Os peões prevaleceram no PAC e na OSB
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/04/11
Manda quem pode e obedece quem tem juízo, desde que aqueles que mandam, juízo tenham
EM MENOS DE um mês, os peões prevaleceram em dois cenários extremos, nos alojamentos das empreiteiras do PAC na Amazônia e na Orquestra Sinfônica Brasileira.
Nos dois casos, patrões e empregados começaram a se estranhar no início do ano. Nas obras das hidrelétricas, 37 mil operários reivindicavam melhores condições de trabalho. Na Orquestra Sinfônica, que já foi dirigida por Mário Henrique Simonsen e Eugênio Gudin, o presidente da fundação que a sustenta, economista Eleazar de Carvalho Filho e o maestro Roberto Minczuk informaram aos seus 85 músicos que passariam por um processo de avaliação individual.
Em fevereiro, reunidos em assembleia, 56 músicos da OSB anunciaram que não se submeteriam à avaliação. Em março, os peões da hidrelétrica de Jirau revoltaram-se, incendiaram alojamentos, ônibus e escritórios da empreiteira Camargo Corrêa.
Eleazar de Carvalho foi em cima de seus peões, acusando-os de "difamar e denegrir a reputação da Fundação OSB", lembrando-lhes que "atos de insubordinação são passíveis de punição".
O doutor usou linguagem das galés de Cesar, mesmo sabendo que a Filarmônica de Berlim nasceu de uma revolta de músicos.
Ou que, em 1886, no Rio de Janeiro, soube-se que existia um maestro chamado Arturo Toscanini quando, aos 19 anos, ele regeu de memória os quatro atos da Aída, depois de uma revolta de músicos contra um maestro brasileiro e da plateia contra seu substituto italiano.
Na Amazônia, a empreiteira Camargo Corrêa, responsável pela obra de Jirau, informou que ocorrera uma simples "ação criminosa e isolada de um grupo de vândalos". O enviado da CUT, Vagner Freitas, disse ao repórter Leonencio Nossa: "Tem que voltar a trabalhar, eu sou brasileiro, quero ver essa obra funcionando". A ordem seria garantida pela chegada da Força Nacional de Segurança.
Nos dois casos, um ocorrido no andar de cima da sinfônica, e outro, no de baixo, nas obras de construção civil, funcionou a ideia de que "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Deu errado.
Com as obras paradas, o Planalto acordou e chamou empreiteiros e centrais sindicais para uma reunião em Brasília.
Os peões conseguiram o compromisso de que não haverá mais contratações por meio de "gatos", a antecipação do reajuste salarial, um novo valor para a cesta básica e novas opções de planos de saúde. Isso e mais cinco dias de folga a cada três meses para visitar as famílias, com passagens pagas.
Na outra ponta, Eleazar de Carvalho e Roberto Minczuk foram surpreendidos por um boicote liderado pelos pianistas Nelson Freire e Cristina Ortiz, bem como pelo maestro Roberto Tibiriçá.
Na quinta feira, depois de demitir 32 músicos, Carvalho trocou de partitura e, numa carta, disse "ter sido levado" a demiti-los e propôs uma negociação para "salvar uma grande instituição". Tudo bem, mas quem falou em "punição" foi ele. Sua permanência no cargo (no qual trabalha de graça), bem como a do maestro Minczuk tornou-se tão difícil quanto a execução da Sétima Sinfonia de Gustav Mahler.
Tanto nas obras do PAC da Amazônia como na OSB, os doutores descobriram que, para mandar, é preciso primeiro ter juízo.
O TUCANO CORDIAL
A entrada em campo de Aécio Neves como porta-voz da oposição não trouxe novidades de conteúdo, mas devolveu ao tucanato uma de suas melhores características, a cordialidade.
Para quem sentia falta da bonomia de FHC, Aécio é um alívio.
CANIBALISMO
Entende-se que a doutora Dilma quisesse fritar o presidente da Vale, Roger Agnelli.
O que não se entende é que tenha permitido uma negociação que terminou na execução do executivo Tito Martins, que estava posto em sossego no seu serviço, foi abatido em voo e acabou satanizado, como se tivesse cometido um crime por ter boas relações com o presidente da empresa onde trabalha.
JOGO VICIADO
O ministro Guido Mantega subiu as alíquotas do IOF para a entrada de dólares na economia dizendo que a medida se destinava a segurar a cotação de real.
Quem acreditou, ficou feliz, mas o dólar fechou no dia seguinte abaixo de R$ 1,60.
A banca internacional, que não trabalha com o fator-felicidade, viu que os aumentos do imposto servem sobretudo para engordar a arrecadação, no governo de uma candidata que há poucos meses prometia segurar a carga tributária. Para ela, de duas uma: Mantega não sabe o que faz, ou faz o que não diz.
BOA NOTÍCIA
É provável que o papa Bento 16 volte ao Brasil em 2013. Ele poderá vir para o Encontro Mundial de Jovens Católicos, a se realizar no Rio de Janeiro ou em Belo Horizonte. Planeja-se um evento para algo em torno de 1 milhão de pessoas.
Por enquanto, o Rio tem mais chances.
O CAPITALISMO CAPITALISTA FUNCIONA
De vez em quando o capitalismo brasileiro funciona. Na semana passada, o Grupo Ultra (10 mil empregados) dispersou seu capital, tornando-se a maior empresa brasileira em faturamento nesse gênero.
Todas as ações vendidas ao mercado passaram a ter os mesmos direitos. Ao contrário do que sucede nos Estados Unidos, as empresas brasileiras põem suas ações na Bolsa, mas a gestão fica nas mãos de um bloco controlador de acionistas. Esse é o caso dos grandes bancos, da Petrobras e da Vale. Com capital disperso, há a Embraer e a BR Foods.
O caso do Grupo Ultra é ilustrativo de um capítulo da história da industrialização brasileira. Nos anos 50, ele criou o mercado de gás engarrafado e, num lance de audácia, lançou-se no setor de fertilizantes quando algumas pessoas falam em adubo, mas prevalecia na agricultura brasileira o uso do esterco.
Parecia coisa de maluco, e o nome do doido era Peri Igel. O Brasil não tinha executivos, tecnologia nem capital. Hoje a Oxiteno é a maior empresa de especialidades químicas da América Latina e, depois de comprar a Ipiranga, o Ultra tornou-se o maior distribuidor privado de combustíveis do país.
A iniciativa prosperou porque Igel acreditou no Brasil e na sua indústria, mas também porque vacinou o grupo contra as ilusões do atraso. Em 1980, seus herdeiros afastaram-se da gestão do negócio (eram cinco). Dezoito anos depois, abriram o capital, preservando o controle, do qual desfizeram-se agora, quando os herdeiros já são 20.
Quem botou o equivalente a R$ 1.000 no Ultra em 1998, tem hoje R$ 10 mil. (Pelo Ibovespa teria R$ 6.000 e no papelório dos juros, R$ 5.000.)
Num país onde há empresas com ações na Bolsa e gestão no Planalto ou na casa do vovô, atendendo deputados e cunhados, o lance do Ultra indica a virtude do velho e bom capitalismo.
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