segunda-feira, agosto 12, 2013

Tudo é absurdo - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

Agosto costumava ser o mais cruel dos meses na política brasileira. Este agosto promete ser o mais pachorrento dos meses. Não chegamos ainda nem à metade do mês e o colunista arrisca quebrar a cara, mas todo o frenesi e o sentido de urgência trazidos pelas passeatas de junho parecem se ter dissipado ao morno solzinho de agosto. O governo prometia agir e disparou projetos como o serial killer dispara balas. O Congresso sepultou a PEC 37 e prometeu muito mais. Iniciado agosto, a presidente Dilma proclama seu respeito ao ET de Varginha, e a única questão que mobiliza o Congresso é o projeto de tomar obrigatório o pagamento das emendas apostas por parlamentares ao Orçamento. "Tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo", escreveu Rousseau em A Nova Heloísa.
O Judiciário é um caso à parte. Entre a glória e a desmoralização, o Supremo Tribunal Federal equilibra-se num estreito fio. Da denúncia do Ministério Público, em abril de 2006, à sua aceitação pelo relator do processo do mensalão, em agosto de 2007, transcorreram dezesseis meses. Entre a aceitação da denúncia e o início do julgamento, em agosto de 2012, foram cinco anos. Mais quatro meses e, em dezembro de 2012. o julgamento chega ao fim, com 25 condenados. Alívio. Enfim, conseguimos. Não, não conseguimos. Falta a publicação do acórdão. Como ninguém é de ferro, é preciso calma para que cada ministro reveja o texto de seus votos, medite, pondere. Mais quatro meses se escoam.
Em abril, aleluia, o acórdão é publicado. Abre-se o prazo para os réus apresentarem seus recursos. O.k., é rapidinho: só dez dias. Agora, é só marcar o julgamento. Passa um mês, passam dois, passam três, e só no último dia de julho o presidente do Supremo marca para 14 de agosto, esta quarta-feira, o início da nova fase. Os réus já não foram condenados? Foram. As penas já não lhes foram atribuídas? Foram. O que pode mudar, então, com os embargos declaratórios e, quem sabe, se forem aceitos, mesmo com os que atendem pelo assustador nome de infringentes? É o que a platéia gostaria de saber, mas mesmo quem está no palco não sabe responder. Vá explicar a um estrangeiro que um processo se arrasta por seis anos, enfim chega ao fim, mas o fim não é o fim, é um fim que prenuncia um recomeço, e o recomeço sabe-se lá quando terá seu fim. Já nós brasileiros estamos acostumados. É absurdo, claro, mas não é chocante.
O Supremo acompanha o passo habitual do país. Nada é urgente. Nunca se deu sentido de urgência ao escabroso problema da educação. A capa da última VEJA chamou atenção para o morticínio nas estradas. Nunca se deu sentido de urgência à repressão aos assassinos do volante. A promessa de reação fulminante à voz das ruas foi só um espasmo. Para ajudar os poderes constituídos, os black blocs entraram em ação e desencorajaram quem ainda pretendesse sair em passeata. Agosto nos traz de volta à pasmaceira característica. O escritor mexicano Alfonso Reyes aconselhava manter sempre uma pasta com o título: "Papeles que el liempo arreglará". As coisas são muito complicadas. Um dia resolvem-se por si.
Para o poeta T.S: Eliot, num dos mais famosos versos do século XX, abril era o mais cruel dos meses. O escritor e jornalista americano John Darnton, então jovem correspondente do New York Times na África, ouviu dizer que Robert Mugabe, comandante da guerrilha que combatia o governo branco da Rodésia (o futuro Zimbábue), era leitor de Eliot. Mais um motivo para querer entrevistar aquele desconhecido líder, que tinha sua base em Moçambique. Darnton fez as perguntas de praxe, a situação da guerrilha, o apoio e a falta de apoio internacional, e, no fim. querendo um toque humano do entrevistado, perguntou: "O que exatamente o atrai em T.S. Eliot?". Silêncio, com um quê de perplexidade. "O senhor sabe, não? The Waste Land", tentou o repórter, citando o título do poema que começa com o verso famoso. Mesmo silêncio, já com um quê de irritação. "Abril é o mais cruel dos meses", ainda insistiu Darnton. "Não tenho a menor ideia do que você diz", encerrou o entrevistado. Mugabe foi reeleito, aliás "reeleito" presidente do Zimbábue no dia 31 de julho. É hoje um dos mais longevos (33 anos no poder) e mais tirânicos líderes do continente. Tudo é absurdo, do estapafúrdio diálogo entrevistado-entrevistador à história da África, mas nada é chocante.

A noite escura de Terrence Malick - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/08

No cristianismo, amor não é mero afeto, é substância que nos faz existir


"Amor Pleno", novo filme de Terrence Malick, é um exemplo do que o místico espanhol do século 16 San Juan de la Cruz chamou de "noite escura da alma". Não é à toa que o padre (Javier Bardem) tem um discurso muito colado ao do místico espanhol. Ele é o personagem central da narrativa. Como sempre, sem teologia e filosofia, não se entende Terrence Malick.

Por consequência, o filme está próximo do texto bíblico "Cântico dos Cânticos", peça fundamental da literatura mística ocidental, influência marcante no místico espanhol: "Onde Te escondestes que não Te encontro, meu Deus?". No "Cânticos", o amor entre Deus e a humanidade é representado pelo amor entre um homem e uma mulher, suas agonias, prazeres e ausências. "A Noite Escura da Alma" é, como "Cânticos", um texto erótico.

"O amor de Cristo pela sua igreja é como o amor de um homem e uma mulher", diz Bardem. Eis a chave para entendermos o poema místico que é "Amor Pleno". No cristianismo, amor não é mero afeto, mas a ação que nos faz existir. Sem ele, a vida esvazia.

Nesta chave, o amor entre Ben Affleck e "suas" duas mulheres está também "sob" o véu da noite escura da alma, assim como está o amor do padre por Deus e o mundo. Ele é incapaz de amar, elas sofrem por isso.

O filme encerra com a imagem do Mont Saint-Michel, na França, local onde o casal vai no começo de seu amor. Esta abadia é símbolo da vida monástica medieval. Os filósofos vitorinos (Hugo e Ricardo da Abadia de São Vitor, século 12), em sua teoria sobre o amor, entendiam que o amor, posteriormente dito romântico, era da mesma substância do amor de Deus.

Assim como é difícil para nós mantermos o amor por Deus, é difícil sustentarmos o amor entre um homem e uma mulher. Nossa natureza "caída" não suporta o "peso" do amor. Este "peso" assume várias formas, entre elas, o compromisso com ele, principalmente no vazio que o cotidiano instaura em nosso coração e corpo sedentos.

Nossa natureza tende "para baixo", para o tédio e a insatisfação, como diz a mulher francesa no filme quando se refere às duas mulheres que existe nela: uma tende para o amor, para o alto, a outra para baixo, para a terra.

Não é à toa que ela, a francesa, após uma longa conversa com a amiga italiana, niilista e entediada, chega ao adultério, símbolo máximo do tédio e da degradação do amor. Quando nos distanciamos do amor, nos dissipamos num desejo que nos leva ao nada.

Mas, o que vem a ser esta "noite escura da alma"? Quando falamos de mística, pensamos normalmente em êxtase, em "gozo místico". Mas, a "noite escura" é o momento em que a alma, conhecedora de Deus, deixa de senti-lo no seu cotidiano, o que a leva à solidão, ao desespero e à dúvida. Uma verdadeira mística da agonia.

Neste momento, o padre lembra a máxima do Evangelho: "Você deve amar", portanto, o amor não é mero sentimento, mas sim uma ação, como é dito no filme. Agir com amor, mesmo que não sintamos o amor. Para ele, continuar cuidando dos doentes, para o casal, continuar a cuidar um do outro, porque longe do amor, somos todos doentes, umas criaturas da noite que vagam numa escuridão sem fim. No escuro, não é só o outro que desaparece, mas nós também.

O padre chega mesmo a lamentar o fato que, em seu ministério, ele deve "fingir" sentimentos que não tem, assim como um casal deve continuar a amar (esta é a condição do amor como "ação" e não mero sentimento) mesmo quando a paixão desaparece.

Quando nos sentimos longe do amor (de Deus), vemos nosso nada, isso deixa nossa alma inquieta, sedenta. Como é dito em "Árvore da Vida", filme anterior de Malick, a vida sem amor "flashes by", apenas passa. Esta é a chave para passarmos do "Árvore da Vida" ao "Amor Pleno". A responsabilidade dos que "amam menos", como diz o padre, se referindo a ele e a Ben Affleck, é maior, porque são eles que enxergam melhor o vazio no coração da vida.

Os ecos da "noite escura" atingem toda a existência, para além da teologia, adentrando a solidão nossa de cada dia. O drama maior não é não ser amado, mas ser incapaz de amar.

Os predestinados - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 12/08

A esta altura, a maioria dos leitores ouviu falar do incidente. A personalidade de TV e empresária Oprah Winfrey acusou a vendedora de uma butique de Zurique de ter se recusado a lhe mostrar uma bolsa de US$ 40 mil. A ignorância da jovem é confirmada pelo racismo da reação, infelizmente comum na Suíça hoje, e não pelo fato de que ela não reconheceu a mulher cuja fortuna é avaliada em US$ 2.8 bilhões. O incidente foi introduzido na usina multiplicadora de notícias de celebridades com precisão suíça pela própria Oprah, numa entrevista a um programa de entretenimento, a mensagem cuidadosamente calibrada para expor o racismo estúpido sem arranhar seus status no panteão que ocupa.

Afinal, o lema da pontificadora-chefe da vida americana é Viva a Melhor Vida Possível. Quando Oprah Winfrey repete seus slogans de triunfo sobre adversidade - e esta mulher estuprada por parentes na infância entende do assunto - eu me lembro da cena de abertura do filme Ponto Final, de Woody Allen, de 2005. A bola de tênis bate na rede e quem sabe de que lado da quadra vai cair?, lembra o narrador, nesta história em que a sorte intervém a favor do protagonista.

É interessante como, à medida que a disparidade de renda cresceu nas últimas três décadas nos EUA, aumentou igualmente a narrativa da meritocracia no rarefeito universo do privilégio. Poucos conhecem a propaganda da meritocracia como o escritor Michael Lewis, autor de livros como Bumerangue, A Nova Novidade e O Treinador: Lições Sobre o Jogo da Vida. Em junho do ano passado, ele fez o discurso de formatura da turma da prestigiada Universidade de Princeton, onde havia se formado em História da Arte, 30 anos antes.

Lewis lembrou que, apesar da ambição de escrever, continuava perdido e sem emprego, aos 24 anos, quando, por sorte, se encontrou sentado num jantar ao lado da mulher de um alto executivo da Salomon Brothers. Ela azucrinou o marido para receber o jovem no banco de investimentos onde nasceu a farra de Wall Street nos anos 80. E, por sorte, o entediado funcionário que recebeu Lewis o colocou na divisão de derivativos. Em pouco mais de um ano, munido de seu conhecimento sobre escultura renascentista, recebia centenas de milhares de dólares de bônus e aconselhava investidores a aplicar seus milhões.

Mérito? Claro que não, admite Lewis, que pediu demissão e foi escrever seu primeiro bestseller, O Jogo da Mentira, sobre a orgia que tinha testemunhado. Lewis, um excelente jornalista investigativo e escritor elegante, diz que a sorte é um elemento crucial no resultado da sua narrativa de personagem hoje rico e famoso. Naquela tarde em Princeton, ele pediu aos formandos que não façam a besteira de racionalizar o próprio sucesso.

Os bônus de Wall Street, os salários estratosféricos de CEO's não são produto exclusivo da matemática do mérito, e sim de resultados que dependem em parte da sorte. Sua mera entrada na universidade, advertiu os jovens, já traz embutido o acaso. E com a boa sorte vem a obrigação para os que tiveram má sorte.

Na formatura de Harvard deste ano, Oprah Winfrey, além de receber um doutorado honorário, fez o discurso de formatura, pontuado pela habitual narrativa de triunfo. Entre outras frases, ela disse: "Não existe fracasso. Fracasso é a vida tentando nos fazer mudar de direção."

"Oprah mentiu em Harvard", disse um casmurro da imprensa americana, imprensa que dificilmente critica a empresária. Leon Wieseltier, um editor da revista New Republic, destaca o absurdo do que chama de a desvantagem cognitiva das elites, cujo sucesso é definido como a conclusão do alinhamento de forças interiores. Neste mundo, a mediocridade econômica é igualada à mediocridade humana. Tente dizer a um desempregado ou à família desabrigada numa enchente que a derrota não passa de um erro de interpretação.

Grandes vendas - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 12/08

RIO DE JANEIRO - As manifestações de rua caíram de 300 mil pessoas para 300, das quais 30 queimam a libido escoiceando portas e 270 gritam slogans de linchamento. As multidões que as apoiavam querem agora apenas voltar para casa em paz, sem perder ainda mais horas no trânsito, ou manter seu comércio aberto, a salvo de pedras, bombas e gases. Mas, mesmo reduzidos aos suspeitos de sempre, os protestos continuam movimentando a economia.

As papelarias, onde se vendem cartolina e pincel atômico, estão felizes da vida. Seus estoques desses produtos, que ameaçavam encalhar para sempre, estão saindo que nem pão quente. Incrível como dois artigos tão fora de moda --contemporâneos do tinteiro, do mata-borrão e da goma arábica-- estejam servindo para veicular tantas mensagens toscas, pintadas a mão. E isso em plena era do Facebook e do Twitter.

A venda de vinagre também disparou, para ensopar camisetas que, enroladas aos rostos, neutralizam o gás lacrimogêneo. Idem quanto ao leite de magnésia --os frascos são agora comprados às grosas por jovens de roupa preta.

Mas ninguém mais feliz que os vidraceiros, chamados a substituir portas de vidro de bancos, escritórios, butiques e outros covis do capitalismo assassino --curiosamente, as lojas do McDonald's têm sido poupadas. Os calceteiros também estão trabalhando em tempo integral, para repor as pedras portuguesas arrancadas pela turma. Os restauradores de monumentos, idem, não têm do que se queixar.

Os indicadores econômicos acusam ainda uma alta expressiva na procura de escudos de metal, óculos de proteção, tesouras, martelos, marretas, bolas de gude e estilingues. E as máscaras de "Anonymous" continuam saindo, mas seu boom de vendas está previsto para o próximo Carnaval.

Foi por pouco - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 12/08

Para efeito público, o momento mais tenso da visita do Papa foi no engarrafamento no Centro, na chegada ao Rio, no dia 22.
Mas, na avaliação da PF, que tem tudo filmado, o perigo maior foi na Via Sacra, em Copacabana, quatro dias depois. Por pouco não houve um conflito de repercussão internacional.

Foi assim...
A polícia conseguiu desviar e atrasar uns 400 baderneiros que se dirigiam à Praia de Copacabana, carregando cartazes com inscrições como “Me chamo Jesus e venho aqui para dizer que Deus não existe”.

Quando eles chegaram, o Papa já tinha deixado o local.

Ziraldo na ABL
Leonardo Bofflançou pelo twitter a candidatura de Ziraldo para a ABL, “como uma maneira de prestigiar a literatura infanto-juvenil”.

Já....
Também pelo twitter Paulo Coelho postou:
“A ABL só tem a perder com Zuenir Ventura desistindo da candidatura. Acho que voto em branco pela primeira vez.”

Operação Rio
O marqueteiro petista Valdemir Garreta acampou no Rio para ajudar a campanha de Lindbergh Farias ao governo.
Próximo a Zé Dirceu, ele foi parceiro de Luis Favre, ex-marido de Marta Suplicy, na campanha que elegeu Ollanta Humala presidente do Peru.

No mais
Neste comunicado publicado na imprensa, a Siemens, acusada de corrupção em São Paulo, usa o verbo denigrir.
Hoje, a palavra é controversa por parecer depreciar a cor negra.

Na terra de Putin
As maldades de Carminha não fizeram sucesso na Rússia.
O Channel One de lá tirou do ar a novela “Avenida Brasil”, de João Emanuel Carneiro, exibida às 15h. Alegou que não deu ibope.

Só que...
Nas redes sociais russas, um movimento pede para que a novela volte a ser exibida.

Cartão e dinheiro
Veja o avanço do chamado dinheiro de plástico.

A rede de lojas Renner não aceita mais pagamento em cheque.

Tropicália no iTunes
Seis discos clássicos da Tropicália terão suas músicas remasterizadas pela Universal Music especialmente para comercialização digital no iTunes.

Outros dez álbuns também serão incluídos, porém com o áudio original.
Entre os artistas estão Rogério Duprat, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão e o grupo Mutantes.

Fechada para obras
A estação Maracanã da SuperVia ficará fechada para obras a partir do dia 17, sábado próximo.
O investimento é de R$ 175 milhões, e as obras terminarão no primeiro semestre de 2014. Com as mudanças, a estação será intermodal, unindo os serviços dos trens e do metrô. Haverá também cinco plataformas para embarque e desembarque.

Crise na Europa
O Consulado da França, no Centro do Rio, está alugando as 11 vagas para carros que ganha da prefeitura. Antes, elas eram usadas, de graça, por funcionários e parceiros do consulado.

Cada uma custa R$ 500 por mês.

Cinco Maracanãs
Veja como o emprego público atrai. Cerca de 350 mil pessoas estão inscritas no concurso do Detran para assistente técnico de nível médio. São 800 vagas.

Amigos, de novo
FH telefonou ontem para Sarney, internado no Hospital Sírio e Libanês, em São Paulo. Ficaram 20 minutos ao telefone conversando sobre política.

Coisa chique
O item mais vendido no Dia dos Pais na joalheria Sara foi uma caixa de relógios para guardar os modelos de colecionadores.
Ela gira as peças automaticamente e tem um sistema de refrigeração. Custa R$ 5200.

Praga do celular
O Venga!, bar de tapas que tem unidades no Leblon e em Ipanema, também levantou a bandeira
alertando os dependentes de smartphones.

Os frequentadores, ao acessarem o wi-fi da casa, encontram a seguinte frase: “Ah, larga o celular, curta o momento.” Eu apoio.

As novas mentes da Renascença - LULI RADFAHRER

FOLHA DE SP - 12/08

A geração Pokémon, rodeada de estímulos e opções, tem em si um pouco de médico e de louco


Você já deve tê-los visto por aí. Jovens criativos, cujos talentos distribuídos entre áreas tão diversas quanto música e sociologia não parecem se encaixar nas gavetinhas reservadas para a arte.

Eles são vistos com desconfiança e desprezo pelos mais velhos. Quem se diz cineasta e bailarino precisa ser medíocre em ao menos uma das áreas, para conforto dos egos alheios.

No entanto, florescem. Criados livres de um aprendizado restrito, compartimentalizado e unidisciplinar, jovens que cresceram com a internet tiveram, pela primeira vez na história, tutores incansáveis, de capacidades infinitas, oscilando entre canais quando necessário.

Não é fácil ser polivalente hoje em dia. O conhecimento necessário para ser especialista em uma área é formidável, a ponto de praticamente não sobrar tempo para outros interesses. Para piorar, quanto mais sofisticado é o conhecimento, mais difíceis são os conceitos e os jargões.

Nada de novo para a geração Pokémon, que enfrenta desafios com o empenho dedicado a games. Curiosos e incansáveis, esses monstrinhos crescidos rodeados de estímulos e opções têm em si um pouco de médico e de louco.

Sua forma de pensar é chamada de "mente da Renascença", em referência a um período em que, depois de séculos isoladas, as pessoas voltaram a compartilhar conhecimento.

A visão multimídia não é exclusiva da Renascença. Pitágoras, na Grécia antiga, cresceu na ilha de Samos entre tutores e navios, e sua curiosidade e formação vasta o ajudaram a influenciar áreas tão diversas quanto filosofia, ética, política, matemática, religião e música.

No século 18, Goethe teve aulas de diversas línguas ainda na infância. Bom desenhista e leitor ávido, virou poeta, novelista, dramaturgo, cientista, filósofo e diplomata. Sua teoria sobre a natureza das cores, seus textos científicos e obras literárias, como "Fausto" e "Werther", encantaram o mundo e inspiraram composições de Mozart, Beethoven, Schubert, Mahler e tantos outros. Seus ensaios filosóficos influenciaram Hegel, Schopenhauer, Nietzsche, Jung e Wittgenstein. Até Darwin se deixou levar por suas ideias.

O símbolo do raciocínio da Renascença é, naturalmente, Leonardo da Vinci. Pintor, escultor, arquiteto, músico, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, geólogo, cartógrafo, botânico e escritor, ele imaginou helicópteros, tanques, calculadoras e baterias solares em seus cadernos, sem se preocupar em publicá-los, ou mesmo se os protótipos poderiam ser executados.

Exceções em suas épocas, esses tipos são cada vez mais comuns. Munidos de pensamento crítico, multidisciplinar e inquisitivo, falando um créole multimídia que impressionaria James Joyce, são eles que construirão novas formas de arte, ciência e entretenimento, cada vez mais integradas, humanas.

Parte cientistas, parte humanistas, parte artistas e parte empresários, eles retratam uma geração desconfortável por não se adequar a modelos arcaicos de aprendizado e prática profissional.

Seu desconforto alerta para uma realidade em que ninguém pode mais se dar ao luxo de se isolar em sua especialidade. Como na vida, o aprendizado surge da colisão de ideias, por mais disparatadas que pareçam ser no início.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 12/08

Com novo leilão de energia, setor de biomassa vê possibilidade de retomada
O leilão para compra de energia marcado para o próximo dia 29 de agosto deixou o segmento de geração de eletricidade por bagaço de cana na expectativa pela retomada de investimentos.

A disputa vai contratar energia de novas termoelétricas aptas a produzirem a partir de janeiro de 2018.

Sem competitividade para a biomassa nos últimos leilões, o setor perdeu espaço para outras matrizes.

Com isso, as usinas de açúcar e álcool reduziram aportes. "Os projetos [de termoelétricas movidas a bagaço] que estão saindo agora ainda são frutos de decisões tomadas até 2008", diz Zilmar José de Souza, da Unica.

O teto do pagamento para o leilão, fixado em R$ 140 por megawatt-hora (MWh), poderá estimular o surgimento de novos empreendimentos.

"Se durante a disputa não baixar muito esse valor, há grandes chances de investimentos", avalia Leonardo Calabró, vice-presidente-executivo da Cogen (associação das indústrias do setor).

Além das próprias usinas, outro segmento que aguarda a retomada é o de empresas que fabricam equipamentos para a cogeração, como turbinas e caldeiras.

"Se o leilão tiver preço atrativo, por volta dos R$ 130 [por MWh], a gente crê na volta de pedidos", afirma Alexandre Roberto Martinelli, da Caldema, de Sertãozinho (SP).

Neste ano, a indústria fechou um único contrato para fabricação de caldeira de cogeração, ante cinco negócios ao longo de 2012.

Para Souza, da Unica, o leilão deveria ter valor ainda acima dos R$ 140, além de diferenciar as fontes.

"Do ponto de vista ambiental, não tem como a biomassa ter no leilão o mesmo preço do carvão", afirma.

Deficit da balança de eletrônicos cresce 10%
O deficit da balança comercial dos produtos do setor eletroeletrônico aumentou 10% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

Foram US$ 17,7 bilhões, ante US$ 16,1 bilhões em 2012.

Os dados foram compilados pela Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) com informações da Camex (Câmara de Comércio Exterior).

"A indústria brasileira de componentes eletrônicos foi dizimada na década de 1990 com a abertura abrupta para as importações. Agora estamos sofrendo o reflexo disso", diz Humberto Barbato, presidente da associação.

"As empresas do setor não vêm se instalar aqui porque é caro produzir no Brasil. Também existem problemas de segurança jurídica e de infraestrutura. Não é atraente para esse tipo de indústria."

De janeiro a junho deste ano, as importações atingiram US$ 21,2 bilhões e as exportações, US$ 3,4 bilhões.

"O que chamou a atenção no balanço foi o crescimento em 45,4% na importação de bens de geração, transmissão e distribuição de energia", afirma Barbato.

"Os produtos de tecnologia brasileira estão mais caros que os de fora."

COGERAÇÃO AMPLIADA
O Grupo São Martinho acaba de colocar em operação uma usina termoelétrica que cogera energia através da queima do bagaço da cana, na unidade de Pradópolis (São Paulo).

Com investimento de R$ 185 milhões, o projeto iniciado em 2010 permite gerar em um primeiro momento um excedente para comercialização de 244 mil MWh.

"A quantidade é suficiente para atender a demanda de uma cidade com cerca de 200 mil habitantes", diz Fábio Venturelli, presidente do grupo sucroalcooleiro.

Quando os preços dos leilões começaram a cair em 2008 e 2009, os primeiros a sair dos planos das usinas foram os "retrofits", que previam a troca das caldeiras, que são muito caras.

Alguns, porém, continuaram em usinas que estavam sendo construídas.

"Na São Martinho, a opção foi por uma termoelétrica que queima biomassa. A usina tem caldeiras, que ainda não estão no momento da troca, e gerava excedente de bagaço de cana."

"Temos agora no portfólio um produto que traz uma receita adicional e cuja oscilação de preço está atrelada à inflação e não à oferta e demanda, como ocorre com o açúcar", afirma.

O financiamento da nova termoelétrica foi do Itaú e do BNDES.

LENTES EM ALTA
O mercado óptico nacional fechou o primeiro semestre deste ano com um crescimento de 27% na comparação com o mesmo período de 2012, de acordo com a Abióptica (associação do setor).

Com o desempenho que foi registrado de janeiro a junho, a entidade projeta encerrar 2013 com um faturamento total de R$ 24,7 bilhões.

O aumento no volume de vendas está atrelado ao crescimento da renda do consumidor brasileiro e também ao combate à pirataria no segmento, diz a associação.

A entidade representa 95% da área, entre fabricantes, importadores, exportadores, distribuidores e varejo.

Marco da mineração O governo paulista fará um workshop sobre o novo marco regulatório da mineração, na próxima quinta-feira. O objetivo da Secretaria de Energia é que representantes de todos os Estados participem.

Grife culinária A Venchi, marca italiana de chocolates e sorvetes, quer chegar a seis lojas no Brasil até 2014. A primeira foi aberta no Rio. "Por enquanto, priorizamos o mercado carioca", diz Irajá Guimarães, sócio da empresa no país.

Parceria nos EUA A Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FVG, anuncia hoje uma parceria com a CFA Institute, associação global com sede nos Estados Unidos que certifica os profissionais de finanças.

Jovens no campo O Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo terá um programa de agricultura familiar com foco nos jovens. O objetivo é apoiar projetos de filhos de agricultores, com ações de formação e acesso a crédito.

Populismo improdutivo - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 12/08

Temo que boa parte da explicação do pífio desempenho da economia de 2009 para cá esteja na excessiva interferência do governo



O Brasil vem operando de acordo com um modelo de forte expansão do consumo, cujos contornos já expliquei neste espaço. No início, a taxa de crescimento potencial da economia brasileira atingiu a quase 4,5% ao ano, acompanhando a expressiva elevação dos investimentos. De 2009 para cá, contudo, o volume de investimentos, que subira de 14% para 18% do PIB, parou de aumentar. Consequentemente, o crescimento sustentável voltou a cair para uma faixa entre 2 e 3% ao ano.

Passada a crise do subprime, certo amortecimento da força do modelo de expansão do consumo era esperado, resultado de um freio natural na forte expansão do crédito ao consumidor, em resposta ao aumento das taxas de inadimplência. Outro ajuste viria da desaceleração do crescimento chinês, também previsível, que poria alguma trava no forte aumento dos preços externos de commodities e nos benefícios que isso agregava ao Brasil. Mas nunca se deveria esperar que, tudo o mais constante, a relação investimento/PIB parasse de subir no Brasil, acarretando queda do PIB sustentável, inclusive em comparação com os demais emergentes.

Temo, assim, que boa parte da explicação do pífio desempenho da economia de 2009 para cá esteja na excessiva interferência do governo, algo que se acentuou após a crise, e que poderia perfeitamente ser evitado. Crise que, aliás, foi usada como bode expiatório para justificar o forte incremento nos gastos da União e dos empréstimos do BNDES financiados com a emissão de títulos públicos. Passado o pior, o governo resiste em retirar os instrumentos de exceção.

Nesse contexto, uma ampla lista de ingerências governamentais, com nítido cunho populista, contribuiu para a redução das intenções de investimento. Tal comportamento pautou não apenas parte das empresas localizadas no País, como investidores em potencial, internos ou externos. Um deles foi o congelamento dos preços dos derivados de petróleo, que levou à forte expansão de seu uso, aumento das importações e queda no consumo de etanol, prejudicando a Petrobras e o setor alcooleiro.

Outro foi a redução das tarifas de energia elétrica na confusa operação em que as empresas em final de prazo de concessão foram estimuladas a aderir ao plano do governo, em troca de mais uma renovação. Outro item, ainda na área de controle de preços, foi o adiamento do reajuste das passagens de ônibus urbanos que o governo pediu às principais prefeituras no início do ano, tudo isso implicando a necessidade de uma inflação corretiva entre 2 e 3% ao ano, que, como na Argentina, não aparece nas estatísticas oficiais e aguarda diluição.

Finalmente, diante das manifestações de junho, o governo federal e o de São Paulo preparam-se para adiar o reajuste de pedágios previsto para estes dias, o que pode levar a um represamento ainda maior de inflação. As atuais concessionárias estão, obviamente, com as barbas de molho, esperando algo pior à frente e revendo planos de investimento.

Também bateu de frente com a avaliação de risco do País a criação de novos controles à entrada de capitais externos, que ocorreu no ano passado, com vistas a forçar uma depreciação do real acima da inflação, algo que acabou acontecendo, e aumentar a competitividade da indústria de transformação. Isso acabou antecipando, de certa forma, um movimento de desvalorização da moeda que acabaria acontecendo de forma natural este ano, diante do anunciado aperto que deverá ocorrer na política monetária americana, mas não parece ter sido capaz de despertar o espírito animal dos empreendedores na indústria.

A piora da percepção de risco — e o resultante desestímulo aos investimentos — veio também da sensação de que o governo havia abandonado a tríade superávit primário alto/meta de inflação/câmbio flutuante, herdada de FHC. A queda dos superávits resultou em parte do maior aumento dos gastos, mas principalmente da queda inicial de arrecadação, posteriormente acentuada pela desoneração tributária concedida a segmentos escolhidos arbitrariamente. Em vez de explicar que pelo menos parte disso poderia se justificar pela necessidade de responder à crise, o governo manteve a meta de superávit ambiciosa de antes, e introduziu vários artifícios contábeis para esconder a piora fiscal.

Quanto à inflação, parece que o centro do intervalo de metas aumentou informalmente para 5,5% ao ano, e só mais recentemente o Banco Central se mostrou efetivamente empenhado em demonstrar que perseguiria a antiga meta oficial. Nada se disse porém em relação ao “passivo” representado pelos reajustes tarifários não concedidos nas épocas previstas.

Não se pode esquecer a novela das concessões privadas de infraestrutura. O governo sabe que não tem recursos para investir em transportes, se empenhou no lançamento de um parrudo programa de concessões, mas insiste em impor retornos inaceitáveis e outras práticas afugentadoras dos candidatos sérios. Assim não dá.

Olhem o balanço de pagamentos - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 12/08

Qualquer que seja a política cambial, desequilíbrios elevados na conta corrente de um país o submetem a um risco importante: o de o financiamento externo ‘secar’



Lester Thurow, antigo professor do MIT, dizia que “as sociedades têm uma tendência a cometer erros fundamentais a intervalos de 60 anos, uma vez que todo mundo com idade bastante para se lembrar do engano anterior a essa altura já está morto ou senil”. Já nosso Ivan Lessa disse a mesma coisa, mas com outra métrica, quando escreveu que “de 15 em 15 anos, o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos”.

Independentemente do intervalo de tempo em que as sociedades esquecem o passado, é natural que aqueles que vivenciamos as agruras dele observemos o presente com olhos diferentes daqueles que só conhecem o passado pelos livros de História. E, nesse sentido, para os mais velhos, a trajetória recente do nosso balanço de pagamentos é bastante preocupante.

É verdade que o funcionamento da economia em um regime de câmbio flutuante é muito diferente da forma em que uma economia opera com câmbio fixo ou rígido. Basicamente, com câmbio flutuante, na presença de uma desvalorização entram em jogo estabilizadores automáticos que não estão presentes quando a política cambial é rígida. Primeiro, pela mudança da paridade cambial em si, que altera os preços relativos de exportações e importações e modifica com o passar do tempo o resultado da balança comercial. E, segundo, porque enquanto que numa economia com câmbio fixo ou semifixo, há um certo valor em US$ de diversos itens da despesa, com câmbio flutuante tal valor é uma função da própria cotação cambial. Um exemplo simples ajuda a entender isso: se há R$ 30 bilhões a serem remetidos por conta de lucros e dividendos a uma cotação de R$ 2 por dólar, a remessa dessa rubrica será de US$ 15 bilhões, mas, se a cotação pular, só como hipótese de raciocínio, para R$ 3, o mesmo valor na moeda local, se medido em dólares, passa a ser de US$ 10 bilhões.

De qualquer forma, qualquer que seja a política cambial, desequilíbrios elevados na conta corrente de um país submetem este a um risco importante: o de o financiamento externo “secar”. Nesse caso, o país terá que se ajustar, tão rapidamente quanto for a intensidade do movimento da conta de capitais.

O que nos mostram os números? Vejamos a trajetória do déficit em conta corrente do país. Até 2007, tinhamos um pequeno superávit. Em 2008, tivemos um déficit de US$ 28 bilhões, contido no ano seguinte para US$ 24 bilhões por conta da crise. Depois, ele só fez aumentar, chegando a US$ 54 bilhões em 2012, com perspectiva de chegar perto de US$ 80 bilhões em 2013.

Esses números, que em épocas anteriores teriam ligado o sinal vermelho da política econômica, são vistos com tranqüilidade tanto pelos gabinetes oficiais como por analistas privados, com dois argumentos. Um, de que haveria financiamento externo disponível. E o segundo, de que em termos relativos seria da ordem de 3% do PIB — percentual considerado aceitável. O problema é que ambos argumentos têm sua dose de vulnerabilidade. O financiamento externo existe até que deixa de existir — e, muitas vezes, isso ocorre subitamente. E o percentual do déficit é ele mesmo função da taxa de câmbio: se a fonte externa de recursos secar e o câmbio se desvalorizar, o valor do PIB em US$ cai e 3% do PIB podem virar 4% do PIB em pouco tempo — entrando em terreno mais delicado. Além disso, o déficit em dólares continua aumentando.

O país, que fez um ótimo ajuste externo na década passada, a ponto de ter eliminado a dívida externa líquida, parece ter se deixado seduzir pelo “canto de sereia” do financiamento externo. Tomás Eloy Martinez, autor de “La novela de Perón”, coloca em boca deste a frase que ele teria dito ao afirmar que “a História é uma piranha”, pois “sempre fica com quem paga mais”. E quem paga mais é sempre o último, porque o relato que conta na História é sempre o derradeiro. Desde 2004, a demanda doméstica avançou na frente da produção, “festa” essa financiada pelo resto do mundo. Se essa relação não for revertida, cedo ou tarde teremos uma crise. O Governo precisa tomar cuidado: se o financiamento externo “secar”, a história das gestões Lula-Dilma acabará sendo reescrita — e, se tanta gente foi para a rua mesmo com desemprego baixo, dá para imaginar o tamanho da confusão se tivermos uma crise para valer.

Tempos difíceis - PAULO GUEDES

O GLOBO - 12/08
Sob a pressão de uma carnificina sem fim, dois impérios - o austro-húngaro e o otomano - se dissolvem completamente, o kaiser alemão perde seu trono e o czar da Rússia e sua família inteira são executados. Mesmo os vitoriosos se tornam perdedores: a Inglaterra e a França contam mais de dois milhões de homens mortos e terminam a guerra com enormes dívidas. A magnitude da tragédia foi muito além do imaginável, em dimensões jamais experimentadas pelos europeus: mais de 35% dos alemães entre 19 e 22 anos e metade de todos os franceses entre 20 e 32 anos foram mortos na I Guerra Mundial , o grande choque que deveria trazer O fim de todas as guerras (2011), como relata Adam Hochschild.

A grande guerra foi uma monstruosa aberração cultural, o resultado de um incontrolável e imprudente impulso dos europeus de se tornarem uma sociedade guerreira. Podemos ver Clausewitz como o ideólogo desse cataclísmico episódio , diagnostica John Keegan, em Uma história da guerra (1994). Dois milhões de alemães não podem ter caído em vão. Nós não perdoaremos, nós exigimos vingança , fulminava Adolf Hitler menos de quatro anos após o fim da guerra. A derrota deflagrou uma sequência de eventos desastrosos sobre a Alemanha. As reparações de guerra e perdas territoriais pelo Tratado de Versalhes, uma hiperinflação, a violência política, os impactos da Grande Depressão e a ascensão dos nazistas.

O III Reich chegou ao poder em 1933 sobre as ruínas da República de Weimar, primeira e malsucedida tentativa de regime democrático na Alemanha. A guerra radicalizou a política, com revolucionários comunistas à esquerda e bandos armados como Os Capacetes de Aço e As Brigadas Livres à direita. A democracia alemã, improvisada na esteira da derrota militar, jamais teve a chance de se estabelecer sobre fundamentos estáveis , registra Richard Evans, em O III Reich no poder (2005), segunda obra de sua monumental trilogia.

Com o espírito de Bismarck, com Parsifal e Sigfried de Wagner, com a guerra total de Clausewitz, com o ressentimento por Versalhes, com o homem superior de Nietzsche e sob o comando do Führer, a Alemanha dominaria a Europa. Aqueles foram tempos terríveis. Com a morte das ideologias, para a supremacia econômica dos alemães teria bastado criar o euro.

O futuro ficou mais longe - LUÍS EDUARDO ASSIS

ESTADÃO - 12/08

Em plena gestação do Estado Novo, em 1937, Getúlio Vargas encontrava tempo para partidas de dominó, como revelam seus diários publicados em 1995. Naquele Brasil rural de 30 milhões de habitantes tudo parecia mais simples. Muitos anos depois, o delicioso diário da presidente Dilma da revista Piauí não registra, mas o que ela tem pela frente é um cabuloso jogo de xadrez.

Há poucas peças no tabuleiro, o tempo corre rápido e uma jogada errada pode ser fatal. Podemos assumir, pragmaticamente, que a política econômica de 2013 e 2014 estará subordinada aos interesses eleitorais do governo. A prevalência do que é imediato, no entanto, não pode ser levada ao paroxismo de inviabilizar a gestão de um eventual segundo mandato. A ninguém pode interessar ser o herdeiro de um legado caótico, menos ainda se ele for o seu próprio.

Há três influências não convergentes que pressionam a orientação da política econômica hoje. O ideário do mercado financeiro é uma delas. Aqui tudo ocorre em condições assépticas de laboratório. Os economistas que dão conselhos sentados do outro lado do mundo gostam de dizer que nosso crescimento no longo prazo dependerá de um choque de produtividade (que inclui investimentos em infraestrutura e educação), da promoção da concorrência (que exige abertura da economia), do corte de gastos públicos (que pressupõe a revisão de direitos adquiridos) e da redução consistente da inflação (que depende disso tudo). O problema é que o mundo é mais complexo. Não porque as conveniências políticas conspurquem as equações econômicas, mas porque são raros os governantes que pensam adiante do seu tempo.

Uma outra demanda vem das manifestações de rua. A pauta é difusa e não há por que esperar compromisso com a viabilidade do que se almeja, mas o fato é que não é possível dar uma guinada na alocação dos gastos públicos. Cobram-se, por exemplo, melhorias no sistema educacional. É justo. A divulgação recente do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi comemorada com fogos de artifício, mas ainda estamos em 85.º lugar, atrás do Peru (77.º), do México (61.º) e muito atrás da Argentina (45.º). Nosso pior indicador é a escolaridade da população, medido pelo número de anos de estudo. Estamos estagnados desde 2010 em 7,2 anos, atrás - atenção agora - do Paraguai (7,7 anos). Pois mudar esse quadro não é fácil, por mais que seja desejável.

Pode-se fugir do problema atribuindo ao governo falta de "vontade política", mas as limitações são objetivas. É frequente a avaliação de que a péssima qualidade dos serviços públicos é fruto apenas do desperdício, do descaso e da corrupção. É isso também, mas é mais do que isso. Também falta dinheiro. Não pagamos impostos da Noruega para ter serviços de Botswana (onde, a propósito, a população tem 8,9 anos de estudo). Para uma renda per capita de US$ 55,9 mil e uma carga tributária de 57%, cada norueguês paga, em impostos, US$ 31,8 mil por ano, mais de sete vezes mais do que paga um brasileiro.

Por fim, para complicar, o governo se deixou encurralar desastradamente pela sua própria base de apoio parlamentar, que hoje desempenha com louvor o papel que a oposição recusou. A agenda, aqui, é oportunista. Vale apenas o artifício da troca mesquinha de favores, dos interesses mercadejados, da chantagem vil e do miúdo jogo eleitoral, terreno onde, certamente, não viceja uma reflexão sobre o futuro do País. É dura a vida da presidente Dilma, não só por culpa dela.

No tabuleiro. Nada de bom e importante vai acontecer na política econômica até 2015. Não há espaço para mudanças. Fazer reformas estruturais a esta altura é inviável. Resta a alternativa de mexer poucas peças no tabuleiro.

É imprescindível, em primeiro lugar, sobriedade. A atual gestão da economia se destaca pela manipulação estabanada dos malabares. Muitas vezes, medidas equivocadas geram a necessidade de correção por meio de novas medidas equivocadas, provocando uma ciranda de desacertos. Convém comedimento nesta fase final. Fazer menos é errar menos.

Favoreceria, também, uma mudança na própria equipe econômica. Não porque novos nomes possam fazer muito mais, mas porque uma troca teria o condão de paralisar o relógio momentaneamente, o que sempre é bom para quem luta contra o tempo.

A credibilidade também ganharia pontos se o governo se dispusesse a fazer oferendas simbólicas, como formalizar a desistência de concorrer ao Prêmio Nobel de Contabilidade Criativa, ou, melhor ainda, apoiasse o projeto de lei do senador Francisco Dornelles que regulamenta a autonomia do Banco Central. Nada de existencialmente revolucionário, mas um afago que pode ter sua utilidade.

Na mesma linha, medidas pontuais de apreço à frugalidade no trato do dinheiro público podem ajudar. A maior oportunidade, no entanto, está no cronograma das concessões. Esse é o lance em que o governo não poderá falhar. Para isso, deverá aceitar a platitude de que o interesse da iniciativa privada é maximizar lucros, aqui e no mundo. O sucesso das concessões não será garantia de recuperação da economia, já que os investimentos públicos representam parcela diminuta da formação bruta de capital. Mas seu fracasso apertará ainda mais o torniquete que sufoca o nosso crescimento.

O resumo da ópera é simples. Na ausência de novos erros na condução da política econômica, teremos dois anos de crescimento medíocre, inflação relativamente alta, aumento da dívida pública bruta e nenhum avanço na solução de problemas estruturais. A pauta estará subordinada aos interesses de curto prazo, que tecem um emaranhado de artifícios que trazem saudades da simplicidade de um jogo de dominó. O futuro? Ora, o futuro fica para depois.

LUPA NOS TRILHOS - MONICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 12/08

Mais um órgão deve entrar na investigação do suposto cartel em licitações do metrô e trens em São Paulo. O MPC (Ministério Público de Contas), órgão de controle do Tribunal de Contas do Estado, pediu ao Cade, em Brasília, e ao Ministério Público Estadual acesso às apurações.

POR DENTRO
Parte das concorrências suspeitas já foi examinada pelo TCE, que tem sete conselheiros indicados pelo governador e pela Assembleia Legislativa. Um deles, Robson Marinho, foi chefe da Casa Civil no governo Mário Covas, que o indicou para o tribunal em 1997. Acusado de ter recebido propina da empresa francesa Alstom, ele nega as denúncias.

NA MIRA
O MPC funciona desde março do ano passado. São Paulo foi o último Estado a criar o órgão de controle, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). É formado por nove procuradores aprovados em concurso.

LISTA
Deputados, senadores e dirigentes do PT e de outros partidos que apoiam Dilma Rousseff vão hoje consultar com lupa o "Diário Oficial". Há notícias de que a presidente fará uma enorme dança de cadeiras em poderosos cargos de segundo escalão para acalmar a sua base de apoio parlamentar.

SOCORRO!
O diretor Aderbal Freire-Filho vai aproveitar a estreia da peça "Jacinta", em São Paulo, para se reunir hoje com a classe teatral paulista. Ele quer discutir meios de salvar a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), que, segundo um dos convidados para o encontro, está na "bancarrota".

MUTIRÃO
Do grupo fazem parte Ivam Cabral, Lauro Cesar Muniz, Hugo Possolo, Celso Frateschi e Mario Viana, que estão chamando escritores, técnicos e atores para conversar com Freire-Filho.

NAVIO
Na tentativa de recuperar a sociedade, que recolhe e distribui direitos autorais a seus associados, Freire-Filho já chegou a ter contas bloqueadas, junto com Ziraldo e Millôr Fernandes. Há alguns meses, ele disse que estava prestes a abandonar a entidade e que corria o risco de "afundar junto com o navio".

DE CAMPANA
A dupla de designers Fernando e Humberto Campana vai abrir um museu para expor suas obras em São Paulo. A pesquisadora Marcia Camargos está cuidando do projeto, que começa a sair do papel ainda neste ano.

DE CAMPANA 2
O Ministério da Cultura indeferiu a primeira parte do projeto de captação de recursos, destinados à organização, ao acondicionamento e à preservação do acervo dos irmãos. Considerou insuficientes as garantias de acesso público. A dupla já fez as alterações necessárias para enviar nova inscrição e oferecerá como contrapartida workshops de treinamento arquivístico.

AMERICANIZADO
O apresentador Pedro Andrade terá um programa na ABC Fusion, novo canal da rede, que é a principal emissora dos EUA. Em inglês e voltada para os americanos, a atração vai falar de cultura e gastronomia.

Segundo Caíco de Queiroz, agente do brasileiro, Andrade continua no "Manhattan Connection", da Globo News. Mas, em vez de estar na bancada em Nova York, fará sua participação direto de Miami, para onde se muda.

Global
A modelo gaúcha Cíntia Dicker, 27, fará sua estreia na televisão no quadro Só para Mulheres, do "Fantástico"; posa de atriz sob a direção de Luiz Fernando Carvalho e com textos baseados em Clarice Lispector

TIRA O PÉ DO CHÃO
A empresária Ana Joma Fasano, o ator e apresentador Rodrigo Hilbert e a estilista Patricia Bonaldi foram recebidos pela modelo Johanna Birman na festa de lançamento da coleção verão da Schutz e da revista da marca, na loja da Oscar Freire.

AUTOAJUDA
Luiz Calainho lançou "Reinventando a Si Mesmo - Uma Provocação Autobiográfica", na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. O economista Cassio Lotaif, a administradora Judith Varandas e o produtor Roberto Verta foram à noite de autógrafos.

CURTO-CIRCUITO
Maitê Proença autografa o livro "É Duro Ser Cabra na Etiópia", hoje, às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Dom Odilo Scherer celebra missa, hoje, às 18h, no mosteiro de São Bento, na inauguração de seis sinos restaurados com apoio do grupo Comolatti.

O Iasp (Instituto dos Advogados de SP) debate lavagem de dinheiro, hoje, às 9h, em sua sede.

Situação delicada - ILONA SZABÓ DE CARVALHO E ROBERT MUGGAH

O GLOBO - 12/08
O Rio enfrenta uma crise. Os protestos que explodiram em junho estão segmentados e mais extremados. Inicialmente pacíficas e progressistas, as manifestações começaram a usar táticas mais obscuras. A situação é delicada e a continuidade do programa de segurança pública, as UPPs, está sob ameaça. Ironicamente, a crise de credibilidade acontece no momento em que evidências demonstram resultados.

É fácil de esquecer o terror diário que vivíamos há uma década atrás. Para aqueles do asfalto, o medo era real. Mas, para os moradores dos morros, o fardo era muito maior. Hoje, 33 áreas, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, são consideradas pacificadas. Embora críticas legítimas existam, é crucial dissipar os mitos.

O primeiro é que a pacificação era focada apenas nas Olimpíadas. De acordo com a PM, a pacificação começou por acaso, antes da escolha da cidade para receber os Jogos de 2016. A primeira UPP foi instalada em 2008. Além disso, os antecedentes da UPP remontam ao ano 2000 e as expectativas são de que continuem após os megaeventos.

Um segundo é que a pacificação é para beneficiar somente a Zona Sul. A primeira UPP foi no Dona Marta, com cerca de 8.000 moradores. Mas, logo depois, a pacificação foi estendida para a Zona Oeste, incluindo a Cidade de Deus e o Batan, com 90.000 habitantes. E hoje 23 das restantes 30 áreas estão fora da Zona Sul.

O terceiro é que a pacificação não está funcionando. Antes , a cidade do Rio registrava 42 homicídios por 100.000 em 2005 - a maioria deles de jovens pobres e negros. Hoje, a taxa é de 26 por 100.000, com o mesmo perfil demográfico. Enquanto a taxa ainda é altíssima, e efeitos de substituição existam, os impactos positivos são irrefutáveis.

Um último mito é que as UPPs são rejeitadas pelos moradores das favelas. Há reclamações sobre a repressão aos bailes funk e o uso excessivo da força. Mas a maioria das pesquisas confirma que a pacificação é geralmente bem recebida. Testemunhos sobre a importância das UPPs na promoção de novas formas de reciprocidade e solidariedade dentro, entre e fora das favelas são frequentes.

O programa de pacificação é mais do que recuperar territórios dominados por gangues armadas. É sobre a (re)construção do contrato social. Mais ainda, no coração do programa está a tentativa de pacificar a própria polícia. Desde o início os mais de 8.000 policiais foram capacitados em direitos humanos e policiamento comunitário. Mais treinamento é necessário.

A crítica mais legítima é que a pacificação não tem uma agenda social. A UPP Social não se concretizou. O projeto é vulnerável, não somente por não oferecer a fase seguinte à ocupação, mas também por não prever continuidade institucional. Pacificação é mais do que um programa de determinado governo. E exigirá maior investimento público e privado, e a participação de líderes sociais e jovens.

O processo de pacificação precisa ser melhorado e acelerado. Está claro que as favelas são polos de inovação. Não podemos abrir mão das conquistas já alcançadas.

E agora, José? - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 12/08

Aliados de José Serra dizem que o ex-governador esperava as primeiras pesquisas com seu nome entre os presidenciáveis para decidir se sairá ou não do PSDB para concorrer em 2014. A pesquisa Datafolha ofereceu mais dúvidas que respostas. Na sondagem, dois fatores nos quais Serra apostava não se verificaram: o recall por ter disputado duas eleições presidenciais e uma vantagem sobre Aécio Neves que lhe desse algum discurso para disputar internamente a candidatura.

É a economia Outro fator importante que incentiva Serra a disputar a terceira candidatura presidencial é ser visto como alternativa a Dilma Rousseff na gestão econômica. Mas isso também não se confirmou no Datafolha. Só 11% dos entrevistados apontam o tucano nesse quesito. Dilma tem 12%.

Otimismo Pesquisas internas que o marqueteiro João Santana mostrou a Dilma já indicavam uma recuperação de 8 pontos na aprovação ao governo (foram 6 no Datafolha), que teria subido ao patamar de 30%. A equipe próxima à presidente comemorou os resultados.

Megadesgaste A pesquisa de intenções de voto confirmou dado que já aparecera na de avaliação de Dilma: persiste seu desgaste nas metrópoles com mais de 500 mil eleitores. Nessas cidades, que concentraram os protestos de junho, Marina Silva lidera ou empata com Dilma, a depender do cenário.

De mal Outro dado que chamou a atenção de petistas foi a baixa adesão a Dilma na pesquisa espontânea. Ela manteve os 16% de intenção de voto quando o eleitor é questionado sem ter uma lista prévia. A presidente chegou a pontuar 35% na espontânea, no auge de sua popularidade, em março.

Frente... Fernando Haddad (PT) apresentará na quinta o pacote de reforma do sistema municipal de educação. O plano prevê R$ 1,2 bilhão para a ampliação da rede de creches e CEUs de São Paulo.

...pela educação Professores, pais e alunos participarão de uma consulta pública, que ficará aberta por um mês para receber sugestões de alterações à proposta do prefeito em temas que vão até o currículo de ensino.

Saideira 1 Roberto Gurgel enviou ao Supremo Tribunal Federal petição para que seja arquivada denúncia contra Roberto Requião, ex-governador do Paraná. Supostamente, Requião teria concedido benefícios de ICMS de forma irregular a contribuintes como Sercomtel, Hexal do Brasil, Companhia Brasileira de Bebidas e Elevadores Atlas Schindler.

Saideira 2 Segundo o procurador-geral da República, ainda que existissem indícios da prática dos delitos de peculato ou corrupção ativa, eles já prescreveram.

Saideira 3 A investigação das supostas irregularidades ocorreu em março de 2004 e a prescrição ocorreu em março deste ano, devido à idade do ex-governador. Como Requião tem 72 anos, a lei determina que o prazo máximo de prescrição desse tipo de crime (16 anos) seja reduzido à metade (8 anos).

Luz... Diante da escuridão em que ficou a plateia do encontro do PT em Bauru que lançou o ministro Alexandre Padilha candidato a governador de São Paulo, petistas brincaram que a luz baixa era porque o candidato ainda estava fechado no armário.

... para todos Até o ex-presidente Lula fez piada com a penumbra do evento. Disse a Padilha e também ao ministro Gilberto Carvalho que era necessário pedir a Dilma Rousseff que liberasse recursos do PAC para iluminar os encontros do PT.

tiroteio
"Antes, diziam que eu estava por trás da CPI da Petrobras. Agora, que sou ligado a João Henriques. O PMDB quer e eu assinarei a CPI"
DO DEPUTADO EDUARDO CUNHA (PMDB-RJ), rebatendo acusações de que seria ligado a ex-funcionário da estatal que denunciou esquema de corrupção

contraponto


Beijo, não me liga
Na última sessão da Câmara antes do recesso de julho, o líder do PSDB na Casa, Carlos Sampaio (SP), reuniu a bancada e deu um aviso:

--Farei uma viagem com a minha mulher para comemorarmos vinte anos de casamento. Mas estarei com o celular ligado. Quem precisar, pode telefonar.

Os deputados elogiavam a disposição do líder, quando Sampaio arrematou:

--Mas que fique claro que será contrariado e insatisfeito que atenderei a cada telefonema.

Todos gargalharam e prometeram não incomodá-los.

O gigante dormiu. De novo - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 12/08

"Acho que é o momento de acabar com o toma lá dá cá"
Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado


Previdente, esse rapaz. Sabe onde pisa. Como relator do novo regimento interno do Senado, Edison Lobão Filho (PMDB-MA), no exercício do cargo que seu pai, ministro das Minas e Energia, deixou vago, decidiu sumir com a palavra ética. Está no Houaiss: "Ética é o conjunto de preceitos sobre o que é moralmente certo ou errado". Moral "é o conjunto de regras de condutas desejáveis num grupo social".

HÁ DENTRO DO regimento um código de ética. É sobre ele que juram os parlamentares na hora em que tomam posse dos seus cargos. Se depender de Lobão Filho , a palavra desaparecerá do código. Afinal, o que é ética para você poderá não ser para ele, argumenta o senador . "A ética é uma coisa muito subjetiva, muito abstrata" . Daí... Daí que Lobão está sendo apenas realista. E menos hipócrita do que seus colegas.

FRAUDAR NOTAS fiscais para justificar gastos com verba de gabinete é faltar com a ética ou não? E omitir da Justiça dinheiro recebido para pagar gastos de campanha? E embolsar grana por fora para votar como manda quem pode? E retardar a instalação de uma CPI à espera de que seus apoiadores desistam dela em troca de vantagens? É espantosa a quantidade de políticos que procedem assim impunemente . Quase todos .

TEM UMA CPI pronta no Senado destinada a se lambuzar com o mar de lama que escorre das obras da Copa do Mundo. Poderia estar funcionando. Mas Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, deu um tempo para que seus pares pensem melhor a respeito . Um pensou e tirou a assinatura: Zezé Perrela (PDT -MG). Outro - João Alberto de Souza (PMDB-MA) - topa tirar , desde que empregue o filho no governo.

CADÊ O GIGANTE? Ele não havia acordado? Foi em junho último que manifestações diárias sacudiram o país. Num único dia, mais de três milhões de pessoas gritaram slogans, enfrentaram a polícia e algumas botaram para quebrar . Nunca os políticos temeram tanto o povo. A presidente da República falou à Nação. O Congresso prometeu aprovar em regime de urgência um lote de benfeitorias sob o título de Agenda Positiva.

PARA AUMENTAR o sufoco dos alvos preferenciais do gigante, o Papa Francisco passou uma semana entr e nós dando lições de humildade. E, antes de ir embora, aconselhou os jovens a irem para as ruas. O gigante ganhou na internet até a companhia de um canal exclusivo de televisão só para amplificar seus maus modos. No ar , a Rede Ninja! Pois , cansado - quem sabe? -, resolveu dormir outra vez. Para quê? Quanta preguiça!

O QUE A presidente propôs fracassou - reforma política, constituinte exclusiva, plebiscito ou mesmo referendo, dois anos a serviço dos mais pobres para quem desejasse se graduar em medicina. O senador Cristovam Buarque (PDT -DF) qualificou de engodo o pacote de promessas do Congresso. Ministros e políticos voaram nas asas da FAB e ofereceram caronas a amigos e parentes. Amarildo desapareceu.

A CARA DE BOM moço do PSDB foi seriamente desfigurada pelo escândalo das licitações dirigidas. O lobista do PMDB na Petrobras chocou o distinto público com suas histórias medonhas. Uma delas sobre dinheiro para a campanha de Dilma. Outras, que aguardam publicação, sobre gente só um tiquinho menos graúda do que Dilma. Os Ninjas estão na berlinda de castigo, tamanha é a série de depoimentos que abalou sua reputação.

GIGANTE ESQUISITO, esse. Faz o maior auê, sai de cena de mãos vazias e se recolhe para pegar no sono. Não, não é hora de deitar em berço esplêndido

Dia dos Pais - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 12/08

Escrevo na manhã de domingo (11), enquanto espero pelo almoço com minha filha.

Acabei me decidindo por esse tema em função do simbolismo da data que, apesar de tão esmaecida pelo viés comercial, acaba por reforçar a constatação da velocidade dos dias e da inevitável dificuldade que muitos de nós temos em priorizar tempo, compromissos, desejos e expectativas.

Por mais diferente e única que seja cada experiência, existem algumas questões que, em maior ou menor grau, são comuns a todos os que experimentam o sentimento da paternidade.

E algumas delas foram agravadas no Brasil de hoje.

A primeira, mais óbvia, é o temor de que, em algum momento, nossos filhos acabem alcançados pela alarmante e dramática violência que se abate sobre a nossa ju- ventude. Trata-se de uma tragédia de muitas faces, entre as quais se destacam os homicídios e os acidentes de trânsito, contados aos milhares por ano, e que justificam os temores e apreensões de tantos pais e mães.

Outra preocupação é o alto desemprego entre os jovens, que destoa do discurso do pleno emprego tão alardeado pelo governo. A taxa para quem tem entre 16 e 24 anos está quase três vezes acima da média, pontuando em 15%, o que confirma que ainda devemos a eles novas portas de oportunidades para que possam construir suas vidas profissionais e conquistar sua preciosa autonomia.

A mim preocupa, sobretudo, o desafio de construção de um senso ético que faça sentido para as novas gerações e que, para ser coletivo, precisa ser, antes de tudo, individual.

Para os nossos filhos, o mundo virtual é o mundo real e chama a atenção o crescimento de relatos de bullying, da cruel e gratuita exposição da privacidade provocada por amigos na internet. Infelizmente, estão longe de constituir episódios isolados e parecem apontar para uma triste e desrespeitosa banalização das relações humanas.

Há uma geração que precisa ser ouvida para ser fortalecida em seus valores e identidades, desafio que se impõe à sociedade como um todo.

Recente pesquisa do Ipea, realizada com 10 mil jovens em todo o Brasil, mostra a forte sintonia da juventude brasileira com o conjunto de reivindicações da população: educação de qualidade; melhoria dos serviços de saúde; acesso a alimentos; governo honesto e atuante; proteção contra o crime e a violência; melhores oportunidades de trabalho; transporte eficiente e estradas.

Mas é Dia dos Pais.

Pai é para sempre. Mesmo quando não está mais entre nós. Por isso, dedico a coluna desta segunda-feira especialmente àqueles que, como eu, ainda não se acostumaram com a cadeira vazia no almoço de domingo.

Os senadores prometerão ser éticos? - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO - 12/08

Causou choque a recusa do senador Lobão Filho, relator do regimento do Senado, a incluir a palavra "ética" no compromisso que os membros da Casa prestam ao tomar posse. O assunto ressoou até no jornal espanhol "El País". Disse o parlamentar que ética é questão subjetiva, com significados diferentes conforme a pessoa. Ele está errado e direi por quê. Mas também erram alguns críticos seus - os que não têm dúvidas sobre o que é certo ou errado, postura que só vale numa visão bem simplista da ética.

Como professor de ética, sempre insisto que ela não consiste numa lista pronta, que nos limitaríamos a obedecer. Tal lista existe e se chama lei. Leis são votadas pelo poder competente, sendo sua violação punida pela Justiça. O que importa é cumprir a lei, pouco importando por quê.

Mas a ética é diferente. Exige muito mais. A lei pede apenas a obediência nos atos; na ética, também está em pauta a intenção. Para o sistema legal, é suficiente que eu pague os impostos, não mate, agrida ou furte ninguém; mas essa obediência externa, se faz de mim um não criminoso, não me torna uma pessoa ética. Porque, se acatei as leis só por medo do castigo, não foi por amor a elas, nem por respeito aos outros, meus próximos.

Por ser exigente, a ética incomoda. Ética é antes de mais nada isso: uma enorme perturbação. Interpela os indivíduos, para que eles se tornem pessoas. Eu me explico. Cada um de nós é, em seu corpo, um ser único, indivisível. Isso é o indivíduo. Mas, dizendo isso, só descrevo um fato. Já a palavra "pessoa" é mais que isso. Designa um titular de direitos e obrigações. Saio da descrição e entro na prescrição. Um indivíduo nunca chegará a pessoa, se não assumir seus deveres e direitos. O que a ética cobra de cada um de nós é esta responsabilidade pelos atos.

Não basta, pois, cumprir ordens. Há pessoas, sobretudo as de religiosidade superficial, para quem tudo o que deve ser feito está nos mandamentos divinos. Elas os cumprem à risca. Mas, quando se limitam a obedecer o que está escrito, sem pôr nada em questão, não chegam ao nível ético. Uma coisa é tratar os Dez Mandamentos como lei - outra, como preceitos morais ou éticos. Porque, quando você os considera pela ética, tem de aprofundar. Por exemplo, o que quer dizer "não matarás"? É apenas "não tire a vida de outro ser humano" - ou deve incluir "socorra quem estiver ameaçado de morte"? É consenso que não devo matar ninguém, salvo legítima defesa; mas, se deixo matarem alguém, não estarei sendo cúmplice de assassinato? Essa conclusão me parece lógica, mas não é trivial ou óbvia. E mais ainda: e se "matar" também for "deixar uma pessoa morrer, quando tenho condições de ajudá-la", por exemplo, saciando sua fome? Neste caso, se não contribuo para minorar a fome mesmo de quem eu não conheço, estou matando. Ou ainda: se voto num candidato ou partido indiferente à fome, também estaria matando. Pode haver divergências nestas conclusões, mas vale o princípio de que "matar" não é apenas o que é óbvio (você usar a faca ou o revólver para tirar uma vida), porém pode significar várias outras coisas.

Mais um ponto. A maior parte dos dez mandamentos começa pelo "não": isso sugere que, para ser ético, seria suficiente nada fazer de mau. Mas vamos expandir. Num regime ditatorial, não colaborar com a repressão é digno; mas basta? Não fará parte da ética lutar contra a ditadura? Num país assolado pela miséria e marcado pela corrupção, é ético o indiferente? Ou, para ser ético, tenho que combater esses dois flagelos?

A corrupção, como insistimos alguns há muitos anos, mata. Corruptos podem ser pessoalmente adoráveis, porque não enfiam a faca ou atiram em ninguém. Mas matam. Igualmente a miséria. Pode haver diferenças políticas no modo como enfrentamos miséria e corrupção, mas enfrentá-las é um imperativo ético.

Por isso, quando discutimos a ética, ela não é nada óbvia. Daí, a inanidade de expressões como "ética vem do berço", como se as pessoas nascessem já decentes ou não (se assim fosse, não teríamos por que condenar quem é antiético, porque a pessoa teria nascido desse jeito - e nada poderia mudar...). Ou mesmo o absurdo de supor que a ética vem só da família - o que dispensaria quem cresceu sem família, ou com má formação familiar, da responsabilidade de ser ético. De modo geral, quem tem muita certeza sobre a ética é porque obedece ao que lhe foi ensinado como se lei fosse. Ou seja, não percebe o que a ética é, nem que ela é mais exigente do que qualquer lei.

Mas este campo de incerteza que há na ética, quando saímos da superfície e do óbvio, não justifica o senador. Ele deveria saber que é bem essa imprecisão do ético, essa sua capacidade de expansão, esse progresso para cobrir sempre novos significados, que lhe confere valor. Nestas décadas, muitos avanços nossos, como o desprezo que passamos a ter pelo assédio sexual ou moral, pelo preconceito racial ou de gênero, decorreram de questionamentos éticos. Nossa sociedade foi cedendo no moralismo, na moral das aparências, para se tornar mais exigente na ética dura. É um "work in progress", um trabalho em andamento, e é um dos grandes motores do desenvolvimento social. Já se tornou obsceno tolerar a miséria. A carteirada perdeu a graça. A corrupção se tornou feia. A exigência ética em relação a políticos obviamente introduz um elemento de insegurança jurídica, mas isso é essencial na ética, não é secundário nela. Faz parte da ética nos interpelar, nos tirar da zona de conforto, nos questionar. Por isso mesmo, ela precisa estar presente no compromisso dos senadores.

Despolarização eleitoral - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 12/08

Despolarizar é perder os polos, mas é também perder o rumo. O termo se aplica ao cenário eleitoral brasileiro de hoje. Nem uma, nem duas, mas uma série de pesquisas evidencia que a polarização PT-PSDB está moribunda. Não é pouca coisa matar uma tradição que domina as eleições presidenciais desde 1994.

A disputa tucanopetista marcou cinco das seis corridas ao Planalto na redemocratização. Políticos e marqueteiros ficarão saudosos do velho duelo. Não parece ser o caso dos eleitores.

Na pesquisa Datafolha deste final de semana, a soma das intenções de voto da candidata do PT, Dilma Rousseff, com as do PSDB, Aécio Neves, não chega a 60% dos votos válidos. Nos pleitos anteriores, petistas e tucanos, juntos, ficaram com pelo menos 80% dos votos, às vezes com 95% no primeiro turno.

Dilma e, principalmente, Lula reconquistaram parte do eleitorado petista. O problema está no outro polo. O candidato do PSDB não decola. Aécio Neves perdeu terreno e está mais perto do quarto colocado, Eduardo Campos (PSB), do que da segunda posição de Marina Silva (sem partido), segundo o Datafolha. Pior, os tucanos seguem divididos. Emissários de José Serra fizeram gestões junto aos institutos de pesquisa para incluir o nome do ex-governador nas sondagens de intenção de voto, apesar de o PSDB já ter, teoricamente, escolhido Aécio como candidato.

Quando as gestões foram feitas ainda não havia estourado o escândalo da formação de cartel e pagamento de propina envolvendo metrô e trens urbanos paulistas. Resultado da pesquisa: o lançamento simultâneo de Aécio e Serra (caso este saia do PSDB para disputar a Presidência por outra sigla) seria um abraço de afogados. Um tiraria votos do outro, submergindo as chances dos dois de chegar ao segundo turno.

A perda de protagonismo eleitoral não é de agora. O PSDB encolheu nas eleições municipais de 2012. Elegeu menos prefeitos do que tinha. As prefeituras são importantes bases de apoio para deputados, governadores e presidenciáveis. E não fica nisso.

Os tucanos, pelo que mostra o Datafolha, também pagaram pedágio às manifestações contra o status quo da política. As suspeitas de superfaturamento das obras sobre trilhos construídas durante os governos do partido descarrilaram sua imagem. Como um tuiteiro escreveu: "O que aconteceu com o PSDB? Virou PT?"

Não adianta os caciques tucanos dizerem que os partidos vêm de sacos diferentes. A opinião pública vê uma farinha só. Quando as duas siglas se igualam negativamente no imaginário do eleitor, o PSDB perde mais porque seu eleitorado cativo é menor. Tanto é assim que os petistas mostraram resiliência no Datafolha.

A despolarização ajuda Marina Silva. Ela provou novamente que é a maior beneficiária dos protestos de rua. Seu discurso de "horizontalidade", de defesa de um novo jeito de fazer política, é o mesmo de boa parte dos manifestantes. Como consequência, ela é a única que cresce sem parar depois que as ruas efervesceram.

O que lhe sobra de popularidade, falta de consistência à candidatura. Não tem nem partido ainda. A Rede de Marina está enroscada junto aos cartórios eleitorais, que tardam em reconhecer as assinaturas necessárias à fundação da legenda. Mesmo que consiga, lhe faltará base parlamentar de apoio.

Presidentes eleitos por siglas nanicas no Brasil não costumam durar. Veem-se logo dependentes de um grande partido para sobreviver no Congresso. Foi assim com Jânio Quadros e a UDN, com Fernando Collor e o PFL. Uma hora o presidente se rebela, perde sustentação e dá no que deu.

O cenário despolarizado é um sonho para o PMDB. Se Dilma ganhar, o partido está na chapa. Se der Marina, a nova presidente cairia por gravidade no seu colo. A política brasileira pode perder os polos, mas o centro continua onde sempre esteve.