domingo, abril 10, 2011

J. R. GUZZO - A mesma alma


A mesma alma
J. R. GUZZO
Revista Veja

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LYA LUFT - Nós, os predadores


Nós, os predadores
LYA LUFT
Revista Veja

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GUSTAVO IOSCHPE - Hora de peitar os sindicatos


Hora de peitar os sindicatos
GUSTAVO IOSCHPE
Revista Veja

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HENRIQUE GOMES BATISTA - Uma longa história de 'ajuda' a Portugal


Uma longa história de 'ajuda' a Portugal 
HENRIQUE GOMES BATISTA
O GLOBO - 10/04/11

Oferta de socorro financeiro pode ser apenas uma intenção da presidente Dilma, mas muito já foi daqui para lá 


A oferta do Brasil para ajudar Portugal a sair da crise financeira, feita recentemente pela presidente Dilma Rousseff, está longe de ser a primeira entre os dois países. Para alguns historiadores, a primeira "ajuda" brasileira aos portugueses teria ocorrido em 1825. Portugal reconheceu a independência da sua colônia naquele ano e, antes, em troca, firmou um acordo financeiro pelo qual o Brasil assumia a dívida de Portugal com a Inglaterra de cerca de 2,5 milhões de libras esterlinas. Ajuda ou troca? Até hoje, não há consenso.
Para historiadores, o gesto de Dilma, que marcaria a primeira vez que um país americano auxiliaria um Estado do velho continente sem o contexto de uma guerra, confirma uma triste história portuguesa, que há oito séculos, desde a sua criação, convive, de uma forma ou de outra, com falta de recursos e dependência externa.
Que o Brasil foi fundamental para Portugal na época do império ninguém duvida. A riqueza do solo brasileiro pode ser vista em vários pontos do país, tendo sido preponderante em momentos decisivos para a história lusa, como a reconstrução de Lisboa depois do grande terremoto de 1755. Mas historiadores lembram que, naquele momento, não havia uma noção clara de que Portugal recorria a uma ajuda externa quando era do Brasil que vinha o socorro. Afinal, tratava-se de uma colônia.

Portugueses conquistaram privilégios na Era Vargas
E, mesmo depois de independente, o Brasil continuava governado por um membro da família real portuguesa. Assim, os privilégios, em vez de acabarem com o tempo, algumas vezes foram intensificados. Dessa maneira, a recente oferta de Dilma, apesar de pouco usual, não causa estranheza nos dois países.
- O discurso de Dilma não causa tanta surpresa, ela não rompeu uma tradição de envio de recursos do Brasil a Portugal. Só que antes era uma relação entre particulares, agora essa proposta é entre Estados - afirmou Francisco Palomanes, especialista em História Ibérica da USP.
O professor se refere, principalmente, à situação vivida na década de 30 do século passado, quando o presidente Getúlio Vargas determinou a proibição do envio de recursos a qualquer outro país, no auge do período em que o nacionalismo - tanto o de direita como o de esquerda - estava em voga no mundo. Os portugueses protestaram muito. A pressão foi tanta que Vargas abriu uma exceção e, em 1933, só poderia ser enviado dinheiro do Brasil a Portugal. Palomanes lembra também que apenas os portugueses poderiam vir para o Brasil sem restrições no começo do século passado, enquanto outros povos, como alemães e japoneses, só eram admitidos em determinado número.
Palomanes afirma que a relação dos dois países sempre foi próxima, tanto que na Exposição do Mundo Português - realizada em 1940 para celebrar a Fundação do Estado Português, em 1140, e a Restauração da Independência em relação à Espanha, em 1640 - o Brasil tinha um lugar de destaque, como convidado. Ele lembra que durante a ditadura de Salazar, a relação com o Brasil sempre foi positiva, independentemente se o governo local era democrático ou autoritário.
- E, desde 1977, quando a novela Gabriela foi exibida no país, os portugueses começaram a consumir muita produção cultural brasileira, que até hoje é forte lá, em diversos segmentos, como TV, música e cinema - disse.
Nos anos 80 e 90, diz o historiador, a crise brasileira levou uma horda de emigrantes a Portugal. Naquele momento, a situação se inverteu e o envio de recursos da Europa ao Brasil era muito relevante. Palomanes lembra, inclusive, que havia uma média de três brasileiros deportados por dia dos aeroportos portugueses, o que dá uma dimensão do fluxo de emigrantes. Nesta época, muitas empresas brasileiras chegavam a Portugal, que era visto como porta de entrada para o gigantesco mercado europeu.

Filiais brasileiras ficam maiores que matrizes lusas
Nos últimos anos, com a retomada do crescimento brasileiro, a situação se inverteu e as empresas portuguesas chegaram em peso ao Brasil. As subsidiárias locais ficaram maiores e mais importantes que as matrizes. Um exemplo disso é a Portugal Telecom: sócia da espanhola Telefónica na Vivo, a empresa portuguesa quase foi integralmente comprada pela parceira, pois os portugueses se recusavam a vender sua parte na operadora celular brasileira. A solução, negociada com o governo brasileiro, foi permitir que os espanhóis assumissem integralmente a Vivo e os portugueses, em troca, compraram um bom quinhão da Oi.
- A oferta de Dilma, por si só, é relevante. Salvo engano, seria a primeira vez que um país americano auxilia um europeu, com exceção da atuação dos Estados Unidos nas duas grandes guerras do século passado e no plano Marshall, de reconstrução europeia - disse o professor, que afirma que a situação portuguesa é muito difícil e que a atual geração de jovens do país é chamada de "geração arrasta", que em Portugal significa "em apuros".

Dependência externa é histórica, diz especialista
O historiador João Fragoso, da UFRJ, acredita que este "apuro" português é secular:
- A nação portuguesa nasceu sob o signo da penúria. A fome sempre esteve presente. No século XVI, dois terços das terras portuguesas eram impróprias ao cultivo, o país sempre viveu com carência de recursos e uma dependência externa. Foi por isso que os portugueses se aventuraram nas descobertas marinhas, para resolver esse déficit que agora, de certa maneira, se repete.
O professor lembra que o agricultor português, além de ter pouca terra de cultivo, tinha pouca tecnologia se comparado aos demais pequenos países europeus, como Holanda e Dinamarca. E pior: tinha que sustentar uma aristocracia muito importante.
- Não é à toa que um país agrícola como Portugal tenha como principal prato o bacalhau.
No período colonial, o déficit português ficou, de certa maneira, resolvido. Mas Fragoso lembra que, após a independência do Brasil, o país mergulhou em um ostracismo, chamado de "clandestinidade". Com isso, Portugal passou a viver um longo período de fugas de pessoas - que incrivelmente não se desligavam totalmente do país, seja voltando no fim da vida e, principalmente, enviando recursos fundamentais ao país:
- Mesmo com o fim da ditadura de Salazar, Portugal não conseguiu se inserir com qualidade à UE. O país tinha índices educacionais similares ou até piores que os brasileiros e com isso não se tornou um grande fornecedor de serviços, como a Escócia - afirma Fragoso.
Antônio Carlos Lessa, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, acredita, no entanto, que a oferta de Dilma não foi para valer:
- Foi mais um discurso diplomático, não houve uma negociação real, embora os portugueses, que estão em uma situação muito ruim, acreditassem que isso ocorreria - disse.
Na semana passada, Portugal foi o terceiro país a pedir formalmente à União Europeia ajuda para sair da crise, depois de Grécia e Irlanda.
Lessa lembra que Portugal não tem condições de oferecer o que o Brasil mais precisa na economia: capital e tecnologia.
- A nossa relação tende a evoluir para ser mais política, afetiva e menos econômica - conclui.

LEÔNCIO MARTINS - "Caso da Vale assusta os que temem estatismo"


"Caso da Vale assusta os que temem estatismo"
LEÔNCIO MARTINS

O Estado de S.Paulo - 10/04/11

Há sinais de fortalecimento do intervencionismo estatal e do autoritarismo com Dilma?

Do autoritarismo parece-me que não. Já no caso do intervencionismo estatal o caso da Vale assusta um pouco os que temem avanços do estatismo. Sistemas políticos de tipo totalitário estão associados ao estatismo, como mostram os casos do fascismo italiano e, especialmente, do nacional-socialismo alemão e do socialismo soviético. A favor da Dilma cumpre lembrar que ela herdou uma situação vinda do governo Lula,

Quem manda? Dilma ou Lula?

Dilma. E a tendência será de que ela mande ainda mais.

A mulher que chegou à Presidência adquiriu força política?

Acho que vem aumentando sua força política. A ideia de que ela seria marionete de Lula não encontra evidências na carreira de Dilma. Ela não começou a carreira ligada a Lula ou ao PT, mas sim ao PDT brizolista.

Dilma no poder representa o 3º mandato de Lula, como o sr. argumentou que poderia ocorrer?

Era o que parecia quando Lula se engajou fortemente na campanha da Dilma. Mas me lembro que insisti no fato de que, se Dilma ficasse como uma sombra de Lula, teria toda autoridade rebaixada. Ela não poderia aceitar essa situação. Se as pesquisas mostrarem que, ao fim do mandato, a presidente estiver mais bem cotada do que Lula, será difícil que ela (e o grupo que estiver ao seu lado) abram mão de tentar a reeleição.

O silêncio de Lula sobre rumos do atual governo ajuda Dilma?

Lula não está tão calado assim. Nem poderá ficar. Será estimulado constantemente a palpitar sobre o Brasil e o mundo.

Criador e criatura vão se entender sobre a disputa de 2014?

Não sei dizer. Lideranças políticas sempre são muito ambiciosas e amam o poder. Dilma está marcando um estilo discreto e tomando outras posições que encantam os setores mais intelectualizados que já não suportavam os excessos do discurso lulista. Se ela conservar os eleitores chamados de classe C e D e a eles acrescentar camadas das classes médias cultas, será imbatível na disputa.

A ênfase de Dilma na gestão não contrasta com o ministério montado por ela (nomes políticos sem expressão)?

Sim, mas para formar seu ministério ela teve que levar em conta a situação estabelecida dentro e fora do Congresso. Creio que uma reforma ministerial tem muita chance de ocorrer depois das eleições municipais.

FANTASIA VERSUS REALIDADE

PEDRO CAVALCANTI FERREIRA E ARMINIO FRAGA NETO - O Brasil na encruzilhada



O Brasil na encruzilhada 
PEDRO CAVALCANTI FERREIRA  E ARMINIO FRAGA NETO
O GLOBO - 10/04/11

O Brasil vive um bom momento de crescimento, a um ritmo de cerca de 4% ao ano nos últimos anos. Mas cabe avaliar se este processo vai ter continuidade, nos levando a um produto per capita semelhante ao dos países mais avançados, ou se vamos repetir a experiência de 1950 a 1980, quando acabamos batendo num teto e nos espatifando na Década Perdida.
Em 1950, o produto per capita brasileiro era de cerca de 12% do produto per capita americano. Em 1980, no ápice do milagre, nossa produtividade alcança 24% da americana. A partir daí nosso produto relativo caiu continuamente, chegando a 16% na década de 1990. Deste ponto em diante o país volta a crescer de forma contínua atingindo hoje algo em torno de 20% do produto per capita americano, sem dúvida um avanço, mas ainda modesto.
Aqueles mais nostálgicos dos tempos do milagre econômico tendem a apontar as políticas nacional desenvolvimentistas adotadas desde a década de 50 como a causa principal de nosso crescimento acelerado. Neste modelo o Estado ocupa papel central na economia, tanto como produtor direto quanto como indutor de investimentos privados via coordenação e incentivos fiscais e tributários. Há uma articulação entre interesses públicos e privados em setores entendidos como estratégicos e fortes gastos em infraestrutura e formação de capital por empresas estatais. Mais ainda, a produção nacional é protegida da concorrência internacional através de barreiras comerciais e outras.
Há em curso em nosso país, principalmente a partir de 2008, uma tentativa de ressuscitar este modelo. Isto pode ser visto nas largas transferências do Tesouro para o BNDES, que hoje financia uma fração crescente dos investimentos privados a uma taxa de juros muito abaixo do mercado. Isto pode ser visto nas mudanças no marco regulatório do petróleo, com a Petrobras assumindo um papel ainda maior na prospecção e investimentos do setor. (Note ainda o alto percentual de compras locais da estatal, o que não leva em conta inteiramente diferencial de custos). Pode ser visto também na acelerada expansão do crédito por parte dos bancos públicos. De uma maneira ou de outra, aumenta-se a participação do Estado em diversos setores da economia, ao mesmo tempo em que se implanta e aumenta a proteção e os subsídios para setores e empresas da iniciativa privada.
A crise de 2008 deu o estofo ou argumento ideológico para a reação nacional desenvolvimentista. Ela seria o sintoma claro da falência do modelo neoliberal e indicação da necessidade de uma presença maior do Estado. Afinal, deu certo até o fim dos anos setenta, por que não daria agora?
Um problema é que, o que deu certo até 1980 também foi responsável por grande parte dos desequilíbrios e problemas posteriores. Mais ainda, deu certo em termos de crescimento, mas deu errado em termos sociais. Isto pode ser percebido pela péssima distribuição de renda que este modelo nos legou, além das altas taxas de mortalidade infantil, a baixíssima escolaridade, o alto analfabetismo e índices de pobreza e indigência muito acima do que se esperaria de um país com nosso crescimento e renda per capita. Em certo sentido nada além do esperado de um modelo que privilegiava o investimento em capital físico em detrimento aos gastos em capital humano e educação.
A dimensão social, atualmente, está bem encaminhada. A pobreza vem caindo há vários anos de forma estável, a desigualdade de renda caiu para os níveis mais baixos desde 1960 e a renda de parcelas geralmente excluídas dos benefícios do crescimento, como os negros e as mulheres, vem crescendo a taxas chinesas. Há vários fatores por trás disto, destacando-se a estabilidade macroeconômica (que protege os mais pobres), a expansão da educação e uma agressiva política social ao longo dos últimos 16 anos.
Outro problema diz respeito ao próprio crescimento. Hoje sabemos que na fase final do Milagre os indicadores de produtividade (em queda) já indicavam um certo esgotamento do modelo. Faltou justamente ênfase em produtividade e educação. Ao mesmo tempo, a tentativa de manutenção de taxas aceleradas de crescimento começava a pressionar a inflação e o balanço de pagamentos, um sinal adicional de esgotamento. No fim do Milagre a incapacidade (ou falta de vontade política) do governo em ajustar a economia após inúmeros choques externos - ao contrário, o governo acelerou investimentos - e a extensão e a intensificação da proteção comercial explicam grande parte de nossa estagnação econômica e queda da produtividade posterior.
As semelhanças com o momento atual não são pequenas: passada a crise econômica que justificou aumento anticíclicos dos gastos, há grande resistência ao ajuste por parte de vários setores do governo e da sociedade. Há também enorme pressão por medidas protecionistas por parte de grupos que se sentem prejudicados pela concorrência chinesa e pela taxa de câmbio valorizada. Alguns sinais amarelos já são visíveis. A taxa de inflação se aproxima do teto da meta de inflação e, fora os preços administrados, a alta de preços é generalizada e atinge inclusive o setor de serviços. O saldo em conta corrente se reduziu em mais de quatro pontos do PIB, apesar de um ganho de 40% na relação entre preços médios de exportação e importação.
Em boa parte estas tensões espelham desafios fundamentais que se colocam ao país. No topo da lista está a frustrante dificuldade em se aumentar a taxa de investimento do país, que vem evoluindo lentamente para os atuais 18,4% do PIB, apesar dos esforços e subsídios do BNDES. Trata-se talvez da maior frustração econômica do governo Lula, que com bom senso reduziu significativamente o risco político do país, mas assim mesmo não conseguiu mobilizar nossos "espíritos animais". A nosso ver a explicação para este fenômeno está no par ideologia (de raízes nacional desenvolvimentistas) e dificuldades de execução (enraizadas em um Estado loteado e ineficiente).
Além da baixa taxa de investimento, o Brasil vive hoje um início de crise no mercado de trabalho. A crise não é a tradicional e terrível falta de emprego, mas sim a falta de trabalho qualificado, em todas as faixas. Uma comparação com a Coreia do Sul pode ser útil.
Nos últimos 40 anos a Coreia foi de uma renda per capita 30% inferior à nossa a um nível hoje três vezes maior! Isto foi possível porque a Coreia investiu muito mais e educou mais e melhor do que nós. A escolaridade média subiu de 4,3 anos para cerca de 13 anos (igual à americana), enquanto a nossa foi de dois anos para em torno de sete anos. E a qualidade da educação coreana é excelente, enquanto aqui é, na média, sofrível. Uma resposta mais eficaz aqui é urgente, nas três esferas de governo.
O Brasil está, portanto, diante de uma encruzilhada. Do jeito que as coisas vão, parecemos caminhar para uma repetição do modelo nacional desenvolvimentista, mas com uma taxa de investimento inferior à versão original. Em que pese o maior foco atual no social, não custa lembrar que esta opção foi não só excludente socialmente, como gerou uma série de distorções que provocaram a estagnação posterior. Podemos ter alguns anos de vacas gordas, mas estamos fadados a parar longe de completar a convergência para os melhores padrões globais.
Não existe uma única alternativa a este caminho, mas alguns pontos são essenciais. Como bem indica a Coreia, o Brasil precisa investir e educar mais e melhor. O governo tem que promover as reformas necessárias para contribuir com a sua parte, investindo mais e gastando menos, e revalorizando a boa regulação para mobilizar o investimento privado. A promessa da presidente Dilma de aumentar a eficiência do Estado precisa ser cumprida através da ênfase na meritocracia por ela mesmo proposta. O atual cobertor curto no campo macroeconômico (inflação e juros altos, câmbio baixo) requer um ajuste fiscal mais convincente, que aborde com coragem as questões de longo prazo. Além de juros mais baixos, o setor privado precisa de um Custo Brasil menor, de uma estrutura tributária mais racional e de uma infraestrutura melhor, em vez de subsídios que não merece. Desta forma sobrará mais para programas sociais também. Enfim, há muito em jogo, muito a fazer, pouco tempo a perder. Repetir o passado parece-nos a pior das opções.

ANCELMO GÓIS - Pré-sal da bola


Pré-sal da bola
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 10/04/11

Veja como a Copa de 14 e as Olimpíadas de 16 são encaradas como grandes oportunidades por algumas empresas. Desde 2009, a Coca-Cola Brasil tem um gerente-geral só para a Copa. É Michel Davidovich. O projeto envolverá 400 pessoas. 

Inimigo ao lado 

Foi só coincidência. O voo 905 da American Airlines (Miami- Rio), quinta, trouxe o bicheiro Anísio Abraão David na poltrona 4A e José Beltrame na 5A. 

Taça brazuca 
No almoço de Dilma com Bono Vox, sexta, em Brasília, foram servidos vinhos Dal Pizzol. Entre eles, o da uva touriga nacional. Também no esforço de prestigiar nossa produção, vinhos da Valduga foram servidos no almoço com Obama no Itamaraty. 

Cachimbo da vovó

Outro dia, Alfredo Melo, dono do Bip Bip, o boteco de Copacabana, tomava café numa padaria da Rua Bolívar quando foi abordado
por uma vovó pedinte: — Meu filho, não maltrato ninguém e implicam comigo. Só quero fumar minha maconhinha. Dá um trocado para ajudar a vovó a comprar maconhinha? Há testemunhas.

No mais

Segundo o ministro Nelson Jobim, “no mundo todo”, aeroportos fecham, como o Galeão-Tom Jobim, quinta, quando uma furadeira atingiu um cano de gás. O mesmo argumento foi usado pelo presidente da Ligth, Jerson Kelman, para quem é comum, “no mundo todo”, bueiros explodirem. Deve ser a tal da globalização. Ah, bom! 

Viva Ana Maria! 

O selo Alfaguara (leia-se Objetiva) vai relançar 15 livros fora de catálogo da nossa imortal Ana Maria Machado ao longo de 2011 e 2012. Serão nove infantis e sete para os adultos. O pacote inclui o romance inédito “Infâmia”.

Ainda o caso Vale

Amigos de Roger Agnelli dizem que o ex-presidente da Vale subestimou o tamanho da conjuração contra ele. Por esta versão, o executivo teria achado que seu inimigo no governo era apenas Guido Mantega, insatisfeito com a demissão de Demian Fiocca, amigo do ministro, da diretoria da mineradora. 

Aliás...

Quando percebeu o tamanho da onda contra sua permanência na Vale, Agnelli teria tentando falar com Dilma, naquela semana da visita de Obama. A presidente, segundo a mesma versão, mandou dizer que estava sem espaço na agenda. 

Restos a pagar... 
Na verdade, há quem ache que Agnelli foi demitido em 2010 por Lula, que apenas deixou à Dilma a decisão de comunicá-lo no fim de seu mandato na Vale. 

Rei no cassino

Pelé virou protagonista de... jogo de azar em Las Vegas. A foto do eterno Rei do futebol aparece em máquinas de caça- níquel (veja acima) nos cassinos da capital mundial da jogatina, no jogo Legendary Goals. 

Os brasileirinhos 
Essa tragédia de Realengo não vai desaparecer tão cedo dos corações e das mentes das pessoas — principalmente, da garotada da mesma faixa de idade das vítimas de 13, 14 anos. Sexta, no Grupo Sistema de Ensino, escola particular da Zona Norte carioca, o professor Ludwig Araújo pediu aos alunos uma redação com tema livre. “Todos as 40 crianças escolheram a tragédia, e o tom foi de revolta.” 

Ovo de ouro
O ovo de Páscoa especial vendido pela Enoteca Fasano do Fashion Mall, no Rio, pesa 1kg, tem detalhes em ouro e... já está esgotado!
Precinho: R$ 340 a unidade. Mas, agora, só por encomenda. 

Rio de crédito 

Desde ontem, data de estreia de “Rio”, o Banco do Brasil pôs para comercialização uns 100 mil cartões temáticos sobre o filme de animação que celebra a cidade. Serão vendidos ainda brindes em quiosques do banco nos shoppings do Rio e na orla de Copacabana.

CAETANO VELOSO - Angústia


Angústia
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 10/04/11

Foi a primeira vez que vi um espetáculo de Pina Bausch depois que ela morreu. Senti grandemente sua ausência na plateia, durante a apresentação, e no palco, para os agradecimentos. Alguns dos bailarinos, o cenógrafo (o genial Peter Pabst), a figurinista (a extraordinária Marion Cito) e os assistentes de direção (Dominique Mercy e Robert Sturm) foram jantar no Nova Capela depois da sessão. Fui com eles à Lapa. Rimos, conversamos, sentimos a presença forte da ausência dessa mulher incrível que parece ter morrido como os movimentos dos seus dançarinos ao se completarem no espaço: com uma suavidade perfeita, que, no entanto, não nos ilude quanto às razões da angústia. Já contei que ouvi falar de Pina como de uma artista do desespero, mas que, ao ver pela primeira vez um espetáculo seu, tive a impressão de estar diante da vida mesma, de toda a complexa trama de formas e sentidos que dão gosto à vida. Lembrei-me mais de “Aquela coisa toda”, do Asdrúbal Trouxe o Trombone, do que de Gerald Thomas. Pensei mais em Fellini do que em Bergman. Mas há Brecht e Kafka e modalismos africanos. Imagens fundas. Brilho intenso das superfícies.
Como é que o movimento de um corpo chega até longe no ar, a um tempo reafirmando e superando a função de dobradiça dos cotovelos? O traje ocidental.
A materialidade do palco. A materialidade dos elementos naturais no palco — a naturalidade dos elementos artificiais. Pina era uma poetisa. O barro, os cravos, a água, a bambolina, as (cada uma única) pessoas humanas. Serei para sempre grato a ela.

Meu amigo Glauber Guimarães, roqueiro baiano cujo talento já transbordava quando ele era líder dos Dead Billies, não concorda comigo em quase nada relativo às discussões sobre a Lei Rouanet. Ele sente o peso do fenômeno comercial que é a música de carnaval de Salvador e, com nova banda de belo nome (Teclas Pretas), trabalha com o rock como um artista romântico burilando criações puras, desvinculado dos esquemas existentes, usando a internet como campo aberto para expor os processos por que passa sua música. Para um velho como eu, não deixa de ser emocionante ver aonde o rock chegou. A liberdade de jovens artistas como Glauber nasceu, em muitos casos , do seu amor pelo rock. Que, por sua vez, nasceu como um fenômeno comercial e de baixíssima reputação no meio dos anos 1950.

O rock acertou. Procuremos não errar demais agora. Peço perdão a quem de direito pelos meus erros. Mas não gosto de desrespeito aos fatos. Eu poderia explicar a Lobão que “Rock‘n’Raul” é uma canção de amor. Sem dubiedades. Pode não parecer menos confusa do que sua “Para o mano Caetano”, que me fez chorar (e que me levou a compor “Lobão tem razão”). Entendo que ele precisasse jurar que sua música para mim era uma canção de amor. Pode ser que alguns precisem que eu explique por que “Rock‘ n’Raul” também o é. Mas estou certo de que Raul sentiria o mesmo que sinto ao ouvir
“Para o mano Caetano”: amor. E nem sei se ele teria coisas a corrigir, como eu tenho no caso da canção de Lobão: por exemplo, a menção a ACM, como se eu tivesse alguma vez apoiado esse político.
Não desqualifico quem o fez, como Jorge e Zélia, Gal ou Brown. Mas ACM teve que conviver sempre com minha oposição. “Ninguém é meu dono”, era o que ele ouvia de mim. Dizer que ele era sexy era meu preâmbulo para entrar de sola no assunto da superação do caciquismo.
Quando Collor estava caindo, achei nobre que ele e Brizola fossem os últimos a continuar defendendo-o. Mas quando ACM, numa festa, se dirigiu a mim e a Gil para queixar-se d ter que seguir apoiando “esse canalha idiota”, gritei-lhe na cara: “Como você pode falar assim comigo? Vocês da direita sustentaram esse cara que nós fizemos tudo para derrotar e agora vem você me tratar como se estivéssemos juntos?”
Toninho Malvadeza ficou ralo. Olhou ao redor, pálido de raiva, e se afastou de fininho. Odeio ouvir, no avião, “pousaremos no Aeroporto Deputado Luís Eduardo Magalhães”.
Não tenho nada contra o falecido deputado. ACM tinha a mania de homenagear seus parentes e amigos mortos usando o espaço público da cidade. O “monumento ao helicóptero desconhecido”,na Garibaldi,
é uma vergonha. Já disse tudo isso de público. Então rio frio quando Lobão repete a sigla ACM na canção que tem meu nome no título. Não atribuí a Raul nada que não lhe fosse pertinente. A “vontade feladaputa de ser americano” deu em Lobão, Teclas Pretas e Racionais.
E o “lobo bolo” é o “Lobo bobo” de Lyra e Bôscoli, em que se troca o “bobo” pelo anagrama de lobo, bolo, que é referência à confusão (quase nunca boba ou desinteressante) que Lobão causa.
Doeu-me ler, no seu envolvente livro (que afinal ele mesmo parece ter escrito) texto meu sobre o caso da lei de numeração dos discos. Ali eu me vejo contrafeito. Duramente claro quanto à retirada de meu nome do abaixo-assinado, deixo entrever algo escuro.
Não tenho rabo preso com interesses econômicos de gravadoras. Sou infantil quando se trata de vida prática e termos jurídicos. Devo ter sido persuadido da urgência de interromper a iminente aprovação da lei tal como estava.
Parece que não atrapalhou a chegada ao resultado conseguido. Mas à primeira olhada não me achei bem na fita. Num final de semana de angústias (além de tudo, vivi perto de Realengo entre os 13 e os 14 anos), sombras amedrontam. Assim vamos aprendendo.
Nem sempre estamos certos de que o sofrimento não serve para nada.

Ismar Ingber Fabiana Ribeiro e Aguinaldo Novo - "Inflaçãozinha" boa para quem?


"Inflaçãozinha" boa para quem?

Ismar Ingber

Fabiana Ribeiro e Aguinaldo Novo
O GLOBO - 10/04/11
Empresários e trabalhadores passam a conviver com altas de preços de até 20%

OBanco Central jogou a toalha e admitiu que este ano não conseguirá trazer a inflação para o centro da meta do governo, de 4,5%. A arrecadação de impostos, movida pelo consumo em alta, não para de crescer. E, com mais dinheiro, o governo faz mais gastos. Os trabalhadores estão tendo ganhos reais (acima da inflação) de salários. Os empresários estão repassando aumentos de custos. E, por fim, apesar das medidas restritivas desde o fim do ano passado, o crédito não para de crescer. O resultado todo mundo conhece e está constatando na ponta do lápis: uma inflação que não para de subir. E já ameaça furar o teto da meta, de 6,5% este ano. Mas, será que é só uma "inflaçãozinha"? Alguém ganha com ela?

Apoiadas num mercado de trabalho aquecido, com maior formalização do emprego (carteira assinada) e crédito farto - na faixa de 40% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produtos no país) - as famílias continuam comprando.

- A confiança e o otimismo dos brasileiros se fortalecem num cenário em que quase todas as categorias profissionais recebem aumentos reais. Isso dá mais fôlego ao consumo. E cria uma ilusão de que as pessoas estão com um rendimento maior. Uma ilusão. Com mais dinheiro, apesar da inflação maior, gastam e gastam - disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central.

Mas não é só a questão dos salários. As indústrias estão remarcando. Somente no mês passado, o preço das resinas plásticas, por exemplo, teve correção de 20%. O produto é essencial na fabricação de muitos produtos, de eletrodomésticos a carros. Nessa conta, entram também o aço e o alumínio (alta média de 10% no mercado doméstico) e as embalagens de papelão ondulado (com previsão de reajuste entre 7% e 10% até maio).

- A pressão está insuportável - conta o presidente de uma empresa do setor de eletroeletrônicos.

O executivo, que pede para não ter o nome revelado, diz que levou o assunto ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e voltou da viagem a Brasília com a resposta de que "o governo está atento a isso". Alguns setores já iniciaram negociações com o varejo para o repasse dessa elevação de custos, mas a maioria diz que a forte concorrência com os produtos importados deve inibir esse processo - pelo menos, neste primeiro momento.

"A inflação é o custo da festa"

Já Genival de Souza, diretor da rede Prezunic, com cerca de 30 lojas no Rio, admite que os repasses da indústria este ano já oscilam entre 5% e 15% - uma alta que, apesar da renda maior dos trabalhadores, não tem como ser totalmente repassada ao consumidor.

- Precisamos segurar preços, apertar margens. Impossível repassar todos os nossos custos - disse ele.

- Em algum momento, esse repasse terá de acontecer. Ou acontece isso ou as empresas vão perder lucratividade - afirma o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

Frente a frente com reajustes acima da inflação, o consumidor reclama. Mas paga. Exemplo: produtos para as unhas, como esmaltes. No último ano, o preço do grupo subiu 11,96% - bem acima da variação média dos preços de 6,30% em 12 meses. Pode parecer pouco, dado que o preço de um esmalte fica na faixa dos R$3. Mas o produto faz parte de uma indústria que faturou R$27,5 bilhões em 2010, 12,6% mais do que em 2009. E a expectativa é de um 2011 melhor, com um faturamento de R$31,12 bilhões.

Os alimentos já encareceram 8,75% nos últimos 12 meses. Altas que fizeram as vendas do setor de supermercados crescer 13,9% em 2010, alcançando R$200,1 bilhões.

- A festa do crescimento tem um custo. Não existe almoço de graça. Não dá para a economia crescer, a renda subir, o crédito ampliar e a inflação ficar parada. A inflação é o custo da festa - afirmou o professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, especialista em inflação.

Reclamar dos preços é uma coisa. Deixar de consumir um bem ou serviço é outra, sugere André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). Diz isso porque os emergentes da classe média aderiram a novos hábitos e, com renda e crédito, podem pagar por eles. Academias, centros de beleza, viagens e serviços médicos deixaram de ser exclusivos de uma faixa da população. Um aumentinho - R$5, que na verdade podem ser 25% - não vai tirar uma cliente do salão de beleza.

- Se cabe no orçamento, o brasileiro absorve o custo a mais no fim do mês - diz Braz.

- O Brasil ainda tem um demanda reprimida por bens e serviços. E, por isso, agora que realiza seus sonhos de consumo, prefere se endividar a dizer não às tentações do varejo - completou Carlos Thadeu.

Então, é justamente no setor de serviços que as empresas estão garfando mais o bolso dos brasileiros - seria o ápice da complacência com a "inflaçãozinha". Há médicos que subiram o valor de sua consulta em 20%, sem sentir queda na procura. Em salões, como o Fios e Arte, houve alta de 10% a 15% dos serviços. O Studio Betina Guelmann, centro de dança, reajustou as mensalidades em 17%, mas mesmo assim mantém fielmente suas 180 alunas. No salão Fashion Mix, o reajuste de 15% nos serviços não afastou a clientela.

- Precisei fazer um reajuste de 15% no preço dos serviços, pois aumentei o número de funcionários, fiz uma obra no salão para aumentar o bem estar das crianças. Mesmo com esse aumento, este primeiro trimestre de 2011 foi o melhor em seis anos de Fashion Mix - conta Joana Wolf, dona do salão infantil.

Não é pequena a lista de reajustes do orçamento da consumidora Cristiane Dart. Academia, curso de francês, serviços de beleza, gastos com vestuário, alimentação... Apesar das altas, ela não alterou significativamente seus hábitos. Tanto que não abandona os serviços de sua manicure Gracinda, que a conhece desde os cinco anos de idade.

- Mesmo com aumentos, sou fiel à minha manicure. É uma relação de anos. Mas também não saio do francês, não deixo a academia - diz.

Num ambiente em que os aumentos são repassados e os consumidores aceitam, a indexação vai se espalhando pela economia. Segundo Carlos Thadeu, 30% da economia brasileira já estão indexados, ou sejam, tem correção automática. E Cunha lembra que o reajuste da tabela do Imposto de Renda e o do salário mínimo também são formas de indexação.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que por causa da baixa competitividade do mercado doméstico, existe "já há algum tempo um estado latente" de reindexação.

- O problema é o governo negligenciar esse problema, minimizar seus riscos. Deveria, por exemplo, buscar uma meta de inflação menor. Enfim, os instrumentos para combater a indexação não estão sendo usados.

Em relatório a clientes, Laura Haralyi, do Itaú Unibanco, diz que os últimos índices de custo de vida divulgados confirmam uma "percepção de deterioração do perfil da inflação".

"O aumento da difusão e a alta das expectativas de inflação dos consumidores (observadas nas pesquisas da CNI e FGV) reforçam a percepção de maior inércia inflacionária para os próximos meses e o risco de aumento da indexação de preços", afirma ela.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - Mantega no país da fantasia



Mantega no país da fantasia
EDITORIAL

O Estado de S.Paulo - 10/04/11

É assustadora a tranquilidade exibida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, diante do evidente surto inflacionário e das condições nada invejáveis das contas públicas brasileiras. Ele tem fracassado seguidamente nas tentativas de enfrentar alguns dos mais prementes problemas, como o ingresso maciço de dólares. O anúncio de cada nova barreira é seguido de mais uma enxurrada de moeda americana e de mais uma rodada de valorização do real. Nada parece, no entanto, abalar seu otimismo e sua aparente confiança no sucesso de todas as suas políticas. Nessa sexta-feira, ele voltou a prometer, num discurso em São Paulo, medidas para conter o crescente desajuste cambial, como se as suas palavras desestimulassem os especuladores. Não parece haver percebido um fato muito simples: a reação normal dos jogadores a cada nova ameaça é antecipar seu lance e agir mais prontamente que o governo.

Mas o mundo fantástico do ministro tem muitas outras maravilhas. Segundo ele, "o governo não titubeará em adotar medidas para ter a inflação sob controle". As autoridades, acrescentou, pretendem evitar o contágio de outros setores pelo aumento dos preços das commodities. Ele pode não ter notado, mas, no Brasil das pessoas comuns, o contágio há muito deixou de ser um risco hipotético.

Enquanto o ministro discursava em São Paulo, a Fundação Getúlio Vargas divulgava no Rio de Janeiro o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), pesquisado em sete capitais. O aumento foi de 0,89% nos 30 dias terminados em 7 de abril. No fechamento de março havia sido de 0,71%. Um mês antes havia ficado em 0,59%. O contágio tem sido claramente confirmado pelo chamado índice de difusão. No período encerrado na primeira semana de março, 63,34% dos itens haviam ficado mais caros. No fim do mês, esse índice havia chegado a 68,04%. Segundo a apuração recém-concluída, o surto inflacionário contaminou 68,33% dos bens e serviços incluídos na pesquisa.

A inflação brasileira, segundo insiste o ministro, é essencialmente um reflexo da valorização internacional dos produtos básicos. Mas ele decidiu, talvez por segurança, elevar de 1,5% para 3% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente no crédito ao consumidor. Desde o ano passado muitos especialistas vinham apontando a rápida expansão do crédito como um fator inflacionário.

A reação do governo foi demorada e muito provavelmente será inócua no combate à inflação. A maior parte dos consumidores dificilmente notará o aumento do imposto e continuará tomando financiamentos, se as prestações couberem no seu orçamento. Muito mais eficaz seria uma redução do número das prestações, mas o ministro ou não percebeu esse dado ou não se dispôs a tomar uma providência realmente séria. O aumento do imposto servirá mesmo para engordar a arrecadação do governo. Só com o aumento da carga tributária o governo conseguirá alcançar a meta fiscal deste ano - outra promessa do ministro.

Ele mencionou, naturalmente, a disposição do Executivo de cortar parte dos gastos programados para o ano, como se houvesse, de fato, a intenção de executar uma política austera. Também isso é fantasia. Já se fala, em Brasília, da disposição do governo de preservar certo volume de desembolsos para atender a pressões de prefeitos preocupados com as eleições de 2012. Isso é apenas parte das pressões.

Em seu surto de fantasia, o ministro comparou a expansão dos investimentos no Brasil e na China. De fato, o aumento de 21,9% apurado em 2010 deve ter sido bem maior que o verificado na China. Mas esse aumento ocorreu sobre a base deprimida de 2009. Além disso, há uma diferença monumental entre as duas economias na relação entre investimento e PIB. Neste ano, se der tudo certo, o País investirá o equivalente a 19,1% da produção bruta, segundo a própria Fazenda. A China deve ter investido 55% do PIB no ano passado. Em 2011, a proporção talvez diminua para 54,5%. O Brasil precisará poupar muito mais para chegar à metade disso. Esse resultado dependerá principalmente da adoção de políticas mais sérias pelo governo. Fantasia sem ação não gera recursos.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA


Negócio da China
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/04/11

Enquanto Dilma segue para Pequim, o PMDB fica por aqui tentando dar continuidade às suadas nomeações do segundo escalão. Ninguém espera anúncios de vulto na ausência da presidente, mas sempre é possível apresentar ao chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, pleitos como a presidência da Embratur.
Já que José Maranhão (PB) não se interessou, os peemedebistas agora querem a vaga para Hélio Costa (MG). Lembram que o ex-correspondente internacional "fala bem inglês". O mundo todo sabe que Dilma não gosta de Costa, mas isso não intimida o PMDB. "Se ela pediu voto para ele em Minas", observa um cardeal, "por que não pode colocar no governo?".
Pela base Em Minas, um aliado de Costa, Fernando Miranda Gonçalves, perdeu a direção regional dos Correios para o petista José Pedro Amengol Filho.

Não desiste nunca 
No caso de Orlando Pessutti (PMDB), que deu palanque a Dilma no Paraná e perdeu a eleição, a dificuldade continua a ser Roberto Requião (PMDB), que o antecedeu no governo e está disposto a infernizar a vida do Planalto para evitar sua nomeação a todo e qualquer cargo.

Categorias 
Do deputado e secretário de Comunicação do PT André Vargas (PR): "Existe a situação, a oposição e o Requião".

Cadeiras 1 
A recomposição do Conselho Consultivo da Anatel, recém-publicada no "Diário Oficial da União", trouxe a indicação de Marcello Sampaio Corrêa como novo representante da sociedade, com assento até 2014.

Cadeiras 2 
Conselheiro do instituto Telecom, Corrêa é ligado ao Sindicato dos Trabalhadores de Empresas de Telecomunicações do Rio e foi assessor do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) e da CUT.

Oh, vida... 
A perspectiva de que lhe seja negada ascendência sobre o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não é a única a atormentar Moreira Franco. Quando o peemedebista foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, dava como certo que o planejamento do sistema de saneamento ficaria sob o seu comando.

...oh, azar
Passados cem dias de governo, até hoje ninguém lhe disse palavra sobre o assunto.

Tenho dito 
Provável vitorioso na eleição de hoje para o comando do PSDB paulistano, o secretário estadual Júlio Semeghini (Gestão Pública) aposta em prévias para a escolha do candidato do partido à prefeitura. E manda um recado aos vereadores, derrotados internamente: "Vamos cobrar independência em relação ao governo municipal". O tucano José Police Neto se tornou presidente da Câmara pelas mãos de Gilberto Kassab.

Mata-mata 
Semeghini, escolhido por Geraldo Alckmin, quer montar, se eleito, grupos temáticos para discutir a agenda eleitoral da cidade. Ele se diz preparado para que a disputa de hoje vá a voto, dado o tensionamento com os vereadores.

Domingão 

José Serra avisou que uma viagem o impedirá de participar da convenção municipal. Alckmin deve votar logo cedo, mas acompanhará o desfecho em Pindamonhangaba.

Bifurcação
Está nas mãos de Alckmin a decisão sobre o modelo a ser adotado na duplicação da rodovia dos Tamoios, promessa de sua campanha. São duas possibilidades: concessão -mais complexa, dada a baixa taxa de retorno da obra, próxima de 30%- e PPP, cuja principal vantagem a perspectiva de celeridade nos licenciamentos ambientais.
com FABIO ZAMBELI e ANA FLOR

tiroteio

"Ideologia é coisa de partido europeu. No Brasil os partidos são programáticos."
DO DEPUTADO LICENCIADO VILMAR ROCHA (GO), co-fundador do PSD de Gilberto Kassab, rebatendo críticas feitas ao prefeito paulistano, segundo quem a nova agremiação não será "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro".

Contraponto

Não custa tentar

Na noite em que promoveu sessão do filme "É Proibido Fumar" no Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff foi surpreendida pelo pedido de autógrafo de cineastas e artistas presentes. A certa altura, a presidente resolveu brincar com uma das jornalistas convidadas:
-E você, não vai me pedir autógrafo?
-Vou sim- respondeu a repórter, que passou seu bloco de notas para Dilma e completou, em voz baixa:
-Embaixo a sra. põe o nome do presidente da Vale?
A presidente deu uma boa risada, mas nada da informação que àquela altura todos buscavam obter.

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Se reformarem, é para piorar



Se reformarem, é para piorar
JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Estado de S.Paulo - 10/04/11

Desde que me entendo, ouço falar em reformas e as únicas que lembro ter visto efetivamente realizadas são as ortográficas. Já devo ter pegado umas quatro ou cinco e ainda encontrei muitos livros em orthographias extranhas, na bibliotheca de meu pae. Aprendi a ler no tempo em que a palavra "toda" se escrevia "tôda", para não ser confundida com o nome de uma tal ave, jamais vista por quem quer que seja. Jorge Amado perdeu a paciência, depois de fazer força para se adaptar a diversas ortografias. Uma vez, quando ele estava acabando de redigir um artigo ou prefácio, como sempre incentivando algum escritor novato, eu cheguei e ele me disse, datilografando as últimas palavras do texto, arrancando o papel da máquina e o entregando a mim:

- Ah, ótimo que você apareceu. Bote os acentos nessa merda aí, que eu não tenho mais saco para reaprender a soletrar de cinco em cinco anos.

Talvez eu esteja sendo injusto e tenha presenciado a realização e implantação de alguma reforma não ortográfica. Mas não aquelas que antigamente eram chamadas de "reformas de base" e consideradas essenciais para o desenvolvimento ou até a sobrevivência do País. Reforma agrária, reforma tributária, reforma judicial, reforma administrativa, reforma educacional e por aí se desfiam as benditas reformas, um longuíssimo rosário, impossível de recitar de cor. Ao mencionar-se sua necessidade ou urgência, todos assentem com ares graves - sim, sim, naturalmente, as reformas.

Contudo, passar da anuência à ação é aparentemente impossível. Reforma é uma coisa na qual se fala, mas não se faz. É excelente para comícios e entrevistas, mas não para agir. De vez em quando, um governante diz que fez uma reforma. Se não me engano, o ex-presidente Lula anunciou que fez uma ou duas reformas. Não lembro quais e provavelmente nem ele, são coisas do passado e ninguém viu reforma nenhuma mesmo.

Tenho uma teoria simples a respeito desse assunto. Todas as reformas, de todos os tipos, iriam prejudicar os que ganham com a manutenção do que está aí. Como o País, de cabo a rabo, em todos os níveis, em todas as classes e categorias, é essencialmente corrupto, a corrupção não deixa. Não existe setor da administração pública, novamente em todos os níveis e dimensões, que não seja território de uma ou diversas máfias, algumas das quais institucionalizadas e quase todas alimentadas por uma burocracia pervertida e feita para ensejar propinas, vender influência e fazer proliferar os despachantes e seus equivalentes mais graduados, os chamados consultores - entre estes últimos constando o hoje injustamente esquecido filho de d. Erenice.

Diante da realidade de que há quadrilhas em ação em todos os poderes, tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora, não se vai acreditar que os beneficiários de determinado estado de coisas abdicarão de suas vantagens pelos belos olhos de quem quer que seja. Ouso mesmo dizer que, em muitas das áreas mafiosas, quem for fundo demais na investigação e na reforma corre o risco de morrer. São muitas as histórias de assassinatos realizados a mando de algum esquema de corrupção, pelo Brasil afora. Não escapa área nenhuma, a começar, simbolicamente, pelas próprias polícias.

E não escapa, naturalmente, o Congresso Nacional, onde, segundo as más línguas (observem meu uso copioso do adjetivo "alegado", ou quem vai preso sou eu) há alegados ladrões, alegados estelionatários, alegados salafrários e outros alegados, em tamanha fartura que desafia a contagem. Agora o Congresso está entregue à tarefa de realizar a reforma política, todo mundo fingindo que acredita que algo que prejudique os interesses imediatos dos congressistas será aprovado. E que o nosso sistema eleitoral está sendo aperfeiçoado.

Aperfeiçoado para eles. O que eles pretendem chega a parecer brincadeira, mas, infelizmente, não é. Querem, como se sabe, instituir o que já chamam afetuosamente de "listão". O eleitor não votará mais em um candidato, mas na lista elaborada pelo partido, na ordem estabelecida pelo partido. Atualmente, com a lista aberta, pelo menos o eleitor escolhe uma pessoa e essa pessoa, se bem votada, fatalmente se elege. Mas não vai haver mais esse direito. De agora em diante, com a lista fechada, o eleitor escolhe o partido com que se identifica e lhe entrega a escolha dos nomes que serão eleitos.

Só pode ser deboche. Que significa um partido político no Brasil, senão a conglomeração temporária de interesses que raramente são os da nação, mas de grupos, categorias ou indivíduos? Até os programas partidários não passam de florilégios de frases vagas e altissonantes, tais como o combate à desigualdade e a injustiça social, os projetos de inclusão, o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e outras generalidades, quem ouve um, ouve outro e, se o nome do partido fosse apagado, não haveria quem o distinguisse. Apareceu até um partido que se declara não ser de esquerda, nem de direita, nem de centro. Talvez seja o mais honesto deles todos, por mostrar que reconhece a realidade política brasileira. Aqui nenhum partido quer dizer nada mesmo e podiam usar todos a mesma sigla: PPPPP, Partido Pela Predação do Patrimônio Público, porque tudo o que seus membros aqui almejam é abocanhar a parte deles.

Agora vêm com essa novidade da lista fechada. Se já não nos é permitido dar palpite no uso do nosso dinheiro, daqui a pouco nos tirarão o direito de escolher nossos governantes. Ou seja, seremos mandados pelas organizações oligárquicas e caciquistas dos partidos. Seremos uma "democracia" governada por conluios e manobras escusas. Ou por 171, como queiram.

GAUDÊNCIO TORQUATO - Cada tempo com seu uso



Cada tempo com seu uso

GAUDÊNCIO TORQUATO

O Estado de S.Paulo - 10/04/11

"Cada coisa com seu uso, cada roca com seu fuso." Ou ainda: "Cada terra com seu uso, cada preta com seu luso". O primeiro ditado pode constar no dicionário dos conceitos "politicamente corretos", mas o segundo, nestes tempos do Big Brother da linguagem, está condenado ao ostracismo. Por lembrar um passado escravagista. Atenção, leitores: palavras, frases, ditados e expressões populares que retratam o ethos nacional e interpretam nossa maneira jocosa de ver, sentir e julgar pessoas e fatos estão em quarentena. Só podem aparecer em ocasiões e circunstâncias bem medidas pelos interlocutores, receosos de ser flagrados por patrulheiros da expressão "politicamente incorreta". Nos últimos tempos o destempero tem aumentado por conta do uso inapropriado (?) de argumentos considerados discriminatórios. O mais recente episódio teve como motivo resposta do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) à cantora Preta Gil: ao retrucar pergunta sobre o que faria se seus filhos se apaixonassem por uma negra, o polêmico parlamentar disse não correr "esse risco" porque eles foram "muito bem educados", enfrentando por isso a acusação de ter cometido crime de intolerância racial.

A contenda que se trava em torno da igualdade de direitos e, particularmente, sobre o campo da linguagem de discriminação não é peculiaridade nossa. Trata-se de uma pauta central na agenda da humanidade e ganha corpo na esteira do momento que vivemos, designado como Era da Informação. A característica fundamental deste ciclo é o rompimento de barreiras nacionais e continentais e a consequente interpenetração de culturas, com seus valores, princípios e costumes. Nesse cenário, a ameaça de morte que paira sobre Sakineh Ashtiani, no Irã, a prisão do renomado artista de vanguarda chinês Ai Weiwei (um dos autores do estádio Ninho de Pássaro, construído para a Olimpíada de Pequim, em 2008) ou as recorrentes tiradas de Bolsonaro contra minorias fazem parte da mesma carta de compromissos, que reúne os batalhões dos direitos humanos em todo o mundo. O bastião ganha adeptos a cada dia. Desde a queda do Muro de Berlim e o início do desmonte dos impérios autoritários, o ideário da promoção humana passou a ganhar peso na mídia e a inspirar lutas em campos distintos, como os da igualdade de direitos das mulheres, da discriminação racial e do direito às diferenças.

Nesta fase, também cognominada de "pós-industrial", a sociedade busca mecanismos para aperfeiçoar sua defesa, criando, à margem das instituições políticas clássicas (partidos e Parlamentos), novas representações para intermediar as relações sociais. Formou-se um gigantesco escudo, integrado por organizações não governamentais (ONGs). Dele partem as campanhas para ajustar os eixos da vida social, seja promovendo a igualdade de gêneros e a diversidade cultural, seja defendendo visões diferentes dos padrões antigos. O Brasil emerge como um dos grandes laboratórios da nova engenharia social. No quesito cidadania, o País acompanha o ritmo do tempo. E participa dos foros das nações desenvolvidas. Há cabeças de ponte por todos os lados guerreando a favor de setores que se consideram discriminados. O que difere nosso país de outros, no que tange aos direitos humanos, é o gosto pelo tom carnavalesco, espetaculoso, espalhafatoso com que se procura dar eco ao embate. Veja-se o caso Bolsonaro. O parlamentar, sabe-se, faz um tipo. Quanto mais contundente e extravagante, mais fiéis arregimenta em torno de seu perfil - que ele procura cobrir com medalhas militares, um manto conservador e franjas discriminatórias. Sua peroração, é evidente, quer motivar as bases. Que lhe darão os votos.

Cheguemos, agora, a outro território. A esfera dos direitos humanos avança a largos passos. Minorias e grupos que se consideram alijados do foro principal contam com bastiões ativos, do tipo comissões especializadas (mulheres, negros, núcleos étnicos), que se incrustam em entidades de vulto como a Ordem dos Advogados do Brasil. Esse é o lado bom. Mas há um lado que gera desconfiança. Partidos ou organizações utilitaristas exageram na dose, submetendo o ideário da cidadania aos caprichos pessoais de uns e outros. Patrulhas estridentes fazem marcação cerrada contra discursos que nem sempre são ofensivos às minorias. Enxugando os prós e contras, o que se vê é um punhado de pessoas querendo cavalgar a "montaria da discriminação" para angariar prestígio. O sinal amarelo dá um alerta. Há gente querendo tirar proveito do debate. A emoção vence a razão. Os filtros sociais passam a se entupir de exageros. Coisas incríveis acontecem. A ordem democrática - que corre nos dutos da linguagem desabrida, descontraída e criativa - sofre abalos. De maneira instintiva, a autocensura se instala nos ânimos. Posso falar isso? Posso dizer aquilo? A piada é conveniente?

Muitos temem cantar "o teu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor", temendo represálias. Lamartine Babo, seu compositor, não é mais desculpa. Quem é esse Luiz Caldas que entoa o refrão "nega do cabelo duro, que não gosta de pentear"? E a "cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é"? João Roberto Kelly poderá ser incriminado. Tem mais. Há dúvidas sobre a conveniência de botar aquela música, tema de Villa-Lobos, que fala do cravo que brigou com a rosa. O cravo, homem, e a rosa, a mulher, poderiam estimular, com tal letra, a violência nas crianças. E quem se atrever a agitar a criançada com a iniciativa de bater palmas com a cantiga "atirei o pau no gato" poderá ser alertado. Cuidado, lembrará a professora, com os impulsos bestiais. Só resta a você, leitor com mais de 60 anos, um sorriso não muito convincente para enfrentar o besteirol que se derrama pelos desvãos das fortalezas contra a discriminação. Afinal, você tem muito tempo pela frente. Está longe de ser velho. Ora, você vive "a melhor idade".

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

GOSTOSA

CELSO MING - 100 dias de vacilação


100 dias de vacilação
CELSO MING

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/04/11

O governo Dilma completa hoje 100 dias, prazo que habitualmente se confere às autoridades para que mostrem a cara da nova administração.
Alguém já afirmou que este é a continuação do governo Lula com mais gerenciamento e saudável toque feminino. Outros, que a exigência de mais resultados na política externa não é mudanças à toa. Mas essas são qualificações insuficientes.
O governo Dilma assumiu uma economia aquecida demais pelas despesas correntes turbinadas nos dois últimos anos da gestão de Lula. O corte de R$ 50 bilhões nas previsões orçamentárias deste ano mais o compromisso de garantir superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de R$ 117,9 bilhões foram um bom começo. Mas é pouco para conter o consumo, como o governo vem reconhecendo quando tenta segurar o crédito.
A gestão Dilma enfrenta uma mistura inédita (nos últimos 16 anos) de surpresas e novas incertezas. A primeira delas foi o resultado do afrouxamento monetário dos grandes bancos centrais do mundo, especialmente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que multiplicou o volume de recursos no planeta. Boa parte dessa dinheirama tomou o rumo do País e é um dos fatores que ajudam a explicar a enxurrada de dólares no câmbio interno.
Outra surpresa é a disparada dos preços das commodities agrícolas, em mais de 29% nos últimos seis meses, que ajudou a puxar os preços dos alimentos, maiores responsáveis pelas pressões inflacionárias. A terceira é a revolução da comunidade islâmica na África e na Ásia e seu impacto sobre os preços do petróleo.
A principal consequência desses três imprevistos é a mistura de uma forte valorização do real (queda do dólar no câmbio interno) com disparada inflacionária, que, em 12 meses terminados em março, ultrapassou os 6,3% (veja o gráfico).
O mais importante não são as surpresas nem as incertezas que vêm junto, mas o modo como o governo lida com elas. O tom de lamentação e de "a culpa não é minha", misturado com declarações do tipo "isso não é nada; logo passa", foi e continua sendo a primeira atitude inadequada. A segunda é não saber identificar o principal inimigo. Não sabe se ataca a excessiva valorização cambial ou se ataca a inflação. Daí as vacilações e a meia sola nas respostas dadas.
Manifestação dessa falta de objetividade é a força exagerada aos chamados recursos prudenciais, usados para não acionar os mecanismos mais eficazes e, assim, evitar efeitos colaterais indesejados, mas provocando outros mais, talvez mais sérios. Outra resposta indevida é usar o caixa das empresas estatais e privadas - caso da Petrobrás e das usinas de álcool - para fazer política de preços.
A atitude tolerante do Banco Central à inflação e o gradualismo da administração da política monetária, por sua vez, tiraram eficácia do sistema de metas de inflação, na medida em que são os principais responsáveis pelo descompasso entre as expectativas dos "fazedores de preço" e os objetivos da autoridade monetária. Assim, se havia uma incerteza no ponto de partida, agora há outra no de chegada: não existe segurança de que a inflação seja contida dentro do horizonte sugerido pelo Banco Central, principalmente, se os preços do petróleo permanecerem acima de US$ 100 por barril, como é mais provável.
O modo gradualista e quase minimalista de enfrentar a excessiva valorização do real (baixa do dólar) parece esgotado - como esta coluna já levou em conta em outras oportunidades - e, mais do que isso, reforça a tendência de baixa do dólar, por atrair mais moeda estrangeira. Quanto mais altas as reservas tanto mais melhora a percepção sobre as boas condições da economia brasileira; e quanto mais atua para reduzir a volatilidade das cotações da moeda estrangeira, mais o Banco Central reduz a percepção de risco dos aplicadores.
Afora isso, este começo de Dilma se caracterizou por fortes intervenções no setor produtivo. As coisas ficaram algo mais artificiais e mais dependentes do governo. São práticas que a gente sabe como se implantam, mas não sabe quando e como serão erradicadas.

MAC MARGOLIS - Entre EUA e China, salvam-se os colombianos


Entre EUA e China, salvam-se os colombianos
MAC MARGOLIS

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/04/11

Em sua visita à América Latina no mês passado, Barack Obama conseguiu a proeza de agradar a mouros e cristãos com um banquete recheado de charme e um pouco mais. Sim, frustrou quem imaginava um empenho maior da Casa Branca em desmontar as barreiras americanas ao etanol brasileiro e em defender um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, se "80% do sucesso é apenas aparecer", como diz Woody Allen, a breve passagem de Obama por estas latitudes foi um estrondo.
A diplomacia americana, às vezes, escreve certa por linhas tortas. Hoje, quem comemora a "parceria entre iguais" não é o Brasil nem o Chile, mas um país que Obama sequer visitou: a Colômbia. Na quinta-feira, os dois países assinaram um acordo que pode destravar o Tratado de Livre Comércio bilateral. Se tudo der certo, será um marco nas relações Norte-Sul.
O tratado é antigo. Foi aprovado em 2006, mas os democratas implicaram com o pacto por causa de dois argumentos: o primeiro, que a abertura favoreceria indústrias predadoras, fechando postos de trabalho americanos, é fajuto. Cerca de 80% dos produtos colombianos, do café às camélias, já têm tarifas mínimas nos EUA graças ao sistema de preferências comerciais negociado nos anos 90.
Quem ganharia mais com o tratado, pasmem, seriam os exportadores americanos, que por falta de sintonia diplomática sofrem sobretaxas penosas em produtos como computadores, máquinas e serviços. Mas, para os democratas, qualquer arranjo de livre comércio é mais um prego no caixão do doentio sindicalismo "made in USA".
O segundo argumento, que um acordo seria um passe livre para matar líderes sindicais colombianos, é discutível. Há algum tempo, ser líder sindical na Colômbia era correr risco de vida. Como também o era ser camponês, comerciante, professor ou político. No entanto, isso está mudando. Graças à agressiva política de segurança nos último anos, a violência despencou no país, inclusive contra trabalhadores sindicalizados.
Mas por que o interesse repentino de Washington na causa colombiana? A explicação vem da extrema direita e do Extremo Oriente. Com a derrota dos aliados nas eleições parlamentares, Obama perdeu o controle do Congresso para o Partido Republicano, historicamente simpático à abertura comercial. Assim, o fracasso eleitoral virou oportunidade comercial.
Ajudou também o empurrão da China. Enquanto os EUA se distraíam com guerras e a crise econômica em casa, as relações com os vizinhos mais próximos ficaram à deriva. Vantagem para Pequim, que aproveitou a lacuna e mergulhou na região para garantir acesso ao petróleo, aos minérios e à infraestrutura. A América Latina está aprendendo a falar mandarim.
A presença chinesa pode não provocar nenhum tremor geopolítico ou desequilíbrio militar. A Casa Branca, contudo, está desacostumada a ter rivais no seu "quintal". Como diz Eric Farnsworth, ex-conselheiro comercial do governo Bill Clinton, "nada motiva mais Washington do que a concorrência."

É CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" E COLUNISTA DO "ESTADO"