Um brinde ao constrangimento
O Estado de São Paulo - 18/03/09
O senador Heráclito Fortes, primeiro-secretário do Senado, deu o mote. Excelente, aliás. Segundo ele, se for divulgada a forma como a cota mensal de passagens aéreas dos senadores é usada, será um constrangimento geral, “não escapa nem jornalista”.
Não é o caso de cobrar do senador os nomes dos jornalistas que viajam a expensas do Senado a fim de conferir credibilidade às palavras de parlamentar experiente, sagaz e bem informado. A insinuação basta para justificar a abertura do escaninho obscuro de modo a esclarecer a que se refere o senador Heráclito quando fala em “constrangimento geral”.
A julgar pela quantidade de irregularidades que têm vindo à tona em ritmo quase diário, até que um choque de “constrangimento geral” faria um bem danado não só ao Congresso, mas à República como um todo.
Se por uma questão de corporativismo não apetece a suas excelências provocar embaraços em seus pares, que se inicie o espetáculo pela apresentação dos jornalistas aludidos na irônica manifestação do senador a quem, como primeiro-secretário da Casa, cabe a guarda da chave desse cofre.
Não é necessário chegar ao ponto proposto por ele no auge de sua irritação com a exposição das malfeitorias. “Fechar o Congresso” seria medida extrema não fosse apenas uma força de expressão. Variação radical da queixa do presidente do Senado, José Sarney, sobre a transformação da Casa no “boi de piranha” da temporada.
É a repetição da batida tese segundo a qual a melhor estratégia de defesa é o ataque. Ineficaz no caso, pois o Parlamento deixou-se desmoralizar a ponto de perder credibilidade até para recorrer ao velho truque da ameaça velada a fim de estimular o recuo do oponente.
Se deputados e senadores começarem a se defender dizendo que críticas excessivas ao Congresso representam um risco à democracia e só interessam aos saudosos do regime autoritário, flertarão com o ridículo.
Nada melhor para governos autocráticos e governantes com veleidades a unanimidade que um Legislativo moralmente fragilizado, tal como se mostra o Parlamento brasileiro: incapaz de reagir, a não ser com novas demonstrações de que está mesmo gravemente enfermo.
Vítima da doença senil do anacronismo. Os sinais são evidentes e fornecidos a mancheias, todos os dias, pelos próprios congressistas. Ou algo mais obsoleto que a defesa feita semana passada pelo presidente do Senado do uso de seguranças da Casa para vigiar suas propriedades no Maranhão?
Talvez só a defesa da filha do senador, a senadora Roseana Sarney, do uso da residência oficial do Senado para hospedar amigos maranhenses transportados, segundo consta, de São Luís a Brasília com passagens aéreas da cota parlamentar.
“Só uns dois dormiram lá, os parentes! É a residência do meu pai”, argumentou Roseana, patrimonialista que só. A casa não é do pai. Está cedida a ele em função do cargo ocupado para uso público, no qual não se inclui a hospedagem de parentes e amigos
Trata-se de um imóvel funcional, como aquele indevidamente cedido ao ex-diretor de Recursos Humanos do Senado João Carlos Zoghbi, que por dez anos nele instalou os filhos. É dependência pertencente ao patrimônio da administração federal, de uso limitado, se não por determinação legal expressa, certamente por ação de bom senso e espírito público presumidos.
Para distribuir gentilezas, a família Sarney dispõe de duas ótimas residências no Lago Sul, bairro nobre de Brasília. Isso, sem contar a rede hoteleira da capital, cujos preços estão ao alcance das posses do clã. Essa confusão entre público e privado está na raiz da impossibilidade da entrada da política brasileira na era da modernidade. Com esse nó atado, não haverá reforma política que se preze, porque continuará prevalecendo a cultura do privilégio como direito adquirido dos eleitos.
Pode não ter sido essa a intenção do senador Heráclito Fortes, que, no entanto, acabou dando uma excelente ideia de campanha com palavra de ordem já escrita na bandeira.
Ao constrangimento, pois!
Almanaque
Nunca antes neste país, uma campanha presidencial começou com tanta antecedência. Nas outras quatro, a 19 meses a eleição, não se pensava no assunto. Em março de 1988, o Brasil estava em plena Constituinte; em março de 1993, Itamar Franco praticamente começava a governar depois do impeachment de Fernando Collor; em março de 2001, nem havia ocorrido ainda o apagão do governo FHC; em março de 2005, Roberto Jefferson acabava de denunciar o mensalão.
Posto avançado
O PSDB não tem planos de filiação para o senador Jarbas Vasconcelos. Do ponto de vista tucano, Jarbas funciona melhor como dissidente no PMDB. E não divide espaço em Pernambuco com o presidente do partido, Sérgio Guerra.