O GLOBO - 29/04/12
Com vocês, Delúbio Soares 2.0. A Polícia Federal achou-o no restaurante 14 Bis, no Rio, discutindo o fornecimento de lousas digitais para escolas públicas capixabas e goianas. Segundo o empresário interessado, o companheiro disse-lhe que "um pedido do meu deputado é praticamente uma ordem". Referia-se ao deputado estadual Misael Oliveira (PDT-GO).
Desde que o Homo sapiens grafitou a caverna de Altamira, há 15 mil anos, repete-se o costume de usar uma pedra (giz) para desenhar ou, mais tarde, escrever numa superfície rígida. Desde o século XI isso é feito em escolas. Os quadros-negros custam pouco, não enguiçam, não consomem energia, nem precisam de manutenção.
As lousas digitais, cinematográficas, interativas e coloridas tornaram-se parte de uma praga estimulada por fornecedores de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Cada uma custa pelo menos o salário-base de um professor (R$ 1.451). Um dos municípios que contrataram lousas da empresa que tratou com Delúbio foi o de Presidente Kennedy (ES). Gastou R$ 2,7 milhões em três escolas, e o endereço da fornecedora era um terreno baldio. O prefeito e seis secretários, inclusive a de Educação, foram presos. Com os royalties da Petrobras, Presidente Kennedy tem uma das maiores rendas per capita do Espírito Santo e um dos piores índices de desenvolvimento humano.
O pequeno município não está sozinho nessa febre. O MEC quer comprar 600 mil tablets para que professores preparem suas aulas (como, não diz). Isso e mais 10 mil lousas digitais. O governo de São Paulo estuda um investimento de R$ 5,5 bilhões para colocar lousas e tabuletas em todas as escolas públicas. Gustavo Ioschpe foi atrás da ideia e descobriu que a Secretaria de Educação não tinha um projeto pedagógico que amparasse a iniciativa. Toda a documentação disponível resumia-se a uma carta do presidente da Dell (fornecedor do equipamento), com um resumo de um estudo da Unesco. Pediu o texto, mas não o obteve.
Lousas digitais, tabuletas e laptops são instrumentos do progresso quando fazem parte de uma ação integrada, na qual tudo começa pela capacitação do professor. Hoje, no Brasil, contam-se nos dedos as experiências bem-sucedidas na rede pública. Prevalecem desperdícios que poderiam ser evitados pela aplicação da Lei de Simonsen: "Pague-se a comissão, desde que o intermediário esqueça o assunto".
Quem acredita que Delúbio Soares estava interessado no aprendizado da garotada de Presidente Kennedy, vá em frente.
Na mosca
Há dois meses, um ministro do STF arriscou um palpite: o Supremo poderá declarar constitucionais as cotas nas universidades públicas por unanimidade. Parecia otimismo.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e está fascinado com a CPMI do Cachoeira. Ele acredita que se trata de uma encarnação do Curupira do romance "Macunaíma", que caminhava com os pés ao contrário. Em geral, essas comissões desembocam num relatório que desencadeia investigações policiais. Desta vez, ela começa com uma investigação concluída, para chegar onde, não se sabe.
Inspirado no Curupira, o idiota acha que não se deve procurar quem a CPMI quer ouvir ou o que quer descobrir. É o contrário, deve-se atentar para quem ela não quer ouvir e o que não quer investigar. Cada silêncio significará uma conclusão.
Fim da Febraban
Aos poucos, a banca se dá conta de que a Federação Brasileira de Bancos é uma mistura de alhos com bugalhos, responsável pela deterioração da imagem pública das instituições financeiras.
Ao retirar o presidente da Febraban da negociação da queda dos juros, deixando o caso para ser tratado por cada banco, descobriram que dois e dois são quatro.
Há uns dez anos, os grandes laboratórios farmacêuticos lançaram-se no combate aos medicamentos genéricos e esconderam-se atrás da Abifarma. Resultado: os genéricos estão aí e a Abifarma simplesmente foi extinta, substituída pela Interfarma, instituição presidida pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto. Ela trabalha com o entendimento que há três agendas: a do país, a do governo e a da indústria farmacêutica. Quem as mistura produz encrencas.
Icebergs
O estaleiro Atlântico Sul, joia da coroa do programa de revitalização do setor naval, fechou o ano com um prejuízo de R$ 1,5 bilhão, um perdão do velho e bom BNDES, e um espeto no Banco do Brasil. Seu petroleiro João Cândido foi ao mar, mas não navega, já a Samsung, sócio que entrou com a tecnologia, foi-se embora.
Assim como ocorreu no governo JK e na ditadura, o programa naval está num mar cheio de icebergs. O capitão Edward Smith, comandante do barco que naufragou há cem anos, tinha uma barba parecida com a do doutor Luciano Coutinho. Afundou com o barco. Teria feito melhor se, ao saber dos riscos, tivesse se preparado para uma emergência.
A mão de Deus na Suprema Corte dos EUA
Em seus votos a favor das cotas em universidades públicas, o ministro Joaquim Barbosa lembrou que se deve ao presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos, Earl Warren, a articulação da unanimidade que derrubou a segregação racial nas escolas americanas.
Em 1953, o processo (Brown x Board of Education) estava com o juiz Fred Vinson, que presidia a Corte. Temia-se que ele construísse uma maioria favorecendo a persistência da segregação. O juiz Felix Frankfurter, um magistrado briguento e sarcástico, estava em casa quando um colaborador aproximou-se e anunciou: Fred Vinson foi fulminado por um ataque cardíaco.
Frankfurter, que detestava o colega, respondeu: "Esta é a primeira prova concreta que tive, em toda a minha vida, da existência de Deus".
O presidente Eisenhower nomeou Warren, ex-governador da Califórnia, e poucos meses depois a segregação racial nas escolas foi declarada inconstitucional. A Suprema Corte sabia que sua decisão mudaria a História do país e fechou a conta por unanimidade.
China eterna
O campeão da luta contra a corrupção na China, o companheiro Bo Xilai, gostava do alheio e sua mulher, Madame Gu, exportava dinheiro com a ajuda de um inglês que acabou assassinado. (Ela teria estado na cena do seu envenenamento.) Sua família amealhou US$ 160 milhões.
Nada de novo no Império do Meio. A China já teve uma imperatriz acusada de ter envenenado o sobrinho, que construiu um iate de mármore. Depois dela, Madame Chiang Kai-shek, mulher do inimigo (anticomunista) de Mao Zedong, terminou seus dias em 2003, aos 105 anos, num dos edifícios mais chiques de Nova Iorque. Tinha um apartamento de dois andares e 18 quartos, com 24 empregados em três turnos.
Ela pendurava patos depenados nas janelas e deu barata no edifício. Um dos operários que trabalharam na dedetização viu: "Num closet, guardava só barras de ouro. Coisa de Fort Knox, não eram barras de chocolate Hershey''s".
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