, a de que eu mais gosto é a que compara o processo político a uma bacia hidrográfica onde o rio principal é a intenção de voto. Os fatos, os fundamentos, a imprensa e a própria atividade política seriam os acidentes geográficos, a base sedimentar do leito do rio, a topografia e as configurações das margens, tudo, enfim, o que dá forma, volume e curso ao rio principal.
Pesquisas são visões parciais e temporárias, mais ou menos nítidas, conforme a qualidade e a abrangência dos instrumentos de medição. Ao fotografar (pesquisar) um determinado momento, o que se vê é um instantâneo do rio principal (opinião pública/intenção de voto), sem que se possa, a partir dessa única foto, prever como serão os próximos movimentos e características desse rio e muito menos onde vai desaguar. Quem já visitou as Cataratas do Iguaçu sabe que elas são precedidas de lagos e remansos que em nada prenunciam o que vai acontecer dali a poucas centenas de metros.
Declarações peremptórias de que “vai/não vai haver segundo turno”, “Dilma vencerá”, “Aécio está no segundo turno” valem tanto quanto um atestado de potabilidade da água do Rio Tietê, medida em suas nascentes, antes de receber as toneladas de dejetos da capital.
É importante entender que as perguntas que o pesquisador faz a uma amostra representativa do universo dos eleitores partem sempre de hipóteses condicionais: “Se as eleições fossem hoje, em quem você votaria/não votaria?”. Acontece que as eleições não são “hoje”. Raciocinar hoje como se estivéssemos em outubro equivale a dormir num bote sem âncora nos lagos e remansos que precedem as cataratas.
Fazer ilações sobre o comportamento do eleitorado usando como referencial seu próprio universo e círculos de relacionamento (reais e virtuais) tem levado a muitos erros e conclusões dissociadas da realidade.
E o que diz o mundo real dos eleitores, dos brasileiros?
Em primeiro lugar, que eles ainda não estão, em sua grande maioria, interessados nas próximas eleições. Quem discute eleições hoje somos nós, estudiosos, militantes, imprensa, membros do governo, das oposições e das instituições mais politizadas. Enquanto já se desenham hipóteses e alianças para o segundo turno, a última pesquisa do Ibope (campo 15-19 de maio) nos diz que apenas 14% declaram ter “muito interesse” nas eleições, enquanto 57% são claros: “Têm pouco ou nenhum interesse” nas eleições. São exatamente os mesmos números de interessados/desinteressados que tínhamos na pesquisa de março.
Esse desinteresse faz com que os candidatos sejam ainda desconhecidos e as respostas, quando cruzadas, produzam contradições, como, por exemplo, a mudança de candidato quando as perguntas se referem às intenções de voto nos dois turnos. Ou as discrepâncias entre respostas sobre a intenção de voto, rejeição e a perguntas a respeito de possibilidades de “com certeza, poderia votar, não votaria de jeito nenhum”.
Não reconhecer esses dois mundos pode levar a erros estratégicos, como dos candidatos da oposição tentando “se diferenciar”, quando a maioria não tem ideia de quem é um e quem é outro. Ou, do lado governista, reconhecer por meio de comerciais que a situação pode mudar, pode retroceder, quando esse perigo não está posto para a maioria dos eleitores.
A única coisa certa - porque independe de conhecimento/análise política, apenas reflete percepções - é o desgaste do governo da presidente Dilma Rousseff e a vontade de mudança. A última pesquisa Datafolha (campo 7-8 de maio) reduziu para 9 pontos o saldo positivo deste governo, que já teve 60 pontos de diferença entre as avaliações ótimo/bom e ruim/péssimo. A pesquisa Ibope, uma semana depois, confirma: o saldo positivo é de apenas 2 pontos, coincidindo com o empate entre os que aprovam/desaprovam o governo e a maioria que já não confia na presidente, deseja mudanças na forma de governar, mas com outro candidato no lugar dela.
Os cruzamentos entre essas avaliações do governo e as intenções de voto deixam claro que, se a presidente Dilma não recuperar o apoio em níveis parecidos com os que tinha antes de junho de 2013, será difícil manter a vantagem de hoje. Até por ser a candidata mais conhecida, está sendo o desaguadouro natural da rejeição provocada pela percepção negativa do governo e suas ações.
Há outros sinais que devem estar preocupando os profissionais da campanha Dilma. São corredeiras que começam a se formar no leito do rio. Além da crescente desaprovação ao seu governo e do crescimento das candidaturas da oposição (à medida que se tornam mais conhecidas) em proporção bem maior que o da presidente, a campanha da reeleição tem à frente, e bem visível, um conhecido desfiladeiro que, já se sabe, tem suas escarpas apinhadas de guerreiros armados, de comportamento imprevisível.
O nome desse desfiladeiro é Copa do Mundo: independentemente dos resultados em campo, o que vai definir se o barco da campanha governista atravessará o desfiladeiro incólume será o sucesso ou não da organização, da segurança, do funcionamento, da fluidez de comunicações, do deslocamento das torcidas, do acesso e tranquilidade nos estádios. E o mais importante: a imagem que o Brasil vai projetar para si mesmo e para a imprensa internacional.
Se tudo der certo, o Brasil sairá da Copa orgulhoso e satisfeito com seu papel de país-sede, reconhecido pelas autoridades, pelas torcidas e pela imprensa, Dilma ganhará um extraordinário alento para seu governo e isso se refletirá imediatamente nas próximas pesquisas. Um fracasso, uma vergonha nacional, se os piores vaticínios que hoje se fazem se concretizarem e o País for exposto à execração nacional e internacional, dificilmente essa nau passará pelo desfiladeiro.
O que existe depois dele conheceremos nas pesquisas de julho.
Entre as analogias para explicar pesquisas eleitorais, a de que eu mais gosto é a que compara o processo político a uma bacia hidrográfica onde o rio principal é a intenção de voto. Os fatos, os fundamentos, a imprensa e a própria atividade política seriam os acidentes geográficos, a base sedimentar do leito do rio, a topografia e as configurações das margens, tudo, enfim, o que dá forma, volume e curso ao rio principal.
Pesquisas são visões parciais e temporárias, mais ou menos nítidas, conforme a qualidade e a abrangência dos instrumentos de medição. Ao fotografar (pesquisar) um determinado momento, o que se vê é um instantâneo do rio principal (opinião pública/intenção de voto), sem que se possa, a partir dessa única foto, prever como serão os próximos movimentos e características desse rio e muito menos onde vai desaguar. Quem já visitou as Cataratas do Iguaçu sabe que elas são precedidas de lagos e remansos que em nada prenunciam o que vai acontecer dali a poucas centenas de metros.
Declarações peremptórias de que “vai/não vai haver segundo turno”, “Dilma vencerá”, “Aécio está no segundo turno” valem tanto quanto um atestado de potabilidade da água do Rio Tietê, medida em suas nascentes, antes de receber as toneladas de dejetos da capital.
É importante entender que as perguntas que o pesquisador faz a uma amostra representativa do universo dos eleitores partem sempre de hipóteses condicionais: “Se as eleições fossem hoje, em quem você votaria/não votaria?”. Acontece que as eleições não são “hoje”. Raciocinar hoje como se estivéssemos em outubro equivale a dormir num bote sem âncora nos lagos e remansos que precedem as cataratas.
Fazer ilações sobre o comportamento do eleitorado usando como referencial seu próprio universo e círculos de relacionamento (reais e virtuais) tem levado a muitos erros e conclusões dissociadas da realidade.
E o que diz o mundo real dos eleitores, dos brasileiros?
Em primeiro lugar, que eles ainda não estão, em sua grande maioria, interessados nas próximas eleições. Quem discute eleições hoje somos nós, estudiosos, militantes, imprensa, membros do governo, das oposições e das instituições mais politizadas. Enquanto já se desenham hipóteses e alianças para o segundo turno, a última pesquisa do Ibope (campo 15-19 de maio) nos diz que apenas 14% declaram ter “muito interesse” nas eleições, enquanto 57% são claros: “Têm pouco ou nenhum interesse” nas eleições. São exatamente os mesmos números de interessados/desinteressados que tínhamos na pesquisa de março.
Esse desinteresse faz com que os candidatos sejam ainda desconhecidos e as respostas, quando cruzadas, produzam contradições, como, por exemplo, a mudança de candidato quando as perguntas se referem às intenções de voto nos dois turnos. Ou as discrepâncias entre respostas sobre a intenção de voto, rejeição e a perguntas a respeito de possibilidades de “com certeza, poderia votar, não votaria de jeito nenhum”.
Não reconhecer esses dois mundos pode levar a erros estratégicos, como dos candidatos da oposição tentando “se diferenciar”, quando a maioria não tem ideia de quem é um e quem é outro. Ou, do lado governista, reconhecer por meio de comerciais que a situação pode mudar, pode retroceder, quando esse perigo não está posto para a maioria dos eleitores.
A única coisa certa - porque independe de conhecimento/análise política, apenas reflete percepções - é o desgaste do governo da presidente Dilma Rousseff e a vontade de mudança. A última pesquisa Datafolha (campo 7-8 de maio) reduziu para 9 pontos o saldo positivo deste governo, que já teve 60 pontos de diferença entre as avaliações ótimo/bom e ruim/péssimo. A pesquisa Ibope, uma semana depois, confirma: o saldo positivo é de apenas 2 pontos, coincidindo com o empate entre os que aprovam/desaprovam o governo e a maioria que já não confia na presidente, deseja mudanças na forma de governar, mas com outro candidato no lugar dela.
Os cruzamentos entre essas avaliações do governo e as intenções de voto deixam claro que, se a presidente Dilma não recuperar o apoio em níveis parecidos com os que tinha antes de junho de 2013, será difícil manter a vantagem de hoje. Até por ser a candidata mais conhecida, está sendo o desaguadouro natural da rejeição provocada pela percepção negativa do governo e suas ações.
Há outros sinais que devem estar preocupando os profissionais da campanha Dilma. São corredeiras que começam a se formar no leito do rio. Além da crescente desaprovação ao seu governo e do crescimento das candidaturas da oposição (à medida que se tornam mais conhecidas) em proporção bem maior que o da presidente, a campanha da reeleição tem à frente, e bem visível, um conhecido desfiladeiro que, já se sabe, tem suas escarpas apinhadas de guerreiros armados, de comportamento imprevisível.
O nome desse desfiladeiro é Copa do Mundo: independentemente dos resultados em campo, o que vai definir se o barco da campanha governista atravessará o desfiladeiro incólume será o sucesso ou não da organização, da segurança, do funcionamento, da fluidez de comunicações, do deslocamento das torcidas, do acesso e tranquilidade nos estádios. E o mais importante: a imagem que o Brasil vai projetar para si mesmo e para a imprensa internacional.
Se tudo der certo, o Brasil sairá da Copa orgulhoso e satisfeito com seu papel de país-sede, reconhecido pelas autoridades, pelas torcidas e pela imprensa, Dilma ganhará um extraordinário alento para seu governo e isso se refletirá imediatamente nas próximas pesquisas. Um fracasso, uma vergonha nacional, se os piores vaticínios que hoje se fazem se concretizarem e o País for exposto à execração nacional e internacional, dificilmente essa nau passará pelo desfiladeiro.
O que existe depois dele conheceremos nas pesquisas de julho.
O animal político - PAULO DELGADO
O GLOBO - 02/06
Vantagem de encontrar líder só, como cidadão, sem imposição ou impostura, é poder, neste caso, por mais contraditório que pareça, ver melhor na sombra do que na luz
A política brasileira está na infância. Ainda valoriza o animal político. Este líder-rainha que pode tudo, construtor de labirintos destinados a desconstruir a noção de autoridade. Conheci, em Turim, Norberto Bobbio, que sintetizava esse sentimento cansativo que tanto domina a vida pública italiana da seguinte maneira: tudo é política, mas a política não é tudo. Na atual sucessão brasileira, três bons candidatos despontam sem nenhum risco de marcha a ré em nossa democracia.
Encontrei Mandela em uma rua de Maputo sozinho. Cumprimentei-o e disse que o havia recebido na Câmara dos Deputados do Brasil nos anos 90. “Se der, passa lá em casa”, ouvi do maior líder moral do nosso tempo. Estava em Díli, no dia da Independência do Timor, e tinha na minha frente um grandalhão vermelho e louro na fila do café. Era Clinton aguardando sua vez para atacar o bufê, mas curioso também sobre a vida brasileira. Vaclav Havel liderou a Revolução de Veludo e encontrava tempo para passear distraído por Praga. Na sala de espera de um consultório médico da Rua Timbiras, em Belo Horizonte, o governador Itamar Franco aguarda sozinho sua hora de ser atendido. José Mujica mora em um sítio nos arredores de Montevidéu e não aceita o título de presidente mais pobre do mundo. “Eu não sou pobre. Pobre é quem precisa de muito para viver.” A política dá trabalho, mas “não me venham com essa história de que a vida é só isso”.
Dominar os códigos da política é o maior desafio posto para os eleitores nos anos de sucessão. O povo, desconfiado, os chama de “ano da política”. É cada vez mais o “ano dos políticos” diante do “curto-prazismo” que tomou conta de tudo e dessa mania de abelha que fez dos governos colmeias de fornecedores de mel.
A vantagem de encontrar um líder sozinho, como um cidadão, sem imposição ou impostura, é poder, neste caso, por mais contraditório que pareça, ver melhor na sombra do que na luz. Muitas vezes os processos sociais são tão intensos — e uma eleição é um deles, carregada de paixão e muitas vezes irracionalismo — que os processos psíquicos e as verdadeiras motivações dos líderes desaparecem em labirintos e esconderijos. A tendência de querer suplantar a autonomia da sociedade e subjugar a vida privada pelos interesses do Estado costuma não poupar nenhum vitorioso, liberal ou socialista. Como hoje os governos são agências de publicidade, parece não haver o mal como projeto ou qualquer política pública condenável. Tornou-se muito fácil dar o nome que se quiser a essa democracia que se acomoda perfeitamente a slogans e simplificações. Conectar os candidatos a suas vidas e seus feitos é uma exigência da boa escolha. Já é hora de uma sucessão sem desalinhamentos personalistas e essa conversa de “botar para quebrar”.
No salão do Julinho no Liberty Mall, em Brasília, Dilma arruma seu cabelo como tantas outras mulheres do país. No Polis Sucos, no Rio, Aécio pede um de melancia e leva pela rua sem incomodar ninguém. Na Pizzaria Libório, em Recife, Eduardo Campos faz um lanche com seus filhos. Que os aparatos de poder não mudem ou moldem nossos líderes.
Vantagem de encontrar líder só, como cidadão, sem imposição ou impostura, é poder, neste caso, por mais contraditório que pareça, ver melhor na sombra do que na luz
A política brasileira está na infância. Ainda valoriza o animal político. Este líder-rainha que pode tudo, construtor de labirintos destinados a desconstruir a noção de autoridade. Conheci, em Turim, Norberto Bobbio, que sintetizava esse sentimento cansativo que tanto domina a vida pública italiana da seguinte maneira: tudo é política, mas a política não é tudo. Na atual sucessão brasileira, três bons candidatos despontam sem nenhum risco de marcha a ré em nossa democracia.
Encontrei Mandela em uma rua de Maputo sozinho. Cumprimentei-o e disse que o havia recebido na Câmara dos Deputados do Brasil nos anos 90. “Se der, passa lá em casa”, ouvi do maior líder moral do nosso tempo. Estava em Díli, no dia da Independência do Timor, e tinha na minha frente um grandalhão vermelho e louro na fila do café. Era Clinton aguardando sua vez para atacar o bufê, mas curioso também sobre a vida brasileira. Vaclav Havel liderou a Revolução de Veludo e encontrava tempo para passear distraído por Praga. Na sala de espera de um consultório médico da Rua Timbiras, em Belo Horizonte, o governador Itamar Franco aguarda sozinho sua hora de ser atendido. José Mujica mora em um sítio nos arredores de Montevidéu e não aceita o título de presidente mais pobre do mundo. “Eu não sou pobre. Pobre é quem precisa de muito para viver.” A política dá trabalho, mas “não me venham com essa história de que a vida é só isso”.
Dominar os códigos da política é o maior desafio posto para os eleitores nos anos de sucessão. O povo, desconfiado, os chama de “ano da política”. É cada vez mais o “ano dos políticos” diante do “curto-prazismo” que tomou conta de tudo e dessa mania de abelha que fez dos governos colmeias de fornecedores de mel.
A vantagem de encontrar um líder sozinho, como um cidadão, sem imposição ou impostura, é poder, neste caso, por mais contraditório que pareça, ver melhor na sombra do que na luz. Muitas vezes os processos sociais são tão intensos — e uma eleição é um deles, carregada de paixão e muitas vezes irracionalismo — que os processos psíquicos e as verdadeiras motivações dos líderes desaparecem em labirintos e esconderijos. A tendência de querer suplantar a autonomia da sociedade e subjugar a vida privada pelos interesses do Estado costuma não poupar nenhum vitorioso, liberal ou socialista. Como hoje os governos são agências de publicidade, parece não haver o mal como projeto ou qualquer política pública condenável. Tornou-se muito fácil dar o nome que se quiser a essa democracia que se acomoda perfeitamente a slogans e simplificações. Conectar os candidatos a suas vidas e seus feitos é uma exigência da boa escolha. Já é hora de uma sucessão sem desalinhamentos personalistas e essa conversa de “botar para quebrar”.
No salão do Julinho no Liberty Mall, em Brasília, Dilma arruma seu cabelo como tantas outras mulheres do país. No Polis Sucos, no Rio, Aécio pede um de melancia e leva pela rua sem incomodar ninguém. Na Pizzaria Libório, em Recife, Eduardo Campos faz um lanche com seus filhos. Que os aparatos de poder não mudem ou moldem nossos líderes.
2015 já começou - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 02/06
SÃO PAULO - O Brasil vai crescer menos ainda em 2014 do que se previa. Essa é a resultante, considerados a estagnação da economia no primeiro trimestre deste ano e o alinhamento dos astros apontando pessimismo sobre os próximos meses.
A massa de salários e de crédito empacou. A indústria não desatola do buraco em que se meteu há cinco anos. Exauriram-se todos os sortilégios desenvolvimentistas, como a explosão de empréstimos estatais, o abatimento setorial de impostos e a contenção de preços à unha.
A economia brasileira começa a pagar uma conta que, imaginava-se, só seria sentida na pele das pessoas, porque debitada mais fortemente, a partir do ano que vem, depois da eleição presidencial. Em casa que falta pão, aumenta a confusão.
Se a renda per capita para de crescer, as disputas sociais se tornam mais escancaradas e lesivas. Para que um grupo possa ganhar, o outro tem de perder. Acabou a fase em que todos evoluíam, embora uns mais depressa do que os outros.
Uns querem aumentar o subsídio dos transportes, outros não suportam mais pagar impostos. Uns querem desapropriação de terrenos para a "reforma urbana", outros só aceitam financiar a juros soberbos os governos desapropriadores.
Uns querem gastar 10% do PIB no ensino das crianças, outros não abrem mão da gratuidade nas universidades estatais para os adultos e exigem ainda mais dinheiro do governo. Uns não aceitam gasolina mais cara, outros precisam do reajuste para investir, empregar e crescer.
Não há recurso para tudo isso. Nunca há, na verdade. Mas, em tempo de produção inerte, é mais difícil esconder esse fato dos grupos em conflito num labirinto congestionado por 200 milhões de almas.
O longo ano de 2015 já começou. Tomara que acabe ainda nesta segunda década do século, o que dependerá das respostas dos governantes eleitos em outubro.
SÃO PAULO - O Brasil vai crescer menos ainda em 2014 do que se previa. Essa é a resultante, considerados a estagnação da economia no primeiro trimestre deste ano e o alinhamento dos astros apontando pessimismo sobre os próximos meses.
A massa de salários e de crédito empacou. A indústria não desatola do buraco em que se meteu há cinco anos. Exauriram-se todos os sortilégios desenvolvimentistas, como a explosão de empréstimos estatais, o abatimento setorial de impostos e a contenção de preços à unha.
A economia brasileira começa a pagar uma conta que, imaginava-se, só seria sentida na pele das pessoas, porque debitada mais fortemente, a partir do ano que vem, depois da eleição presidencial. Em casa que falta pão, aumenta a confusão.
Se a renda per capita para de crescer, as disputas sociais se tornam mais escancaradas e lesivas. Para que um grupo possa ganhar, o outro tem de perder. Acabou a fase em que todos evoluíam, embora uns mais depressa do que os outros.
Uns querem aumentar o subsídio dos transportes, outros não suportam mais pagar impostos. Uns querem desapropriação de terrenos para a "reforma urbana", outros só aceitam financiar a juros soberbos os governos desapropriadores.
Uns querem gastar 10% do PIB no ensino das crianças, outros não abrem mão da gratuidade nas universidades estatais para os adultos e exigem ainda mais dinheiro do governo. Uns não aceitam gasolina mais cara, outros precisam do reajuste para investir, empregar e crescer.
Não há recurso para tudo isso. Nunca há, na verdade. Mas, em tempo de produção inerte, é mais difícil esconder esse fato dos grupos em conflito num labirinto congestionado por 200 milhões de almas.
O longo ano de 2015 já começou. Tomara que acabe ainda nesta segunda década do século, o que dependerá das respostas dos governantes eleitos em outubro.
Há Estado? - DENIS LERRER ROSENFIELD
O GLOBO - 02/06
Brasil está vivendo uma série de eventos que têm se caracterizado pela desordem pública
Há um certo senso comum popular segundo o qual a segurança pública é uma das principais atribuições do Estado. Não se trata de nada corriqueiro, pois estamos falando da conservação da vida, da integridade do corpo, da preservação dos bens e da defesa da família. Todas as pesquisas de opinião mostram que esta é uma das principais preocupações dos brasileiros, que se veem como desatendidos no que deveria ser o eixo mesmo de atuação do Estado. Qual é o destino de nossos impostos, se o Estado nem isto pode assegurar?
Há, também, certo senso comum filosófico que fundamenta essa percepção popular. Caberia ao Estado, dizia Hobbes, assegurar a integridade física e a conservação dos bens de seus cidadãos, via exercício do monopólio da violência. Isto significa que os cidadãos teriam transferido ao Estado o uso da violência, de tal maneira que a ordem pública possa se estabelecer.
O mesmo senso filosófico, desta feita seguindo Kant, estabelece que a lei reja os conflitos em estados republicanos, de modo que sentenças judiciais devam ser aplicadas, pois se isto não ocorre é como se a própria lei não existisse. Uma lei ineficaz não pode ser propriamente denominada de lei.
O Brasil está vivendo uma série de eventos que têm se caracterizado pela desordem pública, pelo emprego da violência por parte de grupos organizados, chamados, genericamente, de “movimentos sociais”, pela não observância da lei e pela imposição, mediante a força, de posições minoritárias. Os cidadãos observam, estarrecidos, como esses diferentes grupos agem, sem a menor preocupação com os direitos e as liberdades dos demais, como se a seara pública pudesse ser, simplesmente, invadida por atos violentos.
As greves dos rodoviários no Rio de Janeiro, em São Paulo e, anteriormente, em Porto Alegre, são exemplos gritantes da inoperância do Estado. Convém aqui observar que a segurança pública se constitui em uma atribuição dos estados, não sendo um papel a ser cumprido pela União, senão subsidiariamente em momentos de crise ou grave tensão social. Logo, estamos falando da falência do Estado no domínio dos estados, onde distintos partidos políticos exercem o poder.
Uma certa cronologia é aqui importante. A primeira greve propriamente selvagem dos rodoviários ocorreu em Porto Alegre, onde os grevistas impediram, graças a atos violentos, a circulação de ônibus em um período que se estendeu, ao todo, por mais de uma semana. O caos urbano foi estabelecido. Grupos minoritários, em boa parte vinculados à extrema-esquerda, impuseram a sua vontade pelo uso da força.
O governador petista, Tarso Genro, tomou a decisão de a Polícia Militar não intervir, para evitar, segundo ele, o confronto com os grevistas, podendo resultar em mortes ou acidentes. Ou seja, o confronto só se estabeleceria com a intervenção da polícia, quando, na verdade, ele foi suscitado por atos violentos dos próprios grevistas. O prefeito, do PDT, José Fortunatti, preocupado com os cidadãos, pediu a intervenção da polícia, no que não foi tampouco atendido pelo governador.
Os grevistas se sentiram ainda com mais poder e puderam infernizar a cidade, contando com a completa impunidade. Uma polícia que não age para coibir atos violentos, evidentemente, não cumpre com sua função. Torna-se uma mera observadora da violência, como se esta não lhe dissesse respeito.
Note-se ainda que a Justiça do Trabalho, normalmente simpática às reivindicações dos trabalhadores, declarou a greve abusiva, estabeleceu punições, que não produziram o menor efeito, pois os grevistas também pensaram que a lei não precisa ser observada. O know-how tinha sido adquirido.
A greve dos rodoviários de São Paulo contou com este know-how. Rodoviários gaúchos transmitiram esse conhecimento aos grevistas paulistas, participando de sua logística. Ou seja, foram a São Paulo para ajudar na organização dos atos violentos. O script foi semelhante, com algumas inovações no que diz respeito à ampliação do uso sistemático da violência. Note-se que não há nenhuma “espontaneidade” aqui, mas sim uma organização digamos “refinada” do arbítrio.
Os grevistas, na mais completa ilegalidade, fizeram uma greve selvagem, sem nenhum aviso prévio. Como a ilegalidade já não é mais coibida, pode ela servir de exemplo para as ações. Usuários foram, no meio de seus percursos, retirados dos ônibus. Os veículos foram atravessados no meio das ruas e avenidas, com o objeto explícito de causar o maior dano aos outros cidadãos. A liberdade de ir e vir foi simplesmente anulada. Houve mesmo o requinte de as chaves dos ônibus serem jogadas fora, para impedir um reposicionamento destes veículos. O objetivo foi o estabelecimento do caos.
A prática amplamente utilizada no Rio de Janeiro de queima de ônibus foi também empregada como se a depredação do patrimônio das empresas fosse algo justificável, como se a sua segurança pudesse ser negligenciada. São as chamas da violência.
Note-se que no caso paulista um script semelhante se desenhou no que diz respeito ao papel dos governantes, embora as posições partidárias não fossem as mesmas. O governo tucano de Geraldo Alckmin optou por sua polícia ser igualmente mera observadora dos atos violentos, não intervindo para coibi-los. É como se a coerção de atos violentos não dissesse respeito ao governo estadual pela greve ter se estabelecido no nível municipal. O absurdo é evidente, pois a segurança concerne à função mesma da esfera estadual.
No caso, foi a administração municipal, a do prefeito petista, Fernando Haddad, que pediu, com razão, a intervenção da força estadual, pois atos violentos devem ser reprimidos seja lá onde ocorram. É incompreensível que o crime corra solto, que a violência se generalize, enquanto a polícia torna-se mera espectadora. Observe-se, por último, que a greve foi considerada abusiva pela Justiça do Trabalho e isto tampouco teve um efeito imediato, pois a ilegalidade tornou-se a tônica dessas manifestações.
Cabe, então, a pergunta: há Estado?
Brasil está vivendo uma série de eventos que têm se caracterizado pela desordem pública
Há um certo senso comum popular segundo o qual a segurança pública é uma das principais atribuições do Estado. Não se trata de nada corriqueiro, pois estamos falando da conservação da vida, da integridade do corpo, da preservação dos bens e da defesa da família. Todas as pesquisas de opinião mostram que esta é uma das principais preocupações dos brasileiros, que se veem como desatendidos no que deveria ser o eixo mesmo de atuação do Estado. Qual é o destino de nossos impostos, se o Estado nem isto pode assegurar?
Há, também, certo senso comum filosófico que fundamenta essa percepção popular. Caberia ao Estado, dizia Hobbes, assegurar a integridade física e a conservação dos bens de seus cidadãos, via exercício do monopólio da violência. Isto significa que os cidadãos teriam transferido ao Estado o uso da violência, de tal maneira que a ordem pública possa se estabelecer.
O mesmo senso filosófico, desta feita seguindo Kant, estabelece que a lei reja os conflitos em estados republicanos, de modo que sentenças judiciais devam ser aplicadas, pois se isto não ocorre é como se a própria lei não existisse. Uma lei ineficaz não pode ser propriamente denominada de lei.
O Brasil está vivendo uma série de eventos que têm se caracterizado pela desordem pública, pelo emprego da violência por parte de grupos organizados, chamados, genericamente, de “movimentos sociais”, pela não observância da lei e pela imposição, mediante a força, de posições minoritárias. Os cidadãos observam, estarrecidos, como esses diferentes grupos agem, sem a menor preocupação com os direitos e as liberdades dos demais, como se a seara pública pudesse ser, simplesmente, invadida por atos violentos.
As greves dos rodoviários no Rio de Janeiro, em São Paulo e, anteriormente, em Porto Alegre, são exemplos gritantes da inoperância do Estado. Convém aqui observar que a segurança pública se constitui em uma atribuição dos estados, não sendo um papel a ser cumprido pela União, senão subsidiariamente em momentos de crise ou grave tensão social. Logo, estamos falando da falência do Estado no domínio dos estados, onde distintos partidos políticos exercem o poder.
Uma certa cronologia é aqui importante. A primeira greve propriamente selvagem dos rodoviários ocorreu em Porto Alegre, onde os grevistas impediram, graças a atos violentos, a circulação de ônibus em um período que se estendeu, ao todo, por mais de uma semana. O caos urbano foi estabelecido. Grupos minoritários, em boa parte vinculados à extrema-esquerda, impuseram a sua vontade pelo uso da força.
O governador petista, Tarso Genro, tomou a decisão de a Polícia Militar não intervir, para evitar, segundo ele, o confronto com os grevistas, podendo resultar em mortes ou acidentes. Ou seja, o confronto só se estabeleceria com a intervenção da polícia, quando, na verdade, ele foi suscitado por atos violentos dos próprios grevistas. O prefeito, do PDT, José Fortunatti, preocupado com os cidadãos, pediu a intervenção da polícia, no que não foi tampouco atendido pelo governador.
Os grevistas se sentiram ainda com mais poder e puderam infernizar a cidade, contando com a completa impunidade. Uma polícia que não age para coibir atos violentos, evidentemente, não cumpre com sua função. Torna-se uma mera observadora da violência, como se esta não lhe dissesse respeito.
Note-se ainda que a Justiça do Trabalho, normalmente simpática às reivindicações dos trabalhadores, declarou a greve abusiva, estabeleceu punições, que não produziram o menor efeito, pois os grevistas também pensaram que a lei não precisa ser observada. O know-how tinha sido adquirido.
A greve dos rodoviários de São Paulo contou com este know-how. Rodoviários gaúchos transmitiram esse conhecimento aos grevistas paulistas, participando de sua logística. Ou seja, foram a São Paulo para ajudar na organização dos atos violentos. O script foi semelhante, com algumas inovações no que diz respeito à ampliação do uso sistemático da violência. Note-se que não há nenhuma “espontaneidade” aqui, mas sim uma organização digamos “refinada” do arbítrio.
Os grevistas, na mais completa ilegalidade, fizeram uma greve selvagem, sem nenhum aviso prévio. Como a ilegalidade já não é mais coibida, pode ela servir de exemplo para as ações. Usuários foram, no meio de seus percursos, retirados dos ônibus. Os veículos foram atravessados no meio das ruas e avenidas, com o objeto explícito de causar o maior dano aos outros cidadãos. A liberdade de ir e vir foi simplesmente anulada. Houve mesmo o requinte de as chaves dos ônibus serem jogadas fora, para impedir um reposicionamento destes veículos. O objetivo foi o estabelecimento do caos.
A prática amplamente utilizada no Rio de Janeiro de queima de ônibus foi também empregada como se a depredação do patrimônio das empresas fosse algo justificável, como se a sua segurança pudesse ser negligenciada. São as chamas da violência.
Note-se que no caso paulista um script semelhante se desenhou no que diz respeito ao papel dos governantes, embora as posições partidárias não fossem as mesmas. O governo tucano de Geraldo Alckmin optou por sua polícia ser igualmente mera observadora dos atos violentos, não intervindo para coibi-los. É como se a coerção de atos violentos não dissesse respeito ao governo estadual pela greve ter se estabelecido no nível municipal. O absurdo é evidente, pois a segurança concerne à função mesma da esfera estadual.
No caso, foi a administração municipal, a do prefeito petista, Fernando Haddad, que pediu, com razão, a intervenção da força estadual, pois atos violentos devem ser reprimidos seja lá onde ocorram. É incompreensível que o crime corra solto, que a violência se generalize, enquanto a polícia torna-se mera espectadora. Observe-se, por último, que a greve foi considerada abusiva pela Justiça do Trabalho e isto tampouco teve um efeito imediato, pois a ilegalidade tornou-se a tônica dessas manifestações.
Cabe, então, a pergunta: há Estado?
Com frieza, mas na torcida - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O ESTADÃO - 02/06
Quase nenhuma bandeira nas janelas. Poucas ruas enfeitadas. Raras camisetas amarelas. O que os olhos não veem tampouco os pesquisadores sentem. Pois é uma verdade estatística: a maior parte dos brasileiros está fria em relação à Copa. Ao Ibope, 39% dos moradores do país do futebol responderam que se fosse possível medir em graus seu envolvimento com o Mundial, a temperatura estaria entre "fria", "muito fria' e "gelada".
Só 30% disseram que seu termômetro está "quente", "muito quente" ou "fervendo". O resto está "morno". Ou estava até outro dia. A pesquisa - inédita até agora - foi concluída em 19 de maio. O que explica essa frente fria futebolística?
Talvez esteja acontecendo o que os pesquisadores chamam de "espiral do silêncio". Virou politicamente incorreto torcer pela Copa, pelo Brasil. Aí poucos vestem a camisa, ninguém se manifesta, com medo do patrulhamento. Há eleitores que são assim, só revelam seu candidato ao anonimato da urna eletrônica. Será que a Copa virou uma espécie de Maluf?
Como diz a CEO do Ibope, Marcia Cavallari, talvez ao primeiro grito de gol do Brasil tudo mude. E a torcida reprimida exploda de uma vez só. Ou até antes, na forma de um golaço tecnológico, quando o mundo vislumbrar um paraplégico andar e dar o chute inicial da Copa no Itaquerão - graças a um exoesqueleto de 70 kg acoplado ao próprio cérebro, projetado e construído pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis.
Mas antes de esquentar, o Brasil esfriou. À medida que a Copa foi se aproximando, o envolvimento foi diminuindo em vez de aumentar. Em 2011, o Ibope perguntou a mesma coisa aos brasileiros. O termômetro estava bem mais aquecido do que agora: 37% se diziam entre o "quente" e o "fervendo", contra apenas 24% de frios e gelados. Estes eram a exceção.
Hoje são a regra. Em quase todos os segmentos sociais, a frieza prepondera. Está acima da média entre as mulheres (44%), entre quem tem mais de 35 anos (42%), entre quem fez faculdade (40%), no Sudeste (44%) e no Sul (43%).
Nenhuma característica demográfica é mais determinante, porém, para a temperatura do torcedor em relação à Copa do que sua intenção de voto. Quem está frio vota na oposição, quem está quente, no governo. Outra prova de que o Fla x Flu político-partidário divide o país do futebol em relação à Copa.
Dos que declaram voto em Dilma Rousseff (PT), 42% dizem que seu envolvimento com a Copa está quente, muito quente ou fervendo. Só 23% deles estão frios, muito frios ou gelados.
Já entre os eleitores de Aécio Neves (PSDB), a divisão é inversa: 27% a 42%. Entre os de Eduardo Campos (PSB), mais ainda: só 25% de quentes, contra 46% de frios. A frieza aumenta entre os eleitores dos nanicos (61%), entre quem declara voto branco/nulo (62%), e chega a incríveis 69% entre os poucos que pretendem votar no pastor Everaldo (PSC). É, a Copa virou uma coisa dos diabos. Mas não faz muito tempo.
Apenas três meses atrás, a proporção de sentimentos negativos e positivos em relação ao Mundial de futebol estava praticamente empatada na população. Em fevereiro, 53% se referiam à Copa como "desperdício", "preocupação", "decepção", "vergonha", "medo" e "ansiedade". E 47% usavam palavras como "alegria", "orgulho", "esperança", "otimismo" e "brasilidade".
Hoje, os sentimentos negativos são maioria: 60%. Mas é cedo para dizer como a torcida vai se sentir após a bola rolar.
Será que 20 black blocs serão capazes de estragar a festa de milhões? Afinal, 51% apoiam a Copa no Brasil. E, apesar da frieza, há mais brasileiros prevendo o sucesso (36%) do que o fracasso (31%) da competição. A grande maioria (71%) torce para que tudo corra bem. Se der zebra, a culpa é dos outros: 22% acham que as pessoas estão torcendo para que dê tudo errado, mas só metade deles admite que está mesmo. Vai que dá certo, né...
Quase nenhuma bandeira nas janelas. Poucas ruas enfeitadas. Raras camisetas amarelas. O que os olhos não veem tampouco os pesquisadores sentem. Pois é uma verdade estatística: a maior parte dos brasileiros está fria em relação à Copa. Ao Ibope, 39% dos moradores do país do futebol responderam que se fosse possível medir em graus seu envolvimento com o Mundial, a temperatura estaria entre "fria", "muito fria' e "gelada".
Só 30% disseram que seu termômetro está "quente", "muito quente" ou "fervendo". O resto está "morno". Ou estava até outro dia. A pesquisa - inédita até agora - foi concluída em 19 de maio. O que explica essa frente fria futebolística?
Talvez esteja acontecendo o que os pesquisadores chamam de "espiral do silêncio". Virou politicamente incorreto torcer pela Copa, pelo Brasil. Aí poucos vestem a camisa, ninguém se manifesta, com medo do patrulhamento. Há eleitores que são assim, só revelam seu candidato ao anonimato da urna eletrônica. Será que a Copa virou uma espécie de Maluf?
Como diz a CEO do Ibope, Marcia Cavallari, talvez ao primeiro grito de gol do Brasil tudo mude. E a torcida reprimida exploda de uma vez só. Ou até antes, na forma de um golaço tecnológico, quando o mundo vislumbrar um paraplégico andar e dar o chute inicial da Copa no Itaquerão - graças a um exoesqueleto de 70 kg acoplado ao próprio cérebro, projetado e construído pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis.
Mas antes de esquentar, o Brasil esfriou. À medida que a Copa foi se aproximando, o envolvimento foi diminuindo em vez de aumentar. Em 2011, o Ibope perguntou a mesma coisa aos brasileiros. O termômetro estava bem mais aquecido do que agora: 37% se diziam entre o "quente" e o "fervendo", contra apenas 24% de frios e gelados. Estes eram a exceção.
Hoje são a regra. Em quase todos os segmentos sociais, a frieza prepondera. Está acima da média entre as mulheres (44%), entre quem tem mais de 35 anos (42%), entre quem fez faculdade (40%), no Sudeste (44%) e no Sul (43%).
Nenhuma característica demográfica é mais determinante, porém, para a temperatura do torcedor em relação à Copa do que sua intenção de voto. Quem está frio vota na oposição, quem está quente, no governo. Outra prova de que o Fla x Flu político-partidário divide o país do futebol em relação à Copa.
Dos que declaram voto em Dilma Rousseff (PT), 42% dizem que seu envolvimento com a Copa está quente, muito quente ou fervendo. Só 23% deles estão frios, muito frios ou gelados.
Já entre os eleitores de Aécio Neves (PSDB), a divisão é inversa: 27% a 42%. Entre os de Eduardo Campos (PSB), mais ainda: só 25% de quentes, contra 46% de frios. A frieza aumenta entre os eleitores dos nanicos (61%), entre quem declara voto branco/nulo (62%), e chega a incríveis 69% entre os poucos que pretendem votar no pastor Everaldo (PSC). É, a Copa virou uma coisa dos diabos. Mas não faz muito tempo.
Apenas três meses atrás, a proporção de sentimentos negativos e positivos em relação ao Mundial de futebol estava praticamente empatada na população. Em fevereiro, 53% se referiam à Copa como "desperdício", "preocupação", "decepção", "vergonha", "medo" e "ansiedade". E 47% usavam palavras como "alegria", "orgulho", "esperança", "otimismo" e "brasilidade".
Hoje, os sentimentos negativos são maioria: 60%. Mas é cedo para dizer como a torcida vai se sentir após a bola rolar.
Será que 20 black blocs serão capazes de estragar a festa de milhões? Afinal, 51% apoiam a Copa no Brasil. E, apesar da frieza, há mais brasileiros prevendo o sucesso (36%) do que o fracasso (31%) da competição. A grande maioria (71%) torce para que tudo corra bem. Se der zebra, a culpa é dos outros: 22% acham que as pessoas estão torcendo para que dê tudo errado, mas só metade deles admite que está mesmo. Vai que dá certo, né...
Tragédia nacional - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 02/06
A grave crise de segurança em curso é um fantasma que assombra o povo brasileiro, atingindo especialmente os mais pobres. São cidadãos de baixa renda e moradores das periferias urbanas as maiores vítimas, embora o medo atinja todas as classes sociais.
O recorde histórico dos homicídios, revelado pelo último Mapa da Violência, mostra com toda a crueza a omissão e o descompromisso do atual governo com esta tragédia. São 56 mil vidas perdidas por assassinatos no Brasil por ano --cerca de 10% de todos os homicídios registrados no planeta.
A outra face dramática da violência aponta a ocorrência de cerca de 50 mil estupros no mesmo período, mas o número real pode ser ainda muito maior, em função da subnotificação.
E há ainda a tragédia diária das mortes no trânsito, impactada pelo aumento do número de veículos sem uma estrutura de mobilidade adequada.
A taxa por 100 mil habitantes em 2002 era de 19,1, e passamos para 23,7. Em números absolutos, o salto foi de 33.288 mortos em 2002 para 46.051.
Todo este quadro confirma o que venho afirmando reiteradamente: o Brasil não possui uma política nacional de segurança pública. Na prática, o governo federal limita-se a justificar a sua omissão com o discurso de que segurança pública é responsabilidade dos Estados, adensando a ideia de uma federação anêmica e pouco solidária.
No plano das atribuições federais, as fronteiras permanecem abertas ao tráfico. O problema das drogas segue em ritmo ascendente, sem falar do sucateamento da Polícia Federal, envolvida em uma crise sem precedentes.
A ausência de prioridade revela-se nos números: nos últimos três anos, apenas 35% do orçamento federal para a área de segurança foi executado.
Apesar do grave problema da superlotação carcerária, nesse mesmo período, ínfimos 11% dos recursos do Fundo Penitenciário foram liberados. Do total de gastos do setor, só 13% saem dos cofres da União.
Brasil afora, a realidade se repete, gerada por um regime concentrador e pela dependência de recursos em relação ao poder central: contingentes insuficientes das forças de segurança, baixa remuneração, pouca integração do trabalho policial, defasagem tecnológica e quase nenhum esforço para o compartilhamento de responsabilidades.
Transformar esta realidade vai nos exigir uma profunda mudança de modelo.
A União tem que assumir o papel coordenador de uma política de Estado nesta área, com o fim do contingenciamento dos recursos públicos e liderança para fazer as reformas necessárias, como a do Código de Processo Penal, que se arrasta por anos e serve à reincidência e a impunidade.
Solidariedade entre entes federados é a palavra-chave quando se fala em segurança pública.
A grave crise de segurança em curso é um fantasma que assombra o povo brasileiro, atingindo especialmente os mais pobres. São cidadãos de baixa renda e moradores das periferias urbanas as maiores vítimas, embora o medo atinja todas as classes sociais.
O recorde histórico dos homicídios, revelado pelo último Mapa da Violência, mostra com toda a crueza a omissão e o descompromisso do atual governo com esta tragédia. São 56 mil vidas perdidas por assassinatos no Brasil por ano --cerca de 10% de todos os homicídios registrados no planeta.
A outra face dramática da violência aponta a ocorrência de cerca de 50 mil estupros no mesmo período, mas o número real pode ser ainda muito maior, em função da subnotificação.
E há ainda a tragédia diária das mortes no trânsito, impactada pelo aumento do número de veículos sem uma estrutura de mobilidade adequada.
A taxa por 100 mil habitantes em 2002 era de 19,1, e passamos para 23,7. Em números absolutos, o salto foi de 33.288 mortos em 2002 para 46.051.
Todo este quadro confirma o que venho afirmando reiteradamente: o Brasil não possui uma política nacional de segurança pública. Na prática, o governo federal limita-se a justificar a sua omissão com o discurso de que segurança pública é responsabilidade dos Estados, adensando a ideia de uma federação anêmica e pouco solidária.
No plano das atribuições federais, as fronteiras permanecem abertas ao tráfico. O problema das drogas segue em ritmo ascendente, sem falar do sucateamento da Polícia Federal, envolvida em uma crise sem precedentes.
A ausência de prioridade revela-se nos números: nos últimos três anos, apenas 35% do orçamento federal para a área de segurança foi executado.
Apesar do grave problema da superlotação carcerária, nesse mesmo período, ínfimos 11% dos recursos do Fundo Penitenciário foram liberados. Do total de gastos do setor, só 13% saem dos cofres da União.
Brasil afora, a realidade se repete, gerada por um regime concentrador e pela dependência de recursos em relação ao poder central: contingentes insuficientes das forças de segurança, baixa remuneração, pouca integração do trabalho policial, defasagem tecnológica e quase nenhum esforço para o compartilhamento de responsabilidades.
Transformar esta realidade vai nos exigir uma profunda mudança de modelo.
A União tem que assumir o papel coordenador de uma política de Estado nesta área, com o fim do contingenciamento dos recursos públicos e liderança para fazer as reformas necessárias, como a do Código de Processo Penal, que se arrasta por anos e serve à reincidência e a impunidade.
Solidariedade entre entes federados é a palavra-chave quando se fala em segurança pública.
O monstro burocrático - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 02/06
Manter a atividade empresarial - e expandi-la, se possível - sob o peso da excessiva burocracia que dificulta a vida das empresas e dos cidadãos continua sendo um ato de coragem e persistência. Embora já tenham sido bem piores para os brasileiros em geral, muitas exigências burocráticas ainda dificultam as atividades do empreendedor disposto a inovar e crescer, como mostrou reportagem publicada pelo caderno Estadão PME (28/5). O peso exagerado da burocracia continua a tolher o crescimento.
A persistência desses problemas, que empurram o Brasil para os últimos lugares nas classificações dos países que mais favorecem a atividade produtiva, é uma prova da resistência das autoridades e também dos legisladores à modernização e simplificação das normas. Preso a mentalidades antigas, moldadas pela desconfiança que gera o excesso de controle e fiscalização e também a punição excessiva, o setor público não favorece o progresso.
Desestimulados, por exigências às vezes absurdas, a desenvolver a produção no País, empreendedores brasileiros passam a produzir em outros países, para fugir dos custos excessivos que lhes reduzem a competitividade.
Outros, para tentar cumprir com rigor as exigências legais, sobretudo as tributárias - o que nem sempre conseguem, dadas as frequentes mudanças na legislação -, mantêm imensos arquivos de licenças, comprovantes e outros documentos exigidos por lei.
Depois de pesquisar a cadeia de impostos, as exigências formais para a certificação da atividade de sua empresa, os testes exigidos para o licenciamento de seu produto - um cão de pelúcia que interage com o dono por meio de comando de voz -, o empreendedor Marco Carvalho constatou que era tudo tão complicado que o melhor era produzir em outro país. Abriu uma fábrica na Inglaterra; o braço brasileiro da empresa tornou-se uma distribuidora.
A empreendedora Cláudia de Araújo Carvalho, dona de uma fábrica de cosméticos que produz para diferentes marcas, tem uma coleção de pastas de licenças, documentos e comprovantes de pagamento de impostos. Mas nem com todo esse controle sobre as exigências burocráticas sua empresa conseguiu escapar de uma multa: faltava uma licença municipal, instituída em 2008. A situação foi regularizada depois que a empresa tomou conhecimento dessa exigência adicional.
Estudos internacionais - como o relatório Doing Business publicado pelo Banco Mundial, com a colaboração de instituições de pesquisa de diversos países - colocam o Brasil nos últimos lugares entre cerca de 150 países no que se refere ao custo de administração dos tributos.
Estima-se que uma empresa brasileira gasta em média 2,6 mil horas de trabalho por ano para manter-se em dia com suas obrigações tributárias. Na América Latina, que está longe de ser um modelo de ambiente favorável aos negócios, o gasto médio é bem menor, de 367 horas anuais.
A abertura de uma empresa no Brasil, a despeito das simplificações ocorridas nos últimos anos, continua a ser uma novela na maior parte das regiões. Há 13 procedimentos diferentes que exigem o comparecimento do interessado a diferentes órgãos públicos, o que consome tempo de trabalho e retarda o processo. São necessários registros nos órgãos tributários dos três níveis de governo, obtenção de licença ambiental, autorização do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária, além do alvará de funcionamento.
Procedimentos eletrônicos unificaram o processo em algumas de suas etapas em nível nacional, facilitando a vida do interessado, mas a não adesão de alguns governos estaduais e prefeituras a esse modelo limita o alcance da modernização.
Mas o problema não é apenas de procedimentos. Há um número excessivo de leis, algumas complexas demais, e todas sujeitas a mudanças frequentes e com penalidades em muitos casos excessivamente duras. Tudo isso impõe custos adicionais à atividade produtiva, o que limita a capacidade de investimento e a competitividade. De um lado, a burocracia desestimula o crescimento, de outro, estimula a corrupção e a informalidade.
Manter a atividade empresarial - e expandi-la, se possível - sob o peso da excessiva burocracia que dificulta a vida das empresas e dos cidadãos continua sendo um ato de coragem e persistência. Embora já tenham sido bem piores para os brasileiros em geral, muitas exigências burocráticas ainda dificultam as atividades do empreendedor disposto a inovar e crescer, como mostrou reportagem publicada pelo caderno Estadão PME (28/5). O peso exagerado da burocracia continua a tolher o crescimento.
A persistência desses problemas, que empurram o Brasil para os últimos lugares nas classificações dos países que mais favorecem a atividade produtiva, é uma prova da resistência das autoridades e também dos legisladores à modernização e simplificação das normas. Preso a mentalidades antigas, moldadas pela desconfiança que gera o excesso de controle e fiscalização e também a punição excessiva, o setor público não favorece o progresso.
Desestimulados, por exigências às vezes absurdas, a desenvolver a produção no País, empreendedores brasileiros passam a produzir em outros países, para fugir dos custos excessivos que lhes reduzem a competitividade.
Outros, para tentar cumprir com rigor as exigências legais, sobretudo as tributárias - o que nem sempre conseguem, dadas as frequentes mudanças na legislação -, mantêm imensos arquivos de licenças, comprovantes e outros documentos exigidos por lei.
Depois de pesquisar a cadeia de impostos, as exigências formais para a certificação da atividade de sua empresa, os testes exigidos para o licenciamento de seu produto - um cão de pelúcia que interage com o dono por meio de comando de voz -, o empreendedor Marco Carvalho constatou que era tudo tão complicado que o melhor era produzir em outro país. Abriu uma fábrica na Inglaterra; o braço brasileiro da empresa tornou-se uma distribuidora.
A empreendedora Cláudia de Araújo Carvalho, dona de uma fábrica de cosméticos que produz para diferentes marcas, tem uma coleção de pastas de licenças, documentos e comprovantes de pagamento de impostos. Mas nem com todo esse controle sobre as exigências burocráticas sua empresa conseguiu escapar de uma multa: faltava uma licença municipal, instituída em 2008. A situação foi regularizada depois que a empresa tomou conhecimento dessa exigência adicional.
Estudos internacionais - como o relatório Doing Business publicado pelo Banco Mundial, com a colaboração de instituições de pesquisa de diversos países - colocam o Brasil nos últimos lugares entre cerca de 150 países no que se refere ao custo de administração dos tributos.
Estima-se que uma empresa brasileira gasta em média 2,6 mil horas de trabalho por ano para manter-se em dia com suas obrigações tributárias. Na América Latina, que está longe de ser um modelo de ambiente favorável aos negócios, o gasto médio é bem menor, de 367 horas anuais.
A abertura de uma empresa no Brasil, a despeito das simplificações ocorridas nos últimos anos, continua a ser uma novela na maior parte das regiões. Há 13 procedimentos diferentes que exigem o comparecimento do interessado a diferentes órgãos públicos, o que consome tempo de trabalho e retarda o processo. São necessários registros nos órgãos tributários dos três níveis de governo, obtenção de licença ambiental, autorização do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária, além do alvará de funcionamento.
Procedimentos eletrônicos unificaram o processo em algumas de suas etapas em nível nacional, facilitando a vida do interessado, mas a não adesão de alguns governos estaduais e prefeituras a esse modelo limita o alcance da modernização.
Mas o problema não é apenas de procedimentos. Há um número excessivo de leis, algumas complexas demais, e todas sujeitas a mudanças frequentes e com penalidades em muitos casos excessivamente duras. Tudo isso impõe custos adicionais à atividade produtiva, o que limita a capacidade de investimento e a competitividade. De um lado, a burocracia desestimula o crescimento, de outro, estimula a corrupção e a informalidade.
Impacto explosivo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 02/06
Por determinação constitucional, a remuneração de servidores públicos de todos os níveis da administração (União, estados e municípios) do país obedece a um teto salarial, atualmente fixado em 29,4 mil mensais. Corresponde aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal, aí incluídos não só os salários-base dos planos de carreira, mas também os diferentes benefícios distribuídos sob qualquer rubrica (adicionais etc.). Ou seja, nenhum funcionário público pode receber por mês salários que ultrapassem este limite (embora, nos três Poderes, não sejam poucos os casos de desrespeito à norma, graças a diversos artifícios).
Está aí o equívoco de princípio na decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado de aprovar o Projeto de Emenda Constitucional 63/2013, a chamada PEC da Magistratura, abrindo caminho para a tramitação do dispositivo em plenário. A emenda propõe a criação de um adicional por tempo de serviço de 5%, a ser aplicado a cada cinco anos, sobre os vencimentos dos magistrados e também no quadro dos Ministérios Públicos federal e estaduais. É uma conta que cresce ainda mais com a previsão de que tais benefícios serão incorporados aos salários, alcançando inclusive os aposentados e pensionistas. Se a emenda for aprovada, o salário de fato de um ministro do STF subirá para quase R$ 40 mil. A PEC ganhou o “nada obsta” da CCJ do Senado sem que se saiba exatamente quanto a generosidade custará aos cofres públicos, mas há estimativas de que, somente para a União, a fatura possa chegar, ao ano, a R$ 450 milhões (mais do que uma Arena das Dunas, pouco menos que um Castelão, estádios da Copa do Mundo).
Mas este é apenas o custo de partida da farra, à parte o desrespeito à norma do teto constitucional. Por conta de dispositivos que engordam o cipoal de regras, normas e outros instrumentos da burocracia, muitos deles insondáveis, o funcionalismo público em geral, e não apenas o quadro da magistratura e dos MPs, costumam ser contemplados com o direito à isonomia.
Ou seja, além de a emenda ir de encontro à Constituição (e à busca da moralização implícita no artigo que determinou a limitação dos salários no serviço público), é de se esperar que, no rastro de sua aprovação, advenham generalizados reajustes em cascata, não só nos tribunais, mas em quaisquer repartições públicas. Mais: como a PEC dos Magistrados estabelece que os beneficiários poderão usar o tempo de serviço anterior à data de publicação do ato, alcançando também os aposentados, pode-se prever que, à sua incorporação à Carta, sobrevenha uma enxurrada de pedidos de indenizações reclamando direitos retroativos.
Em si, a paternidade da PEC já não a recomendaria. A proposta saiu do gabinete do senador sem voto Gil Argello (PTB-DF). Mas ainda que assim não fosse, o impacto dessa generosidade nos orçamentos da máquina pública precisa ser analisado seriamente pelos senadores. A sociedade não pode pagar a conta dessa festa.
Por determinação constitucional, a remuneração de servidores públicos de todos os níveis da administração (União, estados e municípios) do país obedece a um teto salarial, atualmente fixado em 29,4 mil mensais. Corresponde aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal, aí incluídos não só os salários-base dos planos de carreira, mas também os diferentes benefícios distribuídos sob qualquer rubrica (adicionais etc.). Ou seja, nenhum funcionário público pode receber por mês salários que ultrapassem este limite (embora, nos três Poderes, não sejam poucos os casos de desrespeito à norma, graças a diversos artifícios).
Está aí o equívoco de princípio na decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado de aprovar o Projeto de Emenda Constitucional 63/2013, a chamada PEC da Magistratura, abrindo caminho para a tramitação do dispositivo em plenário. A emenda propõe a criação de um adicional por tempo de serviço de 5%, a ser aplicado a cada cinco anos, sobre os vencimentos dos magistrados e também no quadro dos Ministérios Públicos federal e estaduais. É uma conta que cresce ainda mais com a previsão de que tais benefícios serão incorporados aos salários, alcançando inclusive os aposentados e pensionistas. Se a emenda for aprovada, o salário de fato de um ministro do STF subirá para quase R$ 40 mil. A PEC ganhou o “nada obsta” da CCJ do Senado sem que se saiba exatamente quanto a generosidade custará aos cofres públicos, mas há estimativas de que, somente para a União, a fatura possa chegar, ao ano, a R$ 450 milhões (mais do que uma Arena das Dunas, pouco menos que um Castelão, estádios da Copa do Mundo).
Mas este é apenas o custo de partida da farra, à parte o desrespeito à norma do teto constitucional. Por conta de dispositivos que engordam o cipoal de regras, normas e outros instrumentos da burocracia, muitos deles insondáveis, o funcionalismo público em geral, e não apenas o quadro da magistratura e dos MPs, costumam ser contemplados com o direito à isonomia.
Ou seja, além de a emenda ir de encontro à Constituição (e à busca da moralização implícita no artigo que determinou a limitação dos salários no serviço público), é de se esperar que, no rastro de sua aprovação, advenham generalizados reajustes em cascata, não só nos tribunais, mas em quaisquer repartições públicas. Mais: como a PEC dos Magistrados estabelece que os beneficiários poderão usar o tempo de serviço anterior à data de publicação do ato, alcançando também os aposentados, pode-se prever que, à sua incorporação à Carta, sobrevenha uma enxurrada de pedidos de indenizações reclamando direitos retroativos.
Em si, a paternidade da PEC já não a recomendaria. A proposta saiu do gabinete do senador sem voto Gil Argello (PTB-DF). Mas ainda que assim não fosse, o impacto dessa generosidade nos orçamentos da máquina pública precisa ser analisado seriamente pelos senadores. A sociedade não pode pagar a conta dessa festa.
Destaque dos tributos nos preços - GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 02/06
Saber quanto paga em tributos pode ajudar o consumidor a melhorar sua consciência tributária
É a partir deste mês que começa para valer a obrigatoriedade de constar, nas notas fiscais de venda, os tributos incidentes sobre o preço final das mercadorias e dos serviços. Essa obrigação foi aprovada pela Lei 12.741/2012 e, depois de idas e vindas, estabeleceu-se, em junho de 2013, o prazo de 12 meses para sanções aos estabelecimentos que não cumprirem a exigência. Afora alguns aspectos controvertidos referentes ao cumprimento da lei – já que o Brasil tem vários entes tributários (municípios, Estados e União) e um leque exagerado de tributos –, o ato de dar mais informação tributária principalmente aos consumidores pessoas físicas é bastante positivo.
O mercado é um processo de trocas mediante pagamento monetário e seu bom funcionamento depende, sobretudo, de liberdade econômica e de um sistema competitivo de preços. É também necessário que os agentes envolvidos nos processos de compras e vendas disponham de informações sobre produtos, qualidade, preços, concorrentes e saibam quais tributos são pagos ao governo, principalmente no Brasil, que criou uma estrutura tributária distorcida que privilegiou os tributos indiretos – aqueles embutidos na cadeia produtiva e de difícil identificação pelo contribuinte.
Um exemplo de ocultação do tamanho da carga tributária é o caso da gasolina. Os consumidores têm dificuldade para descobrir que, ao encher o tanque do carro, em torno da metade do valor pago refere-se aos tributos. Outro exemplo refere-se à energia residencial. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas está entre as quatro energias mais caras do planeta. E a razão são os tributos. No caso do Paraná, somente os tributos informados na fatura da Copel equivalem a 30% do preço-base.
A informação do preço total nas faturas e notas fiscais sem destaque do valor referente aos tributos contribui para manter a população na ignorância sobre a fração de sua renda que vai para o governo. A partir da entrada em vigor das punições para quem não cumprir a exigência de informar os tributos nas notas e faturas, a consciência sobre a carga tributária tende a melhorar. Mas o Brasil ainda não chegou aos padrões de países adiantados, onde o conhecimento sobre a carga de impostos é bem mais amplo, como ocorre nos Estados Unidos, país em que os produtos são anunciados e vendidos por preço sem a inclusão do imposto. Muitos turistas desavisados se surpreendem ao descobrir somente na boca do caixa que devem pagar o imposto separado do preço de etiqueta.
Os tributos indiretos são propícios para levar o comprador a não se dar conta da dimensão da mão pesada do governo sobre seu bolso, o que colabora para reduzir o impacto psicológico sobre o fato de que o governo é sustentado pela população, a quem deve prestar contas da forma como gasta o dinheiro arrecadado. Para os governantes, os impostos indiretos são mais fáceis de manipular e elevar as alíquotas. Já com os tributos diretos, a situação é um pouco diferente. O trabalhador que recebe um demonstrativo de seu salário e nele pode ver o quanto paga de INSS e de Imposto de Renda tem mais disposição para pressionar e fiscalizar as autoridades e é menos passivo diante de tentativas de elevação tributária.
Não é por outra razão que os impostos indiretos estão entre os preferidos pelos políticos no poder e, no Brasil, foram os que mais aumentaram nas últimas quatro décadas. Se o governo eleva as alíquotas dos tributos diretos – aqueles que são cobrados sobre rendas, entre elas o salário –, a reação da população é imediata. Mas quando o governo aumenta os tributos indiretos, o consumidor só percebe caso haja elevação do preço final da mercadoria ou serviço e, ainda assim, se o vendedor lhe explicar a razão do aumento do preço.
Ao exigir que sejam destacados os valores dos tributos nas faturas e notas fiscais de venda, a lei dá ao consumidor uma informação preciosa para melhorar sua consciência tributária e ajuda na construção da cidadania. É difícil, neste momento, avaliar o grau do impacto dessa lei sobre a consciência social a respeito do custo do governo para a população, mas é um passo importante para melhorar o nível de mobilização coletiva no sentido de acompanhar e fiscalizar o comportamento dos governantes.
Saber quanto paga em tributos pode ajudar o consumidor a melhorar sua consciência tributária
É a partir deste mês que começa para valer a obrigatoriedade de constar, nas notas fiscais de venda, os tributos incidentes sobre o preço final das mercadorias e dos serviços. Essa obrigação foi aprovada pela Lei 12.741/2012 e, depois de idas e vindas, estabeleceu-se, em junho de 2013, o prazo de 12 meses para sanções aos estabelecimentos que não cumprirem a exigência. Afora alguns aspectos controvertidos referentes ao cumprimento da lei – já que o Brasil tem vários entes tributários (municípios, Estados e União) e um leque exagerado de tributos –, o ato de dar mais informação tributária principalmente aos consumidores pessoas físicas é bastante positivo.
O mercado é um processo de trocas mediante pagamento monetário e seu bom funcionamento depende, sobretudo, de liberdade econômica e de um sistema competitivo de preços. É também necessário que os agentes envolvidos nos processos de compras e vendas disponham de informações sobre produtos, qualidade, preços, concorrentes e saibam quais tributos são pagos ao governo, principalmente no Brasil, que criou uma estrutura tributária distorcida que privilegiou os tributos indiretos – aqueles embutidos na cadeia produtiva e de difícil identificação pelo contribuinte.
Um exemplo de ocultação do tamanho da carga tributária é o caso da gasolina. Os consumidores têm dificuldade para descobrir que, ao encher o tanque do carro, em torno da metade do valor pago refere-se aos tributos. Outro exemplo refere-se à energia residencial. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas está entre as quatro energias mais caras do planeta. E a razão são os tributos. No caso do Paraná, somente os tributos informados na fatura da Copel equivalem a 30% do preço-base.
A informação do preço total nas faturas e notas fiscais sem destaque do valor referente aos tributos contribui para manter a população na ignorância sobre a fração de sua renda que vai para o governo. A partir da entrada em vigor das punições para quem não cumprir a exigência de informar os tributos nas notas e faturas, a consciência sobre a carga tributária tende a melhorar. Mas o Brasil ainda não chegou aos padrões de países adiantados, onde o conhecimento sobre a carga de impostos é bem mais amplo, como ocorre nos Estados Unidos, país em que os produtos são anunciados e vendidos por preço sem a inclusão do imposto. Muitos turistas desavisados se surpreendem ao descobrir somente na boca do caixa que devem pagar o imposto separado do preço de etiqueta.
Os tributos indiretos são propícios para levar o comprador a não se dar conta da dimensão da mão pesada do governo sobre seu bolso, o que colabora para reduzir o impacto psicológico sobre o fato de que o governo é sustentado pela população, a quem deve prestar contas da forma como gasta o dinheiro arrecadado. Para os governantes, os impostos indiretos são mais fáceis de manipular e elevar as alíquotas. Já com os tributos diretos, a situação é um pouco diferente. O trabalhador que recebe um demonstrativo de seu salário e nele pode ver o quanto paga de INSS e de Imposto de Renda tem mais disposição para pressionar e fiscalizar as autoridades e é menos passivo diante de tentativas de elevação tributária.
Não é por outra razão que os impostos indiretos estão entre os preferidos pelos políticos no poder e, no Brasil, foram os que mais aumentaram nas últimas quatro décadas. Se o governo eleva as alíquotas dos tributos diretos – aqueles que são cobrados sobre rendas, entre elas o salário –, a reação da população é imediata. Mas quando o governo aumenta os tributos indiretos, o consumidor só percebe caso haja elevação do preço final da mercadoria ou serviço e, ainda assim, se o vendedor lhe explicar a razão do aumento do preço.
Ao exigir que sejam destacados os valores dos tributos nas faturas e notas fiscais de venda, a lei dá ao consumidor uma informação preciosa para melhorar sua consciência tributária e ajuda na construção da cidadania. É difícil, neste momento, avaliar o grau do impacto dessa lei sobre a consciência social a respeito do custo do governo para a população, mas é um passo importante para melhorar o nível de mobilização coletiva no sentido de acompanhar e fiscalizar o comportamento dos governantes.
Crédito e credibilidade - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 02/06
A reticência e o pessimismo de consumidores e empresas têm aparecido nas pesquisas de confiança com especial intensidade neste bimestre. O desempenho do crédito bancário em abril evidenciou sinais concretos desse desânimo.
Parou de crescer o total de dinheiro emprestado nas modalidades chamadas de "livres" nas estatísticas oficiais. Isto é, de empréstimos concedidos nos termos, prazos e taxas do mercado com fundos obtidos no mercado, aqueles que não são regulados por diretrizes estatais ou financiados de algum modo pelo governo.
Descontada a inflação, o total do crédito "livre" para pessoas físicas ou jurídicas era, no mês passado, idêntico ao de abril de 2013.
O bolo como um todo ainda cresce devido ao desempenho das modalidades "direcionadas" (financiamento imobiliário com recursos oriundos da caderneta de poupança, empréstimos do BNDES e crédito rural, por exemplo). São concedidos devido ao desejo do governo de estimular uma economia apática faz mais de três anos, estatizando em parte o mercado de crédito.
Mesmo assim, há uma desaceleração. Em termos reais, o total de empréstimos aumentou 6,7% no ano decorrido até abril deste 2014. Em 2013, crescia ao ritmo de mais de 9%. Em 2011, a mais de 13,6%.
A estagnação do estoque de crédito "livre" resulta decerto da relutância dos bancos comercias, que temem o risco de inadimplência. Mas a procura de crédito por parte dos clientes também diminui.
É compreensível. O número de pessoas empregadas nas grandes cidades deixou de crescer no último semestre, assim como o total dos salários no bimestre passado. O ambiente de protestos nas ruas não contribui para a restauração da confiança no futuro próximo.
As estatísticas, contudo, não indicam degradação das condições financeiras. A inadimplência diminuiu desde o ano passado e estabilizou-se, assim como o nível de endividamento das famílias.
Embora perca velocidade, o crédito imobiliário para pessoas físicas ainda cresce a quase 23% ao ano. O brasileiro consome menos, como no caso de veículos, mas ainda investe em moradia.
No conjunto, porém, tornou-se claro que, desta vez, a concessão de empréstimos não vai compensar o desânimo e a baixa da atividade, como ocorreu em 2008 e 2009. Crédito, renda e confiança estão em ritmo de declínio, e assim vão marcar o passo da economia.
A reticência e o pessimismo de consumidores e empresas têm aparecido nas pesquisas de confiança com especial intensidade neste bimestre. O desempenho do crédito bancário em abril evidenciou sinais concretos desse desânimo.
Parou de crescer o total de dinheiro emprestado nas modalidades chamadas de "livres" nas estatísticas oficiais. Isto é, de empréstimos concedidos nos termos, prazos e taxas do mercado com fundos obtidos no mercado, aqueles que não são regulados por diretrizes estatais ou financiados de algum modo pelo governo.
Descontada a inflação, o total do crédito "livre" para pessoas físicas ou jurídicas era, no mês passado, idêntico ao de abril de 2013.
O bolo como um todo ainda cresce devido ao desempenho das modalidades "direcionadas" (financiamento imobiliário com recursos oriundos da caderneta de poupança, empréstimos do BNDES e crédito rural, por exemplo). São concedidos devido ao desejo do governo de estimular uma economia apática faz mais de três anos, estatizando em parte o mercado de crédito.
Mesmo assim, há uma desaceleração. Em termos reais, o total de empréstimos aumentou 6,7% no ano decorrido até abril deste 2014. Em 2013, crescia ao ritmo de mais de 9%. Em 2011, a mais de 13,6%.
A estagnação do estoque de crédito "livre" resulta decerto da relutância dos bancos comercias, que temem o risco de inadimplência. Mas a procura de crédito por parte dos clientes também diminui.
É compreensível. O número de pessoas empregadas nas grandes cidades deixou de crescer no último semestre, assim como o total dos salários no bimestre passado. O ambiente de protestos nas ruas não contribui para a restauração da confiança no futuro próximo.
As estatísticas, contudo, não indicam degradação das condições financeiras. A inadimplência diminuiu desde o ano passado e estabilizou-se, assim como o nível de endividamento das famílias.
Embora perca velocidade, o crédito imobiliário para pessoas físicas ainda cresce a quase 23% ao ano. O brasileiro consome menos, como no caso de veículos, mas ainda investe em moradia.
No conjunto, porém, tornou-se claro que, desta vez, a concessão de empréstimos não vai compensar o desânimo e a baixa da atividade, como ocorreu em 2008 e 2009. Crédito, renda e confiança estão em ritmo de declínio, e assim vão marcar o passo da economia.
Clima de Copa - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 02/06
O Brasil cumpre nos próximos dias mais uma etapa do processo irreversível de preparativos finais para Copa, num ambiente que aos poucos substitui o cenário de contestação pelo clima de festa. Foi assim em todos os países que sediaram o evento nas últimas décadas, quando reações previsíveis de contrariedade acabam por se submeter ao desejo da maioria. E a maioria, também aqui, torce para que os brasileiros desfrutem de um evento que não interessa apenas aos que vão aos estádios, aos que têm afinidade com o futebol ou que, diretamente e indiretamente, desfrutarão de seus benefícios.
A Copa deixou, há muito tempo, de ser um acontecimento medido apenas por seus resultados concretos e palpáveis. O maior evento do planeta deve ser visto também pela sua inquestionável capacidade de congraçamento, e essa é a percepção que deve predominar a partir de agora. O sentimento de integração será fortalecido, a partir da semana que vem, quando se intensifica a chegada das delegações e dos torcedores que formam o batalhão precursor dos países participantes.
O percurso desde a escolha do país para sediar o Mundial, em 2007, foi acidentado. Falhamos na adoção de providências básicas, no planejamento de obras, na escolha equivocada de prioridades e ao superestimar o tamanho de estádios que, depois do Mundial, terão pouca ou nenhuma utilidade. O setor público também cometeu falhas na falta de transparência dos gastos públicos e na precária divulgação do legado que a população terá com os investimentos, especialmente em mobilidade urbana.
O balanço geral é positivo, apesar da insistência com que os críticos da Copa repetem questionamentos, da continuidade das manifestações públicas nas grandes cidades e de declarações inoportunas, como as feitas pelo ex-jogador Ronaldo Nazário. Membro do Comitê Organizador Local do torneio, Nazário não só criticou os atrasos nas obras como afirmou, em entrevista, ao abordar os protestos de rua, que os policiais devem “baixar o cacete” nos vândalos. Um ídolo do futebol, o maior goleador de todas as Copas, não deveria, pelos excessos do que diz, equiparar sua linguagem aos atos que condena. A população sabe que manifestações ordeiras e vandalismo não são a mesma coisa.
A Copa será, sim, o que os brasileiros desejam que seja, e a aspiração majoritária é pelo sucesso do evento. O Brasil não tem nenhum exemplo anterior de acontecimento com essa dimensão. É uma chance única para o país que pretende conquistar, além do Hexa, o reconhecimento como nação capaz de mobilizar pessoas, energias e recursos para o êxito de um certame com tal grandiosidade. A Copa tem as seleções como estrelas, é organizada pela Fifa e sustentada pelos que que a viabilizam, é claro, também como negócio. Mas pertence a todos que dela participam, e não a organizações ou governos.
O Brasil cumpre nos próximos dias mais uma etapa do processo irreversível de preparativos finais para Copa, num ambiente que aos poucos substitui o cenário de contestação pelo clima de festa. Foi assim em todos os países que sediaram o evento nas últimas décadas, quando reações previsíveis de contrariedade acabam por se submeter ao desejo da maioria. E a maioria, também aqui, torce para que os brasileiros desfrutem de um evento que não interessa apenas aos que vão aos estádios, aos que têm afinidade com o futebol ou que, diretamente e indiretamente, desfrutarão de seus benefícios.
A Copa deixou, há muito tempo, de ser um acontecimento medido apenas por seus resultados concretos e palpáveis. O maior evento do planeta deve ser visto também pela sua inquestionável capacidade de congraçamento, e essa é a percepção que deve predominar a partir de agora. O sentimento de integração será fortalecido, a partir da semana que vem, quando se intensifica a chegada das delegações e dos torcedores que formam o batalhão precursor dos países participantes.
O percurso desde a escolha do país para sediar o Mundial, em 2007, foi acidentado. Falhamos na adoção de providências básicas, no planejamento de obras, na escolha equivocada de prioridades e ao superestimar o tamanho de estádios que, depois do Mundial, terão pouca ou nenhuma utilidade. O setor público também cometeu falhas na falta de transparência dos gastos públicos e na precária divulgação do legado que a população terá com os investimentos, especialmente em mobilidade urbana.
O balanço geral é positivo, apesar da insistência com que os críticos da Copa repetem questionamentos, da continuidade das manifestações públicas nas grandes cidades e de declarações inoportunas, como as feitas pelo ex-jogador Ronaldo Nazário. Membro do Comitê Organizador Local do torneio, Nazário não só criticou os atrasos nas obras como afirmou, em entrevista, ao abordar os protestos de rua, que os policiais devem “baixar o cacete” nos vândalos. Um ídolo do futebol, o maior goleador de todas as Copas, não deveria, pelos excessos do que diz, equiparar sua linguagem aos atos que condena. A população sabe que manifestações ordeiras e vandalismo não são a mesma coisa.
A Copa será, sim, o que os brasileiros desejam que seja, e a aspiração majoritária é pelo sucesso do evento. O Brasil não tem nenhum exemplo anterior de acontecimento com essa dimensão. É uma chance única para o país que pretende conquistar, além do Hexa, o reconhecimento como nação capaz de mobilizar pessoas, energias e recursos para o êxito de um certame com tal grandiosidade. A Copa tem as seleções como estrelas, é organizada pela Fifa e sustentada pelos que que a viabilizam, é claro, também como negócio. Mas pertence a todos que dela participam, e não a organizações ou governos.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
DILMA LEGISLA MAIS QUE O SENADO: CRIOU 86 LEIS
A presidenta Dilma invade sem cerimônia a área de atuação do Poder Legislativo, e conseguiu criar mais leis, durante seu governo, do que todos os 81 senadores somados. Desde sua posse, em 2011, ela transformou em lei 86 medidas provisórias que arremessou para o Congresso, enquanto o dócil Senado propôs e criou apenas 51. É como se a presidenta estivesse legislando por mais de 136 senadores.
VEM MAIS POR AÍ
A presidenta legisladora ainda tem 17 medidas provisórias tramitando no Congresso. Quatro delas trancando a pauta de votações do Senado.
TRABALHA, DEPUTADO
A Câmara é tão ruim quanto o Senado. Elaborou apenas 304 leis, de 2011 até agora. Menos de uma lei para cada um dos 513 deputados.
RECORDE É DE LULA
Dilma segue os passos de Lula, mas está longe do recorde dele, com 240 MPs somente no primeiro mandato presidencial, de 2003 a 2007.
QUEM MANDA SOU EU
Além de fazer o trabalho do Legislativo, Dilma reduziu a produtividade do Congresso ao vetar, totalmente, 36 projetos que eles aprovaram.
CRÉDITO É FARTO, AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ MANTEGA
A indústria, sobretudo a automobilística, sabe que a queda na produção está ligada à precariedade da economia. Mas silencia para não afrontar Guido Mantega (Fazenda), sempre disposto a criar pacotes camaradas para o setor. O ministro responsabiliza a “falta de crédito” pela situação, mas é falso. Bancos das próprias montadoras têm dinheiro sobrando para financiar carros. O que falta é gente interessada em comprar.
CAUTELA E CALDO DE GALINHA…
A cautela dos consumidores não é só na hora de comprar carro novo. Já sentiam a quase estagnação, confirmada pelo pibinho de 0,2%.
DEVAGAR, QUASE PARANDO
A queda do consumo das famílias e das empresas fez com que em abril o crédito crescesse às taxas mais baixas desde 2007.
‘FESTAÇO’
Já vai fazer um ano do sumiço de seis vigas da Perimetral, importante via do Rio posta abaixo meses atrás: pesavam 120 toneladas.
FIGURINHAS DA COPA
Alexandre Padilha (PT) deve estar contando não só com o minuto a mais, na TV, pelo apoio de Maluf na campanha ao governo paulista. Afinal, se ele não é lá muito conhecido, o Maluf até a Interpol conhece.
ELE QUERIA ‘PIZZA’ COMPLETA
Não satisfeito com a camaradagem corporativa que o “puniu” apenas com suspensão de três meses de salário por abuso moral e sexual no consulado em Sidney (Austrália) o embaixador Américo Fontenelle ainda recorreu, mas perdeu. Agora tenta aposentadoria integral.
E AGORA, PSB?
Miro Teixeira (Pros) se reuniu com o vice do PSB, Roberto Amaral, e o presidente do PPS, Roberto Freire, para pedir posicionamento sobre sua candidatura ao governo do Rio. O Pros quer apoiar Garotinho (PR).
AVISO DE TEMPESTADE
Ressabiado com investigação do Ministério Público Federal sobre a compra de um apartamento em Copacabana avaliado em R$ 5 milhões, o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, doou à irmã outro, menor, um dia após esta coluna falar do caso, em abril.
DEFINIÇÃO
No Ceará, Cid Gomes (Pros) anuncia no dia 10 que seu candidato a governador é o deputado estadual Zezinho Albuquerque , e que para o Senado apoiará José Guimarães (PT), irmão de José Genoino.
EMPATE TÉCNICO NO DF
Pesquisa do Instituto O&P Brasil mostra empate entre Dilma Rousseff (25,5%) e o tucano Aécio Neves (25,3%), no DF. Eduardo Campos (PSB) tem 17,3%. Mas boa parte dos eleitores (29,2%) ainda não sabe em quem votar. A pesquisa está registrada no TSE: nº BR-118/2014.
ENFRENTAMENTO
A governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, enfrenta nesta segunda a executiva regional do DEM, para definir sua candidatura à reeleição. O presidente nacional do partido, senador José Agripino, é contra. Se perder, ela pretende recorrer à convenção.
CRUZES
Solidariedade, DEM e PSDB combinaram ato nesta terça (3), em frente ao Planalto, para fixar cruzes brancas para protestar contra o crescimento dos homicídios no País, que bateu seu recorde em 2012.
PENSANDO BEM…
…não é só o prometido trem-bala, mas também o jegue da História que o Brasil está perdendo.
A presidenta Dilma invade sem cerimônia a área de atuação do Poder Legislativo, e conseguiu criar mais leis, durante seu governo, do que todos os 81 senadores somados. Desde sua posse, em 2011, ela transformou em lei 86 medidas provisórias que arremessou para o Congresso, enquanto o dócil Senado propôs e criou apenas 51. É como se a presidenta estivesse legislando por mais de 136 senadores.
VEM MAIS POR AÍ
A presidenta legisladora ainda tem 17 medidas provisórias tramitando no Congresso. Quatro delas trancando a pauta de votações do Senado.
TRABALHA, DEPUTADO
A Câmara é tão ruim quanto o Senado. Elaborou apenas 304 leis, de 2011 até agora. Menos de uma lei para cada um dos 513 deputados.
RECORDE É DE LULA
Dilma segue os passos de Lula, mas está longe do recorde dele, com 240 MPs somente no primeiro mandato presidencial, de 2003 a 2007.
QUEM MANDA SOU EU
Além de fazer o trabalho do Legislativo, Dilma reduziu a produtividade do Congresso ao vetar, totalmente, 36 projetos que eles aprovaram.
CRÉDITO É FARTO, AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ MANTEGA
A indústria, sobretudo a automobilística, sabe que a queda na produção está ligada à precariedade da economia. Mas silencia para não afrontar Guido Mantega (Fazenda), sempre disposto a criar pacotes camaradas para o setor. O ministro responsabiliza a “falta de crédito” pela situação, mas é falso. Bancos das próprias montadoras têm dinheiro sobrando para financiar carros. O que falta é gente interessada em comprar.
CAUTELA E CALDO DE GALINHA…
A cautela dos consumidores não é só na hora de comprar carro novo. Já sentiam a quase estagnação, confirmada pelo pibinho de 0,2%.
DEVAGAR, QUASE PARANDO
A queda do consumo das famílias e das empresas fez com que em abril o crédito crescesse às taxas mais baixas desde 2007.
‘FESTAÇO’
Já vai fazer um ano do sumiço de seis vigas da Perimetral, importante via do Rio posta abaixo meses atrás: pesavam 120 toneladas.
FIGURINHAS DA COPA
Alexandre Padilha (PT) deve estar contando não só com o minuto a mais, na TV, pelo apoio de Maluf na campanha ao governo paulista. Afinal, se ele não é lá muito conhecido, o Maluf até a Interpol conhece.
ELE QUERIA ‘PIZZA’ COMPLETA
Não satisfeito com a camaradagem corporativa que o “puniu” apenas com suspensão de três meses de salário por abuso moral e sexual no consulado em Sidney (Austrália) o embaixador Américo Fontenelle ainda recorreu, mas perdeu. Agora tenta aposentadoria integral.
E AGORA, PSB?
Miro Teixeira (Pros) se reuniu com o vice do PSB, Roberto Amaral, e o presidente do PPS, Roberto Freire, para pedir posicionamento sobre sua candidatura ao governo do Rio. O Pros quer apoiar Garotinho (PR).
AVISO DE TEMPESTADE
Ressabiado com investigação do Ministério Público Federal sobre a compra de um apartamento em Copacabana avaliado em R$ 5 milhões, o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, doou à irmã outro, menor, um dia após esta coluna falar do caso, em abril.
DEFINIÇÃO
No Ceará, Cid Gomes (Pros) anuncia no dia 10 que seu candidato a governador é o deputado estadual Zezinho Albuquerque , e que para o Senado apoiará José Guimarães (PT), irmão de José Genoino.
EMPATE TÉCNICO NO DF
Pesquisa do Instituto O&P Brasil mostra empate entre Dilma Rousseff (25,5%) e o tucano Aécio Neves (25,3%), no DF. Eduardo Campos (PSB) tem 17,3%. Mas boa parte dos eleitores (29,2%) ainda não sabe em quem votar. A pesquisa está registrada no TSE: nº BR-118/2014.
ENFRENTAMENTO
A governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, enfrenta nesta segunda a executiva regional do DEM, para definir sua candidatura à reeleição. O presidente nacional do partido, senador José Agripino, é contra. Se perder, ela pretende recorrer à convenção.
CRUZES
Solidariedade, DEM e PSDB combinaram ato nesta terça (3), em frente ao Planalto, para fixar cruzes brancas para protestar contra o crescimento dos homicídios no País, que bateu seu recorde em 2012.
PENSANDO BEM…
…não é só o prometido trem-bala, mas também o jegue da História que o Brasil está perdendo.
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