quinta-feira, julho 28, 2016

Do despiste à delação - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de São Paulo - 28/07

Incidem diretamente sobre a campanha eleitoral de Dilma Rousseff (PT) em 2010 —e, de forma indireta, sobre seu vice Michel Temer (PMDB)— os recentes depoimentos do marqueteiro João Santana e de sua mulher Mônica Moura ao juiz Sergio Moro nas investigações da Operação Lava Jato.

Depois de uma cortina de fumaça inicial, ao declararem que cerca de US$ 4,5 milhões em contas no exterior se originavam de serviços para candidatos em outros países, Santana e Moura convergiram em admitir que os recursos provinham do caixa dois petista.

A presidente afastada negou de pronto a existência de ilicitudes em sua contabilidade eleitoral. Diante de tantas comprovações de propinas e irregularidades em contratos com empreiteiras, é atitude mais propícia a suscitar cansaço do que a despertar maiores atenções por parte da opinião pública.

Ainda que de vasto perímetro, o círculo das investigações dá sinais de que começa a se fechar. Com contratos superfaturados, o dinheiro da Petrobras passa a empreiteiras que, por sua vez, transferem parte dele a operadores políticos, os quais remuneram regiamente, entre outros, especialistas em comunicação encarregados de perpetuá-los no poder.

Estabelecidos, aos poucos, os detalhes do esquema, aproxima-se a hora de um julgamento definitivo nos tribunais. É natural que o processo tome tempo; e, ainda que o desfecho demore, será o primeiro passo de roteiro mais extenso, que nada faz crer venha a se limitar só às ações de um ou dois partidos.

A esse propósito, não deixa de ser irônico o fato de partir de um marqueteiro –cujo ofício, afinal de contas, consiste em maquiar a realidade— uma consideração verdadeira sobre a crise política.

João Santana disse que 98% dos recursos utilizados em campanhas eleitorais proviriam do caixa dois. Uma fila "capaz de concorrer com a Muralha da China" poderia ser formada com figuras tão envolvidas quanto ele em práticas suspeitas.

Isso só não acontece, prosseguiu, porque o estariam tratando com excepcional rigor. Termina aqui, como se percebe, o flerte do comunicador com a veracidade.

As investigações sobre o marqueteiro número um do PT eram tão inevitáveis quanto as que, por exemplo, incidiram sobre os donos das maiores empreiteiras do país.

Seja como for, o mecanismo das delações premiadas haverá de facultar a Santana ampla oportunidade para inscrever muitos dos nomes na tal "Muralha da China", ora entesourados em sua memória ou seus arquivos pessoais.

Na prática, o velho hábito de inocentar-se afirmando que outros fizeram o mesmo mudou de figura com a delação premiada. Trata-se, agora, de detalhar o que antes se afirmava de modo genérico. De passar, enfim, da desconversa marqueteira para o campo, a ser esquadrinhado, da verdade factual.

Michelzinho é um fenômeno - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 28/07

Michelzinho é um fenômeno. Aos 7 anos, o caçula do presidente interino já produziu três manchetes desde que o pai assumiu o poder. A primeira revelou sua vocação para as artes gráficas. Com o dedinho em riste, o menino escolheu a nova logomarca do governo federal.

"Ele olhou e falou 'que lindo!', com uma expressão de criança mesmo, verdadeira e emocional", contou o marqueteiro Elsinho Mouco ao repórter Silas Martí. Designers de verdade criticaram a marca, tão retrô quanto o lema "Ordem e progresso".

Duas semanas depois, Michelzinho demonstrou seu talento precoce para os investimentos. O jornal "O Estado de S. Paulo" noticiou que ele é proprietário de dois imóveis comerciais no Itaim Bibi. Somado, o valor dos conjuntos ultrapassa a cifra de R$ 2 milhões.

O colunista José Simão observou que, aos 7 anos, só era dono de um punhado de bolas de gude. Temer informou que doou as posses ao herdeiro. Em 2014, ele declarou ter um patrimônio de R$ 7,5 milhões. Os números reais devem ser bem maiores, entre outros motivos, porque a lei eleitoral não obriga os políticos a atualizarem o valor de imóveis.

Nesta terça (26), Michelzinho voltou ao noticiário na condição de filho decorativo. Acompanhado da mulher, que é 43 anos mais nova, Temer foi buscá-lo numa escola particular de Brasília. Não foi uma mera atividade
familiar. A assessoria do Palácio do Planalto montou a cena e convocou a imprensa para registrá-la. Um cinegrafista da Presidência chegou a entrar no colégio. Pais de outros alunos reclamaram da presença dos repórteres.

Segundo auxiliares, a ideia era suavizar a imagem do interino. Pesquisas indicam que o estilo dele, excessivamente formal e quase sempre soturno, não atrai a simpatia dos eleitores. Temer tem manifestado o desejo de se tornar mais popular. Apesar de seus talentos, é possível que nem o fenômeno Michelzinho consiga operar este milagre.

Dilma pensa no dia seguinte - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 28/07

Um famoso revolucionário dizia que recuar em ordem é muito mais difícil do que avançar, pois exige muito mais do que coragem e audácia, mas sangue-frio, cálculo, organização, disciplina, capacidade de comando, avaliação correta da correlação de forças, para a retirada não virar uma debandada, o completo desastre. Esse parece ser o desafio posto para a presidente Dilma Rousseff, que prepara sua retirada definitiva do poder e despacha para Porto Alegre, a cada viagem, uma parte de seus pertences pessoais.

Depois da derrota do "Não vai ter golpe", a palavra de ordem que empolgou a militância petista, sepultada já na aprovação do pedido de impeachment pela Câmara; e do esvaziamento do "Fora Temer", que embalou a saída de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto; e a resistência dos petistas nos ministérios, já não restam muitas esperanças de impedir a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado e voltar ao poder.

O embargo de uma decisão dos senadores - a contagem regressiva já começou - é a mais remota das possibilidades no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que a tese do "golpe parlamentar", o eixo da defesa de Dilma, continue sendo propagada aos quatro ventos pelo PT e aliados. O julgamento do impeachment pelo "tribunal internacional" armado para condenar o golpe, formado por juristas indicados pelos partidos aliados do PT no exterior, foi apenas um ato de repercussão. Não tem a menor legitimidade nos fóruns internacionais dos quais o Brasil participa.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já desencanou do impeachment e foi cuidar da sua vida, numa estratégia para segurar a sua base eleitoral mais resistente, principalmente no Nordeste, e se manter como alternativa de poder em 2018. O PT finge que luta pela volta de Dilma, a ponto de o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), olimpicamente, afirmar que ainda não decidiu seu voto, mas acredita que, em caso de votação, secreta até o PT votaria pelo impeachment. Pura ironia: ele traduz os que os parlamentares petistas dizem à boca pequena, ou seja, para a sobrevivência da legenda é melhor ter o presidente interino, Michel Temer, como inimigo, e a tese do golpe parlamentar como o discurso do que ter que defender Dilma até o fim do mandato.

Mas voltemos à retirada. O problema de Dilma é o seu "day after", ou seja, o dia seguinte após deixar o Palácio da Alvorada. Explica-se: com mandato cassado, perderá as prerrogativas de foro e imunidades de presidente da República, entre as quais a de não ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. Toda a estratégia de defesa de Dilma é blindada por esse dispositivo, pois até mesmo o que aconteceu entre 2010 e 2014, seu primeiro mandato, está fora de consideração no julgamento do impeachment. Ocorre que a aprovação de Dilma e a cassação de seu mandato pelo Senado, por crime de responsabilidade, ainda que polêmica, abrir-lhe-á as portas do inferno da Operação Lava-Jato, em Curitiba.

Caixa dois

É por isso que Dilma tenta se livrar da responsabilidade sobre a denúncia de caixa dois na sua campanha de 2010 e diz que o problema é do PT. Como se sabe, o publicitário João Santana e sua mulher e sócia, Mônica Moura, na semana passada, disseram que receberam US$ 4,5 milhões recebidos em uma conta na Suíça, tendo como origem do caixa dois da campanha de Dilma. O casal foi interrogado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na primeira instância.

Argumenta Dilma: "Se ele recebeu US$ 4,5 milhões, não foi da organização da minha campanha, porque ele diz que recebeu isso em 2013. A campanha começa em 2010 e, até o fim do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. Tudo que ficou pendente sobre pagamentos da campanha passa a ser responsabilidade do partido. Minha campanha não tem a menor responsabilidade". Dilma é quem mandava na sua campanha e não o presidente do PT, Rui Falcão, cujo nome não apareceu em nenhuma delação premiada até agora.

Para complicar a vida de Dilma, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, encaminhou para o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, relator do caso, novos detalhes sobre a empresa DCO Informática, contratada para disparar mensagens para celulares via WhatsApp durante a campanha. A empresa tem sede na cidade mineira de Uberlândia e recebeu R$ 4,8 milhões pelo serviço, em quatro repasses feitos ao longo de uma semana em outubro de 2014. A empresa não tem identificação na fachada e funciona como residência. O avanço das investigações sobre a campanha de Dilma desconstrói o discurso do golpe.


O dono do dinheiro - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 28/07

Em algum momento o país terá que discutir uma reformulação do FGTS, por isso a ideia de competição entre bancos para administrar os mais de R$ 300 bilhões do trabalhador brasileiro pode ser lucrativo para o dono deste dinheiro. Hoje, os recursos são um Robin Hood às avessas: são do trabalhador mas beneficiam empresários. O capital é remunerado abaixo da inflação e financia empresas a juros abaixo de mercado.

Poupança forçada com poucas possibilidades de acesso pelo trabalhador existe também em outros países da região, mas os aperfeiçoamentos levaram os trabalhadores a terem mais acesso ao dinheiro e, principalmente, a terem direito à portabilidade. Bancos credenciados, fiscalizados pelo Banco Central, disputam entre si o direito de administrar esse dinheiro e, por isso, acabam pagando mais ao trabalhador.

É fácil ser melhor do que o modelo atual. Hoje, o FGTS é remunerado por 3% de juros ao ano, mais a TR, que está em torno de 2%. Ou seja, é a pior aplicação do país e sua correção fica abaixo da inflação. Parte do principal é perdido a cada ano, mas o trabalhador não tem essa percepção de perda já que novos depósitos são feitos e há aumento do valor nominal dos recursos poupados. Mas a perda é enorme. No livro “História do Futuro”, registrei a comparação entre uma aplicação remunerada pelo CDI e a correção do FGTS entre agosto de 1994 e dezembro de 2012 e deu um resultado impressionante. O CDI acumulou 2.682,57% enquanto no mesmo período a remuneração dos depósitos do Fundo foi de 373,64%.

O movimento captado por este jornal de que alguns bancos começam a querer fatias do fundo pode não avançar agora, mas é do interesse do trabalhador e deveria ser discutido mais seriamente pelos que se apresentam como representantes dos trabalhadores no conselho do FGTS.

Há quem diga que se houver outros administradores desses recursos haverá um descasamento entre os financiamentos a longo prazo concedidos com juros mais baixos e a remuneração do capital que é funding desses financiamentos. Mas se houver isso será um bom debate. O que a sociedade quer subsidiar e a que preço? A compra da casa popular pelas camadas mais pobres da população deve ser sim subsidiada, mas por que teria que ser com o dinheiro do trabalhador? Melhor é o incentivo ser dado pelo governo com recursos do Orçamento em que o custo ficasse claramente dimensionado. Atualmente seu uso serve para ser material para propaganda partidária, como se fosse uma benesse de um partido político e não uma decisão coletiva de direcionar recursos dos impostos gerais para permitir que os mais pobres tenham o direito à casa própria.

Mais do que o financiamento de habitação popular, o FGTS tem sido usado para outras áreas, principalmente a partir da criação do FI- FGTS no governo Lula. Passou a ser fonte para os mais estranhos empréstimos. Por que usar esses recursos para comprar 100% da emissão das debêntures para viabilizar a celulose do grupo JBS? A família Batista aumentou seu patrimônio, e a operação rendeu propina para o então vice- presidente Fábio Cleto e seu grupo, no qual se inclui um réu condenado, Lúcio Bolonha Funaro, e o deputado réu da Lava- Jato Eduardo Cunha, segundo o Ministério Público.

O que nós vimos recentemente com a Lava- Jato tornou ainda mais perverso o que já era injusto. Além de usar o dinheiro do trabalhador, ao qual ele tem restrição de acesso, para financiamentos duvidosos, ainda foi forma de captar propina. Em alguns casos, gerou perdas para o fundo, como no da Sete Brasil.

Evidentemente tudo isso precisa ser rediscutido para, aos poucos, se aperfeiçoar o tratamento desse dinheiro. Mas as mudanças que estão ocorrendo não fazem sentido algum. Recentemente, foi aprovado o uso da multa de 40% em casos de demissão, como garantia de consignado. Isso é estapafúrdio porque está se contando com a eventualidade de o trabalhador ser demitido. Nem todos serão, e quem for precisará desse recursos exatamente pelo evento ocorrido.

O que precisa ser discutido é como dar mais poderes ao detentor da conta de FGTS. A competição entre gestores pode ser um bom começo para este debate. A Caixa sem o monopólio terá mais razões para evitar o uso político desse dinheiro.

A geografia da vergonha - JOSÉ ELI DA VEIGA

VALOR ECONÔMICO - 28/07

Brasil tem mais da metade da população sem acesso a esgoto, e está na 112ª posição no ranking do saneamento


Deveria ser inaceitável que ainda houvesse multidões condenadas a abjetas condições de vida após um século e meio de vertiginosa aceleração de processos civilizadores, que se seguiu a mais de dez milênios de lentos progressos, mas marcados por cruciais surtos de desenvolvimento. Quanto tempo ainda será necessário para que isso termine? Depende do que se entenda por pobreza.

Pela convenção dominante, pobre seria quem sobreviveu em 2012 com renda inferior a US$ 1,90 ao dia. Abaixo dessa "linha" estavam 12,7% da população mundial. Mas, como se sabe, com imensas discrepâncias espaciais.

No Leste Asiático (que inclui a Coreia do Sul), 6,5% da população se enquadrava nessa condição, apesar das extraordinárias proezas do despotismo esclarecido na China. Proporção superior à da América Latina e Caribe (5,6%) e bem superior à do Norte da África (1,7%). Com o Oriente Médio nem dá para comparar, já que razoáveis dados estatísticos estão entre as vítimas de tantas conflagrações. E parece até desnecessário mencionar o sucesso do grupo de 55 países ditos desenvolvidos, que já se libertaram desse tipo de flagelo.

Na margem oposta, desempenhos piores que o do Leste Asiático ocorriam nas duas regiões vizinhas do mesmo continente: o Sul com 8,3% e o Sudeste com 15,4%. Assim como no Cáucaso, com 11,6. Mas nada que se aproximasse dos dois mais calamitosos casos de subdesenvolvimento: a África Subsaariana, com trágicos 42,6%, e a Oceania (sem Austrália e Nova Zelândia), com 29,7%.

Ao contrário do que parece, esse é um panorama que autoriza razoável grau de otimismo para 2030, prazo de validade dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) adotados pela comunidade global em setembro de 2015. Pois, bastará mais do mesmo. Se o crescimento econômico mundial puder manter o padrão dos primeiros quinze anos deste século, é provável que em 2030 somente em partes da África e da Oceania ainda restem intoleráveis contingentes de párias por insuficiência de renda.

O problema, contudo, é que essa agenda reconhece, desde seu primeiro objetivo, que a pobreza não se resume a insuficiência de renda. É imprescindível ter em conta as demais privações sofridas no porão da sociedade, pois a incidência de pobreza não é obrigatoriamente determinada pela renda.

Só que o pensamento convencional continua a hostilizar essa conjectura. Por isso, é indispensável perguntar, por exemplo, se faz sentido não contabilizar como pobre alguém que sobreviveu 2015 excluído do elementar direito humano à higiene propiciada por saneamento básico. Não seriam pobres as famílias das crianças mortas no ano passado por recorrentes diarreias causadas pela convivência com esgoto a céu aberto?

Tal indagação seria improcedente, claro, se houvesse correlação entre as duas privações citadas: a de renda e a de higiene. Mas não há.

Para começar, no Leste Asiático 22,6% da população continuava em 2015 sem saneamento, malgrado o espetacular desempenho chinês. Mais que o triplo de pessoas privadas de higiene do que pessoas com menos de US$ 1,90 ao dia. Isto é, havia por ali perto de quatro vezes mais pobres do que faria pensar o bitolado critério da pobreza de renda.

Nas demais regiões do globo ocorrem diversos graus dessa mesma disparidade, com uma única exceção. Em 2015, só no Cáucaso a privação de renda superava a privação de higiene: 11,6% contra 4,1%. Até no clubinho dos desenvolvidos havia 4,4% das pessoas sem acesso a saneamento, enquanto no restante do mundo elas chegavam a 38,2%. Pior: atingiam impensáveis 65,5% nos 48 países classificados como "os menos desenvolvidos".

Aí está, em síntese, a distribuição geográfica da vergonha que pode ser descrita graças ao ótimo anexo estatístico do primeiro relatório de acompanhamento dos ODS, que acaba de ser lançado pelo Conselho Econômico e Social da ONU. Proíbe qualquer esperança de que a pobreza seja minimizada em quinze anos.

E podem ser úteis mais três observações:

Primeiro, justificar por que esgoto inacessível é a pior das mazelas de todas as civilizações contemporâneas. Porque sofrer recorrentes infecções parasitárias na primeira infância reduz a inteligência, diz estudo coordenado por Christopher Eppig, que está nos "Proceedings of the Royal Society" (277: 3801-3808). O cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia: 87% no recém-nascido, 44% aos cinco anos, 34% aos dez. As infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico. Repetidas diarreias até os cinco anos roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento.

Segundo, relembrar o escandaloso desempenho do Brasil. Ter mais da metade da população sem acesso a esgoto o coloca na 112ª posição no ranking mundial do saneamento (atrás até do Paraguai, na 101ª). E isso apesar de o país alcançar a 75ª colocação nas classificações por IDH ou por PIB per capita (PPC).

Finalmente, mas não menos importante, anunciar que será consagrada ao saneamento a edição da ótima revista online "Página 22" que está para sair:www.pagina22.com.br/

José Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) e autor de "Para entender o desenvolvimento sustentável" (Editora 34, 2015).

A volta de investimentos em infraestrutura - FREDERICO ESTRELLA

O Estado de São Paulo - 28/07

A mudança do arcabouço jurídico-institucional na década de 1990 estimulou o aumento da participação do setor privado no setor de infraestrutura. O Estado passou a ter um papel mais voltado para o planejamento, formulação de políticas e regulação dos mercados, enquanto o setor privado ganhou protagonismo como investidor e operador destes serviços. Os investimentos privados ganharam corpo e passaram a ser majoritários no balanço de investimentos entre os setores público e privado.

A partir da segunda metade dos anos 2000, assistiu-se à reversão deste quadro. Houve presença crescente do setor público no processo de investimento – com mobilização de recursos do orçamento federal, de empresas estatais e um estímulo ao financiamento dos projetos por meio de bancos públicos – e perda progressiva de qualidade da regulação. Os investimentos em infraestrutura capitaneados por investidores privados foram financiados, sobretudo, por recursos transitados por estruturas estatais.

A questão que se coloca no momento é qual deveria ser o foco para uma retomada consistente dos investimentos em infraestrutura no Brasil e qual a dinâmica que podemos esperar nos próximos anos. Há enormes obstáculos, incluindo incertezas políticas, macroeconômicas e regulatórias; retração da demanda; deterioração da capacidade financeira dos investidores; fragilidade fiscal; falta de espaço para ampliação dos balanços dos bancos públicos; e um mercado de capitais de dívida doméstico ainda incapaz de suprir os recursos necessários.

Neste contexto, as prioridades para a atração de investimentos passam pela estabilidade macroeconômica, o fortalecimento da regulação e o desenvolvimento de mecanismos de financiamento privado. Há bons sinais nesta direção. A edição da Medida Provisória (MP) n.º 727/2016, que instituiu o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), vai ao encontro dessas prioridades. A MP incentiva as boas práticas regulatórias, cria um fórum de coordenação de esforços e promove mecanismos alternativos para a elaboração de bons projetos. Manifestações na direção da efetiva independência das agências reguladoras reforçam o caminho de construção de uma regulação mais clara, estável e previsível, que é central para a redução dos riscos percebidos pelo setor privado.

Em um momento delicado de escassez de recursos, a prioridade dada ao setor de infraestrutura nos desembolsos do BNDES também é positiva. Agora já é possível pelo menos vislumbrar um cenário de progressiva convergência entre as condições dos recursos ofertados pelo banco e aquelas disponíveis por meio de financiamento privado. Esta convergência se- rá um dos motores para que, futuramente, ocorra a efetiva e desejável complementaridade entre os desembolsos públicos e os recursos do mercado de capitais no financiamento dos investimentos.

No curto prazo, é de esperar que os projetos levados ao mercado de forma bem-sucedida se concentrem em concessões de ativos já existentes (brownfields), em que o histórico de demanda e de operações já é conhecido, e em Parcerias Público-Privadas (PPPs) que tenham asseguradas fontes de recursos estáveis e garantias sólidas.

Por outro lado, pode-se esperar também um “freio de arrumação” em todo o processo. Há projetos elaborados há dois ou três anos que não refletem mais as expectativas atuais de demanda e a remuneração necessária para atrair o setor privado. A revisão e a organização desses estudos são relevantes para garantir a consistência técnica nos leilões e criar uma sequência ordenada de projetos, permitindo uma melhor programação dos agentes privados e a maximização dos benefícios para o setor público e para a sociedade. Os sinais recentes são de que estamos ingressando novamente em uma fase em que o setor privado ganha protagonismo. Porém, as restrições conjunturais e estruturais devem levar a uma decolagem suave dos investimentos.


A preocupação agora é com a receita - RIBAMAR OLIVEIRA

Valor Econômico - 28/07

Os modelos econométricos que o Ministério da Fazenda utiliza para estimar a receita da União estão deixando a área econômica preocupada. Eles estão projetando uma nova queda da receita em 2017, na comparação com este ano, informa uma fonte credenciada do governo. O resultado desfavorável aparece mesmo quando se introduz nos modelos uma variável positiva, que é a retomada do crescimento da economia no próximo ano. O governo trabalha com um aumento real de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Há uma discussão bastante intensa dentro do governo sobre essa questão. "Estamos em um processo de perda de arrecadação que não é explicada apenas pelas desonerações", avalia uma autoridade.

"Temos um problema estrutural na receita", arrisca a mesma fonte. Até agora, a principal explicação para a derrocada da receita federal nos últimos anos era a excessiva desoneração tributária promovida pela presidente afastada Dilma Rousseff em seu primeiro mandato. Os técnicos estão achando que há algo mais além disso.

Uma fonte informa que de 1997 a 2011, a receita cresceu, em média, 7% ao ano em termos reais. No mesmo período, o PIB cresceu, em média, 2,5% ao ano. A capacidade arrecadatória federal era, portanto, significativa. Mesmo com um crescimento anual relativamente modesto, a receita crescia de forma continuada e expressiva. Essa realidade começou a mudar a partir de 2012.

Já em 2014, a arrecadação dos tributos federais administrados pela Receita Federal (incluindo a contribuição à Previdência Social) apresentou a primeira queda em termos reais desde 2009 - ano em que a economia brasileira sofreu de forma mais intensa os efeitos da crise financeira internacional. Nova redução ocorreu em 2015 e, é muito provável, que ocorra novamente neste ano. De janeiro a maio, a arrecadação caiu mais de 6%, em termos reais, na comparação com igual período do ano passado.

Alguns técnicos acreditam que os modelos estejam "contaminados" por dados registrados nos últimos anos e que, por isso, podem não mais refletir a tendência atual da tributação. Outros argumentam que houve uma mudança na estrutura da receita, com a indústria perdendo participação na arrecadação. É mais fácil tributar a indústria do que o setor de serviços, por exemplo. Além disso, a legislação do PIS/Cofins é considerada um "pandemônio" pela área técnica e uma verdadeira "fábrica de crédito", que reduz a arrecadação.

Qualquer que seja a explicação, a área econômica entende que a recuperação da receita tributária federal será um processo mais vagaroso do que inicialmente se imaginava. A razão disso é que a retomada da economia não se dará pelo consumo. A atividade econômica será puxada pelo setor exportador e, o governo acredita, pelos investimentos. Essas são áreas que sofrem uma menor tributação. As exportações são praticamente desoneradas de tributos. Os especialistas dizem que, por isso mesmo, poderá ocorrer até mesmo uma queda da carga tributária no próximo ano. A carga é dada pelo montante arrecadado pelos três níveis de governo comparado com o valor do PIB.

"A arrecadação vai se recuperar em uma velocidade menor do que foi nas crises anteriores", projeta uma importante autoridade da área econômica. Em 2010, ou seja, no ano seguinte à recessão econômica de 2009, a receita de tributos federais cresceu mais de 10%, em termos reais.

A trajetória futura da receita tributária é fundamental para que o governo defina uma trajetória para o resultado primário das contas públicas.

Partindo da hipótese de que a proposta de emenda constitucional que cria um teto para as despesas seja aprovada pelo Congresso, e há grande chance de que isso realmente aconteça, o resultado primário será dado pelo comportamento da receita. Como o gasto não crescerá em termos reais, quanto mais rápida a receita se recuperar mais depressa será a virada da atual situação de déficit nas contas públicas para a de superávit primário.

Outra característica recente da receita tributária tem sido o aumento do grau de imprevisibilidade. O comportamento da arrecadação no terceiro bimestre deste ano surpreendeu o governo. Ela ficou bem abaixo do que tinha sido estimado pela nova equipe econômica. A nova previsão da receita de tributos federais já está quase R$ 9 bilhões abaixo daquela feita em junho.

Para a receita total da União neste ano, a nova projeção do governo, que está expressa na avaliação fiscal do terceiro bimestre, é de R$ 1,276 trilhão - uma diminuição de R$ 175,8 bilhões em comparação ao que está projetado na lei orçamentária de 2016. Se a comparação for feita com a proposta orçamentária encaminhada ao Congresso, em agosto de 2015, pela presidente afastada Dilma Rousseff, a redução é de R$ 125,7 bilhões. Uma segunda proposta foi encaminhada por Dilma, em novembro de 2015, incluindo a CPMF. Neste caso, a diminuição é de R$ 149,1 bilhões.

Quando se discute a questão fiscal, não é possível ficar apenas na avaliação da despesa. É necessário considerar também a trajetória da receita.


O Taj Mahal e o canguru - FERNANDO PAULINO NETO

ESTADÃO - 28/07

O que vemos é a tradicional desorganização e o 'jeitinho' brasileiro como norma


O Taj Mahal, na Índia, é considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Construído em mármore branco, cravejado de pedras semipreciosas, é um monumento construído no século 17, ao longo de 22 anos, pelo imperador Shah Jahan para ser o mausoléu de sua mulher, que morreu ao dar a luz a um de seus filhos. Depois, ao morrer, foi enterrado ao lado da mulher amada. O prédio espetacular recebe cerca de 3 milhões de turistas por ano e o governo da Índia tenta reduzir o número para preservá-lo. Para além de sua história romântica, virou símbolo de luxo e riqueza.

Por isso, a comunidade esportiva internacional entendeu perfeitamente quando o cartola máximo do movimento olímpico, o alemão Thomas Bach, falou reservadamente aos comandantes das federações internacionais de esportes para não esperar ver no Rio “nenhum Taj Mahal”. O recado nos bastidores era claro. Não adiantava ter a expectativa do luxo dos Jogos de Pequim, em 2008, e da organização perfeita dos Jogos de Londres, em 2012. O negócio era deixar de “mimimi” sobre os detalhes de infraestrutura dos Jogos Olímpicos do Rio e se preparar para fazer o melhor dentro das condições possíveis para os primeiros Jogos Olímpicos na América do Sul.

Entre as preocupações estavam, principalmente, os atrasos nas instalações esportivas, a falta de eventos-teste em algumas modalidades, como o ciclismo, e detalhes, como cores de pisos de quadras etc. Ninguém reclamava das condições da Vila dos Atletas, considerada a menina dos olhos da organização. Seria onde o Rio e o Comitê Olímpico Internacional mostrariam a capacidade da cidade de realizar o evento. Deu no que deu.

O prefeito do Rio com sua costumeira incontinência verbal e suposta verve carioca juntou a sua incontável série de gafes e saias justas mais uma. Ameaçou por um canguru em frente ao prédio mal acabado da delegação australiana, tomou uma invertida de um diretor do comitê olímpico, recuou, e tudo terminou diplomaticamente acertado com uma troca de gentilezas. Ontem, deu a chave da cidade para os australianos (os outros 204 países visitantes não receberam a mesma consideração) e teve de engolir a ironia de ter, ele sim, recebido um canguru de pelúcia vestido com luvas de boxe.

Ajustes em alojamentos de vilas olímpicas são normais. É um número grande de apartamentos, todos novos, e um ou outro pode apresentar problemas. Um atleta brasileiro lembrou que no primeiro dia na vila de Londres, teve de tomar banho frio. Mas o que vemos neste primeiro resultado, na prática, da organização dos Jogos no Brasil é muito mais do que isso. É a tradicional desorganização e o “jeitinho” brasileiro como norma.

Os prédios da Vila foram entregues pelos construtores a tempo de serem vistoriados, testados, observados pelo Comitê Organizador. Aparentemente, isto não foi feito. Restos de obra, detalhes que podem faltar, especialmente se levando em conta os números gigantes dos alojamentos dos atletas olímpicos, não foram vistoriados. São 31 edifícios, divididos em sete blocos, com um total de 3.604 apartamentos. Evidentemente que os empreendedores também não podem ser eximidos de culpa. Afinal, entregaram prédios que virão a ser habitados pela classe média alta com acabamento precário.

Superado o impasse inicial com a contratação de emergência de um exército de encanadores, eletricistas, pintores e compras de última hora, os atletas começam a se sentir à vontade. Os turistas estão chegando e aproveitando o sol do inverno carioca. As coisas parecem começar a entrar nos eixos. Pelo menos por enquanto. A partir do dia 5, quando será realizada a cerimônia de abertura, começa o verdadeiro teste das instalações esportivas que causaram tanta apreensão aos dirigentes mundiais. E desta vez, nada pode dar errado, sob o risco de o mico planetário ser irreversível.

Padrão Olimpíada - MARCO AURÉLIO CANÔNICO

FOLHA DE SP - 28/07

Para surpresa de ninguém, a uma semana dos Jogos o Rio ainda corre para resolver vários detalhes —do acabamento na Vila Olímpicaaté o infame caso do velódromo, passando por obras que já deveriam estar sendo usadas há tempos, como a ciclovia da Niemeyer e a linha 4 do metrô.

Até onde se viu, não há nenhum obstáculo incontornável a ponto de impedir a realização de alguma prova ou de colocar em grande risco a segurança da "família olímpica" e dos torcedores. O problema é que não se viu muita coisa.

Assim como os atletas só se deram conta dos problemas nos apartamentos quando entraram na Vila Olímpica, o público só vai saber das armadilhas e falhas de acabamento das arenas quando entrar nelas para torcer.

De qualquer modo, a vocação brasileira de deixar tudo para a última hora geralmente vem acompanhada de uma concentração de esforços para entregar a tempo a tarefa, mesmo que na base do jeitinho.

É pena que as soluções não surjam para a população carioca com a mesma presteza que os entes públicos têm demonstrado para resolver os problemas olímpicos. O site humorístico Sensacionalista traduziu bem o sentimento: "Moradores de favela se disfarçam de australianos para receberem água e luz rápido".

Assim como na Copa-2014, em que se pediu "padrão Fifa" para hospitais, escolas e segurança, o público da Olimpíada terá um tratamento a que os cariocas não estão acostumados no dia a dia —menos ainda depois de o PMDB quebrar o Estado.

E não se trata apenas da segurança, reforçada com tropas federais. Na área da saúde, o público dos Jogos terá à disposição mais ambulâncias do que o resto do Estado do Rio. Terá também uma ala VIP construída pela prefeitura num dos principais hospitais públicos da cidade, e mantida até agora inacessível aos cidadãos.

A falta que nos faz o patriotismo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 28/07

Faz sentido subir salários dos funcionários mais bem pagos do país neste momento, em que o setor público está quebrado?


Depois de alguma resistência, o governo Temer capitulou e resolveu mandar ao Congresso Nacional projeto de lei que reajusta os vencimentos dos auditores da Receita e agentes da Polícia Federal. Oficialmente, ministros disseram que os acordos já haviam sido negociados com o governo anterior, que se trata apenas de uma reposição da inflação etc.

Tudo desculpa — e que não pegou, aliás. Todo mundo sabe que o governo ficou com medo de uma greve ou do corpo mole ou da tal operação padrão daquelas duas categorias. Um medo compreensível. Auditores e policiais federais podem paralisar os aeroportos ou, mesmo sem greve, impor uma confusão embaraçosa no momento em que começam a chegar atletas e turistas da Olimpíada.

Em termos diretos: aquelas categorias simplesmente aproveitaram o momento para colocar a faca no pescoço do governo.

É verdade que todo trabalhador tem o direito de lutar pelo seu salário, indo até a greve. Mas há muita desigualdade entre os trabalhadores do setor público e do privado. O que indica que deveria haver diferenças nos direitos e deveres de cada grupo.

Em números: o salário médio do trabalhador brasileiro foi de R$ 1.982 em maio último, uma perda de R$ 55 em relação ao mesmo mês do ano passado. Tudo em termos reais, já descontada a inflação. No mesmo período, o desemprego subiu de 8,1% para 11,2% — ou 11,4 milhões de brasileiros que querem trabalhar e não encontram vaga.

Não há desemprego no setor público. Funcionários têm estabilidade. E todas as categorias que receberam reajustes recentes, ou estão para receber, têm salários maiores do que aqueles R$ 1.982 do trabalhador médio.

Na Polícia Federal, o salario inicial mais baixo, de agente administrativo, sem curso superior, é de R$ 4.000 — o dobro do rendimento médio no país. Já o policial, com diploma superior, começa com R$ 9.132. Para delegados, com exigência de diploma de Direito, a carreira começa com R$ 17.288 — o equivalente a nove meses de salário do trabalhador médio.

E isso antes dos aumentos agora propostos. Aliás, com o novo reajuste, o vencimento básico do auditor da Receita, sem os benefícios pessoais, saltará de R$ 15 mil para R$ 19 mil — ou dez vezes o salário real médio pago em maio último.

Não há qualquer dúvida sobre a importância da Polícia Federal e da Receita. Se não fosse pelo conjunto da obra, o que os funcionários dessas duas instituições fizeram na Lava-Jato já garantiria um diploma de competência.

Mas, francamente, faz sentido elevar os salários dos funcionários mais bem pagos do país neste momento de crise econômica, em que o setor público está literalmente quebrado? O maior problema do país é o déficit nas contas públicas. De novo, está correto alargar esse déficit com salários de um funcionalismo que ganha muito, mas muito mais que os demais?

Está correto, dizem lideranças sindicais dos auditores fiscais. Seu argumento: o trabalho de fiscalizar receitas e arrecadar impostos é o mais importante de todos, simplesmente porque o governo não funcionaria sem dinheiro.

Parece razoável, mas não tem cabimento. Pensem pelo avesso: se o SUS tivesse muito dinheiro mas não contasse com os médicos nos seus hospitais, o governo também não estaria funcionando — e num setor crucial.

Então, qual a função mais importante, a do auditor que recolhe o dinheiro ou do médico que salva vidas?

O absurdo da pergunta mostra que essa questão não tem sentido. Há no Estado atividades fim e atividades meio, isso compondo o conjunto do serviço público.

Claro que deve haver diferenças salariais, conforme a função, a carga de trabalho, formação, mérito e produtividade. Mas não é isso que acontece no Brasil.

Os salários maiores vão para as categorias que estão mais perto do centro do poder — como funcionários do Congresso — e que têm maior capacidade de pressão. Os salários caem quanto mais o funcionário está perto do público-cliente, como o médico no pronto-socorro.

E por falar nisso: a carreira de funcionário público exige ou deveria exigir um sentido de serviço público. Seria demais pedir algum patriotismo?

Algo assim: bom pessoal, vamos fazer uma Olimpíada de primeira, trabalhar mais que o exigido, dar o sangue para mostrar um país com um serviço público de qualidade — e depois vamos discutir salários.

É verdade que, diante da lambança feita pelos dirigentes políticos, fica difícil pedir patriotismo e sentimento de dever. Mas o que queremos? Um vale-tudo, cada um por si?

Convém lembrar: o povo brasileiro, aquele trabalhador médio, que rala todo dia, o sujeito que financia o governo pagando impostos e é o cliente final do serviço público, essa gente não é igual aos ladrões da Lava-Jato.

E querem saber? Há servidores de verdade, tanto funcionários de carreira quanto profissionais do setor privado que vão para o governo cumprir uma missão. Que apareçam mais.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Fim do monopólio da Caixa no FGTS é positivo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/07

Além de o trabalhador poder receber uma remuneração mais elevada na sua conta, hoje abaixo da inflação, criam-se obstáculos para indicações políticas na CEF


Vem em bom momento — quando a crise impõe uma agenda de reformas — a mobilização de bancos privados para propor a quebra do monopólio da Caixa Econômica na administração dos bilhões do Fundo de Garantia (FGTS). Revelação do GLOBO, o fato, se prosperar, pode resultar em vantagens generalizadas.

Em primeiro lugar, para os milhões de cotistas, lesados por receberem como remuneração meros 3% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR), fixada abaixo da inflação. Mesmo somadas, as duas taxas ficam abaixo da desvalorização da moeda.

A perda do fundo, com a ínfima remuneração, desde a instituição da TR, em 1999, soma R$ 329 bilhões, pelos cálculos da Ong Fundo Devido, aproximadamente tanto quanto o saldo do FGTS. Os bancos privados acenam com uma remuneração maior para o cotista. E continuariam a atuar nos segmentos apoiados hoje pelo fundo, reivindicando uma certa margem na regulação para aplicar em títulos privados, cujas taxas são mais elevadas que a dos papéis públicos.

Um dos modelos em discussão seria permitir que o segurado escolha o banco no qual ficaria sua conta do FGTS. Ou a empresa definiria a instituição financeira. Na verdade, a descentralização não será inédita, pois funcionou desta forma até 1992.

Uma crítica à proposta é que uma remuneração mais elevada dos cotistas afetará o custo final de imóveis populares e projetos de saneamento básico, segmentos importantes atendidos pela CEF com recursos do FGTS.

Uma solução seria, desatado o nó fiscal, explicitar no Orçamento o subsídio para estes dois setores. Forma até mesmo de dar mais transparência a este fluxo financeiro.

O fundo é um instrumento importante de poupança compulsória, criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego. O perfil do FGTS é indicado a financiamentos de longo prazo. Nos últimos tempos, porém, tem sido malbaratado, não fosse o bastante a remuneração abaixo da inflação. Por isso, economistas dizem que o trabalhador é “roubado” no FGTS.

Houve, também, roubo no sentido literal. O aparelhamento da Caixa pelo PT e aliados atingiu, como era inevitável, o fundo, por meio da nomeação fisiológica de diretores. Lembre-se que o último presidente da CEF, até Dilma ser afastada pelo Senado, foi Míriam Belchior, ex-ministra do Planejamento, fiel e disciplinada militante petista.

Um dos casos mais simbólicos desta fase trevosa do banco público foi a colocação de Fábio Cleto, indicado por Eduardo Cunha, na vice-presidência da Caixa que trata dos pedidos de recursos do FGTS para projetos de investimento. Cunha, Cleto e o doleiro Lúcio Funaro, conhecido desde o mensalão, fizeram o diabo neste balcão de propinas. Até por isso, a gestão do fundo por bancos privados dará mais segurança aos trabalhadores. Afinal, ela escapará das indicações políticas.

Sem correria, com pressa - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 28/07

Por tudo que se falava até pouco tempo atrás, o governo Temer esperava só a confirmação “nas urnas” do Senado para pôr em marcha negociações mais efetivas com o objetivo de implementar as chamadas reformas constitucionais. E a fila começaria a andar com as mudanças na Previdência e na legislação trabalhista.

Até aí, nenhum espanto. Os diagnósticos de especialistas sobre os males que atingem a economia brasileira convergem para a necessidade de reformas. Com algumas variações em torno de qual delas deveria puxar a fila – a política chegou a ser a favorita, mas acabou perdendo a preferência para a previdenciária e a trabalhista, na avaliação tanto da banda econômica como da banda política do governo.

O sentido de urgência é apoiado em previsões preocupantes: segundo cálculos alardeados pelo governo, o déficit da Previdência deve mais do que dobrar em dois anos, de R$ 86 bilhões em 2015 para R$ 180 bilhões em 2017. E isso dificultaria ainda mais o ajuste fiscal, comprometendo a desejada trajetória de estabilização da dívida pública.

Na Previdência, já foram definidos alguns pontos como “objetos de desejo” do governo: aumento da idade mínima da aposentadoria (para perto de 65 anos, com alguma diferenciação entre homens e mulheres) e unificação dos regimes, com a fixação das mesmas regras para trabalhadores da iniciativa privada, professores e militares, entre outros. Segundo o governo, 45% do rombo da Previdência dos servidores federais em 2015 correspondeu ao pagamento de pensões e aposentadorias de militares. Na área trabalhista, a inclinação é pela prioridade aos acordos coletivos e ao avanço da lei da terceirização.

A pressa em encaminhar as reformas, portanto, parece fazer todo o sentido. Para os mais otimistas, a sociedade já se mostra madura para entender a inviabilidade de manter – sem correções ou adaptações – um regime de Previdência em que se admitem aposentadorias precoces e em que trabalhadores de algumas área conseguem preservar ganhos muito acima do que a grande maioria.

Por esse mesmo raciocínio, já haveria uma compreensão de que a legislação trabalhista precisa de alguma flexibilidade – e por flexibilidade não se entenda apenas um “jeitinho” de driblar direitos trabalhistas –, diante não só da crise conjuntural do mercado de empregos formais como das mudanças ocorridas na estrutura das relações de trabalho.

Mas tudo indica que as resistências continuam aí, firmes e fortes. Nem uma reforma nem outra conta com a simpatia de áreas sindicais e políticas. Mal se iniciou o debate em torno dessas mudanças, e o governo Temer já conseguiu a proeza de reunir, na oposição, tanto as centrais sindicais ligadas às administrações petistas como as que apoiaram o impeachment de Dilma, caso da Força Sindical sob a liderança de Paulinho.

Fora da área sindical, críticos das reformas previdenciária e trabalhista argumentam que só os direitos dos trabalhadores estão ameaçados – enquanto a política de juros altos, por exemplo, continua beneficiando os investidores financeiros e sobrecarregando os gastos públicos.

Concentrado em fazer andar o projeto que limita o teto de gastos públicos, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem falado agora que não se deve ter pressa para implementar as tais reformas. Discurso apropriado para o momento político: o impeachment ainda não está garantido e a temporada eleitoral está aberta.

Mas, no caso, cautela demais pode custar caro. Governos anteriores, com mais sustentação política do que o atual, deixaram para depois o embate das reformas constitucionais e foram obrigados a se conformar com meros tapa-buracos para fechar as contas do exercício. Com correria, não se faz nada que sirva. Mas convém ter pressa.

Brasil, refém da CLT? - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 28/07

Para voltar a crescer o País deve se livrar das raízes que o prendem ao Estado Novo



O Brasil tornou-se refém da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A convivência de 73 anos desgastou-se. O divórcio é inevitável. Como nas velhas famílias, a separação enfrentará dificuldades. Para ambos, porém, é melhor que cada um tome o seu caminho. A CLT se reunirá ao Código Civil de 1916 e aos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, que prestaram bons serviços, mas estavam superados.

Foi redigida em 1942 por intelectuais de gabinete, para um país agrário cujo parque industrial se reduzia a médias e pequenas empresas familiares e onde escasso proletariado reivindicava simplesmente redução das horas de trabalho. Tudo se importava, de máquinas operatrizes a veículos, de ferramentas a bacias de privada, de pincel a barbeador.

Desaparelhados de informações colhidas do contato com a realidade, os integrantes da comissão elaboradora – Luiz Augusto do Rego Monteiro, José de Segadas Vianna, Dorval de Lacerda e Arnaldo Sussekind – não se acanharam: legislaram sobre tudo, das definições erradas de empregador e empregado a grupo econômico, identificação profissional, jornada de trabalho, salário mínimo, férias, higiene e segurança, operadores cinematográficos, serviço ferroviário, estiva, proteção ao trabalho da mulher e do menor, contrato individual, organização sindical, contrato coletivo, Justiça do Trabalho. Para concluir, anexaram à CLT arbitrário quadro de atividades e profissões, separando empregadores e trabalhadores em categorias econômicas e profissionais.

Bons exemplos de dispositivos que agridem a realidade são o parágrafo primeiro do artigo 2.º, que define a figura do empregador, e o parágrafo único do artigo 3.º, que traça o perfil do empregado. O primeiro equipara a empresa que objetiva lucros com “os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos”; o segundo rejeita distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, ou entre o trabalho intelectual, técnico e manual. A CLT põe, portanto, em pé de igualdade a instituição financeira e a Fundação Hospital do Câncer, a empresa petrolífera e a Santa Casa de Misericórdia, o supermercado e a bodega, a montadora e a serralheria. Ignora que o executivo, cuja gorda remuneração mensal é complementada por milionários bônus no final do ano, é inconfundível com o peão que percebe salário mínimo.

Confinados em gabinete no Rio de Janeiro, os autores da CLT legislaram no vácuo, tomando teses eruditas como fatos comprovados, como diria Oliveira Vianna. Ignoraram que preparavam lei de alcance nacional e uniforme. Seria a mesma para capitais e lugarejos sem indústria, sem emprego, sem dinheiro, sem trabalho; bolsões de miséria à espera do milagre do desenvolvimento que até hoje não chegou.

A suposição de que se tratava de obra perfeita e definitiva levou o ministro do Trabalho Alexandre Marcondes Filho, em arroubo de vaidade e bajulação, a escrever na exposição de motivos ao presidente Vargas: “No relatório elaborado pela Comissão respectiva que corresponde a um prefácio admirável de uma obra monumental, e no qual se filia a presente exposição de motivos, encontrará Vossa Excelência minucioso e brilhante estudo de doutrinas, dos sistemas, das leis, dos regulamentos e das emendas sugeridas, comprovando que a Consolidação representa um documento resultante da intuição do gênio com que Vossa Excelência vem preparando o Brasil para uma missão universal”.

Como explicar a longevidade da CLT, obra da ditadura de 1937, sobrevivente das Constituições democráticas de 1946 e 1988? Justifica-se porque, entre 1937, 1946 e 1988 não houve ruptura, mas conciliação de interesses convergentes. Veja-se o caso de Getúlio Vargas: deposto em 29 de outubro de 1945, ficou confinado em São Borja, mas foi eleito em 2 de dezembro para a Câmara dos Deputados e para o Senado, sem fazer campanha. Seu apoio, como revela a História, foi decisivo para a eleição do general Gaspar Dutra e a derrota do brigadeiro Eduardo Gomes. Voltou à Presidência da República nas eleições de 1950, para deixar o governo pelo suicídio em agosto de 1954.

Em aparente rompimento com a ditadura, a Constituição de 1946 determinou a liberdade de associação profissional ou sindical e reconheceu o direito de greve. Por inércia do Poder Legislativo e desinteresse do Executivo, nada aconteceu. A CLT manteve-se intacta, com os dispositivos referentes à estrutura sindical fascista. Quanto ao direito de greve, foi preventivamente reprimido por decreto-lei de Dutra.

Com a Constituição de 1988 a situação piorou. Apesar de assegurar a liberdade de associação sindical, conservou o monopólio de representação, a divisão em categorias, a estrutura verticalizada, manteve a contribuição obrigatória e, de quebra, instituiu a taxa para custeio do sistema confederativo.

No plano da legislação trabalhista, Arnaldo Lopes Sussekind foi a presença dominante desde 1943. Serviu de maneira exemplar à ditadura de Vargas. Restabelecido formalmente o regime democrático, conservou o prestígio intacto. Em abril de 1964 foi nomeado ministro do Trabalho pelo Alto Comando Revolucionário, cargo que ocupou até ser designado ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em dezembro de 1965, pelo presidente Castelo Branco. Representou o Brasil em dezenas de reuniões da Organização Internacional do Trabalho. Em 1979 presidiu comissão interministerial incumbida de apresentar projeto de atualização da CLT, da qual resultou cartapácio de 922 artigos e 24 anexos, condenado ao esquecimento por fulminante matéria da revista Veja.

Para voltar a crescer o Brasil deve se livrar das raízes que o prendem ao Estado Novo. Divorciar-se da era Vargas, começando pela revisão profunda da CLT. Ou conviver com o atraso, o subdesenvolvimento e o desemprego.

* ALMIR PAZZIANOTTO PINTO É ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

A lição - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 28/07

Dois grandes ataques terroristas abalaram a Argentina no passado recente. Os culpados continuam soltos e as famílias das vítimas permanecem sem justiça. O retrato do horror no país vizinho agora oferece uma luz ao governo brasileiro, que é forçado a enfrentar o tema durante a Olimpíada.

O primeiro atentado obliterou a embaixada de Israel em Buenos Aires, matando 22 pessoas. O segundo explodiu uma das principais associações judaicas da Argentina, deixando 85 mortos.

Os ataques foram perpetrados por uma rede terrorista internacional, com células no Hezbollah e nos governos da Síria e do Irã. O alvo distante, na América do Sul, foi escolhido pelos criminosos para punir Israel e para dar uma lição a Carlos Menem, presidente disposto a descumprir as promessas feitas aos países do Oriente Médio que lhe haviam financiado a campanha.

No entanto, as investigações revelaram que os ataques seriam impossíveis sem o apoio de redes locais de corrupção, presentes na agência nacional de inteligência, na polícia da província de Buenos Aires e no serviço de aduana e alfândega do governo argentino. Sobretudo, o planejamento, o financiamento e os explosivos utilizados chegaram a Buenos Aires pela mão de contrabandistas operando na área da Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.

Quem deu a pista foi um brasileiro. Dez dias antes do maior atentado, ele avisou ao consulado argentino em Milão da tragédia iminente. Avisou também aos consulados do Brasil e de Israel. Ele sabia das coisas porque operava as redes de contrabando e extorsão na área da fronteira. Para ter êxito em seu propósito horrendo, o terror precisou de uma conexão explícita entre radicalismo islâmico global e máfias sul-americanas.

De lá para cá, todos os governos que passaram pela Casa Rosada tiveram dificuldades para jogar luz sobre o assunto e oferecer alguma verdade ao público. Talvez por isso tenham sido acusados pelas famílias das vítimas de encobrimento. Talvez por isso tenham negado ofertas de ajuda de serviços de inteligência estrangeiros.

Os ataques também expuseram ao público as entranhas do sistema de Justiça argentino. O juiz responsável pelo caso foi pego oferecendo propina a testemunhas, destruiu provas e só saiu do caminho depois de pressão incansável por parte dos familiares das vítimas. Mais recentemente, o procurador responsável por denunciar um suposto conluio entre o governo Kirchner e os mandantes do crime no Irã levou um tiro fatal no banheiro do próprio apartamento.

O terror é um mal cuja origem se encontra lá fora. Ele só progride, entretanto, quando encontra terreno fértil aqui dentro.


Organizar a bagunça - MERVAL PEREIRA

O Globo - 28/07

A crise econômica pode ter efeitos colaterais saudáveis. Como O GLOBO mostrou em reportagem recente, há boas indicações de que uma reforma política básica pode ser aprovada no Congresso, agora que a proibição de financiamento por empresas está em vigor e que os reflexos da retração da economia chegaram aos partidos.

Está sendo alcançado um consenso no Congresso para a aprovação de um projeto de emenda constitucional de autoria do senador Ricardo Ferraço, do PSDB, para a instituição da cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais. Com o apoio do presidente interino, Michel Temer, que ontem recebeu o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, e do novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a PEC pode ser aprovada.

Pelos cálculos dos especialistas, as duas medidas teriam o efeito de reduzir radicalmente o número de partidos com atuação plena no Congresso. Mesmo que não fosse proibido, o financiamento de empresas estaria comprometido pela Lava- Jato e por seus filhotes, como a Custo Brasil, que flagrou a exploração do empréstimo consignado para financiamento de campanhas de graúdos petistas, como o ex- ministro Paulo Bernardo, indiciado pela Polícia Federal.

Sem ter para onde correr, os partidos mais relevantes descobriram que a verba do Fundo Partidário não pode ser desperdiçada com siglas de aluguel. Há no Congresso, em atividade parlamentar, 28 partidos, dos 35 existentes. O Fundo Partidário deste ano aumentou de R$ 311 milhões para R$ 819 milhões, já com a finalidade de suprir deficiências financeiras previstas com a nova legislação.

Mas o que torna a lei eleitoral incentivo para criação de partidos é que todos os legalizados pelo TSE têm direito a dividir igualmente 5% desse valor, o que quer dizer que todos receberão no mínimo mais de R$ 1 milhão este ano. A redução de partidos com condições de atuar no Congresso, de 35 para 10 a 12, viria acompanhada de lei que vetaria o financiamento oficial de partidos que não tivessem a votação mínima de 2% do eleitorado, espalhados no mínimo por 14 estados.

A partir de 2022, essa exigência de desempenho passaria a ser de 3% dos votos totais, mantendo- se o mínimo de 2% em cada um de 14 estados. Bem menos do que a legislação anterior, que foi invalidada pelo STF e exigia mínimo de 5% dos votos nacionais.

Prevaleceu na decisão do STF naquela ocasião a tese de que as cláusulas de barreira impedem a pluralidade partidária e seriam maléficas à democracia, e por isso mesmo inconstitucionais. Os políticos que defendiam a adoção dessas exigências para controlar a fragmentação partidária temiam que fossem conhecidas como “cláusulas de barreira” ou de “exclusão”, pois pressentiam que a denominação poderia ser usada, como de fato foi, para classificar as regras de preconceituosas.

Cármen Lúcia, que presidirá o STF a partir de setembro, usou sempre a expressão “cláusula de exclusão”, para dizer que, já pelo nome, não gostava da ideia.

Em termos gerais, a norma estabelecia que os partidos com menos de 5% dos votos nacionais não poderiam indicar titulares para as comissões, não teriam direito à liderança ou cargos na Mesa Diretora, bem como perderiam recursos do Fundo e ficariam com tempo restrito de propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e televisão.

O parágrafo 7 º da proposição, diz Ferraço, expressamente garante aos eleitos por siglas que não alcançarem o funcionamento parlamentar o direito de participar de todos os atos inerentes ao exercício do mandato.

Na proposta atual do senador Ricardo Ferraço, os partidos que não atingirem o mínimo de votos poderão exercer todas as atividades parlamentares, menos receber o Fundo Partidário e o tempo de propaganda eleitoral gratuita, e seus representantes não poderão propor matérias constitucionais.

Os parlamentares de siglas sem a votação exigida poderão, se quiserem, trocar de legenda sem perder o mandato, mas não levam tempo de TV nem Fundo proporcional à votação. Os demais têm de permanecer nas siglas que os elegeram, pelo menos no mandato.

São medidas que ainda poderão ser mudadas no Congresso, mas que darão nova dinâmica à atuação parlamentar, tornando- a mais coerente com programas e projetos partidários.