sábado, outubro 28, 2017

Onisciência - MURILLO DE ARAGÃO

REVISTA ISTO É

A combinação de onipresença e de onipotência faz da sociedade o ente mais poderoso de um país
Não é esse, porém, o caso brasileiro, que não se utiliza de sua onipresença nem de sua onipotência



Seria uma heresia comparar Deus com a sociedade? Acho que não, e como não estamos na época da Inquisição nem de Torquemada podemos fazer tais ilações e delírios.

O filósofo Luiz Felipe Pondé diz que a narrativa cósmica é associada a práticas cotidianas. E que a narrativa dá sentido às práticas e as práticas dão corpo à narrativa. Seria essa a inter-relação entre Deus e a sociedade?

Procuro ver, sem discordar, por outro ângulo. Deus é onisciente, onipresente e onipotente. A sociedade também poderia ser. Guardada as devidas proporções. A sociedade é onipresente. Está em todos os lugares, como Deus. Ela, a sociedade, também é onipotente: tudo pode. Inclusive fazer revoluções, derrubar ou eleger governos, influenciar políticas públicas, mostrar caminhos e até mesmo se autodestruir. A sociedade pode fazer o seu apocalipse como construir o paraíso.

A combinação de onipresença e de onipotência faz da sociedade, potencialmente, o ente mais poderoso de um país.
Não é esse, porém, o caso brasileiro, pois a nossa sociedade não se utiliza adequadamente de sua onipresença nem de sua onipotência. Pelo fato de que não é onisciente. Pouco ou nada sabe sobre como funcionam a máquina da política e os meandros do governo. Em não sendo onisciente, pouco faz com sua onipresença e sua onipotência.

E como tal fato ocorre no Brasil?

A nossa sociedade relaciona-se de forma interesseira com o governo. É uma relação em que predominam os interesses sobre os princípios. Por quê? Porque somos uma sociedade ignorante, não apenas no que se refere à educação básica e formal, mas, sobretudo, no que tange à educação cidadã. Aí reside nossa imensa ignorância. Não sabemos de nada e não conseguimos romper o véu de opacidade que o Estado impõe à sociedade.

Em sendo assim, de nada vale sermos uma sociedade onipresente e onipotente, já que não sabemos para onde ir e os faróis que tentam nos guiar estão contaminados por agendas de poder e de interesse.

Sabemos que a sociedade jamais será onisciente. Mas poderá ser menos ignorante e mais reflexiva. Sobre tudo desconfiando dos que se vestem de bondade e de boas intenções. Pois o mau muitas vezes se disfarça de bom, de politicamente correto, de libertário. Lute pela sabedoria e pela desconfiança. Pois, como disse Santo Agostinho, mais vale ter dúvidas sobre temas complexos do que certezas de difícil comprovação.

O leilão e a alternativa - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 28/10

O governo arrecadou menos do que tinha como meta e vendeu menos áreas do que ofereceu. Mesmo assim, é preciso olhar as alternativas para avaliar o resultado do leilão de ontem do pré-sal. Se o modelo de partilha não tivesse sido flexibilizado, o governo teria vendido metade do que vendeu, porque a Petrobras só quis participar em três dos oito blocos que foram ofertados.

Não foi o “estrondoso sucesso” que o ministro das Minas e Energia disse, mas a avaliação feita por especialistas foi positiva. Sucesso teria sido se o leilão fosse pelo regime de concessão, mas isso não é possível pela lei do pré-sal. De novo, é preciso ponderar a alternativa: continuar não fazendo leilões de petróleo. Se fosse assim, o Brasil permaneceria perdendo a oportunidade de explorar o pré-sal em época em que os combustíveis fósseis já não têm a atratividade que tinham antes.

— A produção não convencional dos Estados Unidos, o shale gás, é um competidor do petróleo. O consumo mais consciente de combustível está reduzindo também as perspectivas de demanda futura — lembra o presidente da Petrobras, Pedro Parente.

Mas mesmo neste contexto, há muito interesse no pré-sal brasileiro, como ele constata em reuniões e conferências internacionais de óleo e gás.

— O pré-sal brasileiro atrai muita atenção global. É hoje uma das três áreas de produção do mundo porque tem um índice grande de acerto nas perfurações. Por isso o custo unitário de extração é baixo. Há muito óleo em cada poço e o risco é baixo — diz Parente.

E era esse interesse que estava contido com a não realização dos leilões do pré-sal, e com a demora de cinco anos que o governo anterior levou para aprovar o marco regulatório. Esse marco estabelecia que a Petrobras tinha que, obrigatoriamente, participar em 30% de cada bloco explorado. Se isso não tivesse sido alterado, em vez de vender seis blocos, o governo conseguiria apenas três, porque foram os únicos nos quais a Petrobras fez ofertas. Hoje a produção do pré-sal é 51% de todo o petróleo produzido pela Petrobras.

No modelo de partilha, o bônus de assinatura é fixo, com pagamento à vista, e as empresas competem entre si oferecendo barris de petróleo à União, com pagamento a prazo, o óleo-lucro. Ganha quem oferece mais óleo, ou seja, com maior ágio sobre o percentual mínimo. O que houve nas rodadas de ontem é que o bônus de assinatura ficou menor do que o previsto, R$ 6,15 bilhões contra R$ 7,75 bi, porque foram menos áreas arrematadas. Mas o ágio sobre o óleo ofertado foi maior, principalmente pela oferta da Petrobras em um dos blocos. Isso quer dizer que o governo receberá menos à vista, e mais, a prazo.

Essa foi a principal diferença entre as duas rodadas que aconteceram ontem, e a primeira, realizada em 2013, com o campo da Libra. Há quatro anos, o governo arrecadou R$ 15 bilhões com bônus de assinatura, à vista, mas não houve ágio sobre o percentual mínimo de petróleo entregue à União. Isso quer dizer que não houve competição entre as empresas. No leilão de ontem, a arrecadação do bônus foi mais baixa, mas o ágio do excedente em óleo ofertado foi de 260%, na 2ª rodada, e de 202%, na 3ª.

— Alíquotas mais elevadas se transformam, no futuro, em mais recursos para o Estado brasileiro — explicou o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, em entrevista coletiva.

Essa também é a avaliação do consultor de petróleo John Forman, ex-diretor da ANP, que considera que o leilão foi um sucesso. Ele lembra que as grandes multinacionais do setor declararam esta semana interesse em ampliar investimentos no Brasil, acha que o pré-sal se mostra competitivo mesmo que o petróleo caia para a casa de US$ 35, e diz que as novas regras regulatórias já deram resultados.

A ideia de que o petróleo é um passaporte para o futuro e deveria ser resguardado para ser explorado pela Petrobras — sozinha ou em parceria — era defendida pelos mesmos que permitiram a instalação de um gigantesco esquema de corrupção na companhia. E o futuro será de menos emissões de gases de efeito estufa, portanto, de menos combustíveis fósseis. Neste momento, ainda há demanda por petróleo e é o tempo de ter um sistema flexível e competitivo de exploração e concessão.

Como é bom viver aqui na Suíça! - RICARDO AMORIM

REVISTA ISTO É

A CPI do Senado concluiu: a Previdência não tem déficit, e sim superávit. Concluiu também que nós somos mais ricos que os suecos, nunca houve corrupção no país, e Deus é brasileiro.

É fácil nos enganar quando queremos ser enganados. No ano que vem, com o justo desejo de renovação política, os falsos salvadores da pátria e suas promessas simplistas vão bater recordes, mas não será fácil bater os senadores da CPI. Pode haver forma melhor de resolver um problema do que decretar que ele não existe?!

A CPI concluiu que não há déficit e o teto dos benefícios do INSS pode ser elevado em quase 70%, dos atuais R$ 5.531 para R$ 9.370. O número de aposentados cresce mais de 3% a.a. devido ao envelhecimento da população? Irrelevante. O Brasil já gasta mais com aposentados do que os envelhecidos Alemanha e Japão? E daí?

A contabilidade criativa da CPI faz as pedaladas fiscais da Dilma parecerem fichinha. Segundo ela, os números que importam não são os da Previdência, mas os da Seguridade Social, que engloba Previdência, Saúde e Assistência Social. Então, somando os três temos superávit? Não. No ano passado, só no âmbito federal tivemos um déficit de R$ 257 bilhões, mais um déficit adicional de cerca de R$ 100 bilhões em estados e municípios.

Qual a mágica da CPI, então? Comece desconsiderando o déficit de R$ 77 bilhões da Previdência dos servidores da União, embora ele seja coberto pelos mesmos impostos que cobrem o rombo do INSS. Em seguida, desconsidere as desvinculações de receitas da Seguridade – que, entre outras coisas, tiram recursos da Saúde para bancar o déficit da Previdência. Por fim, faça de conta que os benefícios podem ser pagos com recursos que nunca foram arrecadados, como as receitas das desonerações sociais e a sonegação de mais de R$ 400 bilhões que o INSS tem a receber, mas que nunca receberá integralmente porque a maior parte é de empresas que nem existem mais, como Varig, Transbrasil e Vasp, para citar só o setor aéreo.

Fazendo tudo isso, a Seguridade Social é superavitária? Ainda não. Segundo a própria CPI, mesmo nessa contabilidade de araque, a Seguridade Social teve um déficit de R$ 57 bilhões no ano passado.

Aí, a CPI dá o golpe final. Apesar de o resultado mesmo nessa contabilidade maluca piorar todo ano desde 2013 (ainda antes da recessão começar), os números iriam melhorar muito a partir desse ano, eliminando o déficit. A mágica? Crescimento econômico acelerado que vai inflar as receitas muito acima do crescimento das despesas.

Em resumo, a CPI, presidida por Paulo Paim (PT) e relatada por Hélio José (PROS), está convencida de que, por conta das reformas de Temer e seu governo, o Brasil vai começar a crescer mais rapidamente do que a China.
É muito bom viver aqui na Suíça!


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DIÁRIO DO PODER - 28/10


MARANHÃO IGNORA 700 MANDADOS DE REINTEGRAÇÃO

Estimativas do setor indicam que mais de 700 mandados judiciais de reintegração de posse são ignorados pelo governo do Maranhão. O titular Flávio Dino (PCdoB) criou normas condicionando o cumprimento de mandados à avaliação de uma comissão de “prevenção à violência”, que ele nomeou. Na prática, a decisão final é do próprio Dino, dizem representantes das vítimas de invasões dos “movimentos sociais”.

QUASE NADA
Em dois anos, desde a adoção de regras para cumprir ordens judiciais, foram cumpridas apenas cinco reintegrações, segundo as vítimas.

JUSTIÇA MANDA, MAS...
O último dado oficial disponível é de fevereiro, quando permaneciam pendentes de cumprimento 471 mandados de reintegração de posse.

NEM TE CONTO
A Secretaria de Direitos Humanos se negou a informar ao senador Roberto Rocha (PSDB-MA) quantos mandados continuam pendentes.

SOB INVESTIGAÇÃO
A Secretaria de Segurança Pública do Maranhão diz que investiga a invasão e derrubada da torre de transmissão da rádio Capital.

EMPREITEIRAS DA LAVA JATO LEVAM R$314 MILHÕES
As nove maiores empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato receberam mais de R$314 milhões do governo federal apenas nos primeiros oito meses deste ano. A campeã, como sempre, é a Odebrecht. A empreiteira baiana recebeu mais da metade do total (R$168,5 milhões) para construir o estaleiro do submarino nuclear, herança da parceria com os governos do PT. Apenas duas das nove empreiteiras estão proibidas de contratar com o poder público.

APENAS ESTE ANO
Completam o pódio das mais bem pagas a Queiroz Galvão, com R$ 78,2 milhões e a Galvão Engenharia, R$ 24,4 milhões já recebidos.

ZERADAS
Com nenhum centavo recebido estão Andrade Gutierrez, que já foi rival da Odebrecht, OAS, já em recuperação judicial, e Camargo Corrêa.

LISTA FECHADA
A lista ainda tem UTC, que por meio da Constran recebeu R$ 20,6 milhões, Mendes Júnior (R$ 18 milhões) e Engevix (R$ 4,2 milhões).

O QUE ELA DISSE
Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, como testemunha de defesa, a ex-presidente Dilma ignorou os escândalos da gestão de Aldemir Bendine à frente do Banco do Brasil. Foi só elogios para o ex-auxiliar.

A REALIDADE
Bendine aprovou empréstimo milionário para socialite amiga, além de multado pela Receita por não informar a origem de R$280 mil e pela CVM por vazar informações da abertura de capital da BB Seguridade.

CADEIA PARA ‘DIMENOR’
A comissão que debate mudança nas medidas socioeducativas deve votar nesta terça (31) o relatório do deputado Aliel Machado (Rede-PR) prevendo internação de até 10 anos para criminosos menores de idade.

ABUSO EM DOBRO
Além do privilégio em si ser um abuso, um Fiat Linea, placa JKA-9500, com tarja “a serviço do governo federal” estava na garagem do Extra, em Brasília, às 15h, com motorista esperando o fim das compras.

HIGIENE ÀS NOSSAS CUSTAS
A Câmara dos Deputados autorizou servidor a participar de curso de “Higiene Ocupacional”. Salário de marajá, o gajo poderia ser convidado a coçar o bolso, mas nós é que pagamos a brincadeira de R$3 mil.

HORA DA VIRADA
Empresários ouvidos pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) confirmam a redução no ritmo de demissões e se preparam para o aumento na demanda e exportações, nos próximos seis meses.

MAIORES OBSTÁCULOS
Corrupção e violência estão no topo das preocupações dos brasileiros, segundo a Pesquisa Nacional de Valores 2017. Para 72,4% e 62%, respectivamente, são os maiores entraves ao desenvolvimento do País.

NOMES CONTRA TEMER
Conseguiu mais de 31 mil assinaturas em cinco dias abaixo-assinado no Change.org que pede a destituição do presidente Michel Temer do cargo. O documento é endereçado à presidente do STF, Cármen Lúcia.

PENSANDO BEM...
...deve ter sido difícil para Dilma persuadir Aldemir Bendine, como ela disse, a assumir a Petrobras com um salário de R$123 mil mensais.

Arroubos autoritários - FÁBIO TOFIC SIMANTOB

ESTADÃO - 28/10

Atuação dos advogados incomoda quem adora impor limites aos direitos dos outros



Em evento promovido esta semana pelo jornal O Estado de S. Paulo, o procurador Deltan Dallagnol, uma das estrelas da força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba, falava sobre um cenário de “ampla impunidade” caso o Supremo Tribunal Federal (STF) altere seu atual entendimento sobre a prisão em segunda instância. “Você vai ter processos em que as pessoas com ótimos e hábeis advogados vão explorar brechas da lei para que não acabem sendo punidas nunca”, disse o procurador.

Acontece que na sua frase aparentemente inofensiva Dallagnol conseguiu apresentar duas grandes ideias autoritárias.

A primeira delas aparece em “pessoas com ótimos e hábeis advogados”, que carrega, de um lado, o pensamento de que a melhoria do sistema processual no Brasil passa pela universalização da injustiça (defesa inefetiva para todos); de outro, a concepção de que advogados competentes são um mal para o País e para a justiça. Qual o problema de réus terem bons advogados? Ou bem o procurador parte do pressuposto de que os integrantes do Ministério Público são intelectualmente inferiores aos advogados, e por isso não pode aceita bons advogados nos processos, ou, o que parece ser mais a intenção, não admite que a defesa possa estar tão bem representada quanto a acusação pública. Seria esse o devido processo legal que o procurador defende?

Mas é a segunda grande ideia autoritária que merece o centro de nossas atenções. O procurador incomoda-se porque as defesas vão “explorar brechas na lei”. É verdade que essa expressão se vulgarizou no Brasil, mas surpreende quando passa a ser proferida por um representante ilustrado do Estado.

Causa até certa decepção a nós, súditos do Estado brasileiro, que nossos mais ilustrados agentes públicos, enviados ao exterior para se diplomarem nas mais renomadas universidades estrangeiras, usem como argumentos expressões ocas e tão desprovidas de significado real, que servem apenas ao propósito de fazer proselitismo da própria atuação e denegrir aqueles que deles divergem.

Quem ouve o jovem procurador falar fica com a impressão de que existem duas formas de interpretar as normas: a correta e a criminosa. Pessoas de bem, como os integrantes da força-tarefa da Lava Jato, são implacáveis aplicadores da letra pura da lei. As demais – leia-se: os advogados – são hermeneutas chicaneiros.

A tese, além de maniqueísta, é, com todo o respeito, cínica. Cínica porque, se a vida fosse assim, como aparece nas telas geométricas do procurador, só haveria uma única forma de interpretar a lei. E se assim fosse, não deveria haver dúvida sobre o que é uma prisão ilegal, por exemplo, e aquele que a decretasse seria punido.

Mas não, quando essa proposta surgiu no projeto que pretende punir abusos interpretativos de juízes e promotores, o próprio Deltan Dallagnol se insurgiu contra a criminalização daquilo que alcunhou “crime de hermenêutica”, aludindo a um direito à livre interpretação da lei, o que, na tradução dallagnoliana mais recente, significa direito de buscar brechas (punitivas, é claro) na lei.

E, de fato, a turma da força-tarefa é bastante pródiga em buscar as tais brechas. Veja-se o caso das conduções coercitivas. Onde existe a previsão legal de mandar buscar em casa à força alguém que nunca foi chamado para depor? E a possibilidade de estender benefícios da delação a parentes do réu? E o início de cumprimento de pena sem processo, como ocorreu com alguns delatores? E a previsão para entrevistas coletivas fazendo campanha contra os réus na imprensa? E o argumento comumente invocado na Operação Lava Jato de que o combate à corrupção sistêmica exige medidas excepcionais? E a condenação de réus que agiram sem conhecer a ilicitude dos fatos com base na tal cegueira deliberada, sem previsão no Direito brasileiro? Na terminologia dallagnoliana, todas essas são brechas que os procuradores encontraram na lei para aumentar seus poderes e obter mais sucesso nos processos, o que é uma deturpação de seu papel constitucional.

A missão do advogado é muito clara: defender os interesses do réu. O que está fora da ordem é o Ministério Público abandonar a sua missão constitucional de fiscal da lei para vestir a farda de acusador implacável e impiedoso dos acusados.

Tanto é assim que o representante do Ministério Público Federal criticou o uso de brechas na lei justamente para defender uma interpretação extremamente criativa e nada literal de um dispositivo da Constituição brasileira. Embora a nossa Carta Magna afirme de forma expressa e sem margem a dúvidas que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da condenação”, o procurador defende a tese de que bem antes do trânsito, já no julgamento da apelação em segundo grau, os réus possam ser presos. Nesse caso o procurador não busca uma brecha na lei nem na Constituição, porque tal brecha ali não existe.

A proposta é bem mais ousada, é permitir que com o uso de uma britadeira midiática se faça uma fenda na norma constitucional através da qual possam penetrar todos os anseios punitivos da turma que não tolera a divergência e tem arrepios quando ouve falar em presunção de inocência.

A propósito, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “estar na brecha” significa estar sempre vigilante. E, de fato, a cada recurso ou medida ajuizada, a advocacia não está senão fazendo estreita vigilância do exercício do poder dos agentes do Estado. É nesse sentido que a atuação dos advogados incomoda, e incomoda sobretudo aqueles que adoram impor limites aos direitos dos outros, mas não conseguem admitir limites ao exercício do próprio poder.

*Advogado, é presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Juros, crescimento e riscos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 28/10

Mais uma ajuda à reativação da economia foi dada pelo BC com o novo corte dos juros básicos, desta vez de 8,25% ao ano para 7,5% ao ano


Mais uma ajuda à reativação da economia foi dada pelo Banco Central (BC) com o novo corte dos juros básicos, desta vez de 8,25% ao ano para 7,5% ao ano. A taxa provavelmente estará em 7% quando chegar o Natal, confirmando a projeção do mercado financeiro. Para o consumidor o crédito ainda será muito caro, pelos padrões internacionais, mas as condições de financiamento têm melhorado e já contribuem para animar os negócios. A próxima redução da taxa deverá ocorrer na última reunião de 2017 do Comitê de Política Monetária (Copom). O Comitê, formado por diretores do Banco Central, é o responsável pela definição das condições de crédito. A expectativa de um corte menor que o anterior foi reforçada em nota emitida no começo da noite de quarta-feira, depois da deliberação sobre a taxa básica. Para a reunião dos dias 5 e 6 de dezembro, programada como a última do ano, considera-se “adequada uma redução moderada na magnitude de flexibilização monetária”. Em linguagem corrente, uma redução menor que 0,75 ponto. Mas a ideia ainda é manter uma política “estimulativa”.

Essa política envolve a adoção de juros abaixo da chamada taxa estrutural, aquela necessária para impedir um desarranjo maior no sistema de preços. Envolve, portanto, alguma ousadia, mas o risco assumido pela autoridade monetária tem sido, até agora, limitado. A inflação recuou sensivelmente desde o segundo semestre do ano passado e as projeções apontam números próximos da meta oficial nos próximos dois ou três anos. Mas essas projeções são baseadas em pressupostos talvez um tanto otimistas.

Um deles é a manutenção de condições políticas propícias à continuidade do ajuste das contas públicas e à implementação de reformas. Mas é muito arriscado, neste momento, avaliar como se desenvolverão as campanhas eleitorais no próximo ano e estimar o espaço de ação do governo.

A última flecha disparada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer foi detida no Congresso Nacional. Apesar dessa vitória, o Executivo terá de superar resistências consideráveis, nos próximos meses, para avançar no programa de reformas até o fim do ano. Para suas decisões, os membros do Copom continuarão olhando a evolução dos preços, o cenário internacional e as condições políticas internas.

Essas condições podem afetar de forma significativa a administração das contas públicas. Uma recuperação mais forte da economia em 2018 poderá gerar mais impostos e facilitar a execução do Orçamento, mas seria otimismo excessivo desprezar os perigos de um período de eleições.

Há razões mais que suficientes para tratar os problemas das contas públicas, incluída a pauta de reformas, como questões emergenciais. Mesmo sem riscos maiores no período eleitoral, ainda seria preciso trabalhar com um sentimento de urgência.

Os juros devem continuar subindo nos Estados Unidos, depois de anos de políticas frouxas, destinadas a estimular a economia. Do outro lado do Atlântico, o Banco Central Europeu começará em janeiro a ajustar sua estratégia, reduzindo as compras de títulos no mercado e, portanto, diminuindo a emissão de euros. Os juros oficiais continuarão baixos, mas o início de mudança na política poderá afetar o mercado financeiro, reforçando o movimento já desencadeado nos Estados Unidos.

As condições internacionais têm sido benignas, com recuperação da atividade e farto financiamento, mas alterações nas políticas monetárias dos Estados Unidos e da Europa afetarão, quase certamente, os fluxos de capitais. Quanto mais avançado no ajuste, mais preparado estará o Brasil para enfrentar essas mudanças. Nesse caso, o Copom poderá mais facilmente, e com menores custos para o País, adaptar-se a essas novas condições.

Muitos políticos de Brasília raramente, ou nunca, levam em conta o conjunto do País. Cuidam de interesses particulares e, no máximo, de suas clientelas. O Brasil estaria mais seguro se olhassem mais para os problemas do País e, de vez em quando, para além das fronteiras nacionais.

O interesse público na defesa comercial - MARCOS SAWAYA JANK

FOLHA DE SP - 28/10

Os defensores da escalada de medidas antidumping aplicadas pelo governo brasileiro desde 2006 costumam argumentar, corretamente, que tais medidas são legítimas e amparadas pelas normas da OMC (Organização Mundial do Comércio). Legais e legítimas, sem dúvida, mas não necessariamente razoáveis e benéficas para a economia como um todo.

Por isso, antes de qualquer decisão, é fundamental verificar os ganhos e as perdas do processo e avaliar se há real interesse público nas medidas propostas.

Um exemplo recente do grau de insensatez da nossa política comercial reside na indústria de laminados de aço a quente, cujos preços afetam, virtualmente, as estruturas de custos de todo o sistema industrial. Entre 2010 e 2016, as importações desse produto caíram de US$ 734 milhões para US$ 88 milhões, ou seja, praticamente desapareceram.

Mesmo assim, no ano passado o governo tomou duas providências excêntricas. Em julho, abriu uma investigação antidumping contra as importações de aço oriundas da China e da Rússia, que vai seguramente aumentar ainda mais o preço do aço vendido no mercado interno.

Esse preço tem sido bem superior ao que o Brasil pratica nas exportações do produto. Tanto que há duas semanas a União Europeia impôs elevadas sobretaxas antidumping contra o aço exportado pelo Brasil, usando os mesmos argumentos que o país quer fazer valer contra a China.

Não há logica alguma nessa corrente protecionista anacrônica, que, aliás, cria precedentes para outros tipos de aço. Não é para menos que 23 associações de indústrias usuárias de aço se uniram formando uma coalizão contra a sobretaxa.

Não bastasse o antidumping, em novembro o Brasil iniciou processo sobre os subsídios supostamente concedidos pelo governo chinês aos fabricantes de laminados de aço. É a primeira vez que o Brasil contesta os subsídios chineses.

Os chineses entendem que, se o Brasil for adiante e aplicar direitos compensatórios contra os subsídios, estaria claramente tomando partido ao lado dos EUA e da Europa na matéria, países que até aqui lideram essa modalidade de defesa comercial. A retaliação mais evidente cairá sobre as nossas exportações do agronegócio, como já está ocorrendo no caso do açúcar –com a imposição de uma salvaguarda global que só atingiu o Brasil– e da carne de frango, cuja petição inicial sugere a aplicação de taxas antidumping da ordem de 40%.

Alguns dirão que isso tudo tem a ver com a polêmica do reconhecimento da China como economia de mercado. Mas, no nosso entendimento, o que realmente está em jogo é a falta de visão estratégica sobre o interesse nacional em geral e os rumos da política comercial em particular.

Há 15 anos rejeitamos a construção de blocos econômicos com países americanos e europeus. Agora estamos irritando a China, a Rússia e outros parceiros emergentes, com esse neoprotecionismo surreal cumulativo, que prejudica a nossa competitividade e capacidade de inserção nas cadeias globais de valor.

É fundamental que a Camex analise em profundidade o "interesse público" que haveria por trás das sobretaxas de antidumping e antissubsídios no aço. No nosso entendimento, elas vão fortalecer o poder de mercado dos fabricantes de aço, prejudicar o resto da economia e irritar o principal parceiro comercial do país, atingindo o agronegócio exportador.

Em vez de ficar atirando bravatas xenofóbicas contra a competitividade conquistada pelo resto do mundo, deveríamos, sim, refletir seriamente sobre os vetores que nos jogaram para trás nesses últimos anos e avançar nas reformas estruturais que nos recolocariam no planeta.

Reforma da Previdência não é impopular - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/10
Presidente do Senado, Eunício Oliveira evita pautar o tema preocupado com o povo, mas as mudanças, ao contrário, podem combater injustiças sociais

Por desinformação, conveniência político-eleitoral ou ambas, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), avisa que não pautará a reforma da Previdência na Casa, por não considerar o momento propício. No entender do senador, que reconhece a necessidade de “algum tipo de ajuste” no sistema previdenciário, o momento político “não é muito oportuno para se alterar posicionamentos que vão de encontro à sociedade brasileira.”

Tradução: Eunício considera esta uma pauta impopular, mais ainda num período eleitoral. Porém, engana-se o senador. A suposta “impopularidade” da reforma deriva de um discurso formulado por corporações e categorias do funcionalismo público, grandes beneficiárias das incongruências da Previdência, que, por isso, alardeiam uma suposta retirada de “direitos do trabalhador".

É conhecido o truque de privilegiados de misturar-se à multidão. Na verdade, o sistema é um injusto e eficaz mecanismo de redistribuição de renda em favor dos ricos: retira dinheiro do Tesouro, sustentado também pelos pobres, para bancar aposentadorias de servidores da classe média, média-alta e alta.

Como o funcionalismo tem a vantagem de se aposentar com o último salário — benesse eliminada para os que passaram a entrar na carreira a partir de 2013 —, o Erário, em 2015, por exemplo, teve de fechar um rombo de R$ 90,7 bilhões provocado pelos benefícios de um milhão de aposentados da União, enquanto o déficit do regime geral (INSS), além de ter sido menor (R$ 85 bilhões), foi causado por 33 milhões de pessoas. Isto, sim, é impopular.

Cálculos dos economistas José Márcio Camargo, André Gamerman e Rodrigo Adão indicam que, entre 2001 e 2015, o Tesouro, em valores não atualizados, teve de transferir R$ 1,3 trilhão para a previdência dos servidores federais — R$ 1,3 milhão para cada um, R$ 86 mil por ano. Mais concentração de renda.

Esse dinheiro, destinado a menos de um milhão de servidores, equivale a três vezes os gastos com 4,5 milhões de idosos e deficientes sustentados pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ou a cinco orçamentos do Bolsa Família, em que estão inscritas quase 14 milhões de famílias, 50 milhões de pessoas no total.

As disparidades estão presentes no próprio INSS, em que 65% dos aposentados (do setor privado) recebem benefício de apenas um salário mínimo, R$ 937, enquanto no funcionalismo, a depender da categoria, há benefícios na faixa dos R$ 10 mil. Eis porque servidores federais aposentados estão entre os 2% mais riscos do país.

Um aspecto positivo da proposta original é reduzir estes desníveis. Este é um dos sentidos da reforma. Se ela for apresentada com estes números e estas explicações, será entendida como destinada a reduzir injustiças sociais, como de fato é. Tachá-la de impopular é trabalhar em favor desses privilégios.