Em busca do antigo espírito americano
PAULO RABELLO DE CASTRO
REVISTA ÉPOCA
Quando Alexis de Tocqueville visitou a América do Norte, ainda no século XIX, escreveu um clássico sobre a nova forma de organização social que lá viu, produto de um grau de liberdades individuais desconhecido na Europa imperial e classista. A América também se forjou na frugalidade, em uma comunidade de imigrantes com horror ao desperdício. Nas últimas décadas, porém, outros rumos têm ditado as decisões do coletivo norte-americano.
Esses outros rumos têm a ver com a queda do individualismo e a ascensão do egoísmo; com a queda da poupança e o aumento explosivo das dívidas e do assistencialismo às famílias. A autoestima do americano caiu com a perda de seu poder de competir e a estagnação dos salários, especialmente na indústria. O governo grande e inchado é um arremedo da governabilidade eficaz. O país pena com a ausência de regras econômicas de estabilidade, enquanto espertalhões de todos os tipos cooptam líderes políticos pelo jugo do financiamento de campanhas.
Os pioneiros acreditavam no trabalho duro, na poupança para prevenir os momentos ruins e no acesso equitativo às novas terras. Se Tocqueville visitasse de novo os Estados Unidos, teria decepções. No dia 2 de agosto, cessará o prazo legal para a elevação do teto de endividamento do governo federal americano. As apostas sobre o que acontecerá não são tão importantes quanto constatar o estrago causado pelo episódio. É uma exibição clara de irresponsabilidade das lideranças. A começar pelo presidente Obama, não havia quem não soubesse desse prazo fatal dentro ou fora do governo. A negociação seguiu arrastada, numa queda de braço egoísta entre o governo e a oposição republicana, principalmente pelo cálculo do perde-ganha na eleição presidencial do ano que vem. Obama, o favorito natural, não conseguiu usar a amplitude de seu cargo e poderes. Os republicanos fazem um discurso mesquinho contra mais impostos – o que seria coerente se falassem da classe média empobrecida e sacrificada. Mas a tática é apenas a defesa egoísta de isenções tributárias para os mais ricos, numa sociedade que sempre se pautou pela equidade e pela boa repartição de oportunidades.
As sementes do extremismo de posições já estão lá plantadas desde antes da crise de 2008. O acordo efetivo não existe, por falta de unidade de propósitos dentro da própria elite do país. Essa é uma tendência que veio se alimentando pelo gradual abandono das crenças que um dia forjaram a América. Economistas keynesianos e neoliberais, cada qual do seu lado, deram contribuições determinantes ao aprofundamento da crise atual. Os primeiros, ao insistirem no alargamento crônico dos deficits orçamentários como solução universal para a perda de vitalidade da economia produtiva. Com isso, as despesas sociais rígidas do orçamento federal já atingem 60% do total. Somadas aos gastos militares e, agora, às despesas financeiras, fazem o custo do governo americano se parecer com uma bola de neve. Enquanto isso, os conservadores inventaram outro absurdo – o afrouxamento monetário sem atenção aos custos nem às consequências, liderados primeiro por Alan Greenspan, pai da bolha imobiliária e financeira, e, agora, por seu filho intelectual, Ben Bernanke, o presidente do banco central americano, que já emitiu mais do que seus antecessores somados, desde a criação do Federal Reserve.
Além de ser matéria de grande preocupação, para o mundo inteiro, a falta de rumo da grande nação americana deveria ser para nós, brasileiros, um incentivo à reflexão. Padecemos de semelhantes impasses na nossa sociedade, que vão da relativa incapacidade de buscar soluções para questões aflitivas, como o excesso de impostos, ao juro mais alto do planeta, aos encargos salariais abusivos, à burocracia infernal. Uma longa lista de desafios, que parece não acabar mais. Contudo, com a sorte momentânea dos nossos produtos primários em alta, agora nos enxergamos com a mesma complacência que as elites americanas antes enxergavam Alan Greenspan como um gênio da economia. Nós também elegemos nossos gênios de ocasião. Porém, nossos riscos coletivos não são tão diferentes assim daqueles da grande nação americana.
Esses outros rumos têm a ver com a queda do individualismo e a ascensão do egoísmo; com a queda da poupança e o aumento explosivo das dívidas e do assistencialismo às famílias. A autoestima do americano caiu com a perda de seu poder de competir e a estagnação dos salários, especialmente na indústria. O governo grande e inchado é um arremedo da governabilidade eficaz. O país pena com a ausência de regras econômicas de estabilidade, enquanto espertalhões de todos os tipos cooptam líderes políticos pelo jugo do financiamento de campanhas.
Os pioneiros acreditavam no trabalho duro, na poupança para prevenir os momentos ruins e no acesso equitativo às novas terras. Se Tocqueville visitasse de novo os Estados Unidos, teria decepções. No dia 2 de agosto, cessará o prazo legal para a elevação do teto de endividamento do governo federal americano. As apostas sobre o que acontecerá não são tão importantes quanto constatar o estrago causado pelo episódio. É uma exibição clara de irresponsabilidade das lideranças. A começar pelo presidente Obama, não havia quem não soubesse desse prazo fatal dentro ou fora do governo. A negociação seguiu arrastada, numa queda de braço egoísta entre o governo e a oposição republicana, principalmente pelo cálculo do perde-ganha na eleição presidencial do ano que vem. Obama, o favorito natural, não conseguiu usar a amplitude de seu cargo e poderes. Os republicanos fazem um discurso mesquinho contra mais impostos – o que seria coerente se falassem da classe média empobrecida e sacrificada. Mas a tática é apenas a defesa egoísta de isenções tributárias para os mais ricos, numa sociedade que sempre se pautou pela equidade e pela boa repartição de oportunidades.
As sementes do extremismo de posições já estão lá plantadas desde antes da crise de 2008. O acordo efetivo não existe, por falta de unidade de propósitos dentro da própria elite do país. Essa é uma tendência que veio se alimentando pelo gradual abandono das crenças que um dia forjaram a América. Economistas keynesianos e neoliberais, cada qual do seu lado, deram contribuições determinantes ao aprofundamento da crise atual. Os primeiros, ao insistirem no alargamento crônico dos deficits orçamentários como solução universal para a perda de vitalidade da economia produtiva. Com isso, as despesas sociais rígidas do orçamento federal já atingem 60% do total. Somadas aos gastos militares e, agora, às despesas financeiras, fazem o custo do governo americano se parecer com uma bola de neve. Enquanto isso, os conservadores inventaram outro absurdo – o afrouxamento monetário sem atenção aos custos nem às consequências, liderados primeiro por Alan Greenspan, pai da bolha imobiliária e financeira, e, agora, por seu filho intelectual, Ben Bernanke, o presidente do banco central americano, que já emitiu mais do que seus antecessores somados, desde a criação do Federal Reserve.
Além de ser matéria de grande preocupação, para o mundo inteiro, a falta de rumo da grande nação americana deveria ser para nós, brasileiros, um incentivo à reflexão. Padecemos de semelhantes impasses na nossa sociedade, que vão da relativa incapacidade de buscar soluções para questões aflitivas, como o excesso de impostos, ao juro mais alto do planeta, aos encargos salariais abusivos, à burocracia infernal. Uma longa lista de desafios, que parece não acabar mais. Contudo, com a sorte momentânea dos nossos produtos primários em alta, agora nos enxergamos com a mesma complacência que as elites americanas antes enxergavam Alan Greenspan como um gênio da economia. Nós também elegemos nossos gênios de ocasião. Porém, nossos riscos coletivos não são tão diferentes assim daqueles da grande nação americana.