Discussão sobre Oriente Médio segue a agenda de preferências ideológicas
Quase um mês após o ataque americano que matou o todo-poderoso Qasem Soleimani do Irã, podemos ver como muito da discussão especializada sobre Oriente Médio segue a agenda de preferências ideológicas.
O Oriente Médio vive uma guerra fria entre a sunita Arábia Saudita e o xiita Irã. Mas o número de absurdos que foram ditos sobre esse conflito deixa claro que o debate público presta um enorme desserviço a quem recorre à mídia para se informar sobre o tema.
Muita gente boa fez do Irã quase um regime democrático, doce e tolerante, um coitadinho, vítima do mal americano e israelense.
Que peninha dele, que teria sido monstruosamente atacado pelo império do mal —os Estados Unidos, que servem à cruel ditadura saudita e aos sionistas.
Não me preocupa aqui defender os Estados Unidos nem seus aliados. Não existem santinhos em geopolítica. Um dos danos da contaminação ideológica do pensamento público é a tentativa de continuar afirmando que inimigos dos americanos são santinhos.
O Irã é um regime que alimenta grupos terroristas e guerrilheiros que matam sistematicamente civis e que arma grupos que visam solapar a soberania dos países à sua volta —e, assim, construir uma rede capaz de realizar guerras por procuração, a favor dos interesses do Irã. No Líbano, na Síria, no Iraque, em Gaza, no Iêmen...
Se é uma ingenuidade ou um mau-caratismo achar que sauditas e israelenses são anjinhos, não é menos ingenuidade ou mau-caratismo achar que os iranianos são os representantes dos oprimidos na região. Essa tentativa de fazer da ditadura teocrática iraniana um governo bondoso, vítima da violência de sauditas e americanos, toca as raias do ridículo.
Só existem três razões para alguém bem formado ir a público defender essa ideia ridícula: 1) por vínculos afetivos com o Irã; 2) por obsessões ideológicas, como a descrita antes aqui, daqueles que insistem em dizer que os EUA são agressivos e que omitem a violência do regime iraniano, uma democracia fake; 3) por grana.
O ódio ideológico aos EUA é óbvio. Só podemos supor, a menos que existam vínculos familiares com algum dos países em conflitos ou vínculos financeiros, que seja a cegueira ideológica que move esse ridículo.
Uma coisa que sempre me chamou a atenção nesse clube dos alienados (os ideológicos amantes do regime do Irã) é a ambivalência das intelectuais nesse campo. Escondidas atrás de um relativismo de butique, elas se esquivam do fato que as mulheres no Irã, muitas vezes, são tratadas como brinquedos domésticos em seu país.
A crítica dura à condição da mulher do Ocidente, crítica que faz grande parte da mídia, do cinema, do teatro e da literatura, um pé no saco de tão repetitiva e entediante pela sua obsessão em demonizar tudo que não for violentamente feminista, contrasta com a suavidade com que a condição da mulher (muito pior na maioria dos países do Oriente Médio, menos em Israel) é tratada pelo exército de simpatizantes do Irã.
Esse mesmo exército de simpatizantes trata os homens ocidentais, a priori, como opressores evidentes das mulheres. Bem ridícula essa contradição.
Como se os aiatolás fossem uns anjinhos a favor do empoderamento feminino. O garrote ideológico desgraça o debate público há anos. Os regimes que esses bobos babam para defender fariam deles mingau de farinha se quisessem.
Com relação a Israel (que tampouco é santinho), outro odiado pela trupe ideológica mentirosa, grupo que domina a ONU, a coisa é bem clara.
A revolução fanática que administra o Irã desde 1979 tem como uma das suas pautas pétreas a destruição do Estado de Israel. Essa mesma trupe gosta de afirmar que o risco de destruição de Israel passou.
Risadas? Se Israel hoje tem uma condição de segurança um pouco melhor, é porque os países ao redor perderam todas as guerras que visavam destruir israelenses.
Além disso, o país é uma economia que cresce vertiginosamente, inclusive em áreas de tecnologia da informação e de inteligência, além de ser, obviamente, uma potência nuclear que arrasaria o Irã em seis dias. O resto é pura bravata.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.