GAZETA DO POVO - PR - 02/06
Os conflitos que cercam a Copa são mais complexos do que a dicotomia PT x PSDB, ou direita x esquerda. Cada vez mais a briga se configura como governo versus todo o resto. Colocar-se contra a Copa é colocar-se contra o símbolo máximo do projeto de poder do PT, que não necessariamente coincide com o que se chama de esquerda. R$ 10 bilhões não é quantia que se jogue fora. É mais de um terço do gasto anual com o Bolsa Família. Ainda assim, é uma gota no orçamento estatal. Sua importância maior é como símbolo vistoso de um governo que quer se afirmar, dentro e fora de casa, como um sucesso absoluto.
Só que nem todos estão felizes. Com a situação econômica cada dia mais preocupante – com direito a contabilidade criativa, manipulação de preços do índice de inflação, naufrágio da Petrobras, endividamento dos cidadãos e esfriamento do consumo – e com velhos problemas sociais longe de resolvidos, todo mundo que não partilha do sentimento de oba-oba do governo federal encontrou a oportunidade ideal para protestar.
O governo conta com o mérito de ter aumentado o poder de consumo da parcela mais pobre da população. Entretanto, negligenciou as reformas estruturais que permitiriam avanços qualitativos na sua capacidade produtiva, para aí sim crescer sustentavelmente.
A Copa, afinal, também simboliza o que está errado na administração: o império das aparências. A simbiose com a Fifa reproduz a política de compadrio que marcou a atuação sufocante do Estado sobre a economia: escolha de empresas campeãs em detrimento do processo de mercado; obras monumentais de grande visibilidade, feitas por critérios políticos, sem nenhuma preocupação com os afetados. O uso político de todos os eventos e instituições. A Fifa sai com os lucros, o governo federal faz seu marketing, tudo isso pago pelos impostos da população exaurida e atropelando as necessidades de setores mais frágeis.
Não é segredo que, para levar adiante sua ideia de modernização, o governo Dilma azedou a relação com os índios. Ambientalistas também veem o modelo de desenvolvimento com preocupação. Setores que há tempos acumulam reivindicações (professores, médicos) aproveitam o momento. E, por fim, os problemas perenes da corrupção e da violência invadem os noticiários e as vidas como nunca antes na história deste país. O clima de protesto, portanto, não é monopólio “da direita” ou de um grupo qualquer; reúne um pouco de todos os descontentes no momento de maior visibilidade.
Para o governo, o fiasco é inaceitável, e já tivemos mostras de sua opção preferencial pela repressão violenta. Ao mesmo tempo, intensifica-se uma campanha ideológica pró-Copa. Quem não louva a Copa é um vendido ao pessimismo, é um derrotista, ou mesmo um golpista que odeia o Brasil. Voltamos ao “Ame-o ou deixe-o”.
Sempre achei que o brasileiro, mesmo incomodado, se acomodaria. Que a Copa seria um período caótico, mas de festa geral. Agora tenho dúvida; desde os protestos de junho passado, o cenário mudou. A proximidade das eleições acirra os ânimos; tal como em final de campeonato, sente-se no ar um clima de “tudo ou nada”. Este, mais do que todos, é o momento de expressar o descontentamento. Que as oposições, contudo, façam-se ouvir não só pela revolta, mas também proponham alternativas.
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