domingo, abril 29, 2012

‘Caliente’ é forte - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 29/04/12


Dilma reclamou com a amiga Graça Foster por ter dito na Câmara que será “caliente” o embate da Petrobras com a Argentina, caso o país vizinho desrespeite seus contratos com o Brasil. 

A presidente teme melindrar “los hermanos”. 

Só que... 

Embora no momento a aproximação entre Brasil e Argentina no setor de petróleo interesse mais ao vizinho, técnicos da Petrobras acompanham com interesse as descobertas do chamado “shale gas” (gás de folhelho) na terra de Evita Perón. 

Trata-se de fonte energética da moda, notadamente nos EUA. 

Atlântica sem postos 

Cabral bateu o martelo com a BR Distribuidora. Os cinco postos do canteiro central da Avenida Atlântica vão mesmo fechar. 

Mas o governo recuou e decidiu manter os três postos da Lagoa Rodrigo de Freitas. 

No mais 

Paulo Francis (1930-1997) não conheceu certos políticos atuais. 

Mas em seu livro “Diário da Corte”, escreveu: “A classe política, desculpem o carioquismo, é pura Lapa ou Praça Mauá, ou seja, gente que só víamos no Rio nesses locais sórdidos. É preciso ter um estômago rabelaisiano para ouvir tanta besteira.” 

Em tempo... 

Francis era do tempo em que Lapa e Praça Mauá eram sinônimos de prostituição. 

O DOMINGO É de Giselle Batista, 26 anos, a formosa Isadora de “Cheias de charme”, a novela das 19h da TV Globo. Sua personagem, dondoca, será uma pedra no caminho de Cida (Isabelle Drummond), empregada da casa de seus pais. Isadora terá, digamos, grande afinidade com o namorado de Cida, o playboy Conrado (Jonatas Faro), consumista e ambicioso como ela. “Estou ansiosa para ver a minha primeira aparição numa novela”, diz Giselle. Aparece para eu 

O Papa e o PC 

Em 1963, na cerimônia de sua entronização, o Papa Paulo VI recebeu do nosso então presidente João Goulart um portajoias com a pequena inscrição “Viva o Partido Comunista” e o símbolo da foice e do martelo. 

A, digamos, travessura foi obra do marceneiro Manuel Oliveira, que fez o mimo. Jango não sabia. 

Segue... 

A revelação vai estar na edição de maio da “Revista de História da Biblioteca Nacional”. 

Retratos da vida 

Policiais da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima, no Rio, ao investigar casos de exploração e prostituição, recolheram várias filipetas coladas em orelhões com nomes e fotos de algumas meninas. 

Intimadas a depor, três “delas”, na verdade, eram... “eles”. 

São Dorival Caymmi 

Dia desses, Fernanda Montenegro, nossa grande atriz, achou esta espécie de santinho numa empresa paulista. Nele, Dorival Caymmi (1914- 2008) aparece como “protetor dos compositores”, com direito, no verso, a uma oração. 

A relíquia foi enviada para Stella Caymmi, neta do saudoso compositor. 

Romário na Rocinha 

Carlos Costa, nascido na Rocinha, lança dia 15 “Rocinha em Off”. No livro, conta a ida de Romário à favela em 2005. 

Lá pelas tantas, apareceu um traficante com fuzil e tudo, e puxou o jogador para uma foto. 

Cimento quente 

A RJZ/Cyrela, leia-se Rogério Jonas Zylbersztajn e Elie Horn, negociam parceria com Eike Sempre Ele Batista em negócios imobiliários no Rio. 

‘Big Field’ 

Eduardo Paes pediu aos operadores do BRT da Transoeste que convidem Iris Lettieri, 70 anos, a eterna locutora dos nossos aeroportos, para gravar o anúncio das paradas da nova via. 

— Imagine aquela voz anunciando, em vez de Paris, “Three Bridges” (Três Pontes), “Big Field” (Campo Grande) e “Holy Cross” (Santa Cruz)! — vibra o prefeito. 

Cozinha insurgente 

Nas novelas de TV, pena, as patroas têm maltratado cada vez mais as empregadas domésticas. Mas a situação é bem diferente na vida real. Uma boa profissional, hoje, está cada vez mais disputada no mercado. Os salários dispararam, e elas já têm direitos assegurados. Aliás, segundo o IBGE, a inflação gerada pelas domésticas (formais e informais) nos últimos 12 meses foi de 11,96%, mais que o dobro do índice geral (5,24%). 

Mas há quem ache que ainda é pouco. A pesquisadora Hildete Pereira de Melo, uma das maiores estudiosas do assunto no Brasil, diz que, nesta ocupação, só ficam mulheres que não tiveram oportunidade de frequentar escola. Em 1995, 15,5% das domésticas eram analfabetas. A taxa caiu para 8,6% em 2009, mas ainda é significativa: mais de 500 mil mulheres, segundo Hildete. 

— É fato que houve uma melhora, por causa da elevação da escolaridade. Mas as domésticas que ganham até um salário mínimo são 72% do total. Não há no mercado de trabalho nacional outra categoria ocupacional que tenha dois terços dos seus trabalhadores recebendo até um salário mínimo no país — diz Hildete. 

Na TV, elas ganharam outro status. Viraram protagonistas de novelas. Veja o caso das belas e talentosas Isabelle Drummond, Leandra Leal e Taís Araújo (foto), que vivem empregadas em “Cheias de charme”, trama das 19h da TV Globo. Elas sentem na pele, na ficção, o que ainda passam algumas domésticas no Brasil: 

— O dinheiro mudou de mão, né? O mercado olha para essas profissionais como consumidoras e boas pagadoras. Acho uma grande ideia pôr luz sobre pessoas que ficavam à margem, que a gente não sabia muito como viviam — afirma Taís, que conversa com a babá de seu filho sobre Maria da Penha, sua personagem na novela. 

Filipe Miguez, um dos autores de “Cheias de Charme”, conta que a brasileira tem relação forte com a empregada, e que este universo, antes pouco explorado pela teledramaturgia, é muito rico: 

— Acho que a autoestima dessas profissionais vem crescendo. Hoje sobra mais dinheiro para elas comprarem cremes, esmaltes e para o cabeleireiro. Elas se cuidam, estão bem tratadas — diz. 

De fato, as empregadas estão com o ego massageado por sua exposição na TV. Maria de Fátima Silva, que trabalha como doméstica há quatro anos na casa de Leandra Leal, a Rosário da novela, está feliz com a patroa na vida real: “Tenho muito orgulho de ela representar uma empregada na TV.” 

O sonho de Dilma - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 29/04/12


Todos os presidentes quando assumem o poder passam horas acordados apenas pensando no que será possível deixar como um legado às futuras gerações ou aos seus sucessores. No Brasil, desde a redemocratização, os presidentes deixaram claro seus sonhos. E nenhum deles, mesmo no caso de governos de continuidade, deixou de conjugar o verbo mudar. Nem mesmo Dilma Rousseff.

Mas, antes de entrar nos sonhos de mudança da presidente, vale lembrar os de seus antecessores. O de José Sarney era consolidar a democracia e acertar a economia. Cumpriu o primeiro, mas, por conta da política e do embalo de seu partido na onda boa da primeira etapa do Plano Cruzado, adiou decisões e deu no que deu. A inflação voltou e o prestígio de Sarney foi pelo ralo à época. Fernando Collor, que chegou querendo mudar tudo, sonhou modernizar o Brasil, deixando para trás as “carroças” como ele se referia aos carros nacionais. Mas, como não mexeu nas relações políticas que construiu nos tempos de Alagoas, terminou fora.

Itamar Franco, que teve pouco tempo de governo, sonhou em estabilizar a economia, resgatando a história do ponto em que Sarney falhou. Conseguiu com a ajuda de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda. FHC, quando presidente, sonhou em entregar um país organizado do ponto de vista administrativo, econômico e social. Mais leve do ponto de vista da gestão pública, com agências reguladoras técnicas. Conseguiu em muitos pontos, mas o projeto era tão amplo e os interesses políticos de sua base de apoio tão diversos que parte do sonho ficou pelo caminho.

Depois, veio Lula. Já chegou declarando que, se ao fim de seu governo, os brasileiros conseguissem ter três refeições por dia, ele se daria por satisfeito. Investiu tudo o que pôde nessa construção, de redistribuir renda. Outro sonho que ele tentou realizar tão logo assumiu o poder, em 2003, foi justamente mudar a relação política. No início do governo, Lula se deu ao luxo de dispensar o PMDB de Michel Temer em grande estilo, recuando num acordo fechado pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Por falar em PMDB…
O sonho de Lula na seara política teve que ser interrompido pela circunstância do mensalão. Quando o caso veio à tona, não sobrou alternativa, a não ser reforçar a base parlamentar atraindo a parte do PMDB que havia sido preterida no início do governo. Não por acaso, Dilma seguiu para a Casa Civil e Edison Lobão acabou no Ministério de Minas e Energia. Lula governaria com tanta intimidade com o PMDB e a relação ficou tão boa que Temer assumiu a vaga de vice na chapa de Dilma.

Diante de tanta união, Dilma não teve meios de dar uma de Lula e dispensar o PMDB na largada. Nem poderia. Afinal, o partido foi seu parceiro na vitória e queria ser também no governo. Mas, ela deu um jeitinho de deixar esses “homens meigos” com menos espaço do que detinham na época de Lula. E, desde o início do governo, vai, aos poucos, tentando mudar — olha a palavra aí de novo — a relação com os partidos. (Inclua-se aí também o próprio PT).

Por falar em mudança…
Entre os desejos de Dilma, além de dar continuidade e reforço aos projetos sociais, está o de retomar o projeto de Lula do ponto anterior ao período do mensalão, de não precisar ceder tanto espaço aos partidos aliados ou mesmo ao PT. Basta ver as recentes mudanças na administração da Petrobras, com a troca de diretores indicados por partidos políticos. Sabe-se que a área do petróleo concentra muitas pessoas de fora do quadro para cargos de direção — caso de Sérgio Machado no comando da Transpetro. Mas, aos poucos, e dentro do possível — não dá para alterar tudo —, Dilma vai mudando essa realidade. Se para melhor, o futuro dirá.

Da mesma forma que Lula se viu obrigado a ceder quando do mensalão, ainda é cedo para dizer se Dilma não será levada pelo mesmo caminho, por conta da CPI do Cachoeira, ou por outra circunstância. Até aqui, ela não precisou abrir tanto espaço aos partidos, embora ceda um cargo aqui, outro ali — como foi o caso da direção-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) há alguns dias. E, nesse estilo de liberar cargos a conta-gotas às indicações partidárias ao mesmo tempo em que tira outros, a presidente só viu crescer a sua popularidade. Mas o dito popular “sonhar não custa”, em política não se aplica. Às vezes, o preço pode ser alto. Vejamos o que acontecerá com o de Dilma.

Golpes de Estado - ROBERTO ROMANO


O Estado de S.Paulo - 29/04/12


A palavra "golpe" hoje circula no Brasil em todos os ambientes. O tema tem alcance histórico. O moderno poder político é movido por golpes canhestros ou eficazes. Basta consultar a crônica da Europa para verificar que todos os modos legítimos de mando foram violentados por golpistas de várias tendências.

Assim se afirmou o poder de Luís XI e de Henrique IV, o mesmo ocorrendo com Robespierre e, depois, com a família de Napoleão. Pétain e Laval encerram a fieira do golpismo. Na Inglaterra, a ditadura de Cromwell afastou monarquistas e liberais (Levellers) da Revolução. Em Portugal, o golpe determinou a luta de Pedro IV, o nosso Pedro I, contra o seu irmão Miguel. O século 20 português conheceu golpes continuados. O fascismo italiano foi uma série de golpes, o mesmo na Espanha. Na Alemanha e na Rússia do século 20, regimes virulentos dominaram o Estado à força de golpes.

No Brasil, temos os golpes do imperador, dos regentes, dos oficiais que derrubam a monarquia, de Getúlio, que instalou uma ditadura feroz, dos civis e militares erguidos contra a ordem estabelecida em 1961 e 1964. Depois, o golpe dentro do golpe no Ato Institucional n.º 5 (AI-5), o golpe do chamado Pacote de Abril, etc. Setores das esquerdas falam hoje da imprensa golpista, no mesmo passo em que as direitas bradam contra o revanchismo.

É preciso não banalizar a noção de golpe, cujo fim é impedir a força de adversários no Estado e nas sociedades. Eles são propositivos se buscam impor formas de pensamento e suspendem os mecanismos jurídicos das anteriores formas de poder. Por não terem origem nas urnas, os seus atores se legitimam invocando a urgência (o Estado estar-se-ia corrompendo) ou a necessidade. Foi assim no AI-1: "A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma". O golpe aposenta o voto, cassa mandatos, fecha partidos.

Importante estudo vem de Gabriel Naudé nas Considerações Políticas sobre os Golpes de Estado (1640). O texto pode ser lido online na Biblioteca Gallica. Naudé situa o golpe no campo da prudência. Ele critica a divisão tríplice daquela virtude feita por Justo Lipsio: a leve - dissimulação e desconfiança na ordem política; a sórdida, que consiste "em adquirir amizades e serviços de uns enganando outros por falsas promessas e mentiras, presentes e outros meios"; e a virulenta, "que se afasta totalmente da virtude e das leis". Segundo Naudé, tal fracionamento é inútil, pois todas as prudências dependem de uma só, ilustrada por Luís XI, o "Rei Aranha", cuja máxima era: "Quem não sabe dissimular não sabe governar". A regra dos governos reside na desconfiança universal e na dissimulação, que consiste ou em omitir - pretender que nada foi visto pelos poderosos - ou "na ação e na comissão, o ganho de alguma vantagem para atingir alvos por meios encobertos". Omissões e comissões nutrem os poderosos e fornecem "os diversos meios, razões e conselhos usados pelos príncipes para manter sua autoridade e a situação do público" sem "parecer transgredir o direito comum e causar suspeita de fraude e injustiça".

Um golpista indicado por Naudé é Dionísio, tirano de Siracusa. Querendo impedir as reuniões dos opositores, agendadas para a noite, ele afrouxava sem alarde as penas dos assaltantes... Golpes incluem o segredo das ações "extraordinárias que os príncipes são levados a executar nos assuntos difíceis e desesperados, contra o direito comum, sem mesmo guardar alguma ordem ou forma de justiça, prejudicando o interesse do particular em benefício público". Rapidez, quebra de costumes e de jurisprudência integram os golpes. Neles "vemos cair a tempestade sem ter ouvido os trovões (...), as Matinas são entoadas antes de o sino tocar, a execução precede a sentença. Fulano recebe o golpe que pensava aplicar, sicrano morre, imaginando estar seguro". Truque jurídico golpista: "O processo é instruído após a execução". A nova ordem livra-se das "pequenas formalidades exigidas pela Justiça".

Naudé profetiza os regimes sangrentos do século 20. O golpe (similar ao cometa e ao terremoto), afirma ele, deve ser tido como exceção. (Carl Schmitt tem muito a dizer sobre esse assunto.) Nele o político precisa ser visto "como o pai que cauteriza um membro do filho para salvar a sua vida". O golpe justifica-se ao abolir "privilégios, direitos, franquias, usufruídos por alguns governados em prejuízo da autoridade principesca".

Os golpes devem ser radicais como os "cirurgiões competentes que, ao abrir uma veia, tiram o sangue para limpar os corpos de seus humores nocivos". Segundo Naudé, eles precisam ser fulminantes e despercebidos. Não existe ação eficaz se os planos golpistas são publicados. Jamais ocorreu golpe sem a purga dos "membros apodrecidos": o golpe é intolerante e ignora "as pequenas formalidades da Justiça". O que produz a defesa dos golpes em maquiavélicos como Naudé? As guerras dinásticas e de religião na Europa. Mas o golpe, longe de sanar as guerras civis, as perpetua, levando-as ao plano internacional. Quem deseja o convívio político segue as "pequenas formalidades" jurídicas. Sem elas ninguém está seguro, nem mesmo os golpistas, pois os regimes não são eternos e o golpista de hoje é a vítima do golpe, amanhã.

A democracia exige simultaneidade irredutível das diferenças ideológicas, nela não existem inimigos, como propõe Carl Schmitt, somente adversários que merecem respeito e jamais ataques fratricidas. Qual o terreno fértil dos golpes? A desconfiança, a dissimulação, os ódios espalhados pelos golpistas que empesteiam e sufocam a vida política. Tais são os primeiros e últimos obstáculos a serem vencidos.

Cercando a teia da corrupção - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 29/04/12


Os dois maiores problemas brasileiros são a segurança pública e a corrupção. A percepção da população, apurada por pesquisas de opinião, ampara-se em fundamentos ligados à própria sobrevivência, no caso, fatores que abrigam os mecanismos de conservação do indivíduo: os impulsos combativo e alimentar. O primeiro explica que a vida do ser humano é uma luta permanente contra a morte, um combate ininterrupto contra os perigos. Daí a prioridade absoluta que deposita em propostas - meio, recursos, ações, política - para sua segurança. Já o segundo leva as pessoas a buscarem os insumos e as condições que lhes garantam bem-estar físico e espiritual para enfrentar os desafios. Nesse nicho entra a vertente da corrupção, percebida como o conjunto de desvios, contrafações e ilícitos que resultam na apropriação de recursos públicos destinados ao bem-estar da coletividade. Em outros termos, os cidadãos inferem que corruptos e corruptores surrupiam milhões de reais que lhes pertenceriam, o que diminui a possibilidade de contar com um bolso mais polpudo e, assim, garantir o estômago mais saciado. Sob essa compreensão, que se pode depreender da visão de Serge Tchakhotine (A Mistificação das Massas pela Propaganda Política), a sociedade vê com alegria a notícia de que o Brasil dá mais um passo na guerra contra a corrupção.

O motivo de esperança é a decisão da Comissão de Juristas do Senado que classifica como crime o enriquecimento ilícito de servidores públicos, sejam modestos funcionários, políticos, dirigentes de empresas e órgãos ou juízes. Trata-se de mais uma ferramenta a ser incorporada ao Código Penal, que já contempla larga faixa de crimes contra a administração pública, como peculato, extravio, sonegação, inutilização de documentos, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, corrupção passiva, facilitação de contrabando ou descaminho, prevaricação, condescendência criminosa, advocacia administrativa, exploração de prestígio, corrupção ativa e outros dispositivos versando sobre o leque da corrupção. Pela decisão a ser encaminhada à Mesa do Senado, ao Estado caberá provar que o servidor acumulou bens de forma ilegal, fato a ser investigado a partir da declaração de bens do agente público, que ele apresenta ao tomar posse e atualiza anualmente.

O fato é que, em meio a mais uma onda de denúncias de corrupção a serem apuradas no âmbito da CPI mista - agrupando, desta feita, tráfico de influência, fraude em licitações, formação de quadrilha, entre outros crimes -, o País continua a buscar as melhores formas para combater essa mazela, que é uma das mais corrosivas do tecido institucional. Basta lembrar que a soma alcançada pela corrupção é estimada em cerca de R$ 70 bilhões, correspondendo a mais de 2,5% do produto interno bruto. Fossem investidos em educação, veríamos um salto de quase 50% das matrículas do ensino fundamental, chegando a 52 milhões, o dobro de leitos em hospitais públicos, restritos a 370 mil, e a construção de cerca de 3 milhões de moradias. Há uma consciência generalizada de que a sensível diminuição do PNBC - o produto nacional bruto da corrupção - implicará efetiva expansão do índice global de felicidade coletiva, que se poderia constatar pelo alargamento das fronteiras assistidas por programas de saúde, educação, mobilidade urbana, segurança, moradias, saneamento básico.

A criação de mecanismos para combate direto às franjas da corrupção tem vital importância. Mas a estratégia da criminalização do enriquecimento ilícito poderá ser inócua ou não oferecer resultados satisfatórios se não abranger a bateria de causas que aciona a engrenagem de corruptos e corruptores. Vejamos como o pano de fundo que acolhe o alfabeto da corrupção é mal alinhavado. O Estado brasileiro abusa do poder discricionário. Nos corredores dos edifícios públicos montou-se gigantesca máquina burocrática - quase sempre focada no lema "criar dificuldades para obter facilidades" - na qual se avolumam restrições às atividades comerciais e produtivas, protecionismo e subsídios para uns e regras duras para outros, excesso de imposições de licenças de importação/exportação. Está mais do que provado que economias abertas e antidiscriminatórias limitam as maquinações de "grupos da propina". Ali a taxa de corrupção é menor.

A política salarial na administração pública também contribui para a expansão das teias corruptoras na medida em que estimula fontes alternativas de renda. Forma-se ambiente favorável à parceria de interesses de grupos privados e administradores da res publica. Abre-se uma janela para o ingresso de agentes da esfera política. E a competição política se torna acirrada, exigindo de candidatos "muita bala" para enfrentar os embates eleitorais. A "munição" costuma sair dos arsenais de empresas que prestam serviços às três instâncias: União, Estados e municípios.

A par desse feixe causal, espraia-se a cultura de impunidade, que se ancora na desigualdade de direitos. A lição de Anacaris, o sábio grego, vem à tona: "As leis são como teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas, os grandes rasgam-nas sem esforço". Portanto, a corrupção, cujos efeitos impactam o crescimento econômico, o desenvolvimento social, a competitividade empresarial, a legitimidade dos governos e a própria essência do Estado, é um cancro que precisa ser combatido de maneira sistêmica. Atacar seus efeitos, fechando os olhos para as causas, significa perpetuar o Brasil do eterno retorno.

Emerge, portanto, a equação das reformas em algumas frentes, a começar pela via administrativa com a implantação da meritocracia. Auditorias públicas com fiscais concursados, ao lado do TCU, se fazem necessárias para fazer varreduras constantes. A sociedade civil, por meio de entidades sérias, ajustaria o foco da lupa. Só assim a conduta ética e o padrão moral haveriam de semear a administração pública.

Uma proposta de estarrecer - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 29/04/12


Está em curso na Câmara dos Deputados uma tentativa de golpe contra o Judiciário. Na quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa acolheu por unanimidade um projeto de emenda constitucional que autoriza o Congresso a "sustar os atos normativos dos outros Poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa". A Constituição já lhe assegura esse direito em relação a atos do gênero praticados pelo Executivo.

A iniciativa invoca o artigo 49 da Carta que inclui, entre as atribuições exclusivas do Parlamento, a de "zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes". Poderia parecer, portanto, que a proposta pretende apenas afirmar a plenitude de uma prerrogativa legítima do Congresso, adequada ao princípio republicano do equilíbrio entre os Três Poderes, uma das bases do regime democrático. Antes fosse.

O alvo do projeto apresentado em fevereiro do ano passado pelo deputado Nazareno Fonteles, do PT piauiense, é o Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual compete se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis e a eventual infringência dos direitos constitucionais da pessoa. Alega o relator da proposta na CCJ, Nelson Marchezan, do PSDB gaúcho, que ela não alcança as decisões de natureza "estritamente jurisdicional" da Corte, mas o que ele considera a sua "atividade atípica".

O termo impróprio se refere às decisões judiciais que, por sua própria natureza, adquirem força de lei, como devem ser efetivamente aquelas que dirimem em última instância dúvidas sobre a constitucionalidade dos textos legais ou eliminam omissões que, ao persistir, representam uma distorção ou supressão de direitos. O Judiciário não ultrapassa as suas funções ao estabelecer novos marcos normativos, seja porque os existentes são inconstitucionais, seja para suprir lacunas resultantes da inoperância do Congresso.

De mais a mais, a Justiça não toma tais iniciativas, ou outras. Ela só se manifesta quando provocada por terceiros - no caso do Supremo, sob a forma de ações diretas de inconstitucionalidade e arguições de descumprimento de preceito fundamental. Fica claro assim que a emenda Nazareno carrega dois intentos. No geral, bloquear a vigência de normas que o estamento político possa considerar contrárias ao seus interesses, a exemplo de determinadas regras do jogo eleitoral.

No particular - e muito mais importante -, o que se quer é mudar decisões do STF coerentes com o caráter laico do Estado brasileiro. Em maio do ano passado, julgando ações impetradas pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, a Corte reconheceu a união estável de casais do mesmo sexo. Há duas semanas, diante de ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, autorizou o aborto de fetos anencéfalos.

À época da primeira decisão, as bancadas religiosas da Câmara, notadamente a Frente Parlamentar Evangélica, presidida pelo deputado João Campos, do PSDB goiano, não conseguiram incluir na pauta da CCJ o projeto de Nazareno. Agora, a pressão funcionou. Em tempo recorde, a proposta entrou na agenda, foi votada e aprovada. Tem um longo caminho pela frente: precisa passar por uma comissão especial e por dois turnos de votação na Câmara e no Senado, dependendo, a cada vez, do apoio de 3/5 dos parlamentares.

Mas a vitória na CCJ - uma desforra contra o Supremo - chama a atenção para a influência dos representantes políticos daqueles setores que gostariam que todos os brasileiros fossem submetidos a normas que espelhassem as suas crenças particulares, como nos países islâmicos regidos pelas leis da sharia, baseada no Corão. Não é uma peculiaridade brasileira. Pelo menos desde 1973, quando a Corte Suprema dos Estados Unidos legalizou o aborto, a direita religiosa do país deplora o seu "ativismo".

A diferença é que, ali, nenhum parlamentar, por mais fundamentalista que seja, ousaria propor a enormidade de dar ao Congresso o direito de invalidar uma decisão da mais alta instância do Judiciário. Seria um escândalo nacional.

Minha luta perdida - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 29/04/12


Comentada e desmistificada, 'Mein Kampf', a bíblia do nazismo, volta às livrarias da Alemanha 7 décadas após a última publicação



Ainda que Nicolas Sarkozy perca o segundo turno para François Hollande, o placar político na Europa continuará amplamente a favor do conservadorismo: 11 x 5, uma goleada. Dos 15 governos que caíram, nos últimos três anos, 11 (Espanha, Reino Unido, Portugal, Bulgária, Finlândia, Hungria, Irlanda, Letônia, Lituânia, Eslovênia e Holanda) ou eram de esquerda ou de centro-esquerda. A direita só sentiu o tranco da crise econômica na Grécia, Dinamarca, Eslováquia e Itália. Com a surpreendente performance eleitoral de Marine Le Pen no primeiro turno das eleições na França e o sarampão nacionalista-populista que contaminou até os políticos europeus mais arejados ideologicamente, a direitização da Europa deixou de ser uma ameaça hipotética.

Nessa moldura, que mais torta há de ficar se Mitt Romney, outro baluarte da austeridade recessiva, vencer Obama nas eleições de novembro, o anúncio de que Mein Kampf (Minha Luta) voltará às livrarias e escolas alemãs 67 anos depois de sua última publicação pareceu a muitos uma reconfortante coincidência, um sinal de que o fantasma de Adolf Hitler e suas ideias, nem sempre recicladas apenas pelos neonazistas, deverão ser doravante combatidos sem escamoteação.

A maturidade afinal prevaleceu. Censurar e banir a bíblia do nacional-socialismo sempre soou como uma incoerência, contra a qual até judeus diretamente atingidos pelo Holocausto se batiam. Além do mais, inútil. Para que proibir (e aguçar o interesse por) um texto que há tempos pode ser lido na internet, de graça e em várias línguas?

A solução encontrada foi a mesma há tempos sugerida por estudiosos e historiadores do nazismo: uma edição comentada, analisando a fundo a extensão do mal teorizado e propagado por Hitler, que só chegará às livrarias daqui a três anos, tão logo expirem os direitos autorais em poder do Estado da Baviera desde 1945. "Queremos desmascarar todo o conteúdo absurdo do livro", explicou em nota um de seus guardiões bávaros, "e tornar as futuras reedições comercialmente pouco atraentes."

Seu anúncio, na terça-feira, pode ter sido coincidência, mas abril, não custa lembrar, foi sempre um mês hitleriano. No dia 20 ele nasceu, no dia 30 morreu, e em 1º de abril de 1924 foi trancafiado na fortaleza de Landsberg, na Baviera, após o fracassado putsch na cervejaria de Munique. E foi ali que tudo começou.

Hitler concebeu sua magnum opus como um relato e um balanço de seus 35 anos de vida e seus 4 anos e meio de agitação política. As teclas de sua máquina de escrever ressoavam até altas horas, batidas pelo colega de prisão (e golpismo) Rudolf Hess. Nas tardes de sábado, Adolf lia os capítulos já concluídos para os companheiros de cativeiro, que, sentados a sua volta, como discípulos obedientes, ouviam embevecidos seu work in progress: um misto de biografia, tratado ideológico antissemita e manual prático de ação para tomada do poder e purificação da raça.

O editor do livro, Max Amann, que esperava um relato vivo e descrições espetaculares, decepcionou-se com o palavreado entediante e o tom bombástico do manuscrito. De cara, implicou com o título enxundioso cogitado pelo autor (Uma Luta de Quatro Anos e Meio Contra Mentiras, a Estupidez e a Covardia) e impôs o enxuto Mein Kampf. Hitler, receoso de que duvidassem de sua competência intelectual, empolou o texto com substantivos, verbos e adjetivos que fariam corar a Madame Natasha de Elio Gaspari.

Apesar do socorro de vários discípulos, muitas bobagens escaparam à vigilância do reverente copidesque. Joachim Fest, biógrafo do Führer, selecionou algumas; e uma das melhores é esta reflexão sobre a miséria: "Quem ainda não se viu preso entre as garras dessa víbora que o enlaça jamais saberá o que são seus dentes envenenados". Víboras com garras?

O primeiro volume foi editado em 1925, o segundo, escrito já fora das grades, saiu dois anos depois, também pela editora nazista Franz Eher Verlag, comandada por Amann. Para sacudir as vendas, muito abaixo do esperado, Amann sugeriu a Hitler que cometesse um novo livro, o que ele fez, em poucos dias, no verão de 1928. Conhecido como O Segundo Livro de Hitler, remoía a ladainha do anterior e só seria publicado em 1961, em Munique, e traduzido para o inglês em 2003.

Mein Kampf demorou oito anos para atrair a atenção de editores estrangeiros. Ou seja, precisou que o autor ascendesse a chanceler para entrar no mercado editorial internacional. Pouco menos de um ano após a inauguração do 3º Reich, a Itália fascista pôs à venda uma tradução com o selo da Bompiani, que pagou 20 vezes o valor em seguida oferecido pela britânica Hurst & Blackett, como uma forma de ajudar a cobrir os custos da campanha eleitoral do partido nazista.

Pressionada por Mussolini, que achava o livro ilegível e seu autor um ser patológico, mas prometera a Hess publicá-lo, a Bompiani contratou o melhor tradutor de alemão do país, Angelo Treves. Por ser judeu, Treves teve seu nome retirado da primeira edição de La Mia Battaglia.

Todos os lares do Reich possuíam o seu exemplar obrigatório, ainda mais obrigatório nas salas de aula do ensino básico. Era o presente de riguer em casamentos e formaturas. Ao contrário do Livro Vermelho de Mao, não era distribuído gratuitamente pelo Estado. O maior best seller de autoria individual do século passado não encheu só a burra do Führer, cujo exemplar pessoal, aliás, foi confiscado pelo general Patton e doado à Biblioteca Huntington, na Califórnia. Pois nem proibido, depois da guerra, em quase toda a Europa e também no Brasil durante a ditadura militar, deixou de ser vendido a mancheias.

A americana Houghton Mifflin vendia, até alguns atrás, cerca de 15 mil exemplares por ano. Questionada sobre a lisura de tal negócio, decidiu doar todo o lucro para instituições de caridade. Na Inglaterra, onde a Hutchinson detinha os direitos de tradução desde 1939,Mein Kampf teve, por uns tempos, a palavra "vile" (desprezível) e seu anagrama "evil" (mal) timbrados na capa. O resultado das vendas ia direto para uma instituição que até hoje, creio, cuida de refugiados judeus nascidos na Alemanha.

O livro que ajudou a matar 55 milhões de pessoas transformou-se, ironicamente, numa fonte de renda até para a Cruz Vermelha Internacional. Dos raros parentes de Hitler espalhados pelo mundo, somente o sobrinho-neto Alois e a mulher, Brigid, residentes em Long Island, ameaçaram reivindicar seu copyright. "É dinheiro sujo, não quero", rejeitou uma sobrinha-neta, sintetizando o desejo da maioria. Todos os citados já morreram. A partir de 2015, Mein Kampf não será mais de nenhum Hitler. O testamento do homem que quis dominar o mundo cairá, sem trocadilho, em domínio público.

Sobrevivendo no inferno - CAETANO VELOSO


O GLOBO - 29/04/12
Por que a Nike lançou uma linha de tênis e camisetas com o nome de Mano Brown sem tomar a precaução de fazer um contrato com ele? Os produtos WFC Mano Brown estiveram, até faz pouco tempo, à venda em lojas da marca por todo o mundo e também na internet. A resposta é que a Nike não teme nenhumas consequências que possivelmente adviriam de um ato assim. Parece que, sobretudo num país como o Brasil, as grandes corporações agem como se não estivessem ligando muito para os direitos de indivíduos mais fracos do que elas. Digo sobretudo no Brasil porque me contam que aqui as indenizações são, por lei, calculadas a partir do poder aquisitivo de quem as recebe. Ou seja, a vítima de um uso abusivo de seu nome ou imagem será compensada de acordo com o lugar na pirâmide social que ela já ocupa: terá direito a muito se for rico; se for pobre ou remediado, terá direito a muito pouco ou a simplesmente pouco. Sendo assim, qual a empresa que fará cálculos levando em consideração a honra e a dignidade de quem quer que seja?
Mano Brown é uma referência para moradores de favelas por todo o Brasil; para músicos inteirados do que se passa na cultura popular contemporânea; para adolescentes de todas as classes sociais; para aspirantes a poetas. Chico Buarque já citou mais de uma vez o rap (ou o hip-hop em geral) como a verdadeira música de protesto do nosso tempo: não é feita por universitários bem nutridos que se comovem com o sofrimento dos excluídos, mas pelas próprias vítimas da exclusão. Os Racionais MCs, grupo de que Mano Brown é líder, representam o ápice da cultura hip-hop entre nós.

Nascido da importação de formas musicais jamaicanas por músicos do Bronx, em Nova York - não sem a referência da música eletrônica alemã do Kraftwerk, da disco music, da capoeira, dos discípulos de Marcel Marceau e dos filmes de Bruce Lee -, o hip-hop, disparado por Clive Campbell (Kool Herc) e Afrika Bambaataa, vem sendo, desde que se tornou amplamente conhecido, a partir do início dos anos 1980, a expressão mais acabada de uma mistura de nacionalismo negro com direito à visibilidade das camadas desfavorecidas. Como tal, nenhuma outra forma de arte popular ou de massas se lhe pode comparar em força internacional, superadora do modelo de distribuição que tem os Estados Unidos como centro gerador. Ainda é a vontade feladaputa de ser americano que (como, modéstia à parte, sinteticamente eu disse numa canção de homenagem a Raul Seixas) atrai jovens do mundo todo para o hip-hop, como já o fizera com o blues, o jazz, a canção da Broadway e o rock. Mas nenhum desses gêneros tinha no seu DNA (que quando eu era estudante ainda se chamava ADN) a impressão digital de criadores vindos de fora dos EUA. A Jamaica de onde veio, na memória de Campbell, a colagem de falas ao vivo com ritmos gravados, contribuiu no nascedouro, não com uma tradição primitiva a ser utilizada por americanos sofisticados, mas com uma nova formulação de elementos expressivos. Há um livro excelente sobre o assunto: "Infectious rhythm", de Barbara Browning. Assim, a ênfase no nacionalismo negro sobre o brasileiro - e a autodefinição de classe por sobre a de região ou nacionalidade - se dá de forma mais legitimada do que nunca. O álbum "Sobrevivendo no inferno", dos Racionais, é a obra-prima dessa experiência entre nós.

É por sua autenticidade e força poética que esse disco se coloca no centro do coração de tantos adolescentes desde que foi lançado, perto do final da década de 1990. De minha parte, como ponho, por programa, o sonho do Brasil acima de todos os outros elementos de todas as outras dialéticas, adivinho nesse apego das sucessivas gerações de garotada pelo rap uma vivência inconsciente da talvez principal missão do nosso país: salvar a África. Não apenas o maior dos continentes e o lugar de origem da raça humana, mas também todo o grande sentido da sofrida diáspora de seus primitivos habitantes na violência da maré montante do Ocidente e do Cristianismo. Então é com reverência que olho para Pedro Paulo Soares Pereira, Mano Brown e seus amigos que, como ele, tomaram apelidos tirados da língua inglesa: Edy Rock, Ice Blue e KL Jay.

Eles nos têm ensinado a sobreviver no inferno. Brown não pode ser submetido aos caprichos ditados pelo lucro de uma grande marca. Quem desce aos infernos está mais apto a ressurgir dos mortos e subir aos céus - e sentar-se à mão direita de Deus Pai.

A cultura hip-hop, como não podia deixar de ser, contaminou-se da ética das gangues, do mandonismo dos traficantes, da adoração à afirmação capitalista de automóveis, bebidas caras e roupas de grife: o gangsta rap americano (que não deixou de ser relevante esteticamente por isso) está cheio de exemplos. Mas isso são cores do complexo fenômeno. Em seu sentido mais abrangente e mais profundo, o hip-hop é a exibição de força dos que começam a construir a onda ascendente que há de mudar o mundo. Suas versões brasileiras são particularmente dignas. Mano Brown é o rei e o profeta. Não pode ser lançado ao desrespeito. Se ele não fez contrato com a Nike para dar seu nome a produtos dela - e não fez -, a Nike deve, cedo ou tarde, saber que tem que pagar caro pela desatenção. O que mais assombra nas euforias capitalistas é o irrealismo. O grupo de pessoas que decide passar a perna em alguém grande como Brown pensa que representa a esperteza. Na verdade, representa o delírio, o engano, a falha total.

Código: um veto de minoria - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 29/04/12



Votado duas vezes na Câmara e uma no Senado, o Código Florestal aprovado quarta-feira em sua versão final, encerra um raro episódio de reafirmação da vontade de uma ampla maioria congressual suprapartidária, refratária a todas as pressões para revisão de suas posições. Senão inédito, registra um momento singular, especialmente se considerada a amplitude de uma base aliada mais das vezes submissa ao governo.

Tal cenário responde pela cautela e "sangue-frio" que orientarão a presidente Dilma Rousseff ao avaliar a pressão da minoria vencida, pelo veto integral ao projeto, segundo o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Na verdade, a circunstância descrita acima deveria levar a reflexão mais apurada sobre a conveniência até de vetos parciais que possam significar mudança de mérito naquilo que mereceu tão ampla e reiterada aprovação parlamentar.

Aos ambientalistas veto parcial não satisfaz, conforme afirma a ex-ministra Marina Silva. Por isso, antes da votação definitiva, com a antevisão da derrota, iniciaram uma campanha, de irrecusável leitura autoritária, para obter, pelo constrangimento, o veto presidencial.

Marina Silva reflete o ranço autoritário de correntes ambientalistas que jamais quiseram acordo, mas a imposição de suas ideias. O discurso ambientalista segue a clássica frase de Carlos Lacerda ao combater a candidatura de Juscelino: "Ele não será candidato; se for, não vencerá as eleições; se vencer, não tomará posse; se tomar posse não governará".

Não obstante, Juscelino foi candidato vitorioso e cumpriu o mandato.

Cachoeira tinha escolta da PM

Antes de ser preso na Operação Monte Carlo, Carlos Cachoeira servia-se de agentes da polícia militar para sua segurança pessoal. Num dos grampos da Polícia Federal, ele avisa que vai passar a noite "na casa do Adão" em Anápolis (GO) e pede a Ananias, um ex-policial com influência na PM goiana, um reforço de segurança. Cerca de 40 minutos depois, Ananias avisa a ele que a viatura já está lá, na porta da residência. Noutro áudio, um integrante da quadrilha reclama que tem apenas R$ 1,6 mil para dividir entre 20 policiais. "Eu ando fazendo milagre, vão pegar aqui 40 conto pra cada", lamenta.

Carta na manga

O líder da maioria no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), adiou a indicação dos quatro suplentes do bloco do PMDB na CPI. A estratégia é indicar a si próprio ou um nome de sua confiança, como Romero Jucá (RR), para votações estratégicas ou depoimentos decisivos. O líder pode substituir integrantes da comissão a qualquer momento.

O efeito Pagot

Dificilmente o governo conseguirá impedir a convocação do ex-diretor do Dnit Luiz Antônio Pagot - que se desfiliou do PR - para depor na CPI. O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) já apresentou requerimento nesse sentido. O governo teme a verborragia de Pagot, que já deu entrevistas acusando assessores do Planalto de tramarem sua saída do cargo. Ele alega que enquanto esteve no comando do órgão, manteve a Delta afastada das obras do governo.

Entrementes...
Em clima de CPI, a ministra Ideli Salvatti deve depor dia 9 na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, que aprovou sua convocação para explicar a compra de lanchas-patrulha pelo Ministério da Pesca por empresa que doou R$ 150 mil à sua campanha em Santa Catarina.

Vai longe - SONIA RACY


O ESTADÃO - 29/04/12

O cenário é o STF. De um lado, Tribunal de Justiça de SP e Marcelo Gatti Reis Lobo, advogado defensor do pagamento de precatórios; do outro, CNJ e Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

A questão? O TJ não concorda em descontar, do dinheiro destinado aos credores, parcela previdenciária de 11% – que seria de responsabilidade dos devedores.

Caras-novas

A SP-Arte inova. Apresenta o Prêmio illy SustainArt Brasil, que dará R$ 20 mil a um artista nacional de até 35 anos – a ser escolhido pelo trio Luisa Duarte, Têra Queiroze Carlo Bach, diretor artístico da illy.

Carlo vem da Itália especialmente para a entrega do prêmio, dia 11 de maio.

Lei Seca

Chick Corea, pianista americano que virá para o BMW Jazz Festival, em junho, avisou à produção: não permitirá bebida alcoólica nos camarins e bastidores de seu show.

Depois de 16 anos trabalhando em diversas áreas de cinema, Isabel Diegues trocou os filmes pelos livros. Tendo sempre nutrido interesse por literatura, aceitou convite para trabalhar na Editora Cobogó, da qual hoje é sócia. Responsável pela edição de arte, a filha de Nara Leão e Cacá Diegues cuida de publicações que discutem temas como a arte contemporânea brasileira. “Esse trabalho tem tudo a ver com a minha história. Porque é interdisciplinar. Tenho interesses múltiplos”, conta Isabel. Volta ao cinema? Por enquanto, não.

Responsabilidade Social

O Vitra, residencial de luxo da JHSF, ganhou o selo Aqua, da Fundação Vanzolini. O empreendimento foi projetado para reduzir impactos ambientais. A diminuição no custo de energia chega a 40%; e o consumo de água é 20% menor.

Bia Figueiredo faz pit-stop na Casa de Cultura e Cidadania de São Paulo, neste final de semana. Antes de encarar os desafios da Indy 300, vai doar 300 livros à biblioteca da instituição.

A Unibes é a beneficiada da vez do bazar do Marché Jardim Leopoldina. Ficará com parte da renda da venda especial, que acontece entre os dias 2 e 4 de maio.

Jovens formados na Oi Kabum! Escola de Arte & Tecnologia, no Rio, estão realizando pesquisa iconográfica sobre a favela da Rocinha. Para mostra interativa no 14º Festival de Cinema Brasileiro, a ser realizado em Paris, entre 9 e 22 de maio.

Termina hoje o Bazar do Bem Possível, no Esporte Clube Pinheiros – cujo objetivo principal é promover o trabalho de ONGs da Grande São Paulo. Toda a renda será revertida às instituições participantes. Entrada gratuita.

O chef Alberto Landgraf participou, esta semana, do projeto Buscapé, desenvolvido por seu colega de caçarolas Eudes Assis. Missão? Ensinar gastronomia a crianças carentes de Boiçucanga, no litoral norte de São Paulo – e prepará-los para o mercado de trabalho.

Eduardo e Beatriz Mera assinam o jardim 100% sustentável de Gisele Bündchen na Casa Cor deste ano.

Um caminho tortuoso - MARCELO GLEISER


FOLHA DE SP - 29/04/12


Apresentar a ciência como um triunfalismo infalível da civilização esconde o drama da descoberta
Do jeito que a ciência é ensinada nas escolas, não é à toa que a maioria das pessoas acha que o conhecimento científico cresce linearmente, sempre se acumulando.
No entanto, uma rápida olhada na história da ciência permite ver que não é bem assim: o caminho que leva ao conhecimento é tortuoso e, às vezes, vai até para trás, quando uma ideia errada persiste por mais tempo do que deveria.
Isso pode ocorrer por razões como censura política (veja o caso de Trofim Lysenko durante o regime stalinista na União Soviética) ou por ideologias na classe científica, promulgadas por membros influentes.
Apresentar a ciência nas escolas e universidades ou nos meios informais de comunicação como um triunfalismo infalível da civilização esconde um de seus lados mais interessantes: o drama da descoberta, as incertezas da criatividade.
Cientistas tendem a reagir negativamente às ideias que ameaçam o status quo. Por um lado, esse ceticismo é essencial, dado que a maioria das ideias novas está errada. Por outro, ele pode revelar um conservadorismo que atravanca o avanço do conhecimento.
Um bom exemplo disso é o experimento de Albert Michelson e Edward Morley, realizado em 1887 para detectar o movimento da Terra através do éter, o meio material cuja função era servir de suporte para a propagação das ondas de luz.
Tal qual as ondas de som se propagam no ar, supunha-se que as ondas luminosas também necessitassem de um meio para se propagar, o éter. O experimento mediria as diferenças na velocidade da luz quando um raio luminoso ia contra o éter ou a favor, como quando andamos de bicicleta e sentimos um "vento" contra nosso corpo. (Uma bola jogada contra ou a favor do "vento" terá velocidades diferentes.)
Para total e completa surpresa da comunidade científica, o experimento não detectou diferenças na velocidade da luz em qualquer direção.
Em meio à perplexidade generalizada, várias tentativas de explicar o achado foram propostas, inclusive uma por George Fitzgerald e Hendrik Lorentz que sugeria que as hastes do aparato podiam encolher na direção do movimento. Esse encolhimento de fato existe, mas não como proposto pelos dois.
Apenas em 1905 Einstein explicou o que estava acontecendo, com sua teoria da relatividade especial: o éter não existe -a velocidade da luz é sempre a mesma, uma constante da natureza.
Observações recentes andam questionando a existência de um outro meio material ainda não detectado, a matéria escura. Essa matéria, supostamente feita de partículas diferentes das que compõem o que conhecemos no Universo (ou seja, coisas feitas de elétrons, prótons e nêutrons), deve ser seis vezes mais abundante que a matéria comum e se aglomerar em torno de galáxias, inclusive a nossa.
As observações não detectaram a quantidade esperada de matéria escura. E agora? A coisa é complicada porque existem outros métodos de detecção da matéria escura que parecem bastante claros. Qualquer que seja a resolução do impasse atual, estou certo de que algo de novo e surpreendente está para acontecer. Será interessante ver a reação da comunidade ao se deparar com o inesperado.

Procrastinadores - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 29/04/12


SÃO PAULO - Faltam menos de 48 horas para a entrega da declaração do IR e milhões de brasileiros não cumpriram com suas obrigações. O nome disso é procrastinação, e ela está bem fundada em nossa psicologia. O cérebro tem horror a tarefas chatas e faz de tudo para evitá-las.
O problema é que o que é bom para o cérebro nem sempre é bom para nós. Atrasar a entrega do IR gera multa; adiar a dieta e os exercícios pode ser a antessala do infarto. Sabemos lidar com essas questões?
Um experimento conduzido por Dan Ariely sugere que não. Ele escolheu três de suas turmas no MIT e combinou diferentes regimes para a entrega dos três trabalhos exigidos. Na primeira, cada aluno definiria sozinho as datas e perderia pontos no caso de atrasar. Na segunda, Ariely estabeleceu que os três ªpapersº deveriam ser entregues até o último dia de aula. Na terceira, agiu ditatorialmente: determinou datas escalonadas para cada um dos textos.
Os alunos da terceira classe, embora reclamando do autoritarismo, conseguiram as melhores notas. Os da segunda, que tiveram toda a liberdade, se saíram pior. Como era previsível, deixaram tudo para a última hora, o que resultou em peças mal escritas e com pouca pesquisa.
Os estudantes da primeira turma não foram, na média, tão bem quanto os da terceira, mas o incentivo à autodisciplina funcionou. Quem espaçou mais as datas de entrega teve notas comparáveis às da classe submetida à tirania. Ocorre, contudo, que a decisão mais racional para essa classe, a que maximizava as oportunidades, era fixar a entrega dos três textos para a última ocasião possível.
Esse é o dilema que fratura hoje a economia. Os modelos clássicos pressupõem agentes plenamente racionais que não existem no mundo real. É aí que entra a nova economia comportamental, da qual Ariely é um representante. A ideia aqui é incorporar à teoria as imperfeições e vieses que marcam a condição humana.

Os expulsos - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 29/04/12


“Entre o eu e a vida abriu-se um hiato, que faz daquela não mais a sua vida, mas um território onde ele não consegue penetrar e se inserir, um lugar estranho que não lhe pertence e ao qual não se sente pertencer, uma contínua fuga de algo que nunca possuiu e que portanto não é seu, mas do qual sente nostalgia como se o tivesse perdido”

(prólogo do livro Niels Lyhne, do escandinavo Jens Peter Jacobsen, publicado em 1880)

É uma sensação esquisita. É Está tudo bem, nada de grave aconteceu, mas você não está legal. Não aguenta mais o trânsito, palco das maiores grosserias, e o que é pior: flagra a si mesmo praguejando na hora do rush, quando sabe que é preciso ter paciência e sair mais cedo de casa, pois os trajetos estão tomando mais tempo.

Está todo mundo nervoso por razões que não necessariamente o fato de você ter cruzado à frente – você que também vive numa pressa danada. Ainda assim, mesmo com toda a compreensão sobre o assunto, que desânimo.

Lê nos jornais que o metrô está longe de sair do papel e suspira. Tampouco se sente seguro para andar de bicicleta em meio ao caos urbano. E não se atreve a dizer em voz alta (é politicamente incorreto), mas até os pedestres estão abusando da soberania que possuem.

Atiram-se na frente dos carros, longe das faixas, com a empáfia de donos da lei, como se não houvesse leis para eles também.Você já não suporta dar e ouvir tanta opinião, e se choca com os desaforos anônimos que inundam as redes sociais.

Quanto mais se enaltece o bom humor, mais aumenta o número de pobres de espírito , pessoas com uma nuvem negra sobre a cabeça, inquisidores a apontar falhas, criticar, debochar. Todos se julgam aptos a dar lições quase não há mais humildade em aprender. Você sabe que não é melhor do que ninguém, porém gostaria de ser melhor doq eu você esmo, mas como?

São tantos avanços tecnológicos, atualizações de vocabulário, acontecimentos, modismos, tendências, como absorver? O dia de ontem torna-se obsoleto a cada nascer do sol, e essa renovação constante não lhe excita, ao contrário, dá preguiça. Você queria mesmo era se refugiar numa casa de campo ao melhor estilo Zé Rodrix, com seus amigos, seus discos, seus livros e nada mais.

Mas você não faz o tipo ermitão a quem bastaria uma hora para sobreviver. Você gosta de ir ao cinema, viajar, conversar, ainda tem curiosidade sobre o mundo. Só que curiosidade moderada não é suficiente. Não basta ter um interesse médio. É preciso acompanhar tudo. Já nem tento. Será assim mesmo que a velhice anuncia que está chegando?

Preferia pensar que é a sabedoria batendo à porta. Não precisar de tanta gente em volta (“Não sofrer de solidão, e sim de multidão” – Nietzsche), não se cobrar modernidade não se envergonhar de usar ferramentas antigas. Mas nada disso é sábio, dizem os outros. É desistência. Talvez você se sinta como eu. Prestes a ser expulsa da própria vida.

Catastrofismo - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 29/04/12


Lembra o bug do milênio? Era apenas uma das catástrofes que nos esperavam no começo do século 21, quando muita gente se convenceu de que o mundo ia acabar. Não aconteceu nada do previsto, o que não impediu a volta do catastrofismo. Agora estão dizendo que 2012 será o último ano da Terra. Estaria no calendário dos Maias, que viram nosso destino nas estrelas.

A aproximação do milênio, que levou tantos ao desespero ou ao misticismo, me levou a ler sobre o tempo e sua história, o que não deixou de ser uma forma organizada de pânico. O resultado é que estou pronto para voltar ao assunto, nem que seja para não desperdiçar a erudição acumulada.

Desde que começou a fazer calendários, o homem precisou sincronizar os ciclos lunares com os anos solares e organizar o resultado num método razoavelmente uniforme de medir o tempo. O tempo natural e o tempo padronizado nunca coincidiam, os números nunca fechavam. A solução era abandonar qualquer pretensão a um calendário fixo e simétrico e tirar ou botar dias arbitrariamente, para diminuir os desencontros entre o tempo real e sua aferição humana.

Muitas fórmulas foram tentadas, mas no ano 150 A.C. os romanos inventaram um mês de 22 ou 23 dias, chamado Mercedonius, que deveria ser inserido depois do dia 23 de fevereiro em anos intercalados – ou sempre que fosse preciso. No velho calendário romano, 23 de fevereiro era último dia do ano e dia do Festival da Terminalia, quando se faziam sacrifícios a Terminus, deus dos limites.

Quem determinava se era preciso ou não acrescentar o Mercedonius no calendário e tornar o ano um mês mais longo eram os pontífices, os romanos encarregados de administrar os cultos do estado. E passou a ser comum os pontífices só alongarem os anos em que seus amigos estavam no poder.

Com um ou mais Mercedonius, estendiam o mandato de seus preferidos sem necessidade de emendas de reeleição ou compra de votos. O que só mostra como é antigo o hábito do patriciado de proteger os seus. Quem acabou com o costume foi, surpreendentemente, Cesar, quando fez suas própria reforma do calendário romano. Mas o Cesar daquele tempo era Julio, o original.

Tudo isto para mostrar como é complicado saber ou prever qualquer coisa baseada em calendários e na disposição dos astros já que tanto os calendários quanto os mapa astrais foram arbitrariamente modificados, pelo homem, através da história.

Mas se a humanidade ainda não absorveu bem o que a teoria heliocêntrica de Copérnico significou para a astrologia, não será o simples bom senso que irá acalmá-la.

Bater em Dilma - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 29/04/12

O PSDB decidiu que vai usar as eleições municipais, nos grandes centros urbanos, para apresentar novas propostas e criticar o governo Dilma em três áreas. Os tucanos vão atacar a omissão do governo na área de segurança pública, a falta de ação para deter a desindustrialização e a ausência de uma proposta para enfrentar o financiamento da saúde pública do país, tendo como pano de fundo os problemas no atendimento ao cidadão.

O mensalão e as eleições municipais 

Mesmo começando em maio, como o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, gostaria, é possível que o julgamento do mensalão se arraste por toda a campanha eleitoral. Além dos pedidos de vista para que os ministros estudem detalhadamente o processo, há o risco de dois deles serem substituídos ao longo do julgamento. Cezar Peluso se aposenta compulsoriamente em setembro, e Ayres Britto, em novembro. A presidente Dilma poderá ter que escolher novos ministros durante o julgamento. Se isso ocorrer, o processo se arrastará ainda mais porque os novatos poderão pedir tempo para se familiarizar com os autos.

"O Conselho de Ética está funcionando, e a CPI está criada, estamos vivendo talvez o fim da impunidade” — Pedro Simon, senador (PMDB-RS)

IRRITAÇÃO. Os partidos PP e PMDB, que tinham cargos na diretoria da Petrobras, não gostaram de a presidente Dilma ter colocado em sua cota pessoal a escolha dos novos diretores. Mas estão conformados. Um dirigente aliado comentou que “em política quem tem 80% de ótimo e bom nas pesquisas faz o que quer, embora não devesse fazê-lo”. Os aliados resmungam que um dia, em tempos bicudos, a presidente poderá precisar deles.

Pouca prática

Na quarta-feira passada, o candidato do PT a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, viajou até Brasília. Na poltrona 20 do avião, não cumprimentou os passageiros nem senhoras que comentavam que o conheciam de algum lugar.

Exultante

A votação unânime a favor das cotas pelo STF deixou o ex-presidente Lula exultante. Segundo o deputado Edson Santos (PT-RJ), o único voto que surpreendeu Lula, por suas posições críticas ao método, foi o do ministro Gilmar Mendes.

O senador insinuante

No dia 18 de agosto de 2011, Demóstenes telefona pela manhã para o contraventor Carlos Cachoeira: “Vamos transferir o nosso jantar para amanhã porque hoje é aniversário aqui da mulher do Gilmar (Mendes)... e convidou a gente pra festa”, referindo-se a ele e à sua mulher, Flávia. E prosseguiu: “Desculpa aí, mas é que tem que fazer esse relacionamento aqui, que é bom pra gente, né?” Ao que Cachoeira responde: “Excelente.”

Do time

Em maio de 2011, quando o ex-senador Marcelo Miranda (PMDB-TO) ainda tinha esperança de assumir novo mandato, Cachoeira lhe deu os parabéns, e Miranda, barrado pela Lei da Ficha Limpa, respondeu: “Pode contar comigo.”

Fofoca

Cachoeira para Demóstenes: “Iam prender aquele Colbert (Martins, ex-deputado)... deram voz de prisão foi pro Paulo Bernardo dentro de Congonhas.” Ao que Demóstenes responde, rindo: “Deve ter se cagado todo, hein!”

EXPULSÃO: Importantes lideranças do PSDB querem que a executiva nacional se reúna nesta semana para ouvir e expulsar o deputado Carlos Leréia (PSDB-GO).

NO DIVÃ: Deputados tucanos reclamam que falta articulação política entre as bancadas na Câmara e no Senado e a direção do PSDB.

MARCADA para o Teatro João Caetano, em 4 de maio, a solenidade na qual o ex-presidente Lula receberá título honoris causa de todas as universidades públicas do Rio de Janeiro. 

Um centenário - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 29/04/12


RIO DE JANEIRO - Cientista político, sociólogo de fama, palestrante disputado pelas faculdades, professor emérito de duas universidades, Ph.D em história e economia, somente ele poderia ser convidado para falar sobre Nelson Rodrigues, cujo centenário estamos comemorando.

Com sua potente voz, sua pronúncia maravilhosa de qualquer idioma asiático, assumiu a tribuna e começou:"Serei breve. Nelson Falcão Rodrigues nasceu em 1912, dez anos antes da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido Comunista Brasileiro.

Dois anos depois, o estudante Gravilo Princip mataria a tiros o arquiduque da Áustria, em Sarajevo, provocando uma guerra mundial que só terminaria quatro anos depois, gerando o Tratado de Versalhes, que irritou a Alemanha com o peso das indenizações que criaria os elementos principais para o surgimento do nazismo, com suas atrocidades que culminariam no Holocausto do povo judeu.

Foi também o ano do naufrágio do Titanic, que levou para os abismos do Atlântico Norte centenas de vítimas que confiavam no navio mais seguro produzido pela tecnologia da época. Dezoito anos após, tivemos a Revolução de 30, que desalojou do poder a Velha República.

Nem se passaram dois anos e tivemos a revolução paulista, que exigia uma Constituição, a qual, cinco anos mais tarde, seria rasgada por um ditador que criaria um Estado Novo, que só acabaria em 1945,

com o fim de mais uma guerra mundial, marcada pelo início da era nuclear, com a explosão da bomba atômica em Hiroshima.

Foi neste contexto histórico, núcleo inamovível do século 20, o século da penicilina, do assassinato de Kennedy, do Concílio Vaticano 2º e da bossa nova, que nasceu o nosso homenageado de hoje".

Palmas. O orador é efusivamente cumprimentado.

Entendendo o outro - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 29/04/12


Nada melhor do que não ter nenhuma responsabilidade pessoal e ter a quem culpar por tudo que ocorre de ruim


Depois que a psicanálise ficou ao alcance de todos, os filhos deitaram e rolaram nos divãs para falar mal do pai e da mãe; sempre com razão, aliás, e sem o menor resultado, aliás também.

Quem são os culpados dos sucessivos casamentos que não deram certo? Os pais, é claro. Ou porque não tiveram a coragem de se separar, mesmo vivendo mal, ou porque se separaram, o que pode ter sido visto como modelo a ser seguido.

Se a mãe foi uma mulher resignada, dominada pelo marido, que não lutou por sua independência nem procurou o seu caminho, a filha pode se tornar uma adulta igual ou virar o oposto: uma vadia que troca de homem como se troca de camisa.

Se essas filhas tiveram um pai que era um marido exemplar, podem passar a vida perseguindo a imagem paterna ou, ao contrário, um grande cafajeste, para serem diferentes da mãe. Culpa de quem? Nem é preciso dizer.

Já se o pai foi um derrotado que passou a vida infeliz no mesmo emprego medíocre para dar segurança à família, os filhos podem no futuro ser ou exatamente iguais ou fazer qualquer coisa para ganhar um dinheiro fácil, e terminar até na cadeia. Em qualquer dos casos a culpa foi, é e será, sempre, dos pais.

Já virou clichê o filho que passa a vida se lamuriando porque a mãe não contava histórias na hora de dormir, e cujo pai nunca perguntava pelas notas do colégio quando chegava do trabalho, e ai daqueles que saíam para uma festa quando os filhos tinham uma febrinha.

Esses passam a vida sofrendo, e sem razão, pois nada melhor do que não ter nenhuma responsabilidade pessoal e ter a quem culpar por tudo que acontece de ruim. Mas nunca nenhum deles parou para pensar como foi a vida desses pais quando crianças. Como foi a infância deles? Feliz, traumática, triste, infeliz? Terão eles recebido carinho dos seus próprios pais? Os analistas não costumam abordar o assunto.

Houve um tempo -algumas gerações atrás- em que as crianças, quando faziam uma coisa errada, apanhavam. Quando pequenas levavam palmadas; já maiores, surra de cinto. Hoje, ai dos pais que perdem a cabeça e cobram boas notas do colégio ou levantam a voz.

O caminho é só um: arranjar um psicólogo que as crianças frequentarão três vezes por semana, além da reunião de família semanal, com o pai, a mãe, a atual mulher do pai e o atual marido da mãe. Reuniões desse tipo não costumam acabar bem, claro.

As crianças modernas não estão interessadas em entender as razões que levaram suas mães e seus pais a serem menos amorosos ou carinhosos; elas nunca pensaram que a mãe, com 30 anos, mesmo adorando os filhos, às vezes sufocava quando via um homem atraente, e que quando assistia a um filme romântico voltava para casa querendo mandar tudo para o espaço e ir para algum lugar no mundo onde encontrasse um homem que a olhasse como uma mulher ainda desejada.

Essa mãe não conseguia nem ao menos entender o que se passava dentro dela; ficava tudo muito confuso, e naqueles tempos não havia analistas para explicar o que estava acontecendo (e se já existissem e explicassem, também não resolveria). E qual o pai que um dia, mesmo amando apaixonadamente seus filhos, não pensou que talvez ainda fosse muito jovem para tantas responsabilidades, e que teria sido melhor se tivesse se casado um pouco mais tarde?

Ninguém quer compreender as razões do outro, e ninguém está interessado em saber se seus pais tiveram, dos seus pais e mães, o que gostariam de ter tido.

Porque os pais e mães de nossos pais e mães também tiveram as suas razões, e o mundo foi, é e será assim para todo o sempre -e amém.

Reflexão dominical - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 29/04/12


Domingo não devia ser dia de pensar ou fazer besteira, pois é o dia do Senhor. Não tem nada de ficar olhando disfarçadamente a cunhada de shortinho, dar beijinhos furtivos de canto de boca em quem topar, nem encher a cara e cantar a mulher do dono da casa enquanto ele cuida do churrasco. Nem tem nada de mostrar, fingindo que não nota, os peitos aos presentes, ou dar um apertãozinho mais caprichado no braço do marido da amiga, na hora em que se apoia nele para mudar de lugar. Muito menos essa sem-vergonhice, ainda vigorosamente praticada em todo o Brasil, de roçar joelhos e coxas por baixo da mesa, para no dia seguinte ou não se lembrar de nada ou cair numa ressaca moral devastadora. Devíamos todos estar meditando sobre a vida e o aperfeiçoamento espiritual, já que nos afastamos um pouco das refregas de todo dia.

Mas não estamos, a verdade é essa, embora eu devesse cumprir a praxe e mencionar a existência de exceções. Claro que há exceções, em quase tudo há exceções. Lembro agora a frase de Pittigrilli escritor na época considerado muito picante, hoje esquecido e provavelmente tedioso para uma adolescente de 15 anos, na abertura de um texto que cito de memória: "As únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor." Podíamos combinar algo assim. Todo mundo faz besteira no domingo, mas nós não e, principalmente, nossas mãezinhas. E as santas esposas de todos também, naturalmente.

E se, no afã de não melindrar ninguém, formos adiante, acabaremos achando tantas exceções que ninguém mais se enquadrará na regra. Concluímos assim que ninguém faz besteira no domingo, nem em dia nenhum, pensando bem. Ou melhor dizendo, quem faz besteira são os outros. Há não muito tempo, falei aqui sobre isto, a mania, ou vício, ou neurose coletiva que nós, brasileiros, temos de atribuir tudo o que de mal ou inconveniente nos atinge é culpa "deles". Ninguém sabe direito quem são eles. É o governo, são os políticos, são os ignorantes, os bandidos e assim por diante. Mas nós não temos responsabilidade nisso, é com "eles" ou "os homens".

Domingo, dia também de jornal grosso, dia de revistas semanais, vejo-me aqui entontecido e incapaz de raciocinar, em meio ao turbilhão de notícias sobre corrupção, ladroagem e bandidagem. Não são somente as de hoje, são as que vêm chegando há tanto tempo que já perdi a conta. Duvido que alguém consiga fazer um levantamento das gatunagens, maracutaias, furtos, desvios, roubos e todo tipo de falcatrua envolvendo, direta ou indiretamente, algum órgão público ou poder da República. Somente uma equipe diligente e bem treinada talvez conseguisse fazer uma base de dados razoável, mas, ainda assim, acho que sempre seria uma tarefa incompleta, pois muita coisa se apura e se guarda em segredo, outras coisas se abafam, outras são meramente ignoradas, outras passam por cima da lei, num panorama a que estamos acostumados desde que nascemos.

Façamos uma abstraçãozinha e imaginemos uma hipótese. Se o povo brasileiro de hoje por acaso desaparecesse, como desapareceram civilizações da antiguidade oriental, e alguns vestígios fossem descobertos? Decifrada a escrita, o que se formaria seria o retrato de uma sociedade corrupta de cima abaixo, governada despoticamente e insensível a valores morais. Não veriam "eles", veriam nós. Descreveriam uma curiosa coletividade, oficialmente regida por leis escritas, mas, na verdade, leis consuetudinárias, ou seja, baseadas no costume. Essa conversa de lei escrita é enrolação para constar, o que vale mesmo é o costume. Tanto assim que há leis que não pegam e leis que não despegam, há até artigos da Constituição que o costume manda não observar. E não adianta a lei escrita punir os corruptos, porque a maioria não vai ser mesmo, não é o que manda o nosso soberano direito consuetudinário.

E, verdade que também não gostamos de encarar, os costumes não são recentes. Agora, por uma série de razões, inclusive a tecnologia, estão piorando muito, mas sempre foi assim. Sempre se roubou dinheiro público aqui e sempre o poder político foi disputado para premiar os vencedores e seus aliados com cargos vitalícios, remunerações nababescas e privilégios inacreditáveis. A carreira política é vista apenas como um meio de subir na vida e amealhar tanto para si quanto para a família e os aliados. Os partidos políticos também só servem para conseguir "colocações" e postos de influência, onde continuará a medrar a corrupção enraizada, no rodízio dos de sempre, com o qual já temos bastante familiaridade. Até fisicamente isso é visível, nos inúmeros políticos que se elegem pela primeira vez com ares famélicos e ansiosos, para estarem, poucos anos mais tarde, gordinhos, bem-humorados, sorridentes e de paz com a vida: é o bendito sinal de que já se fizeram, ideal de tantos brasileiros, que pode ser tanto o Congresso Nacional quanto o Big Brother Brasil.

Não sei quem foi o gringo que, se referindo ao Brasil, disse que "um país em que o sujeito cospe um caroço de fruta numa frincha da calçada e logo nasce comida não pode dar certo". Não sei bem por que, acho que a explicação vem pela indolência assim fomentada e, claro, vem também pela nossa ignorância e falta de educação, pelo egoísmo e ausência de espírito público, pela nossa moral santarrona mas hipócrita, pelo nosso treinamento como súditos e não como cidadãos. Não estamos acostumados a ter mandatários e representantes, temos apenas governantes, a quem obedecemos sem discutir. E continuarão assim porque esquecemos que "eles" não são "eles". Enquanto formos como somos, eles continuarão a ser como são, porque é de nós que saem. Um povo que pratica, tolera - e até admira - todo tipo de desonestidade é um povo honesto? Tudo leva a crer que não, embora com a exceção da gente.

The business é o seguinte… - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 29/04/12


Guarde seu português para quando for a Miami. Ou para qualquer outra ocasião - menos a hora do batente. Aí você vai precisar é do inglês, para que possa ficar above the dry meat, ou, como dizem nossos monoglotas, por cima da carne seca.

Diante de tão avassaladora tendência, procure ver a coisa por um lado positivo. Falar aquele inglês de reunião pode não facilitar o entendimento, mas tem lá suas vantagens. No mínimo, evita erros de português.

O primeiro passo para não boiar num encontro de trabalho é admitir humildemente a condição de dummie, gíria americana para quem é ignorante em determinado assunto - no caso, o palavreado anglo-saxão que voa de um lado a outro da mesa. Será preciso também, é claro, encorpar o seu the-book-is-on-the-table. O que pode ser feito desde já, com este glossário:

Agreement: Acordo. Mas dito assim, em reles português, fica no ar a suspeita de que uma das partes poderá roer a corda.

Board: Diretoria. Sempre no masculino, como convém às diretorias: o board. A palavra tem uma conotação náutica que lhe vai bem, até por sugerir que ali está o pessoal que comanda, pilota. Mas cuidado para não extrapolar: coisa muito fina é "de diretoria", nunca "do board".

Business: Negócio. Recomenda-se usar a palavrinha inglesa, pois um dos sentidos de "negócio", em português, é qualquer objeto ou coisa, troço - ou "trem", se estivermos em Minas Gerais. Não hesite em usar a variante "biz", que denota intimidade com o mundo dos negócios, perdão, do business. Embora diminutivo, pode designar um negocião. Mas evite "the business (ou biz) is the following" se quiser dizer "o negócio é o seguinte".

Buying-in: Compra. Veja se não causa mais impacto: "Mandamos dois executivos para analisar o buying-in da empresa."

Cash: Dinheiro vivo. Aquele mesmo que se guardava embaixo do colchão. As quatro letrinhas, com seu chiado, impõem um respeito de chocalho de cascavel. E deixam no ar a impressão de que o dinheiro é não apenas vivo como americano. "O cara chegou na loja, escolheu a Ferrari e pagou cash." Acrescente, ainda mais enfaticamente: "Uma em cima da outra!"

Chairman: Literalmente, "o homem da cadeira" - facilmente reconhecível, esta, por ser maior e mais confortável que as demais, ainda que eventualmente ejetável. Nela só se senta o chairman, que vem a ser o presidente do conselho que dirige a empresa. Se quiser valorizar ainda mais o dono de tão superiores nádegas, junte dois verbetes deste glossário e diga: "chairman of the board".

Chief executive officer: Este é o CEO. Não confundir com CFO (chief financial officer, vulgo diretor financeiro), COO (chief operating officer, ou diretor de operações), CTO (chief technology officer, diretor de tecnologia), CMO (chief marketing officer, executivo-chefe de marketing) ou, por fim, CDF, que todos os chiefs querem dar a impressão de ser.

Coffee break: Embora poucos admitam, é o melhor momento da reunião. Além do coffee e do pratinho de biscoitos, o break proporciona um parêntese linguístico em que se permite falar português.

Commodity: Esta comparece às reuniões com tanta insistência que já entrou no Aurélio: "Produto primário, especialmente um de grande participação no comércio internacional, como café, algodão, minério de ferro etc." Tome liberdades com a palavra: "Neste business, até fofoca virou commodity."

Corporate purpose: O cara poderia dizer "objetivo da empresa". Mas tudo - o cara, o objetivo e a empresa - pareceria menor.

Downsizing: Palavra por detrás da qual costuma estar pousada, pronta para decolar, a ave de rapina mais temida entre os funcionários, perdão, "colaboradores": o passaralho.

Income: Renda. "Você precisa melhorar o seu income." Pode não engordar o contracheque, mas impressiona.

Loft: Um imóvel praticamente sem divisórias. O que o incorporador economiza em tijolo vende como charme nova-iorquino.

Pay back: O momento a partir do qual um investimento rendeu o suficiente para se pagar. Em ouvidos veteranos, pode evocar aquela brincadeira de colegial, mais velha ainda, a respeito do dia do pagamento, o "pay day".

Sales manager: Pode até ser que o gerente se chame Sales. Mas a expressão quer dizer gerente de vendas.

Turnover: Rotatividade da mão de obra. Em inglês, disfarça a impressão desagradável de que esta é uma empresa onde ninguém esquenta lugar.

O velho no novo - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 29/04/12


Não estava ausente do projeto de Brasília a promessa utópica de uma cidade justa


Não me canso de me surpreender com o óbvio. Desta vez foi a comemoração do 52º aniversário de Brasília. Foi um susto constatar que faz 51 anos que morei ali, quando a cidade completava seu primeiro aninho de vida, e que eu não só morei como fui um dos responsáveis pela festa de comemoração.

É que eu era presidente da Fundação Cultural de Brasília, o primeiro, porque a instituição ainda não existia, era apenas um estatuto publicado no "Diário Oficial". Tive então que inventá-la.

Certo ou errado, entendi que Brasília era o produto do que havia de mais moderno no Brasil -a arquitetura de Oscar Niemeyer- e do que havia de mais arcaico -a mão de obra do homem sertanejo, que veio trabalhar na construção dos edifícios e palácios.

E daí concluí que a fundação devia voltar-se para a arte de vanguarda e para o artesanato. Assim, logo promovemos uma exposição de obras do Museu de Arte de São Paulo, um espetáculo do Teatro de Arena, criamos o Museu de Arte Popular e levamos, para a festa de aniversário da cidade, a escola de samba Mangueira.

Contratamos gente para sair país afora comprando arte popular e artesanato. Esses objetos causaram sensação no gabinete do prefeito Paulo de Tarso, que não pôde resistir ao assédio de altos funcionários e amigos do Planalto: levaram tudo. Meu projeto era criar, junto ao aeroporto, uma loja para vender essa produção artística do interior do país. Não deu em nada, mesmo porque o aeroporto mudaria de lugar.

Não era fácil viver naquela Brasília recém-nascida. A cidade ainda estava em obras, a maior parte das ruas não tinha calçamento e, com a secura do clima, vivíamos todos cobertos de um talco vermelho. Nossa diversão, ali, era ir para o aeroporto ver avião descer e levantar voo.

A certa altura, comecei a me perguntar se Brasília deveria ter sido traçada daquele jeito mesmo, se o Plano Piloto estava certo. Isso me ocorreu certa noite, à janela do apartamento de Betinho, quando me lembrei que, àquela hora, a Esplanada dos Ministérios estava totalmente deserta, já que de noite era hora de morar, e morar era ali onde eu estava.

Naquele momento, na parte residencial, estavam todos morando. Noutro ponto da cidade, havia o local para fazer compras, e noutro, o setor de diversões. Isso tornava difícil viver ali.

Mas é que planejar uma cidade a partir do zero é muito difícil. O urbanista começa de algum modo, e depois a vida corrige o plano. Foi o que aconteceu em Brasília.

Já naquela época, começaram a surgir lojas comerciais onde não estava previsto. E assim, pouco a pouco, a necessidade corrigiu o planejamento, até humanizá-lo. Hoje, os moradores de Brasília enfrentam muitos problemas, mas são outros, nascidos do próprio crescimento de sua população e das cidades-satélites em redor.

Nada que Lúcio Costa pudesse prever. Isso sem falar nos problemas decorrentes da política, por ter Brasília se tornado uma espécie de sede imperial, ocupada em boa parte por uma elite que usufrui de privilégios impensáveis quando a nova capital foi concebida. Muito pelo contrário, não estava ausente do projeto de Brasília a promessa utópica de uma cidade justa, organizada de modo a superar as desigualdades sociais.

Na visão de Lúcio e de Oscar, pelo menos ali haveria igualdade entre os cidadãos. Mal sabiam eles o que iria acontecer. Ao contrário disso, o nível de desigualdade entre pobres e ricos só tem aumentado, num movimento inverso ao que ocorre no resto do país.

Não obstante, sua renda domiciliar per capita é mais do que o dobro da média brasileira, embora Brasília quase nada produza, já que é sustentada pelo dinheiro público. Eu, de minha parte, por linhas tortas, acertei num ponto, pois Brasília iria tornar-se a expressão do que há de mais arcaico no Brasil: a apropriação da coisa pública pelos políticos corruptos.

E causa estranheza, sendo ela a sede dos Três Poderes da República, que tenha se tornado uma cidade provinciana, dominada por políticos medíocres. A esperança é que, no dia de seu aniversário, muitos cidadãos foram à praça dos Três Poderes protestar contra a corrupção.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 29/04/12


Como eletrodoméstico, pneu terá selo de eficiência
Os pneus passarão a ser classificados pelo Inmetro conforme sua segurança e eficiência energética. Eles receberão um selo semelhante ao dos eletrodomésticos, com categorias de "A" a "G".

As etiquetas seguirão o novo modelo europeu.

Serão avaliados ruído externo, aderência ao solo molhado e resistência à rodagem (quanto maior a resistência, maior o consumo de combustível e a emissão de CO2).

"O regulamento deve entrar em vigor gradativamente a partir de 2014. A ideia é que seja compulsório", diz Alfredo Lobo, do Inmetro.

Empresas do setor, porém, dizem que estarão prontas só em 2015 e que negociam a data com o órgão. "Precisamos investir para realizar testes", diz Bruno Blanc, da Michelin.

Para atender as exigências, as empresas precisarão desenvolver tecnologias e introduzir novas matérias-primas.

A Pirelli informa que já tem uma linha que se enquadra no perfil, desenvolvida por seu centro de pesquisa global. Para adaptá-la à condição brasileira, foram gastos R$ 20 milhões, segundo o diretor da empresa Roberto Falkenstein.

As características de resistência à rolagem e aderência ao solo molhado, no entanto, são conflitantes. "Tentamos equilibrar, mas as fábricas precisarão se adaptar de acordo com a característica que vão privilegiar", diz Renato Sarzano, diretor da Continental.

Giano Agostini, da Goodyear, considera a medida positiva para o segmento, pois "serão diferenciadas as empresas que se alinharem".

A implementação das etiquetas nos mercados europeu, brasileiro e coreano fará o segmento de pneus de alto desempenho crescer mais de 75% no mundo até 2015, segundo a Lanxess, produtora de borracha sintética.

Pequeno Avanço
As recuperação das pequenas indústrias será mais lenta do que a de grandes companhias, segundo estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Entre os empresários de indústrias que empregam de dez a 29 trabalhadores, cerca de 30% reclamaram da falta de demanda.

"As menores apresentam desempenho inferior porque são pouco preparadas para dificuldades", diz Renato da Fonseca, executivo da CNI.

A maior dificuldade de acumular estoques e de acessar crédito contribuem para o pior cenário das empresas de pequeno porte.

"Mas passou a chamar a atenção o fato de que as grandes também começaram a reclamar da dificuldade de acesso a crédito. Isso era tradicional apenas entre as pequenas", afirma.

Lazer no Shopping
Tradicional centro de compras de São Paulo, o shopping Ibirapuera vai receber um investimento de aproximadamente R$ 120 milhões para ser, também, um centro de lazer.

O projeto de ampliação prevê teatro, salas de cinema e cerca de 40 lojas.

"O que falta para nós não são lojas, mas área de lazer. Temos urgência nisso", diz o presidente do shopping, Armando de Angelis.

Com o novo espaço, a expectativa é que o número de visitantes aumente entre 10% e 15%. Hoje, o local recebe 80 mil pessoas por dia.

Ainda não há previsão de quando as obras começam.

A ampliação é a segunda parte de um projeto de revitalização do shopping, que tem 35 anos.

A primeira parte começou há três meses e inclui substituição de pisos, forros, colunas, iluminação, mobiliário e sanitários.

Essa etapa demandará aporte de R$ 65 milhões e será concluída em dois anos. As obras são feitas durante a noite.

NÚMEROS
R$ 120 milhões serão investidos na ampliação

R$ 65 milhões é o aporte destinado à reforma, já iniciada

435 é o atual número de lojas

80 mil visitantes por dia

10% a 15% é o aumento esperado no número de visitantes

35 anos é a idade do shopping

Método Brasileiro
O Grupo Prepara inaugura uma rede de ensino complementar para concorrer com o Kumon.

A Ensina Mais terá reforço em língua portuguesa e matemática, com foco em alunos da rede pública.

"O sonho das classes C e D é que os filhos tenham uma boa qualificação, mas o ensino público é ruim e os reforços são caros", diz o presidente do grupo, Rogério Gabriel.

Ele diz que a ideia surgiu diante da dificuldade de alunos de cursos profissionalizantes com matérias básicas.

O grupo espera lançar 80 unidades neste ano, com mensalidades de cerca de R$ 80. O Prepara faturou R$ 178 milhões em 2011, de acordo com Gabriel.

Contra o tempo
A velocidade com que as empresas de bens de consumo não duráveis lançam produtos é uma estratégia fundamental de competitividade. É o que mostra um estudo realizado pelo The Boston Consulting Group.

As empresas líderes da categoria lançam produtos, em média, em 15 meses, sete a menos do que a média.

Entre os setores analisados, o de produtos de beleza aparece no relatório como o mais rápido.

Já as áreas com forte regulamentação, como álcool e tabaco, estão entre as mais lentas. Na comparação entre lojas, as de moda são as mais velozes. A média do setor para inovações é de dez meses.

Segundo o levantamento, empresas mais rápidas aumentam a fatia de mercado e o poder de negociação, entre outros benefícios.

Ampliação... Com investimento de R$ 10 milhões, a Cozil, empresa de equipamentos para cozinhas profissionais, amplia o parque industrial com uma nova área de 5.000 m². O parque atualmente tem 10.000 m².

...no parque A companhia vai implantar também seis showrooms no país: em São Paulo e no interior do Estado, no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul. A expectativa é que todos estejam prontos até o fim do ano.

Fim da guerra Com a decisão do Senado que unifica o ICMS dos Estados para importação, a movimentação no porto de Imbituba (SC) deve cair cerca de 15%. Em 2011, 2,3 milhões de toneladas passaram pelo porto.

Imposto... As entregas de declarações de IR de clientes feitas pela Ernst & Young Terco apontam elevação de 39% ante 2011 no número de expatriados estrangeiros no Brasil e de brasileiros fora. Em relação a 2010, a alta é de 71%.

...de renda O aumento foi mais forte entre as declarações de saída do Brasil (51%). "A internacionalização de empresas brasileiras eleva o fluxo de transferência de profissionais", diz Tatiana da Ponte, da Ernst & Young Terco. A empresa estimava entregar 6.200 declarações até o fim do prazo.

Óleo... A partir de julho, o óleo diesel A S500 receberá corante vermelho e será proibida a adição de corante ao óleo diesel S1800, que apresentará sua cor amarela natural, de acordo com resolução da ANP.

...diesel O objetivo da medida é evitar que o óleo diesel S500 seja desviado para venda como óleo diesel S50 ou S10, de coloração semelhante.