O GLOBO - 13/01
Acho que Ang Lee foi levado a fazer o filme de Pi por causa do desafio de pôr em cena a experiência de um menino sozinho com um tigre no meio do oceano. Essa ideia chegou a Yann Martel, o autor do livro em que o filme se baseia, através de “Max e os felinos”, romance de Moacyr Scliar, em que um menino judeu, sobrevivente de um naufrágio na fuga da Alemanha nazista para o Brasil, se vê num bote acompanhado de um jaguar. Martel tinha 36 anos quando aprendeu a história. Depois de ter dito que estava à espera de uma história com H maiúsculo para escrever um livro, deparou-se com o argumento de Scliar.
Apesar de tudo resultar bem, com o escritor gaúcho sem ânimo de abrir um processo por plágio, Martel aparece mal na fita quando diz ter lido apenas uma resenha escrita por John Updike (que depois disse nunca ter resenhado o livro de Scliar), mas sobretudo quando disse tratar-se de “uma grande ideia tratada por um escritor menor”. Scliar pode ser visto no YouTube comentando o caso, muito desencanado. Martel terminou escrevendo um agradecimento nominal a Scliar “por uma faísca de vida”. “Não sou litigioso”, diz Scliar. E soa muito bem. Mas ele se ressente, como eu, de que a declaração de Martel sobre “escritor menor”, tendo dito que não leu o livro mas apenas a resenha, trai um preconceito contra a possibilidade de um livro brasileiro ser relevante. Em suma, o filme de Ang Lee é que faz brilhar a história dessa história.
Delfim Netto é uma das mentes mais brilhantes da República. Ele aparece na letra de uma música que fiz (“Ele me deu um beijo na boca”). Nessa música, seu nome precede (e rima com) a frase “Política é o fim”. Eu o vi pessoalmente uma única vez, num voo doméstico (houve oportunidade apenas para um cumprimento com sorriso bom da parte dele). Quando eu estava no exílio, ele era uma das figuras mais odiadas pela esquerda. Eu aderia, sem comentários (sou exuberantemente ignorante em economia): afinal ele tinha assinado o AI-5. Acompanhei, com ignorância ainda notável, sua desaprovação das políticas econômicas de FH. Imaginei a antipatia natural entre um charmoso acadêmico de esquerda e um charmoso acadêmico de direita. Não é assim que, eleito Lula, ele foi virando um petista/lulista/dilmista entusiasta. O artigo da “Folha” em que ele apoia Dilma contra “The Economist” já era bem partidário (a desconfiança dos investidores ficava ali parecendo suspeitamente artificial), mas o texto que li na “Carta Capital” (revista que uma vez apelidei de “a ‘Veja’ do Lula”) chega a parecer uma ode. Tudo isso deve ser bom sinal. O Brasil está virando adulto. Mas para um velho como eu, não deixa de soar engraçado Delfim Netto com forte sotaque “compañero”, escrevendo “presidenta” e tudo o mais. Cheguei a pensar que fosse o Paulo Henrique Amorim (cuja conversão tampouco poderia passar em brancas nuvens — para não falar no Mino Carta).
“As Mulheres de Péricles” é um disco importante. O DJ Zé Pedro teve a ideia de fazer um disco com cantoras jovens interpretando canções de Péricles Cavalcanti e pediu a Nina, filha dele, que fizesse a curadoria. Poderia ser algo simpático e nada mais. Mas o resultado é que a inspiração peculiar de Péricles atraiu as capacidades mais intensas e profundas das moças, revelando a força da nova geração paulista (embora não só paulista) de um modo que nenhuma matéria da “Folha” tinha conseguido sugerir. Eu poderia falar horas sobre Céu e seu som na abertura do álbum. Também teria muito o que dizer sobre Marietta Vital e Mariah Rocha, sobre todas as participantes, enfim. Mas, por enquanto, basta que eu me concentre um minuto no trabalho que Mallu Magalhães fez com “Elegia”. O sumiço do bordão no trecho exato da música, os esconderijos que a voz busca (por timidez, por adivinhação erótica, por consciência das sutilezas da expressão artística), tudo nessa faixa faz pensar na riqueza que está aí no ar, na força que antes desse disco era tão mais difícil de ver. Que, para isso, Mallu tenha ido para o extremo oposto do projeto de clareza complicada que é a tradução de Augusto de Campos para o poema de John Donne, só reforça a sensação de que Mallu chegou longe. E com isso, provou o que se percebe em cada faixa desse disco: que essas meninas não são de brincadeira. Só mesmo a música de Péricles para aglutinar esse elenco de criadoras generosas (não se sente o ranço de ego feminino que fácil surge entre possíveis divas). Péricles, o eterno adolescente que, vezes sem conta, tem salvado o legado dos anos 1960.
Mas São Paulo está de luto. Laércio Grimas, 33, o DJ Lah, do grupo Conexão do Morro, foi morto, entre sete outras vítimas, por um grupo de encapuzados.
domingo, janeiro 13, 2013
Prosopagnosia - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 13/01
Eu estava na fila do cinema, e ela dois passos à frente. Ela virava para trás, me olhava, e logo virava para frente de novo. Até que numa dessas viradas ela disse oi. Eu retribui: Oi. Ela: É isso aí, tu não me conhece, mas eu te conheço: tem que cumprimentar.
Eu sei, amiga.
Leitores me cumprimentam sem que eu os conheça, e tudo certo, já que há uma foto minha ao lado da coluna do jornal. Só vira um problema quando eu realmente conheço a pessoa que me cumprimenta, já conversei com ela em algum momento da vida, e não faço ideia de quem seja. Escrevi certa vez sobre isso: se a pessoa é a recepcionista da minha médica, e sempre a vejo de coque e de uniforme branco, ao passar por mim de vestido floreado e cabeleira solta no shopping, não vou reconhecê-la.
Se o sujeito com quem cruzo na academia, sempre de calção e camiseta, entrar no restaurante de camisa polo e um blusão amarrado em torno do pescoço, não vou reconhecê-lo. Se o porteiro do meu prédio for filmado na arquibancada de um estádio vestindo a camiseta do seu time e segurando um cartaz dizendo “Olha eu aqui, Galvão”, periga o Galvão saber quem é: eu, não. Tenho uma incapacidade crônica de identificar pessoas fora do habitat em que costumo encontrá-las.
Sempre me justifiquei dizendo “Sou péssima fisionomista”, que é um chavão, mas não é mentira, e que, aliado aos meus três graus de astigmatismo, me garantia o perdão de algumas boas almas. Até que outro dia entrei numa loja de conveniências, um cara abriu os braços ao me ver e disse numa alegria comovente: “Marthinha!”.
Achei meio íntimo para um leitor. Sorri amarelo e dei um “oi” igual ao que ofereci à moça da fila do cinema. Ele insistiu: “Martha, sou eu!”. Socorro, eu quem? Então ele disse seu nome. Pasme: era um ex-namorado!! A meu favor, deponho que foi um namorado da época da faculdade (não me obrigue a fazer as contas), mas, ora, ainda que tenha sido no tempo das cavernas, conviveu comigo. Ao menos o seu olhar deveria ser o mesmo. Me senti um inseto.
Pois bem, depois de anos soterrada em culpa, descubro que a medicina está do meu lado. Acabo de saber que “sou péssima fisionomista” possui nome científico: prosopagnosia. Uma doença que debilita a área do cérebro que distingue traços e expressões faciais. Estou lendo o excelente Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, cujo personagem vive o mesmo desconforto.
Alguns médicos dizem que há apenas 100 casos diagnosticados no mundo – provavelmente eu e outros 99 acusados injustamente de ter o nariz em pé. Mas há quem diga também que o problema é mais comum do que se pensa e que atinge uma a cada 50 pessoas, ou seja, é praticamente uma epidemia.
Comum ou incomum, me concedam o benefício da dúvida: talvez eu seja uma pobre vítima da prosopagnosia e por isso não saio por aí dando dois beijinhos e perguntando pela família de quem, a priori, nunca vi antes. Se não for prosopagnosia, acredite: é astigmatismo evoluindo para uma catarata, somada a uma palermice que me dificulta distinguir semblantes. Nariz em pé, juro que não é.
Eu estava na fila do cinema, e ela dois passos à frente. Ela virava para trás, me olhava, e logo virava para frente de novo. Até que numa dessas viradas ela disse oi. Eu retribui: Oi. Ela: É isso aí, tu não me conhece, mas eu te conheço: tem que cumprimentar.
Eu sei, amiga.
Leitores me cumprimentam sem que eu os conheça, e tudo certo, já que há uma foto minha ao lado da coluna do jornal. Só vira um problema quando eu realmente conheço a pessoa que me cumprimenta, já conversei com ela em algum momento da vida, e não faço ideia de quem seja. Escrevi certa vez sobre isso: se a pessoa é a recepcionista da minha médica, e sempre a vejo de coque e de uniforme branco, ao passar por mim de vestido floreado e cabeleira solta no shopping, não vou reconhecê-la.
Se o sujeito com quem cruzo na academia, sempre de calção e camiseta, entrar no restaurante de camisa polo e um blusão amarrado em torno do pescoço, não vou reconhecê-lo. Se o porteiro do meu prédio for filmado na arquibancada de um estádio vestindo a camiseta do seu time e segurando um cartaz dizendo “Olha eu aqui, Galvão”, periga o Galvão saber quem é: eu, não. Tenho uma incapacidade crônica de identificar pessoas fora do habitat em que costumo encontrá-las.
Sempre me justifiquei dizendo “Sou péssima fisionomista”, que é um chavão, mas não é mentira, e que, aliado aos meus três graus de astigmatismo, me garantia o perdão de algumas boas almas. Até que outro dia entrei numa loja de conveniências, um cara abriu os braços ao me ver e disse numa alegria comovente: “Marthinha!”.
Achei meio íntimo para um leitor. Sorri amarelo e dei um “oi” igual ao que ofereci à moça da fila do cinema. Ele insistiu: “Martha, sou eu!”. Socorro, eu quem? Então ele disse seu nome. Pasme: era um ex-namorado!! A meu favor, deponho que foi um namorado da época da faculdade (não me obrigue a fazer as contas), mas, ora, ainda que tenha sido no tempo das cavernas, conviveu comigo. Ao menos o seu olhar deveria ser o mesmo. Me senti um inseto.
Pois bem, depois de anos soterrada em culpa, descubro que a medicina está do meu lado. Acabo de saber que “sou péssima fisionomista” possui nome científico: prosopagnosia. Uma doença que debilita a área do cérebro que distingue traços e expressões faciais. Estou lendo o excelente Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, cujo personagem vive o mesmo desconforto.
Alguns médicos dizem que há apenas 100 casos diagnosticados no mundo – provavelmente eu e outros 99 acusados injustamente de ter o nariz em pé. Mas há quem diga também que o problema é mais comum do que se pensa e que atinge uma a cada 50 pessoas, ou seja, é praticamente uma epidemia.
Comum ou incomum, me concedam o benefício da dúvida: talvez eu seja uma pobre vítima da prosopagnosia e por isso não saio por aí dando dois beijinhos e perguntando pela família de quem, a priori, nunca vi antes. Se não for prosopagnosia, acredite: é astigmatismo evoluindo para uma catarata, somada a uma palermice que me dificulta distinguir semblantes. Nariz em pé, juro que não é.
Retratos da vida - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 13/01
Os sem parentes e amigos, veja a tragédia, são 93% dos internados.
Segue...
Do total de pacientes, 1.540 não têm referência de moradia.
Os dados são do Módulo de Saúde Mental, do MP do Rio.
Conteúdo nacional
Luiz Fux promove uma audiência pública, no início de fevereiro, para discutir a lei que regulamenta a TV por assinatura no país.
O ministro é relator, no STF, de três ações diretas de inconstitucionalidade da lei. Uma dessas Adins foi apresentada pelo partido Democratas (DEM).
Contra as cotas...
Em jogo, a cota para programas de conteúdo nacional. A lei em vigor exige que miúdos 2,08% das 168 horas de programação semanal de cada canal sejam dedicados a produções brasileiras.
A lei alavancou (e muito) o mercado para produtores, autores e artistas daqui. Mas tem gente que não gosta.
A compungida
Diplomatas baseados em Havana ficaram surpresos com o estilo de Cristina Kirchner, que, sexta, foi visitar parentes de Hugo Chávez.
A argentina chegou ao hospital de... vestido preto-luto, óculos escuros e com uma Bíblia nas mãos.
Acabou em samba
Este ano, o Bloco Gargalhada, de Vila Isabel, desfila com o enredo “Eu juro que não sabia de nada”.
Vai celebrar o Lula, que, sempre que surge algum escândalo à sua volta, alega que nada sabia.
Faz sentido.
Saudades de Hirschman
José Serra, que perdeu a prefeitura de São Paulo para Fernando Haddad, está escrevendo um texto sobre o pensador alemão Albert Hirschman, que morreu em dezembro, aos 97 anos, e tinha muitos amigos brasileiros, como Celso Furtado e FH.
Serra, em 1976, durante seu doutorado em Economia nos EUA, trabalhou com Hirschman.
Já...
FH faz a apresentação da esperada biografia do alemão, que sai dia 28 de abril pela Princeton University Press.
A obra é escrita pelo professor Jeremy Adelman, um dos sacerdotes supremos dessa famosa universidade, que fica em Nova Jersey, nos EUA.
Ainda...
Certa vez, Edmar Bacha, o grande economista e também amigo de Albert Hirschman, perguntou-lhe como ele se definiria em termos de afiliação intelectual. E Hirschman:
— Me vejo como um praticante do micromarxismo.
Para Bacha, como o marxismo é macro por excelência, a resposta dele apenas expressava quão original o pensador, de fato, foi, “um verdadeiro hirschmaniano!”.
É grave a crise I
A coluna é do tempo em que os babalorixás traziam a pessoa amada em até três dias. Mas, para Pai Cláudio, que atende em Copacabana, é preciso um pouco mais.
No anúncio de seus trabalhos, ele só garante a “entrega da encomenda” de... 3 a 7 dias. Sei lá.
É grave a crise II
Uma casa de saliência na Rua do Acre, no Rio, quase em frente ao TRF, colou, na porta do estabelecimento, uma propaganda avisando que o pagamento de seus serviços pode ser parcelado, no cartão, em até quatro vezes sem juros.
Uma pechincha.
Rei Lear
Geraldo Carneiro acaba de finalizar sua adaptação de “Rei Lear”, o grande clássico de Shakespeare, para monólogo.
Caberá a Juca de Oliveira viver o personagem. Com direção de Elias Andreato, a peça estreia neste primeiro semestre, no Rio Expresso da folia. A SuperVia colocará um trem com ar-condicionado à disposição das escolas de samba nos dias dos desfiles. É para levar seus integrantes de graça.
Cadeia VIP - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 13/01
Na cadeia VIP, sushis e charutos custariam uma fortuna, e parte do dinheiro roubado seria recuperada
A iniciativa privada tem em seus planos construir e gerenciar presídios. Ótimo; assim nossos presidiários poderão ter vida mais digna. É natural que um grande empresário que não agiu de acordo com a lei, cumpra pena em local condizente com sua situação social. As prisões poderão ser de vários tipos, de uma a cinco estrelas, essas para pessoas mais ilustres, mas em todas a hospedagem deverá ser paga. Então aí vai minha pequena colaboração, para que os anos passados longe do convívio dos seus próximos sejam menos dolorosos.
As prisões cinco estrelas teriam suítes de luxo, todas com TV, mas onde só seriam exibidas minisséries, novelas e filmes; proibidos os programas jornalísticos, para que não possam acompanhar o que está se passando no mundo (e se inspirar para novos negócios). Jornais, computadores e celulares seriam proibidos e em matéria de imprensa, só a revista "Caras", para que eles vejam o que estão perdendo.
A diária seria cara, mas isso não seria problema, claro. Haveria muito conforto: sala de ginástica, churrascaria, um bistrot francês e um sushi bar. Eles teriam que passar o dia sós, dentro de seus aposentos - afinal, prisão é prisão-, mas a partir das 7 da noite poderiam se reunir para conversar e até jantar juntos; bebida alcoólica, liberada às visitas, só nos fins de semana. A vida dos detidos não seria ruim; eles teriam direito a quase tudo, menos à liberdade, mas esse quase tudo seria muito caro.
Cada coca-cola, cada sushi, cada camisa lavada e passada, cada charuto cubano, cada roupa de cama trocada custaria uma verdadeira fortuna, e assim parte do dinheiro ganho de maneira desonesta poderia ser recuperada; a única obrigação que teriam seria assistir a uma aula diária de Moral, para aprenderem o mais elementar: que roubar um banco ou o dinheiro do Estado é a mesma coisa, e que "dar uma tacada" ou "fazer um negócio" pode ser tão grave -ou mais- quanto assaltar uma pessoa na rua com um revólver na mão.
Os presidiários deverão trabalhar enquanto estiverem presos, e o estabelecimento seria administrado exatamente como qualquer empresa. O mais inteligente seria o presidente, e escolheria seus colaboradores: quem cuidaria da tesouraria, ou das relações públicas, e haveria sempre alguém para descolar um iPad ou uma garrafa de whisky; tudo pago em dinheiro, cash, e sem recibo, porque são essas manias de assinar cheques e dar recibos que acabam na Justiça.
As empresas ganhariam muito dinheiro administrando essas prisões; tanto, que não precisariam mais de contratos com o governo para construir pontes, estradas, estádios de futebol, trem-bala e aeroportos.
E assim, quem sabe, teríamos um país mais decente.
Paris 1 - Os parisienses antenados não vão mais ao Café de Flore -são turistas demais. Seus encontros agora são marcados no Café Bonaparte, bem pertinho, na praça da igreja de St. Germain, e se você quer parecer que sabe das coisas, já sabe: encontros, só no Bonaparte.
Paris 2 - Se você fizer uma comprinha na Cartier, seja uma pulseira de 300.000 euros ou algo mais importante, não pense que vai sair exibindo a sacolinha vermelha com o nome Cartier em dourado. É assim: a jóia é colocada na sacolinha vermelha, que por sua vez é colocada dentro de uma sacola branca, para que ninguém tenha a tentação de roubá-la. Chique, não?
Paris 3 - Para jantar na Maison du Caviar -950 euros as 100 gramas do beluga gros grains- é preciso reservar, pois a casa está sempre cheia, sobretudo de armênios e russos.
Paris 4 - Mas para quem não liga para caviar, Paris é o lugar. O preço dos restaurantes é quase ridículo, perto dos do Rio e de SP, e da qualidade, nem falemos.
Na cadeia VIP, sushis e charutos custariam uma fortuna, e parte do dinheiro roubado seria recuperada
A iniciativa privada tem em seus planos construir e gerenciar presídios. Ótimo; assim nossos presidiários poderão ter vida mais digna. É natural que um grande empresário que não agiu de acordo com a lei, cumpra pena em local condizente com sua situação social. As prisões poderão ser de vários tipos, de uma a cinco estrelas, essas para pessoas mais ilustres, mas em todas a hospedagem deverá ser paga. Então aí vai minha pequena colaboração, para que os anos passados longe do convívio dos seus próximos sejam menos dolorosos.
As prisões cinco estrelas teriam suítes de luxo, todas com TV, mas onde só seriam exibidas minisséries, novelas e filmes; proibidos os programas jornalísticos, para que não possam acompanhar o que está se passando no mundo (e se inspirar para novos negócios). Jornais, computadores e celulares seriam proibidos e em matéria de imprensa, só a revista "Caras", para que eles vejam o que estão perdendo.
A diária seria cara, mas isso não seria problema, claro. Haveria muito conforto: sala de ginástica, churrascaria, um bistrot francês e um sushi bar. Eles teriam que passar o dia sós, dentro de seus aposentos - afinal, prisão é prisão-, mas a partir das 7 da noite poderiam se reunir para conversar e até jantar juntos; bebida alcoólica, liberada às visitas, só nos fins de semana. A vida dos detidos não seria ruim; eles teriam direito a quase tudo, menos à liberdade, mas esse quase tudo seria muito caro.
Cada coca-cola, cada sushi, cada camisa lavada e passada, cada charuto cubano, cada roupa de cama trocada custaria uma verdadeira fortuna, e assim parte do dinheiro ganho de maneira desonesta poderia ser recuperada; a única obrigação que teriam seria assistir a uma aula diária de Moral, para aprenderem o mais elementar: que roubar um banco ou o dinheiro do Estado é a mesma coisa, e que "dar uma tacada" ou "fazer um negócio" pode ser tão grave -ou mais- quanto assaltar uma pessoa na rua com um revólver na mão.
Os presidiários deverão trabalhar enquanto estiverem presos, e o estabelecimento seria administrado exatamente como qualquer empresa. O mais inteligente seria o presidente, e escolheria seus colaboradores: quem cuidaria da tesouraria, ou das relações públicas, e haveria sempre alguém para descolar um iPad ou uma garrafa de whisky; tudo pago em dinheiro, cash, e sem recibo, porque são essas manias de assinar cheques e dar recibos que acabam na Justiça.
As empresas ganhariam muito dinheiro administrando essas prisões; tanto, que não precisariam mais de contratos com o governo para construir pontes, estradas, estádios de futebol, trem-bala e aeroportos.
E assim, quem sabe, teríamos um país mais decente.
Paris 1 - Os parisienses antenados não vão mais ao Café de Flore -são turistas demais. Seus encontros agora são marcados no Café Bonaparte, bem pertinho, na praça da igreja de St. Germain, e se você quer parecer que sabe das coisas, já sabe: encontros, só no Bonaparte.
Paris 2 - Se você fizer uma comprinha na Cartier, seja uma pulseira de 300.000 euros ou algo mais importante, não pense que vai sair exibindo a sacolinha vermelha com o nome Cartier em dourado. É assim: a jóia é colocada na sacolinha vermelha, que por sua vez é colocada dentro de uma sacola branca, para que ninguém tenha a tentação de roubá-la. Chique, não?
Paris 3 - Para jantar na Maison du Caviar -950 euros as 100 gramas do beluga gros grains- é preciso reservar, pois a casa está sempre cheia, sobretudo de armênios e russos.
Paris 4 - Mas para quem não liga para caviar, Paris é o lugar. O preço dos restaurantes é quase ridículo, perto dos do Rio e de SP, e da qualidade, nem falemos.
O pugilato de idéias - CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 13/01
RIO DE JANEIRO - O personagem mais simpático de Machado de Assis, na minha opinião, é Quincas Borba, não o homem, mas o cão que tem o mesmo nome do antigo dono. Justamente porque nada fala, mas pensa, e pensa muito. O espanhol que toma conta dele, quando está com raiva, chama-o de "perro del infierno", mas o cão nem dá bola para a ofensa. De tanto pensar sobre o mundo, Quincas Borba descobriu que a vida é "uma poeira de ideias".
Nunca leu Platão nem Schopenhauer, mas, observando os homens, verificou que toda a humana lida não passa de uma poeira de ideias que, muitas vezes, chega ao pugilato, talvez porque, segundo um autor (Shakespeare) que ele também não leu, os homens são homens, "men are men".
Na semana que passou, apesar da muita chuva que caiu aqui pela Baixada Fluminense, tentei fazer uma ideia de tudo, mas fui obrigado a concordar com Quincas Borba: muita poeira e nenhuma ideia. Vi o pessoal do Ministério de Minas e Energia, que produziu, entre outras maravilhas, a maravilha que é a atual presidente do Brasil, explicar os apagões e garantir que tudo está bem, o que não deixa de ser uma poeira que cobre a nossa realidade.
Poeira também, de uma outra ideia em curso, é a intenção de colocar Lula na turma do mensalão, por conta do domínio do fato que, afinal, é um tipo de poeira que complica a já complicada paisagem nacional. Tudo é possível, dizia o autor de "Quincas Borba". Há também uma ideia generalizada de que as obras prometidas para a Copa do Mundo e a Olimpíada estão atrasadíssimas -e bota poeira nisso, o remédio é esperar que a poeira comece a descer e apareça alguma coisa.
Bem verdade que a mídia, a impressa e a eletrônica, aprecia a poeira, dando mais importância ao pó do que à ideia em si.
RIO DE JANEIRO - O personagem mais simpático de Machado de Assis, na minha opinião, é Quincas Borba, não o homem, mas o cão que tem o mesmo nome do antigo dono. Justamente porque nada fala, mas pensa, e pensa muito. O espanhol que toma conta dele, quando está com raiva, chama-o de "perro del infierno", mas o cão nem dá bola para a ofensa. De tanto pensar sobre o mundo, Quincas Borba descobriu que a vida é "uma poeira de ideias".
Nunca leu Platão nem Schopenhauer, mas, observando os homens, verificou que toda a humana lida não passa de uma poeira de ideias que, muitas vezes, chega ao pugilato, talvez porque, segundo um autor (Shakespeare) que ele também não leu, os homens são homens, "men are men".
Na semana que passou, apesar da muita chuva que caiu aqui pela Baixada Fluminense, tentei fazer uma ideia de tudo, mas fui obrigado a concordar com Quincas Borba: muita poeira e nenhuma ideia. Vi o pessoal do Ministério de Minas e Energia, que produziu, entre outras maravilhas, a maravilha que é a atual presidente do Brasil, explicar os apagões e garantir que tudo está bem, o que não deixa de ser uma poeira que cobre a nossa realidade.
Poeira também, de uma outra ideia em curso, é a intenção de colocar Lula na turma do mensalão, por conta do domínio do fato que, afinal, é um tipo de poeira que complica a já complicada paisagem nacional. Tudo é possível, dizia o autor de "Quincas Borba". Há também uma ideia generalizada de que as obras prometidas para a Copa do Mundo e a Olimpíada estão atrasadíssimas -e bota poeira nisso, o remédio é esperar que a poeira comece a descer e apareça alguma coisa.
Bem verdade que a mídia, a impressa e a eletrônica, aprecia a poeira, dando mais importância ao pó do que à ideia em si.
A reinvenção da televisão - RENATO CRUZ
O Estado de S.Paulo - 13/01
A televisão vive um ciclo acelerado de mudança tecnológica. Na época da TV analógica, um aparelho costumava durar dez anos. As mudanças - como a passagem do preto e branco para as cores e o surgimento do controle remoto - levavam décadas. Com a TV digital, tudo isso mudou. A televisão entrou no mesmo ritmo de evolução dos microcomputadores, com lançamentos pelo menos anuais e queda de preços e obsolescência aceleradas.
Nos seis últimos anos, acompanhamos o lançamento de aparelhos digitais de alta definição, de alta definição plena ("full HD"), 3D com óculos ativos (que precisam de bateria), 3D com óculos passivos (mais baratos, sem bateria), de LED (com tela mais fina), conectadas à internet e com sensores de voz e gestos.
A Consumer Electronics Show (CES), maior feira de eletrônicos do mundo, realizada na semana passada em Las Vegas, trouxe mais novidades. A grande atração foi a tecnologia Oled, com telas ainda mais finas, mais nitidez e contraste e menor consumo de energia. Fabricantes apresentaram televisores curvos, como algumas telas de cinema. As chamadas televisões de 4K têm quatro vezes mais resolução (quantidade de pontos que formam a imagem) do que a alta definição atual.
Essas mudanças chegam até a trazer certa angústia ao consumidor. Para quem estava acostumado a trocar o televisor a cada década, é difícil de aceitar que o aparelho esteja obsoleto em menos de um ano. Mas, por mais que a imagem se torne melhor a cada lançamento, no entanto, não é aí que acontece a grande revolução digital da televisão. A maior mudança está na forma como as pessoas assistem à televisão. A possibilidade de ver o programa que quiser, na hora que quiser, liberta o espectador, e representa um grande desafio aos canais de televisão.
A organização do conteúdo em canais com grade de programação foi resultado de uma limitação tecnológica que já não existe mais. Os canais para transmissão da TV aberta eram um bem escasso, e a programação foi estruturada para tirar o melhor proveito dessa escassez. Para se ter uma ideia, o canal de 6 MHz usado pela emissora de televisão aberta para transmitir sua programação tem capacidade equivalente a cerca de 19 megabits por segundo (Mbps). É pouco.
Atualmente, é possível contratar um acesso residencial de banda larga com 100 Mbps. Não é barato, mas já dá para ter em casa uma conexão com mais de cinco vezes a capacidade do canal da emissora de TV. A barreira tecnológica à transmissão personalizada de programas ficou para trás. Deixou de fazer sentido ver um vídeo na hora determinada pelo canal.
No ano passado, participei de um evento da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), em Brasília. Perguntei a José Félix, presidente da Net, se a abertura do mercado de TV a cabo era uma ameaça à empresa. No fim de 2011, foi promulgada uma nova lei de televisão por assinatura, e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) retomou a venda de licenças de TV a cabo, que ficou paralisada mais de uma década.
Félix disse que não, porque, se por um lado as novas licenças aumentam a concorrência para a Net, por outro permitem que a empresa expanda sua área de atuação. Segundo ele, a grande ameaça são os serviços "over the top". Esses serviços de vídeo via internet, como Netflix e YouTube, usam a infraestrutura das empresas de banda larga para distribuir seu conteúdo.
Não é por acaso que a audiência da TV aberta vem caindo. O total de aparelhos ligados entre 7h e meia-noite, segundo o Ibope, caiu de 41,7 pontos em 2011 para 40,1 pontos no ano passado. Isso não quer dizer, porém, que o restante dos televisores esteja desligado. Quer dizer que não estava ligado na TV aberta.
Alguém pode dizer que esse cenário de vídeo fora da grade de programação vem crescendo graças à pirataria e ao desrespeito ao direito autoral. Cada vez menos. O avanço da TV conectada e dos serviços de vídeo sob demanda - como o Netflix ou o próprio Now, da Net - é um desestímulo ao download de arquivos ilegais da internet.
O espectador quer comodidade, sem ser obrigado a ver alguma coisa por pura falta de opção.
Ode ao planeta - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 13/01
Minidocumentário incrível se inspira na transformação pela qual passam os que veem a Terra do espaço
"Me lembro da decolagem, que é uma experiência inesquecível. Os motores foram desligados e me senti sem peso. Flutuei até a janela e vi que estávamos sobre a costa da África. Foi então que entendi que estava no espaço. Fiquei incrivelmente excitado pois era algo que queria fazer desde que tinha seis anos de idade."
Esse depoimento, do astronauta americano Jeff Hoffman, que tripulou o ônibus espacial, faz parte de um minidocumentário incrível, inspirado no chamado "efeito visão total", sugerido pelo escritor Frank White em 1987 para descrever a profunda transformação emocional que astronautas sentem ao olhar para a Terra do espaço.
(Em inglês, chama-se "overview effect", que se traduz mal para o português. Escolhi "visão total" pois faz referência ao cerne do efeito, a visão total da Terra.) Eis o link do vídeo que sugiro a todos, mesmo se não souberem inglês: http://vimeo.com/55073825.
"Você começa com uma expectativa do que vai ver, mas nada se compara ao que é visto de fato. É tão mais bonita do que você imagina, essa coisa dinâmica, brilhante, cheia de vida... É o nosso poema," disse Nicole Stott, astronauta da Estação Espacial Internacional.
"As luzes das cidades, a linha separando noite e dia, estrelas cadentes passando abaixo da gente, as auroras dançando nos céus, as tempestades e os raios subindo e descendo... Tudo ao mesmo tempo, passando rápido pela espaçonave, tão difícil de descrever," disse outro.
Edgar Mitchell, que ficou em órbita em torno da Lua numa missão Apollo enquanto seus companheiros estavam no solo, descreve como via a Terra, o Sol e a Lua passando a cada dois minutos e como o estudo da astronomia e da cosmologia- que ensinaram-lhe como toda essa matéria, incluindo a nossa, veio de estrelas que explodiram bilhões de anos atrás e como toda a matéria tem os mesmos átomos- deu-lhe um profundo sentido de união com a totalidade do Cosmos.
Em todos os depoimentos se vê uma profunda reverência com o nosso planeta, uma emoção primal que remete os que a sentem a um estado de transcendência em que o "eu" deixa de ser importante, e o que existe é o coletivo.
Os astronautas da Estação Espacial Internacional, em especial, passam a maior parte de seu tempo livre olhando para a Terra, observando seus detalhes em um estado contemplativo que só pode ser descrito como espiritual. Uma coisa é estar aqui, no meio da confusão, das vozes e luzes, do crime, das disputas e guerras. Outra é ver tudo de longe, como uma entidade única, o peixe que vislumbra o oceano como um todo e entende de onde vem.
O "efeito visão total" traz uma compreensão da profunda unidade entre a Terra e a vida nela, um planeta azul viajando pelo espaço, uma espaçonave ele também, um organismo vivo e profundamente frágil.
Pensar que o manto que protege a vida na Terra, a atmosfera, é fino como a casca de uma maçã e que, sem ele, não poderíamos sobreviver. De longe, os astronautas veem o impacto negativo da nossa presença. E temem pelo futuro do planeta e da nossa espécie. A Terra, vista como um todo, é o símbolo da nossa era. E a necessidade imperativa de sua preservação deveria ser o nosso mantra.
Minidocumentário incrível se inspira na transformação pela qual passam os que veem a Terra do espaço
"Me lembro da decolagem, que é uma experiência inesquecível. Os motores foram desligados e me senti sem peso. Flutuei até a janela e vi que estávamos sobre a costa da África. Foi então que entendi que estava no espaço. Fiquei incrivelmente excitado pois era algo que queria fazer desde que tinha seis anos de idade."
Esse depoimento, do astronauta americano Jeff Hoffman, que tripulou o ônibus espacial, faz parte de um minidocumentário incrível, inspirado no chamado "efeito visão total", sugerido pelo escritor Frank White em 1987 para descrever a profunda transformação emocional que astronautas sentem ao olhar para a Terra do espaço.
(Em inglês, chama-se "overview effect", que se traduz mal para o português. Escolhi "visão total" pois faz referência ao cerne do efeito, a visão total da Terra.) Eis o link do vídeo que sugiro a todos, mesmo se não souberem inglês: http://vimeo.com/55073825.
"Você começa com uma expectativa do que vai ver, mas nada se compara ao que é visto de fato. É tão mais bonita do que você imagina, essa coisa dinâmica, brilhante, cheia de vida... É o nosso poema," disse Nicole Stott, astronauta da Estação Espacial Internacional.
"As luzes das cidades, a linha separando noite e dia, estrelas cadentes passando abaixo da gente, as auroras dançando nos céus, as tempestades e os raios subindo e descendo... Tudo ao mesmo tempo, passando rápido pela espaçonave, tão difícil de descrever," disse outro.
Edgar Mitchell, que ficou em órbita em torno da Lua numa missão Apollo enquanto seus companheiros estavam no solo, descreve como via a Terra, o Sol e a Lua passando a cada dois minutos e como o estudo da astronomia e da cosmologia- que ensinaram-lhe como toda essa matéria, incluindo a nossa, veio de estrelas que explodiram bilhões de anos atrás e como toda a matéria tem os mesmos átomos- deu-lhe um profundo sentido de união com a totalidade do Cosmos.
Em todos os depoimentos se vê uma profunda reverência com o nosso planeta, uma emoção primal que remete os que a sentem a um estado de transcendência em que o "eu" deixa de ser importante, e o que existe é o coletivo.
Os astronautas da Estação Espacial Internacional, em especial, passam a maior parte de seu tempo livre olhando para a Terra, observando seus detalhes em um estado contemplativo que só pode ser descrito como espiritual. Uma coisa é estar aqui, no meio da confusão, das vozes e luzes, do crime, das disputas e guerras. Outra é ver tudo de longe, como uma entidade única, o peixe que vislumbra o oceano como um todo e entende de onde vem.
O "efeito visão total" traz uma compreensão da profunda unidade entre a Terra e a vida nela, um planeta azul viajando pelo espaço, uma espaçonave ele também, um organismo vivo e profundamente frágil.
Pensar que o manto que protege a vida na Terra, a atmosfera, é fino como a casca de uma maçã e que, sem ele, não poderíamos sobreviver. De longe, os astronautas veem o impacto negativo da nossa presença. E temem pelo futuro do planeta e da nossa espécie. A Terra, vista como um todo, é o símbolo da nossa era. E a necessidade imperativa de sua preservação deveria ser o nosso mantra.
Família Brasil Momentos "aaah" - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 13/01
Temos momentos de êxtase, de arrebatamento, de profunda satisfação pessoal, mas também temos pequenos prazeres passageiros, os chamados "momentos aaah" da vida.
Exemplo: você está com uma sede de perdido no deserto. É um Lawrence da Arábia sem o cantil. Sua boca é uma caverna poeirenta. Sua língua é uma bola de aniagem, percorrida por lagartixas secas e ressentidas. Nada abaterá sua sede, salvo uma... E lá vem ela. Uma Coca Cola com gelo num copo longo (rodela de limão opcional) que você toma em dois goles, e depois do primeiro gole invariavelmente faz "aaah!"
Você chega de viagem cansado, resignado a tudo que passou e certamente passará antes de poder sair do aeroporto, e de repente vê ("aaah") que a primeira mala a aparecer na esteira é a sua.
Coceira nas costas. Ninguém por perto íntimo o bastante para você pedir "Me coça atrás?". Esfregar as costas numa quina pareceria estranho. Rolar no chão, mais ainda. Você tenta usar sua caneta para coçar atrás mas a caneta é curta, não alcança o ponto. A coceira aumenta. O que fazer? Você pensa: preciso de alguma coisa do tamanho certo para chegar na coceira. Um galho de árvore. Melhor ainda: uma régua. Um cassetete! Claro. Pedir o cassetete emprestado de um policial. Ele é um servidor público. Não precisa ser um conhecido, estará prestando um serviço público, ajudando um cidadão a se coçar. Você pede o cassetete emprestado. É do tamanho exato. Aaaaaaaah. .. Claro que o policial pode entender mal seu pedido e baixar o cassetete nas suas costas. O que também ajuda.
Você vai ao cinema. A poltrona é confortável. Você olha em volta e vê que não tem ninguém sentado perto de você. Ninguém para conversar durante o filme ou fazer barulho comendo pipoca ou desembrulhando doce. A sessão começa. A projeção é perfeita. Você se acomoda na poltrona e faz um merecido "aaah".
Chuveiro na temperatura certa, outro momento "aaah" (em contraste com chuveiro inesperadamente frio, um momento "ui!"). Um pôr do sol especialmente criativo. Neta que passa o dia se recusando a lhe dar um beijo, alegando falta de tempo, mas depois vem correndo e se atira na sua barriga. Ambrosia diet, a maior invenção do homem depois da escada rolante. Ir para a cama de noite, pensar no que tem para fazer no dia seguinte e se dar conta que o dia seguinte é domingo e não há nada para fazer. Aaaah...
Enfim: são os momentos "aaah" que compensam os outros, são os pequenos prazeres que nos reconciliam com a vida. E isto que eu nem falei em sesta de sofá, diferente de sesta de cama e muito diferente de sesta de pijama, que é a sua versão oficial. Aaah, um bom sofá...
Temos momentos de êxtase, de arrebatamento, de profunda satisfação pessoal, mas também temos pequenos prazeres passageiros, os chamados "momentos aaah" da vida.
Exemplo: você está com uma sede de perdido no deserto. É um Lawrence da Arábia sem o cantil. Sua boca é uma caverna poeirenta. Sua língua é uma bola de aniagem, percorrida por lagartixas secas e ressentidas. Nada abaterá sua sede, salvo uma... E lá vem ela. Uma Coca Cola com gelo num copo longo (rodela de limão opcional) que você toma em dois goles, e depois do primeiro gole invariavelmente faz "aaah!"
Você chega de viagem cansado, resignado a tudo que passou e certamente passará antes de poder sair do aeroporto, e de repente vê ("aaah") que a primeira mala a aparecer na esteira é a sua.
Coceira nas costas. Ninguém por perto íntimo o bastante para você pedir "Me coça atrás?". Esfregar as costas numa quina pareceria estranho. Rolar no chão, mais ainda. Você tenta usar sua caneta para coçar atrás mas a caneta é curta, não alcança o ponto. A coceira aumenta. O que fazer? Você pensa: preciso de alguma coisa do tamanho certo para chegar na coceira. Um galho de árvore. Melhor ainda: uma régua. Um cassetete! Claro. Pedir o cassetete emprestado de um policial. Ele é um servidor público. Não precisa ser um conhecido, estará prestando um serviço público, ajudando um cidadão a se coçar. Você pede o cassetete emprestado. É do tamanho exato. Aaaaaaaah. .. Claro que o policial pode entender mal seu pedido e baixar o cassetete nas suas costas. O que também ajuda.
Você vai ao cinema. A poltrona é confortável. Você olha em volta e vê que não tem ninguém sentado perto de você. Ninguém para conversar durante o filme ou fazer barulho comendo pipoca ou desembrulhando doce. A sessão começa. A projeção é perfeita. Você se acomoda na poltrona e faz um merecido "aaah".
Chuveiro na temperatura certa, outro momento "aaah" (em contraste com chuveiro inesperadamente frio, um momento "ui!"). Um pôr do sol especialmente criativo. Neta que passa o dia se recusando a lhe dar um beijo, alegando falta de tempo, mas depois vem correndo e se atira na sua barriga. Ambrosia diet, a maior invenção do homem depois da escada rolante. Ir para a cama de noite, pensar no que tem para fazer no dia seguinte e se dar conta que o dia seguinte é domingo e não há nada para fazer. Aaaah...
Enfim: são os momentos "aaah" que compensam os outros, são os pequenos prazeres que nos reconciliam com a vida. E isto que eu nem falei em sesta de sofá, diferente de sesta de cama e muito diferente de sesta de pijama, que é a sua versão oficial. Aaah, um bom sofá...
Deixa pra lá - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 13/01
Desconfio que Rubem Braga não gostaria nada desse rebuliço em torno do seu centenário de nascimento, transcorrido neste 12 de janeiro. Quando menos pela ausência, entre os comemorantes, de um só contemporâneo com fôlego para ajudá-lo a soprar tanta vela. Depois, como se sabe, era homem recatado, sem qualquer semostração. Um camarada de poucas e ótimas palavras, de preferência por escrito. De corpo presente, não me lembro de tê-lo ouvido engatar mais que duas frases. Uma já trazia ouro em pó suficiente. Aquela, por exemplo, famosa, com que encerrou a conversa de quem lhe pedira definição do gênero em que segue sendo inigualável: "Se não é aguda, é crônica".
Em momento de invulgar loquacidade, ele me proporcionou nada menos de três frases, curtas, irredutíveis. Eu tinha contado de meus planos de escrever o livro que viria a ser O Santo Sujo - A vida de Jayme Ovalle. "Mexe com isso não", resmungou. "O Ovalle só tem quatro histórias. Três o Fernando Sabino já contou e a quarta é mentira." Depois eu soube que não era bem assim, mas se tivesse ouvido o conselho não teria talvez empatado tanta energia num projeto que levou quase duas décadas para virar livro.
Estávamos, naquela noite de 1987, tomando uísque e papeando sobre João Cabral, personagem de uma reportagem de capa para a IstoÉ (Um poeta na capa de revista semanal! Isto era! Aliás, já que estamos entre parênteses, me permita mais um pouco de contação de vantagem: emplaquei também o Drummond, na Veja, em 1977, no que foi a única aparição em vida do poeta-mor numa capa de revista graúda).
Pois bem, lá estávamos eu, o fotógrafo Ricardo Chaves, o Otto Lara Resende e o dono da casa, na cobertura de Rubem Braga, sobre o mar de Ipanema. Descalço e empoleirado num canapé (assim aparece numa foto do Kadão), o cronista se limitava a pingar raros e precisos comentários na conversa e fartura de uísque em nossos copos. O Otto estava como sempre endiabrado, esgalhando sua prosa hipnótica a pretexto de João Cabral ou a pretexto algum - e me ocorreu então que o Rubem não precisava mesmo falar muito, cercado que vivia de mineiros palradores. Na morte de um deles, o Hélio Pellegrino, em 1988, a IstoÉ lhe pediu uma crônica, e ele, para relatar o que presenciara no velório em São João Batista, nos deu um texto intitulado "Nunca vi tanta mulher bonita".
Rubem Braga gostava de bulir com o catolicismo praticante da sua mineirada, a fé religiosa que neles convivia com mortais ou veniais estripulias. Já nos anos 40, quando se tornaram amigos vitalícios, o cronista divertia-se com o hábito que tinham de passar o carnaval enfurnados em retiros espirituais. Aquilo, batizou Rubem, era um "Almaval" - neologismo registrado num poema de 1947, em que a folia da alma é descrita como "um profundo esbaldamento moral".
"Os amigos do Almaval" é um dos 14 poemas a que se resumiu o lado menos conhecido da obra do "velho bardo ocasional", como ele próprio se rotulou, reunida no Livro de Versos, voluminho tosco saído no Recife em 1980. Dele fazem parte também a louvação de misteriosa mulher ("De todas as primas feias da roça que eu já tive/ és a mais insensatamente linda") e um "bilhete" endereçado a um amigo poeta e diplomata que então vivia em Los Angeles: "Tu, que te chamas Vinicius/ de Moraes, inda que mais/ próprio fora que Imorais/ quem te conhece chamara/ - Avis rara!" Há ainda uma "Ode aos calhordas" começando assim: "Os calhordas são casados com damas gordas/ que às vezes se entregam à benemerência:/ as damas dos calhordas chamam-se calhôrdas/ e cumprem seu dever com muita eficiência".
O melhor do livrinho, porém, é um soneto em que "na tarde ruiva das amendoeiras" o poeta bissexto e sua amada passeiam na praia, os "corpos leves e lavados" levando "o sentimento do prazer cumprido". Que musa teria ateado nele versos tão inspirados?, queriam todos saber. Mariínha, apelido da deslumbrante Tonia Carrero? "Deixa pra lá", desconversava Rubem Braga, "deixa pra lá".
Um confuso bate-boca - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 13/01
O fato mesmo é o seguinte: não há produção e venda de mercadoria alguma se não houver consumidor
Um novo projeto de lei, que deve ser votado pelo Congresso em fevereiro, trouxe de novo à discussão o problema das drogas: reprimir ou descriminalizar?
Esse projeto pretende tornar mais severa a repressão ao tráfico e ao uso de drogas, alegando ser esse o desejo da sociedade. Quem a ele se opõe argumenta com o fato de que a repressão, tanto ao tráfico quanto ao uso de drogas, não impediu que ambos aumentassem.
Quem se opõe à repressão considera, com razão, não ter cabimento meter na prisão pessoas que, na verdade, são doentes, dependentes, consumidores patológicos. Devem ser tratados, e não encarcerados. No entanto, quem defende o tratamento em vez da prisão se opõe à internação compulsória do usuário porque, a seu ver, isso atenta contra a liberdade do indivíduo.
Esse é um debate que não chega a nada nem pode chegar. Se você for esperar que uma pessoa surtada aceite ser internada para tratamento, perderá seu tempo.
Pergunto: um pai, que interna compulsoriamente um filho em estado delirante, atenta contra sua liberdade individual? Deve, então, deixar que se jogue pela janela ou agrida alguém? Está evidente que, ao interná-lo, faz aquilo que ele, surtado, não tem capacidade de fazer.
Mas a discussão não acaba aí. Todas as pessoas que consomem bebidas alcoólicas são alcoólatras? Claro que não. A vasta maioria, que consome os milhões de litros dessas bebidas, bebe socialmente. Pois bem, com as drogas é a mesma coisa: a maioria que as consome não é doente, consome-as socialmente, e muitos desses consumidores são gente fina, executivos de empresas, universitários etc..
Só que a polícia quase nunca chega a eles, pois estes não vão às bocas de fumo comprar drogas. Sem correrem quaisquer riscos, as recebem e as usam. Ninguém vai me convencer de que os milhões de reais que circulam no comércio das drogas são apenas dinheiro de pé-rapado que a polícia prende nas favelas ou debaixo dos viadutos.
Outro argumento falacioso dos que defendem a descriminalização das drogas é o de que a repressão ao tráfico e ao consumo não deu qualquer resultado positivo. Pelo contrário -argumentam eles-, o tráfico e o consumo só aumentaram.
É verdade, mas, se por isso devemos acabar com o combate ao comércio de drogas, deve-se também parar de combater o crime em geral, já que, embora o sistema judicial e o prisional existam há séculos, a criminalidade só tem aumentado em todo o planeta. Seria, evidentemente, um disparate. Não obstante, esse é o argumento utilizado para justificar a descriminalização das drogas.
A maneira certa de encarar tal questão é compreender que nem todos os problemas têm solução definitiva e, por isso mesmo, exigem combate permanente e incessante.
A verdade é que, no caso do tráfico, como no da criminalidade em geral, se é certo que a repressão não os extingue, limita-lhes a expansão. Pior seria se agissem à solta.
Quantas toneladas de cocaína, crack e maconha são apreendidas mensalmente só no Brasil? Apesar disso, a verdade é que cresce o número de usuários de drogas e, consequentemente, a produção delas. Os traficantes têm plena consciência disso, tanto que, para garantir a manutenção e o crescimento de seu mercado, implantam gente sua nas escolas a fim de aliciar meninos de oito, dez anos de idade.
Por tudo isso, deve-se reconhecer que o combate ao tráfico é particularmente difícil, já que, nesse caso, a vítima -isto é, o consumidor- alia-se ao criminoso contra a polícia. Ou seja, ela inventa meios e modos para conseguir que a droga chegue às suas mãos, anulando, assim, a ação policial.
O certo é que este bate-boca não leva a nada. O fato mesmo é o seguinte: não há produção e venda de mercadoria alguma se não houver consumidor.
Só se fabricam automóvel e geladeira porque há quem os compre. O mesmo ocorre com as drogas: só há produção e tráfico de drogas porque há quem as consuma. Logo, a maneira eficaz de combater o tráfico de drogas é reduzindo-lhe o consumo.
E a maneira de conseguir isso é por meio de uma campanha de âmbito nacional e internacional, maciça, mostrando às novas gerações -principalmente aos adolescentes- que a droga destrói sua vida.
O fato mesmo é o seguinte: não há produção e venda de mercadoria alguma se não houver consumidor
Um novo projeto de lei, que deve ser votado pelo Congresso em fevereiro, trouxe de novo à discussão o problema das drogas: reprimir ou descriminalizar?
Esse projeto pretende tornar mais severa a repressão ao tráfico e ao uso de drogas, alegando ser esse o desejo da sociedade. Quem a ele se opõe argumenta com o fato de que a repressão, tanto ao tráfico quanto ao uso de drogas, não impediu que ambos aumentassem.
Quem se opõe à repressão considera, com razão, não ter cabimento meter na prisão pessoas que, na verdade, são doentes, dependentes, consumidores patológicos. Devem ser tratados, e não encarcerados. No entanto, quem defende o tratamento em vez da prisão se opõe à internação compulsória do usuário porque, a seu ver, isso atenta contra a liberdade do indivíduo.
Esse é um debate que não chega a nada nem pode chegar. Se você for esperar que uma pessoa surtada aceite ser internada para tratamento, perderá seu tempo.
Pergunto: um pai, que interna compulsoriamente um filho em estado delirante, atenta contra sua liberdade individual? Deve, então, deixar que se jogue pela janela ou agrida alguém? Está evidente que, ao interná-lo, faz aquilo que ele, surtado, não tem capacidade de fazer.
Mas a discussão não acaba aí. Todas as pessoas que consomem bebidas alcoólicas são alcoólatras? Claro que não. A vasta maioria, que consome os milhões de litros dessas bebidas, bebe socialmente. Pois bem, com as drogas é a mesma coisa: a maioria que as consome não é doente, consome-as socialmente, e muitos desses consumidores são gente fina, executivos de empresas, universitários etc..
Só que a polícia quase nunca chega a eles, pois estes não vão às bocas de fumo comprar drogas. Sem correrem quaisquer riscos, as recebem e as usam. Ninguém vai me convencer de que os milhões de reais que circulam no comércio das drogas são apenas dinheiro de pé-rapado que a polícia prende nas favelas ou debaixo dos viadutos.
Outro argumento falacioso dos que defendem a descriminalização das drogas é o de que a repressão ao tráfico e ao consumo não deu qualquer resultado positivo. Pelo contrário -argumentam eles-, o tráfico e o consumo só aumentaram.
É verdade, mas, se por isso devemos acabar com o combate ao comércio de drogas, deve-se também parar de combater o crime em geral, já que, embora o sistema judicial e o prisional existam há séculos, a criminalidade só tem aumentado em todo o planeta. Seria, evidentemente, um disparate. Não obstante, esse é o argumento utilizado para justificar a descriminalização das drogas.
A maneira certa de encarar tal questão é compreender que nem todos os problemas têm solução definitiva e, por isso mesmo, exigem combate permanente e incessante.
A verdade é que, no caso do tráfico, como no da criminalidade em geral, se é certo que a repressão não os extingue, limita-lhes a expansão. Pior seria se agissem à solta.
Quantas toneladas de cocaína, crack e maconha são apreendidas mensalmente só no Brasil? Apesar disso, a verdade é que cresce o número de usuários de drogas e, consequentemente, a produção delas. Os traficantes têm plena consciência disso, tanto que, para garantir a manutenção e o crescimento de seu mercado, implantam gente sua nas escolas a fim de aliciar meninos de oito, dez anos de idade.
Por tudo isso, deve-se reconhecer que o combate ao tráfico é particularmente difícil, já que, nesse caso, a vítima -isto é, o consumidor- alia-se ao criminoso contra a polícia. Ou seja, ela inventa meios e modos para conseguir que a droga chegue às suas mãos, anulando, assim, a ação policial.
O certo é que este bate-boca não leva a nada. O fato mesmo é o seguinte: não há produção e venda de mercadoria alguma se não houver consumidor.
Só se fabricam automóvel e geladeira porque há quem os compre. O mesmo ocorre com as drogas: só há produção e tráfico de drogas porque há quem as consuma. Logo, a maneira eficaz de combater o tráfico de drogas é reduzindo-lhe o consumo.
E a maneira de conseguir isso é por meio de uma campanha de âmbito nacional e internacional, maciça, mostrando às novas gerações -principalmente aos adolescentes- que a droga destrói sua vida.
Conflitos e perplexidades - AFFONSO CELSO PASTORE
O Estado de S.Paulo - 13/01
As indicações dadas pelo Banco Central são de que o ciclo de redução da taxa de juros chegou ao fim. Em termos reais, a taxa Selic está abaixo de 2%, e a TJLP e as taxas do PSI são negativas. Essa elevada dose de estímulos monetários não impediu que em 2012 o crescimento do PIB ficasse em torno de 1%, nem tem sido capaz de gerar otimismo quanto ao crescimento em 2013. Apesar do baixo crescimento econômico, a inflação de 2012 chegou a 5,84%, com os preços dos serviços - que dependem fundamentalmente dos reajustes de salários - crescendo 8,7%, apenas um pouco abaixo da taxa de 9% de 2011. Como é possível a coexistência de crescimento econômico tão baixo ao lado de uma inflação de serviços tão elevada e persistente?
A resposta depende em parte do comportamento do mercado de trabalho. Embora a indústria não cresça e os investimentos em capital fixo estejam em queda, há pleno emprego no mercado de trabalho. A economia cresce pouco, mas a demanda de mão de obra supera o crescimento da população em idade ativa. Isto faz com que a taxa de desemprego corrigida pelas variações na taxa de participação continue declinando, atingindo no último mês um pouco abaixo de 4%, que é o seu menor valor histórico.
A combinação de uma baixa taxa de desemprego, com taxas elevadas de crescimento da população ocupada, e com os reajustes reais do salário mínimo, leva a um crescimento acelerado dos salários reais.
O Banco Central tem apontado que, no Brasil, os salários reais vêm crescendo acima dos demais países, superando em muito o crescimento da produtividade média da mão de obra. Se os salários crescessem 10%, por exemplo, e cada trabalhador produzisse 10% a mais, não haveria aumento do custo salarial por unidade de produto. Mas se os salários crescerem acima da produtividade do trabalho, haverá um empurrão de custos, que: ou será repassado para preços, gerando mais inflação; ou se transformará em redução de margens de lucro, levando à contração da produção. As duas coisas vêm ocorrendo no Brasil.
Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego e Salários, do IBGE, mostram que, entre 2002 e 2008, os salários reais da indústria cresceram a uma taxa praticamente igual à de crescimento da produtividade da mão de obra. Mas, do início de 2010 em diante, o crescimento dos salários tem ocorrido ao lado da estagnação da produtividade do trabalhador, levando a um forte crescimento do custo unitário do trabalho. Com isso, a produção industrial tem sido desestimulada, e os preços dos serviços se elevam.
Para evitar os efeitos da elevação de custos sobre a produção industrial, o governo decidiu permitir a ocorrência de uma maior depreciação cambial, o que levaria a uma recomposição das margens de lucro. Festejou a depreciação provocada pela redução dos ingressos de capitais, acreditando que a pressão cambial não seria repassada para os preços. Ganharíamos apenas um câmbio real mais depreciado e uma relação câmbio/salários mais alta, esquecendo-se que é totalmente impossível recompor as margens de lucro sem que as empresas elevem os preços. O resultado é que assistiu a um aumento da inflação dos bens comercializáveis internacionalmente, que se somou à inflação de serviços, levando o IPCA de 2012 para 5,84%. O crescimento da inflação nos últimos meses tem uma relação estreita com a tentativa de mudar o regime cambial, buscando um câmbio real permanentemente mais depreciado, revelando que há limites ao uso do câmbio como um instrumento de política econômica.
Se persistisse na rota de uma depreciação cambial mais intensa, o governo colheria um aumento ainda maior da inflação, pulverizando a possibilidade de manter a taxa Selic constante por um extenso período. Talvez pudesse reduzir esse efeito sobre o índice de preços lançando mão de uma nova rodada de artifícios, como ocorreu com a redução do IPI de automóveis ou a manutenção dos preços da gasolina, ainda que a custa da penalização dos resultados da Petrobrás. Mas a história do último ano não é favorável a este respeito. Afinal, estes artifícios não foram suficientes para trazer a inflação para a meta, como prometia o Banco Central, mostrando que nada substitui uma política monetária bem feita, ancorando a inflação no cumprimento da meta.
Se o Banco Central estiver realmente comprometido com a meta de inflação, sabe que atualmente não há espaço para novas reduções da taxa Selic, e se o governo quiser ajudar o Banco Central a atingir a meta não pode querer uma depreciação cambial mais intensa. No entanto, apesar da perspectiva de continuidade do crescimento do consumo, as notícias vindas dos investimentos não são boas. No quarto trimestre de 2012, a formação bruta de capital fixo deve ter sofrido uma nova queda, e as perspectivas são de que esse comportamento deva continuar. Os riscos vindos do abastecimento de energia acentuam esse movimento. A perspectiva para 2013 é de um crescimento baixo do PIB. As projeções de consenso, atualmente em 3,3%, ainda não incorporam totalmente os riscos vindos da oferta de energia, e deverão cair nos próximos meses.
Esbarrando nos limites quanto à queda da taxa de juros e quanto à depreciação cambial, e atribuindo um peso grande ao crescimento do PIB, qual poderia ser a reação do governo? O candidato mais provável é a elevação da dose de estímulos fiscais, e aqui há duas possibilidades. Primeiro, o governo não tem hesitado em elevar a dívida pública bruta para transferir recursos ao BNDES, sob o argumento de que isso não eleva a dívida líquida, porque adquire créditos contra o BNDES. Ocorre que esses créditos não são líquidos, e ainda que erradamente os deduza da dívida bruta como se fosse caixa em moeda corrente, gera uma expansão fiscal, que não é passível de mensuração olhando apenas para as estatísticas do superávit primário. Isso, sem falar no custo do subsídio. Segundo, pode pura e simplesmente reduzir ainda mais os superávits primários.
Em princípio, os superávits deveriam ser maiores em anos de crescimento acelerado e menores nos anos de queda cíclica, e por isso não se pode objetar que possam cair em períodos de baixo crescimento. O que não pode ocorrer, contudo, é os superávits ficarem escondidos por manobras contábeis, impedindo que seja aferido o estímulo dado à economia, acentuando o grau de incertezas que já é grande, contribuindo para desestimular os investimentos.
Para sair da armadilha de crescimento baixo, o governo deveria estimular os investimentos em infraestrutura, e como não tem recursos, deveria contar com a participação do setor privado, em programas de privatização. Com isso, geraria externalidades que elevariam os investimentos nas empresas privadas, iniciando um ciclo de crescimento da produtividade.
Mas isso significaria uma guinada de 180 graus na orientação da política econômica, que não cabe no ideário de um governo que acredita que o Estado deva ser o grande provedor desses investimentos. O mais provável, nessas circunstâncias, é que não abandone a atual orientação de política econômica e, neste caso, infelizmente temos de pensar na continuidade do crescimento baixo ao lado de inflações elevadas.
Enquanto comem gelatina - JUAN PABLO VILLALOBOS
O Estado de S.Paulo - 13/01
O que se passa no secreto quarto de hospital de Hugo Chávez em Havana? Um escritor mexicano convidou três colegas cubanos e um venezuelano - e todos toparam imaginar
Estamos falando de um homem de 58 anos com câncer. Um câncer reincidente do qual se havia curado. Não sabemos de que tipo de câncer ele padece – não podemos saber, não querem que saibamos. O homem é presidente de um país há quase 14 anos e acaba de ser reeleito para governar mais 6. Se ele se salvar, poderá governar o país, cujo nome ele mudou, entre outras coisas, por 20 anos. O homem é militar e está convalescendo ou agonizando – não podemos saber, não querem que saibamos – num hospital de outro país, um país amigo. Um país amigo cujo presidente é seu amigo. O país amigo teve apenas um presidente – um amigo – durante décadas. Mas então o presidente amigo do país amigo adoeceu de uma enfermidade secreta. Especulou-se que seria um câncer, mas logo disseram que não era câncer – não podemos saber, não querem que saibamos. Quando o presidente do país amigo estava doente, o presidente que agora está doente o visitava. Se fazia fotografar ao lado dele para demonstrar ao mundo que continuava vivo. O presidente do país amigo sobreviveu, embora tenha deixado o poder nas mãos de seu irmão um pouquinho mais jovem. Como a vida dá voltas! Agora o presidente do país amigo visita o homem de 58 anos que tem um câncer misterioso.
São amigos de hospital: conversam sobre a revolução enquanto comem gelatina.
Rodeado por um mistério digno de telenovela, Hugo Chávez, o presidente da República Bolivariana da Venezuela, convalesce em Havana. Mas, além de suas posições ideológicas e políticas, ninguém pode negar que poucos personagens revolucionaram o histrionismo político das duas últimas décadas como o comandante venezuelano. Mais do que como presidente ou candidato, Chávez se construiu como personagem literário, como prócer e herói, chegando ao excesso da autoparódia e da caricatura grotesca. Frequentemente, esse Hugo Chávez que se sabe personagem literário, sente-se mais confortável e mais seguro no mundo da ficção, repleto de conspiração e mistério, do que na aborrecida realidade de um país e suas urgências.
Enquanto o comandante se debate em silêncio no que poderia ser seu cenário e atuação definitiva, pedi ao prestigioso escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka, coautor de uma biografia de Hugo Chávez, e a três talentosos escritores cubanos sem preconceitos que imaginassem o que está acontecendo neste momento em Havana e as eventuais consequências para ambos os países.
Para os venezuelanos tudo isso é desconcertante. A doença de Chávez foi sempre um assunto quase sigiloso, tratado com pouquíssima transparência. Até dezembro, somente ele próprio falava de sua doença. Era seu único porta-voz. Por isso, a informação nunca foi muito clara. Não só isso, como também Chávez usou a doença durante a campanha eleitoral sem o menor pudor. De início, suscitando compaixão e, depois, diante de um candidato mais jovem, dizendo que estava curado e que era quase um milagre, uma ressurreição produto do "deus povo". Agora, ele já não fala e, desde o início de dezembro, está desaparecido em Cuba.
Os comunicados oficiais não oferecem dados claros, apenas emoções políticas e exigências de lealdade. A única coisa que temos são boatos. O que é sintoma de outra doença, da doença de um país polarizado, que perdeu a transparência, a capacidade de ter uma verdade comum, aceita por todos.
Há dois Chávez: um secreto, que convalesce em Havana, e outro público, promovido, multiplicado pela propaganda oficial, na Venezuela. Se olhamos a televisão estatal, ficamos assombrados. Estamos assistindo a um processo nunca visto, ao desenvolvimento de uma indústria do culto da personalidade, com todo o dinheiro e a tecnologia do século 21. Chávez é um mito em construção, o primeiro mito midiático do nosso continente neste século 21.
ALBERTO BARRERA TYSZKA. Poeta, romancista e roteirista de televisão. Nasceu em Caracas em 1960. Seu romance La Enfermedad ganhou o prêmio Herralde em 2006. É autor, com Cristina Marcano, da biografia Hugo Chávez sem Uniforme (Gryphus).
Convalescer é um processo para a recuperação da saúde. Para sair do risco de morte. Agonizar é atravessar o estado que antecede a morte. Sofrer de maneira angustiante. São dois verbos antagônicos. A esperança de salvação. A falta dela. O que acontece com o homem com câncer? Ele convalesce? Agoniza? Não podemos saber, não querem que saibamos. Silêncio: o inesgotável discurso do homem com câncer emudeceu. A doença não tem porta-vozes.
Era o tórrido inverno de 2012. Era o dia 30 de dezembro. Enquanto enfiava a ponta da faca nos músculos de um pernil para a ceia de fim de ano, uma jornalista do Noticiario Nacional, em Caracas, falava da convalescença de Hugo Chávez, da difícil situação da oposição, dos fervorosos seguidores de Chávez (em relação ao diagnóstico médico definitivamente desanimador). Uma notícia da TV que, no entanto, ouvia graças a um radinho chinês. A jornalista falava também das missões do presidente Hugo, das relações entre a Venezuela e o nosso arquipélago, mas nada do câncer e da cirurgia. Desejava saber mais do nosso Segundo Presidente, das células cancerígenas que, a poucos dias da posse, estavam lhe pregando uma peça apesar de Deus, apesar daquele primeiro tratamento satisfatório em nosso país.
Em pouco menos de dez anos, eu, que nasci em 76, vi o corpo de puro ferro de Fidel de repente definhar. Na solidão de sua convalescença, recebeu a visita de Hugo Chávez. Era o ano de 2006, e Chávez gozava de perfeita saúde. Estava conectado por meio da banda larga com o povo da Venezuela e de Cuba, com Deus, com Bolívar. Em uma de suas visitas, percorreu o país acompanhado pelo general presidente Raúl. Hugo Chávez estendia o braço e dizia "aqui podemos fazer ... Aqui se pode investir em ..." Terminei de temperar o pernil justamente quando, no meu rádio, a jornalista dizia que devíamos confiar na recuperação de Hugo. Eram palavras alentadoras, assim como foram alentadores os jornalistas que cobriram a convalescença do Velho de Ferro. Será que Fidel apareceu de repente na sala onde atendiam nosso Segundo Presidente? O certo é que na imprensa há fotos de um Hugo com boa aparência e sorridente, mas que não pôde assistir à cerimônia da posse. Cruzei os dedos. O câncer é muito obstinado, muito mais cabeçudo do que a nossa imprensa.
AHMEL ECHEVERRÍA. Nasceu em Havana. Seu romance Días de Entrenamiento ganhou em 2010 o concurso Textos de Gaveta Franz Kafka, prêmio concedido pela ONG checa Libri Prohibiti para romances cubanos que não podem ser publicados em Cuba. No livro, ele imagina a convalescença de Fidel Castro em 2006 e narra, entre outras coisas, as visitas do presidente venezuelano.
O homem com câncer deve estar entubado. Provavelmente sedado. Dormindo. Em coma induzido. Não podemos saber, não querem que saibamos. Mas quase certamente condenado ao silêncio. O homem dos mil discursos amordaçado por um tubo e uma máscara. Os pronunciamentos ricocheteando em sua cabeça. Ecos da vida na terra, fora das quatro paredes do hospital. Socialismo ou morte. Pátria ou morte. Pensavam nos fuzis, mas sobreveio o câncer.
Havana não pode permitir a queda do governo bolivariano porque, sem os subsídios da Venezuela, a revolução afundaria numa crise como a dos anos 90, quando o socialismo europeu desapareceu. Por isso milhares de cubanos trabalham em tempo integral em todas as esferas da sociedade venezuelana, enquanto os serviços secretos da ilha atuam na equipe de assessoria e segurança do presidente moribundo, e infiltrados nas fileiras da oposição. Na prática, Havana se comporta como a metrópole que controla os cordéis do poder em Caracas.
O povo cubano olha para esse cenário com cética sabedoria histórica. Por pânico ou por apatia, assim como nunca se envolve nos acontecimentos de sua nação: espera apenas poder fugir em massa com a Reforma Migratória que, a partir deste janeiro, permitirá as viagens ao exterior sem a humilhante Autorização de Entrada e de Saída do seu próprio país. E se, em razão dessa debandada a ilha precisar de mão de obra barata num futuro imediato, sempre poderá importar cada vez mais do seu satélite venezuelano.
ORLANDO LUIS PARDO LAZO. Nasceu em Havana em 1972. É autor do romance Boring Home, vencedor do concurso Franz Kafka em 2009. É editor do e-zine Voces.
Na penumbra do mistério, o enfermo condenado ao silêncio exige a lealdade de seu povo. O mistério é um motor da trama: o povo quer saber. O povo tem direito a saber? O povo deve esperar. Até o próximo capítulo, embora não saibamos a data, nem o horário, nem o canal. É preciso esperar. Mas o povo imagina o final ou se rebela e aspira a mudar o desenlace da história. O povo sai à rua para manifestar-se contra o maldito câncer. Isso é certo e quanto a isso todos concordamos: o maldito câncer. O imperador das doenças.
O silêncio é significativo, particularmente o silêncio de alguém que vive e respira retórica. Insuficiência respiratória, disseram. Ou Chávez está muito mal ou essa é mais uma jogada em seu xadrez messiânico. Não sei... Mas de qualquer maneira, quando retomar a presidência, ou seja, a palavra (como espero que aconteça mais cedo ou mais tarde), não voltará a ser o Comandante: pela sua boca, na tela ou na tribuna, agora estará falando o câncer. The Big C... O que diz um câncer particularmente agressivo? Como é essa voz? Acredito que iremos ouvi-la em Havana, de uma hora para outra.
JORGE ENRIQUE LAGE. Nasceu em Havana em 1979. É autor do livro de contos El Color de La Sangre Diluida (Letras Cubanas) e do romance Carbono 14. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
O que se passa no secreto quarto de hospital de Hugo Chávez em Havana? Um escritor mexicano convidou três colegas cubanos e um venezuelano - e todos toparam imaginar
Estamos falando de um homem de 58 anos com câncer. Um câncer reincidente do qual se havia curado. Não sabemos de que tipo de câncer ele padece – não podemos saber, não querem que saibamos. O homem é presidente de um país há quase 14 anos e acaba de ser reeleito para governar mais 6. Se ele se salvar, poderá governar o país, cujo nome ele mudou, entre outras coisas, por 20 anos. O homem é militar e está convalescendo ou agonizando – não podemos saber, não querem que saibamos – num hospital de outro país, um país amigo. Um país amigo cujo presidente é seu amigo. O país amigo teve apenas um presidente – um amigo – durante décadas. Mas então o presidente amigo do país amigo adoeceu de uma enfermidade secreta. Especulou-se que seria um câncer, mas logo disseram que não era câncer – não podemos saber, não querem que saibamos. Quando o presidente do país amigo estava doente, o presidente que agora está doente o visitava. Se fazia fotografar ao lado dele para demonstrar ao mundo que continuava vivo. O presidente do país amigo sobreviveu, embora tenha deixado o poder nas mãos de seu irmão um pouquinho mais jovem. Como a vida dá voltas! Agora o presidente do país amigo visita o homem de 58 anos que tem um câncer misterioso.
São amigos de hospital: conversam sobre a revolução enquanto comem gelatina.
Rodeado por um mistério digno de telenovela, Hugo Chávez, o presidente da República Bolivariana da Venezuela, convalesce em Havana. Mas, além de suas posições ideológicas e políticas, ninguém pode negar que poucos personagens revolucionaram o histrionismo político das duas últimas décadas como o comandante venezuelano. Mais do que como presidente ou candidato, Chávez se construiu como personagem literário, como prócer e herói, chegando ao excesso da autoparódia e da caricatura grotesca. Frequentemente, esse Hugo Chávez que se sabe personagem literário, sente-se mais confortável e mais seguro no mundo da ficção, repleto de conspiração e mistério, do que na aborrecida realidade de um país e suas urgências.
Enquanto o comandante se debate em silêncio no que poderia ser seu cenário e atuação definitiva, pedi ao prestigioso escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka, coautor de uma biografia de Hugo Chávez, e a três talentosos escritores cubanos sem preconceitos que imaginassem o que está acontecendo neste momento em Havana e as eventuais consequências para ambos os países.
Para os venezuelanos tudo isso é desconcertante. A doença de Chávez foi sempre um assunto quase sigiloso, tratado com pouquíssima transparência. Até dezembro, somente ele próprio falava de sua doença. Era seu único porta-voz. Por isso, a informação nunca foi muito clara. Não só isso, como também Chávez usou a doença durante a campanha eleitoral sem o menor pudor. De início, suscitando compaixão e, depois, diante de um candidato mais jovem, dizendo que estava curado e que era quase um milagre, uma ressurreição produto do "deus povo". Agora, ele já não fala e, desde o início de dezembro, está desaparecido em Cuba.
Os comunicados oficiais não oferecem dados claros, apenas emoções políticas e exigências de lealdade. A única coisa que temos são boatos. O que é sintoma de outra doença, da doença de um país polarizado, que perdeu a transparência, a capacidade de ter uma verdade comum, aceita por todos.
Há dois Chávez: um secreto, que convalesce em Havana, e outro público, promovido, multiplicado pela propaganda oficial, na Venezuela. Se olhamos a televisão estatal, ficamos assombrados. Estamos assistindo a um processo nunca visto, ao desenvolvimento de uma indústria do culto da personalidade, com todo o dinheiro e a tecnologia do século 21. Chávez é um mito em construção, o primeiro mito midiático do nosso continente neste século 21.
ALBERTO BARRERA TYSZKA. Poeta, romancista e roteirista de televisão. Nasceu em Caracas em 1960. Seu romance La Enfermedad ganhou o prêmio Herralde em 2006. É autor, com Cristina Marcano, da biografia Hugo Chávez sem Uniforme (Gryphus).
Convalescer é um processo para a recuperação da saúde. Para sair do risco de morte. Agonizar é atravessar o estado que antecede a morte. Sofrer de maneira angustiante. São dois verbos antagônicos. A esperança de salvação. A falta dela. O que acontece com o homem com câncer? Ele convalesce? Agoniza? Não podemos saber, não querem que saibamos. Silêncio: o inesgotável discurso do homem com câncer emudeceu. A doença não tem porta-vozes.
Era o tórrido inverno de 2012. Era o dia 30 de dezembro. Enquanto enfiava a ponta da faca nos músculos de um pernil para a ceia de fim de ano, uma jornalista do Noticiario Nacional, em Caracas, falava da convalescença de Hugo Chávez, da difícil situação da oposição, dos fervorosos seguidores de Chávez (em relação ao diagnóstico médico definitivamente desanimador). Uma notícia da TV que, no entanto, ouvia graças a um radinho chinês. A jornalista falava também das missões do presidente Hugo, das relações entre a Venezuela e o nosso arquipélago, mas nada do câncer e da cirurgia. Desejava saber mais do nosso Segundo Presidente, das células cancerígenas que, a poucos dias da posse, estavam lhe pregando uma peça apesar de Deus, apesar daquele primeiro tratamento satisfatório em nosso país.
Em pouco menos de dez anos, eu, que nasci em 76, vi o corpo de puro ferro de Fidel de repente definhar. Na solidão de sua convalescença, recebeu a visita de Hugo Chávez. Era o ano de 2006, e Chávez gozava de perfeita saúde. Estava conectado por meio da banda larga com o povo da Venezuela e de Cuba, com Deus, com Bolívar. Em uma de suas visitas, percorreu o país acompanhado pelo general presidente Raúl. Hugo Chávez estendia o braço e dizia "aqui podemos fazer ... Aqui se pode investir em ..." Terminei de temperar o pernil justamente quando, no meu rádio, a jornalista dizia que devíamos confiar na recuperação de Hugo. Eram palavras alentadoras, assim como foram alentadores os jornalistas que cobriram a convalescença do Velho de Ferro. Será que Fidel apareceu de repente na sala onde atendiam nosso Segundo Presidente? O certo é que na imprensa há fotos de um Hugo com boa aparência e sorridente, mas que não pôde assistir à cerimônia da posse. Cruzei os dedos. O câncer é muito obstinado, muito mais cabeçudo do que a nossa imprensa.
AHMEL ECHEVERRÍA. Nasceu em Havana. Seu romance Días de Entrenamiento ganhou em 2010 o concurso Textos de Gaveta Franz Kafka, prêmio concedido pela ONG checa Libri Prohibiti para romances cubanos que não podem ser publicados em Cuba. No livro, ele imagina a convalescença de Fidel Castro em 2006 e narra, entre outras coisas, as visitas do presidente venezuelano.
O homem com câncer deve estar entubado. Provavelmente sedado. Dormindo. Em coma induzido. Não podemos saber, não querem que saibamos. Mas quase certamente condenado ao silêncio. O homem dos mil discursos amordaçado por um tubo e uma máscara. Os pronunciamentos ricocheteando em sua cabeça. Ecos da vida na terra, fora das quatro paredes do hospital. Socialismo ou morte. Pátria ou morte. Pensavam nos fuzis, mas sobreveio o câncer.
Havana não pode permitir a queda do governo bolivariano porque, sem os subsídios da Venezuela, a revolução afundaria numa crise como a dos anos 90, quando o socialismo europeu desapareceu. Por isso milhares de cubanos trabalham em tempo integral em todas as esferas da sociedade venezuelana, enquanto os serviços secretos da ilha atuam na equipe de assessoria e segurança do presidente moribundo, e infiltrados nas fileiras da oposição. Na prática, Havana se comporta como a metrópole que controla os cordéis do poder em Caracas.
O povo cubano olha para esse cenário com cética sabedoria histórica. Por pânico ou por apatia, assim como nunca se envolve nos acontecimentos de sua nação: espera apenas poder fugir em massa com a Reforma Migratória que, a partir deste janeiro, permitirá as viagens ao exterior sem a humilhante Autorização de Entrada e de Saída do seu próprio país. E se, em razão dessa debandada a ilha precisar de mão de obra barata num futuro imediato, sempre poderá importar cada vez mais do seu satélite venezuelano.
ORLANDO LUIS PARDO LAZO. Nasceu em Havana em 1972. É autor do romance Boring Home, vencedor do concurso Franz Kafka em 2009. É editor do e-zine Voces.
Na penumbra do mistério, o enfermo condenado ao silêncio exige a lealdade de seu povo. O mistério é um motor da trama: o povo quer saber. O povo tem direito a saber? O povo deve esperar. Até o próximo capítulo, embora não saibamos a data, nem o horário, nem o canal. É preciso esperar. Mas o povo imagina o final ou se rebela e aspira a mudar o desenlace da história. O povo sai à rua para manifestar-se contra o maldito câncer. Isso é certo e quanto a isso todos concordamos: o maldito câncer. O imperador das doenças.
O silêncio é significativo, particularmente o silêncio de alguém que vive e respira retórica. Insuficiência respiratória, disseram. Ou Chávez está muito mal ou essa é mais uma jogada em seu xadrez messiânico. Não sei... Mas de qualquer maneira, quando retomar a presidência, ou seja, a palavra (como espero que aconteça mais cedo ou mais tarde), não voltará a ser o Comandante: pela sua boca, na tela ou na tribuna, agora estará falando o câncer. The Big C... O que diz um câncer particularmente agressivo? Como é essa voz? Acredito que iremos ouvi-la em Havana, de uma hora para outra.
JORGE ENRIQUE LAGE. Nasceu em Havana em 1979. É autor do livro de contos El Color de La Sangre Diluida (Letras Cubanas) e do romance Carbono 14. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
BBB13! Abriram o açougue! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 13/01
IPI vira Imposto de Produtos Inundados. E IPVA é Imposto Para Veículos Anfíbios
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Breaking News! Notícias da semana! Neste mês o Elvis Presley faria 78 anos, se estivesse morto!
E esta: "Prostitutas de BH têm aula grátis de inglês para a Copa"! Ueba! Adorei! Prontas antes dos estádios! "Oh, no, my fuleco, no". "My fuleco is on the table." E o slogan vai ser: "Já comeu o seu gringo hoje?".
E esta do Sensacionalista: "Devido ao alto valor das pensões milionárias, Ronaldo ganha o prêmio Bolas de Ouro". E mais esta: "Brasileiros lideram o ranking dos que mais gastaram em Nova York em 2012". Isso que é pibinho?
E adorei o que um cara escreveu no meu Twitter: "A Índia é o país com mais estupros do planeta. No lugar em que a vaca é tratada como divindade, a mulher é tratada como vaca".
E começou a alta temporada do Datena. O Datena é o nosso Galvão Bueno das enchentes: "Alaaagoou, alaagou, alaaaagoool"! E IPI vira Imposto de Produtos Inundados. E IPVA é Imposto Para Veículos Anfíbios.
E um amigo não foi levado pela enxurrada porque na hora da enchente ele tava transando com uma boneca inflável! Rarará! Acho que ele tava comendo uma banana boat! E adorei a charge do Gazo: "Proteção para enchentes. Coloca uma vela acesa e uma cerveja na janela. A vela é pro santo e a cerveja é pro Zeca Pagodinho"! Rarará!
E o futebol? Tô adorando as contratações de 2013. O Corinthians fechou com o Pato. Pato Manco. O Pato só tá fazendo gol na filha do Berlusconi. E o Santos fechou com o Montilla. Com o Ron Montilla e com o Pinga. Que jogava no Al-Gharafa! Só falta o Adriano Imperador.
E o Palmeiras? O Palmeiras fechou as portas. Rarará! Aliás, o site CornetaFC mostra um flagrante do Bial : "A prova de resistência hoje vai ser passar um dia inteiro sem rir do Palmeiras". Todos perderam. Não há resistência humana ou desumana que resista!
E atenção! Abriram o açougue! Começou o Big Bagaça Brasil! O galinheiro mais vigiado do Brasil! E a Nair Bello no Twitter: "O Bial só veste camiseta da Renner com cor esquisita". É que acabou a verba do figurino. Gastaram tudo naquele galinheiro de vidro!
E a única novidade do "BBB": ex-BBBs! Carne velha no pedaço: Bambam e Dhomini! O "BBB" dos usados e seminovos. E coitada daquela que foi chamada de burra pelo Bambam. Ser chamada de burra pelo Bambam é fueda! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
IPI vira Imposto de Produtos Inundados. E IPVA é Imposto Para Veículos Anfíbios
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Breaking News! Notícias da semana! Neste mês o Elvis Presley faria 78 anos, se estivesse morto!
E esta: "Prostitutas de BH têm aula grátis de inglês para a Copa"! Ueba! Adorei! Prontas antes dos estádios! "Oh, no, my fuleco, no". "My fuleco is on the table." E o slogan vai ser: "Já comeu o seu gringo hoje?".
E esta do Sensacionalista: "Devido ao alto valor das pensões milionárias, Ronaldo ganha o prêmio Bolas de Ouro". E mais esta: "Brasileiros lideram o ranking dos que mais gastaram em Nova York em 2012". Isso que é pibinho?
E adorei o que um cara escreveu no meu Twitter: "A Índia é o país com mais estupros do planeta. No lugar em que a vaca é tratada como divindade, a mulher é tratada como vaca".
E começou a alta temporada do Datena. O Datena é o nosso Galvão Bueno das enchentes: "Alaaagoou, alaagou, alaaaagoool"! E IPI vira Imposto de Produtos Inundados. E IPVA é Imposto Para Veículos Anfíbios.
E um amigo não foi levado pela enxurrada porque na hora da enchente ele tava transando com uma boneca inflável! Rarará! Acho que ele tava comendo uma banana boat! E adorei a charge do Gazo: "Proteção para enchentes. Coloca uma vela acesa e uma cerveja na janela. A vela é pro santo e a cerveja é pro Zeca Pagodinho"! Rarará!
E o futebol? Tô adorando as contratações de 2013. O Corinthians fechou com o Pato. Pato Manco. O Pato só tá fazendo gol na filha do Berlusconi. E o Santos fechou com o Montilla. Com o Ron Montilla e com o Pinga. Que jogava no Al-Gharafa! Só falta o Adriano Imperador.
E o Palmeiras? O Palmeiras fechou as portas. Rarará! Aliás, o site CornetaFC mostra um flagrante do Bial : "A prova de resistência hoje vai ser passar um dia inteiro sem rir do Palmeiras". Todos perderam. Não há resistência humana ou desumana que resista!
E atenção! Abriram o açougue! Começou o Big Bagaça Brasil! O galinheiro mais vigiado do Brasil! E a Nair Bello no Twitter: "O Bial só veste camiseta da Renner com cor esquisita". É que acabou a verba do figurino. Gastaram tudo naquele galinheiro de vidro!
E a única novidade do "BBB": ex-BBBs! Carne velha no pedaço: Bambam e Dhomini! O "BBB" dos usados e seminovos. E coitada daquela que foi chamada de burra pelo Bambam. Ser chamada de burra pelo Bambam é fueda! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
O sexto sentido - CARLOS AYRES BRITTO
ZERO HORA - 13/01
Ajuda-nos a entender que o dia tem a cor dos nossos olhos
Em condições comuns ou habituais de existência, temos cinco sentidos. Sabemos seus nomes de cor e salteado: visão, tato, paladar, olfato e audição. O que não sabemos, também em regra, é que podemos manter com eles uma interação mutuamente benfazeja e por iniciativa nossa. Não deles.
Explico. A vida humana é um gravitar em torno desse quinteto de sentidos. Não pode ser diferente. Usamo-los a todo instante e tão imemorialmente que o fazemos por modo automático. Sem emoção ou banalizadamente. E muito raramente paramos para estudar as respectivas natureza e funcionalidade. Senão para aperfeiçoar a natureza, ao menos a funcionalidade. E com essa garantida melhora de individualizado desempenho, melhorar a nossa própria vida. As duas coisas a interagir por modo reciprocamente proveitoso (já antecipamos isso). Espécie de gangorra da felicidade.
Com efeito, não temos que ficar tão somente à mercê ou na dependência dos nossos sentidos. Eles também têm muito a aprender conosco, e a fórmula é simples. Basta mais e mais contemplá-los. Prestar atenção em seu particularizado dinamismo, que é precisamente observar cada um deles em ação (Nietzsche chegou a dizer que "o papel da escola é ensinar a ver"). Atuando em concreto, portanto. Mas prestar atenção sem nenhuma tensão. Sem cobrar ou exigir nada. Por modo acrítico ou valorativamente neutro, como faz uma testemunha isenta. Ou como quem se disponibiliza inteiramente para a própria Existência, o que implica suspensão de todo ceticismo ou incredulidade. Apenas contemplando, contemplando, contemplando, porque a contemplação é um misto de atenção e descontração. O observador em postura atenta, como quem está acordado, e simultaneamente em postura descontraída, como quem está dormindo. É o que se chama, hoje, de meditação. Dando-se o nome de meditante a quem se posiciona assim em estado de contemplação.
Pronto! O resultado é que a nossa contemplação agrega valor a cada qual dos sentidos. Eles ficam receptivos, acesos, agudos. Muito mais sutis. Como talvez falasse Caetano Veloso, eles ficam mais livres, leves e soltos, como convém a quem opta por se libertar de todo condicionamento mental. E se ficam assim sem lenço e sem documento (Caetano, de novo), é porque apreciam se pegar destinatários da nossa contemplação. Em pleno processo de resgate da sua identidade como seres viventes. Não como uma coisa qualquer, porém como personalizados entes que verdadeiramente são. Donde a reciprocidade da agregação de valores a quem os vê assim contemplativamente. Ou meditativamente. Ou holisticamente, como se lê em espiritualistas do mais respeitável acatamento, como Eckhart Tolle, Eva Pierrakos e J. Krishnamurti. Ou em físicos quânticos da elevada estatura científica de uma Danna Zohar.
Enfim, um mais detido e respeitoso relacionamento com os nossos próprios sentidos é um bom começo para evitar o mecanicismo da operatividade deles e da nossa própria existência. Ajuda-nos a entender que o dia tem a cor dos nossos olhos. Que somente o olhar que se renova é que vê a vida a se renovar. Que todo aquele que não monta bem no estribo dos cinco sentidos perde o bonde do sexto. Sexto sentido que já corresponde àquele terceiro olho de que fala desde sempre o zen-budismo, certamente porque, sendo o único olho que não é visto, no entanto é o único a ver tudo.
Ajuda-nos a entender que o dia tem a cor dos nossos olhos
Em condições comuns ou habituais de existência, temos cinco sentidos. Sabemos seus nomes de cor e salteado: visão, tato, paladar, olfato e audição. O que não sabemos, também em regra, é que podemos manter com eles uma interação mutuamente benfazeja e por iniciativa nossa. Não deles.
Explico. A vida humana é um gravitar em torno desse quinteto de sentidos. Não pode ser diferente. Usamo-los a todo instante e tão imemorialmente que o fazemos por modo automático. Sem emoção ou banalizadamente. E muito raramente paramos para estudar as respectivas natureza e funcionalidade. Senão para aperfeiçoar a natureza, ao menos a funcionalidade. E com essa garantida melhora de individualizado desempenho, melhorar a nossa própria vida. As duas coisas a interagir por modo reciprocamente proveitoso (já antecipamos isso). Espécie de gangorra da felicidade.
Com efeito, não temos que ficar tão somente à mercê ou na dependência dos nossos sentidos. Eles também têm muito a aprender conosco, e a fórmula é simples. Basta mais e mais contemplá-los. Prestar atenção em seu particularizado dinamismo, que é precisamente observar cada um deles em ação (Nietzsche chegou a dizer que "o papel da escola é ensinar a ver"). Atuando em concreto, portanto. Mas prestar atenção sem nenhuma tensão. Sem cobrar ou exigir nada. Por modo acrítico ou valorativamente neutro, como faz uma testemunha isenta. Ou como quem se disponibiliza inteiramente para a própria Existência, o que implica suspensão de todo ceticismo ou incredulidade. Apenas contemplando, contemplando, contemplando, porque a contemplação é um misto de atenção e descontração. O observador em postura atenta, como quem está acordado, e simultaneamente em postura descontraída, como quem está dormindo. É o que se chama, hoje, de meditação. Dando-se o nome de meditante a quem se posiciona assim em estado de contemplação.
Pronto! O resultado é que a nossa contemplação agrega valor a cada qual dos sentidos. Eles ficam receptivos, acesos, agudos. Muito mais sutis. Como talvez falasse Caetano Veloso, eles ficam mais livres, leves e soltos, como convém a quem opta por se libertar de todo condicionamento mental. E se ficam assim sem lenço e sem documento (Caetano, de novo), é porque apreciam se pegar destinatários da nossa contemplação. Em pleno processo de resgate da sua identidade como seres viventes. Não como uma coisa qualquer, porém como personalizados entes que verdadeiramente são. Donde a reciprocidade da agregação de valores a quem os vê assim contemplativamente. Ou meditativamente. Ou holisticamente, como se lê em espiritualistas do mais respeitável acatamento, como Eckhart Tolle, Eva Pierrakos e J. Krishnamurti. Ou em físicos quânticos da elevada estatura científica de uma Danna Zohar.
Enfim, um mais detido e respeitoso relacionamento com os nossos próprios sentidos é um bom começo para evitar o mecanicismo da operatividade deles e da nossa própria existência. Ajuda-nos a entender que o dia tem a cor dos nossos olhos. Que somente o olhar que se renova é que vê a vida a se renovar. Que todo aquele que não monta bem no estribo dos cinco sentidos perde o bonde do sexto. Sexto sentido que já corresponde àquele terceiro olho de que fala desde sempre o zen-budismo, certamente porque, sendo o único olho que não é visto, no entanto é o único a ver tudo.
Outra vez desunidos - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 13/01
Como há muito tempo se prevê, o maior problema do PT está em suas facções ou em seus aliados, não na oposição formal, cada vez mais enrolada em seus problemas e indecisões. É assim que a anunciada candidatura de Marina Silva à Presidência em 2014 por um eventual novo partido, ou a possibilidade de que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, concorra já na próxima eleição, são hipóteses às quais o governo da presidente Dilma deve dar tanta atenção, ou mais, do que à ainda incerta candidatura do senador Aécio Neves pelo PSDB.
Tudo parece indicar que Aécio será o candidato do maior partido oposicionista, mas o PSDB se ressente de uma unidade mínima que garanta base sólida para o início da caminhada, e o problema desta vez está em São Paulo, não em Minas. Partido que domina os dois maiores colégios eleitorais do país, o PSDB nunca conseguiu, após as eleições de Fernando Henrique, unir suas bases em torno de um candidato presidencial.
Quando o candidato era paulista (José Serra em 2002 e 2010 e Geraldo Alckmin em 2006), Minas não lhe deu a vitória. Agora, que o candidato deve ser mineiro, a máquina tucana de São Paulo começa a se movimentar para não permitir que a caminhada de Aécio seja tranquila. O governador Alckmin, ao dizer que é cedo para a definição do candidato, depois de Fernando Henrique e o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, terem dito que está na hora de oficializar a candidatura de Aécio, sinaliza pelo menos que ele quer ser ouvido, quando não que está avaliando a possibilidade de ser ele o candidato, com o o incentivo de Serra nos bastidores.
Colocada a dúvida, o trabalho de reorganização partidária que Aécio pretende realizar antes de assumir oficialmente a presidência do PSDB fica prejudicado, ou será retardado até que tudo esteja resolvido nos bastidores. O ambiente político a médio prazo parece favorável a quem queira enfrentar a reeleição da presidente Dilma ou a volta de Lula, com a economia claudicante e o PT e o ex-presidente castigados por denúncias de corrupção.
Mas o PT tem a seu favor o que os oposicionistas não têm: a sede de poder. Eles montaram uma formidável máquina partidária e fazem política 24 horas por dia. Nesse ponto se parecem cada vez mais com o PMDB, que também só se une em torno do poder e está prestes a controlar o Congresso sem contestações, presidindo ao mesmo tempo a Câmara e o Senado.
O pragmatismo de PT e PMDB os une na campanha presidencial, em torno de Dilma ou Lula, enquanto PSDB, DEM e PPS só se dividem. O possível novo partido de Marina pode ter para o PSDB um efeito semelhante ao que o PSD teve para o DEM: desidratá-lo mais, a não ser que demonstre ter expectativa de poder real.
As situações difíceis que serão enfrentadas pelo governo nos próximos dois anos podem até estimular aliados a se bandearem para outras candidaturas, aí incluída a de Aécio, mas será preciso resolver essa disputa com São Paulo de maneira a clarear o caminho da mudança de rumo do maior partido da oposição, depositário natural dos votos antipetistas.
Se a divisão interna continuar a dominar as ações dos tucanos, essa massa antipetista pode procurar Marina ou Campos, com a vantagem para os candidatos saídos da base governista de que poderão agregar eleitores petistas descontentes.
Mas será preciso que essas candidaturas nascidas do interior governista tenham convicção sobre o que querem. Marina não assumiu seu papel de oposição por inteiro na última campanha, deixando que sua alma petista falasse mais alto no segundo turno, quando tinha condições de liderar os quase 20 milhões de votos que recebeu.
Ficando neutra, não avalizou a opção tucana e liberou eleitores dissidentes do PT para voltar ao ninho original. A candidatura de Aécio tem uma capacidade maior para fazer alianças num segundo turno, com ele ou um dos outros possíveis candidatos, o que amplia o raio de ação da oposição. Mesmo com os problemas que tem pela frente, o governo petista continua sendo o favorito para 2014, pelo simples fato de que na hora devida suas facções se unem, enquanto os tucanos se dividem para impedir que adversários internos vençam.
Como há muito tempo se prevê, o maior problema do PT está em suas facções ou em seus aliados, não na oposição formal, cada vez mais enrolada em seus problemas e indecisões. É assim que a anunciada candidatura de Marina Silva à Presidência em 2014 por um eventual novo partido, ou a possibilidade de que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, concorra já na próxima eleição, são hipóteses às quais o governo da presidente Dilma deve dar tanta atenção, ou mais, do que à ainda incerta candidatura do senador Aécio Neves pelo PSDB.
Tudo parece indicar que Aécio será o candidato do maior partido oposicionista, mas o PSDB se ressente de uma unidade mínima que garanta base sólida para o início da caminhada, e o problema desta vez está em São Paulo, não em Minas. Partido que domina os dois maiores colégios eleitorais do país, o PSDB nunca conseguiu, após as eleições de Fernando Henrique, unir suas bases em torno de um candidato presidencial.
Quando o candidato era paulista (José Serra em 2002 e 2010 e Geraldo Alckmin em 2006), Minas não lhe deu a vitória. Agora, que o candidato deve ser mineiro, a máquina tucana de São Paulo começa a se movimentar para não permitir que a caminhada de Aécio seja tranquila. O governador Alckmin, ao dizer que é cedo para a definição do candidato, depois de Fernando Henrique e o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, terem dito que está na hora de oficializar a candidatura de Aécio, sinaliza pelo menos que ele quer ser ouvido, quando não que está avaliando a possibilidade de ser ele o candidato, com o o incentivo de Serra nos bastidores.
Colocada a dúvida, o trabalho de reorganização partidária que Aécio pretende realizar antes de assumir oficialmente a presidência do PSDB fica prejudicado, ou será retardado até que tudo esteja resolvido nos bastidores. O ambiente político a médio prazo parece favorável a quem queira enfrentar a reeleição da presidente Dilma ou a volta de Lula, com a economia claudicante e o PT e o ex-presidente castigados por denúncias de corrupção.
Mas o PT tem a seu favor o que os oposicionistas não têm: a sede de poder. Eles montaram uma formidável máquina partidária e fazem política 24 horas por dia. Nesse ponto se parecem cada vez mais com o PMDB, que também só se une em torno do poder e está prestes a controlar o Congresso sem contestações, presidindo ao mesmo tempo a Câmara e o Senado.
O pragmatismo de PT e PMDB os une na campanha presidencial, em torno de Dilma ou Lula, enquanto PSDB, DEM e PPS só se dividem. O possível novo partido de Marina pode ter para o PSDB um efeito semelhante ao que o PSD teve para o DEM: desidratá-lo mais, a não ser que demonstre ter expectativa de poder real.
As situações difíceis que serão enfrentadas pelo governo nos próximos dois anos podem até estimular aliados a se bandearem para outras candidaturas, aí incluída a de Aécio, mas será preciso resolver essa disputa com São Paulo de maneira a clarear o caminho da mudança de rumo do maior partido da oposição, depositário natural dos votos antipetistas.
Se a divisão interna continuar a dominar as ações dos tucanos, essa massa antipetista pode procurar Marina ou Campos, com a vantagem para os candidatos saídos da base governista de que poderão agregar eleitores petistas descontentes.
Mas será preciso que essas candidaturas nascidas do interior governista tenham convicção sobre o que querem. Marina não assumiu seu papel de oposição por inteiro na última campanha, deixando que sua alma petista falasse mais alto no segundo turno, quando tinha condições de liderar os quase 20 milhões de votos que recebeu.
Ficando neutra, não avalizou a opção tucana e liberou eleitores dissidentes do PT para voltar ao ninho original. A candidatura de Aécio tem uma capacidade maior para fazer alianças num segundo turno, com ele ou um dos outros possíveis candidatos, o que amplia o raio de ação da oposição. Mesmo com os problemas que tem pela frente, o governo petista continua sendo o favorito para 2014, pelo simples fato de que na hora devida suas facções se unem, enquanto os tucanos se dividem para impedir que adversários internos vençam.
Uma disputa necessária - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 13/01
É improvável uma reversão de expectativas em relação à eleição para a presidência da Câmara, por força do compromisso de maioria com a candidatura do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), avalizada pelo Palácio do Planalto.
Apesar disso, a hipótese de um segundo turno, com a qual trabalham os candidatos avulsos, não deve ser menosprezada.
A consolidação da candidatura do deputado Julio Delgado, do PSB mineiro, nas últimas semanas, com o apoio antes negado pelo seu partido, pode retirar da disputa o caráter de posse antecipada, nocivo por subtrair ao Legislativo a sua essência maior - o processo independente de escolha política.
O hoje ministro dos Esportes Aldo Rebelo (PC do B-SP), que já presidira a Casa em 2005, enfrentou em 2007 e 2009 dois acordos do gênero, perdendo seguidamente para os deputados Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Michel Temer (PMDB-SP). Nas duas ocasiões, derrotado antecipadamente, sustentava a necessidade da disputa como pilar do processo político.
É um discurso que sensibiliza boa parcela dos deputados. Quando nada, ameniza os efeitos imperiais de uma vitória acachapante imposta pelo apoio do Executivo.
A Júlio Delgado se junta a candidata dissidente no PMDB, Rose de Freitas (ES), atual vice-presidente da Câmara, que reza pela cartilha de Rebelo, da disputa mesmo em circunstâncias desfavoráveis.
Rose e Delgado costuram eventual aliança para somar 200 votos e impedir que Alves obtenha os 257 que o elegeriam no primeiro turno.
Com o bloco na rua
Com aval do governador Eduardo Campos, com quem almoça na próxima semana no Recife, o deputado Julio Delgado (PSB-MG) vai pôr a candidatura na rua: nos próximos dias vai a Belo Horizonte, Manaus, Belém, Curitiba e Recife para encontros com bancadas estaduais. Ele corre atrás da meta de 150 votos, número de parlamentares que reuniu no seu último aniversário, em festa que testou suas possibilidades. Boa parcela era de petistas, que guardam na memória ainda o relatório de sua autoria que serviu de base à cassação de José Dirceu. O candidato espera sair do almoço com Campos com o aval público do governador.
Apoio do vice
Já o vice-presidente Michel Temer fortalece a campanha de Henrique Alves (PMDB-RN) em jantar do correligionário com a bancada paulista programado para a próxima quinta-feira (17). E o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) tenta agendar Alves com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) no Palácio dos Bandeirantes, para obter o apoio dos tucanos.
Judicialização
Pode acabar no Judiciário a disputa pela Primeira Secretaria da Mesa da Câmara. O líder do PSD, Guilherme Campos (SP), afirma que "não há hipótese" de o partido abrir mão do cargo, para o qual está indicado o deputado Fábio Faria (PSD-RN). O problema é que cálculo da Diretoria-Geral aponta empate no número de deputados com o PSDB, que teria a primazia da escolha por ser a sigla mais antiga. Campos afirma que, se necessário, o PSD vai levar a briga para o Supremo Tribunal Federal.
Sob tensão
Acendeu a luz amarela no Ministério dos Esportes, após o terceiro adiamento na data de entrega do Maracanã, que agora ficará pronto em 28 de maio, a 19 dias do início da Copa das Confederações. Pelo cronograma inicial, as obras de reforma seriam concluídas em dezembro de 2012.
Um vazio no Palácio do Planalto - MARCELO COUTINHO
O GLOBO - 13/01
Mais uma vez a incoerência do governo brasileiro se manifesta, abençoando o autogolpe ‘temporário’ na Venezuela depois de ter suspendido o Paraguai do bloco pela cláusula democrática
Aagonizante democracia venezuelana não sobreviveu. Enfermo e incomunicável, Chávez não pôde assumir novo mandato no prazo previsto pela Constituição, e agora quem governa por tempo indeterminado é um não eleito para o cargo, em óbvia violação a qualquer estado democrático de direito.
A população venezuelana não sabe ao certo o que está acontecendo. Seu líder não vem a público esclarecê-la. As instituições no país funcionam apenas por ouvir dizer, isto é, por porta-vozes que governam sem qualquer legitimidade, tomando decisões em pleno regime de exceção, enquanto esperam indefinidamente a recuperação do presidente.
Já são duas democracias que morrem na região em menos de um ano. A primeira foi no Paraguai, em junho passado, com o golpe intitulado pelo eufemismo de “impedimento relâmpago”, só crível no realismo fantástico latino-americano.
Nas democracias do continente, inspiradas na experiência dos EUA, o presidente da República (em qualquer hipótese) deve ser eleito em disputa limpa e justa, depois tomar posse e governar até o fim, a menos que algo excepcional aconteça, como doença incapacitante, morte ou impeachment regular, com amplo direito à defesa.
Como se diz, “a regra é clara”, e algo de muito grave se passa quando perdemos essa clareza. O conceito mais simples de democracia ficou de repente confuso aos olhos da direita e da esquerda. Golpe de estado virou apenas o que os outros dão. A constituição é torturada até que ela diga o que se quer, mesmo ferindo princípios democráticos fundamentais.
Uma diferença básica entre a democracia e o autoritarismo está na fórmula de alcançar o poder. A competição pelo voto livre define o regime democrático. Já na Venezuela nos dias de hoje o poder está nas mãos de quem supostamente teve acesso ao leito de uma UTI em Cuba, onde se encontraria Chávez sob cuidados médicos muito delicados.
Quem não pode ir à própria posse não pode presidir. O que ocorre no país vizinho agora não é mais uma crise institucional, mas uma evidente ruptura. E, sendo assim, o governo do país também deveria ser (mas não será) censurado pelo Mercosul assim como foi com o Paraguai. Lá também não havia desordem social, e a Corte Suprema ficou do lado do poder.
Não é a instabilidade nas ruas e praças públicas que define a natureza do regime político. Assim como as democracias não vivem em paz de cemitério, podendo conviver com protestos, muitas ditaduras conseguem ser estáveis, inclusive com eleições sem competidores reais e controlando os seus “tribunais de justiça”.
Democracia virou o que os Supremos disserem, mesmo que estes sejam controlados pelo governo. Se o Supremo disser que um presidente eleito pode ser derrubado em 24 horas, em rito sumário, sem direito a ampla defesa, então pode. Se o Supremo disser que alguém que não foi eleito pode governar o país indefinidamente, então pode. Um descalabro.
O que define a democracia são suas regras e o pluralismo que elas abrigam, o resto é oportunismo político inconsequente. Quando não se sabe o que é democracia, ela pode ser qualquer coisa e nada ao mesmo tempo. Perde o seu sentido em outra assustadora reversão autoritária.
Agora com uma diferença: para as transições autocráticas atuais darem certo não podem se parecer com as do passado. Os novos atentados institucionais precisam ocorrer como se nada anormal estivesse acontecendo.
Infelizmente, mais uma vez a incoerência do governo brasileiro se manifesta para quem quiser assistir, abençoando o autogolpe “temporário” na Venezuela poucos meses depois de ter suspendido o Paraguai do bloco pela cláusula democrática.
Para piorar, quem decidiu e primeiro falou pelo Brasil neste momento de suma importância foi um assessor sem ministério. Isso não só demonstra a total inoperância do Itamaraty, já desnorteado após tantos erros em seu próprio repertório, como também revela um preocupante vazio na cadeira presidencial no Palácio do Planalto em assuntos internacionais.
Atenta à economia que não cresce, Dilma delegou poderes a subordinados que não parecem saber o que fazer em situações críticas no campo das relações exteriores. Não vem liderança de onde mais a região espera. E a marcha ao retrocesso avança. Onde será o próximo golpe?
Mais uma vez a incoerência do governo brasileiro se manifesta, abençoando o autogolpe ‘temporário’ na Venezuela depois de ter suspendido o Paraguai do bloco pela cláusula democrática
Aagonizante democracia venezuelana não sobreviveu. Enfermo e incomunicável, Chávez não pôde assumir novo mandato no prazo previsto pela Constituição, e agora quem governa por tempo indeterminado é um não eleito para o cargo, em óbvia violação a qualquer estado democrático de direito.
A população venezuelana não sabe ao certo o que está acontecendo. Seu líder não vem a público esclarecê-la. As instituições no país funcionam apenas por ouvir dizer, isto é, por porta-vozes que governam sem qualquer legitimidade, tomando decisões em pleno regime de exceção, enquanto esperam indefinidamente a recuperação do presidente.
Já são duas democracias que morrem na região em menos de um ano. A primeira foi no Paraguai, em junho passado, com o golpe intitulado pelo eufemismo de “impedimento relâmpago”, só crível no realismo fantástico latino-americano.
Nas democracias do continente, inspiradas na experiência dos EUA, o presidente da República (em qualquer hipótese) deve ser eleito em disputa limpa e justa, depois tomar posse e governar até o fim, a menos que algo excepcional aconteça, como doença incapacitante, morte ou impeachment regular, com amplo direito à defesa.
Como se diz, “a regra é clara”, e algo de muito grave se passa quando perdemos essa clareza. O conceito mais simples de democracia ficou de repente confuso aos olhos da direita e da esquerda. Golpe de estado virou apenas o que os outros dão. A constituição é torturada até que ela diga o que se quer, mesmo ferindo princípios democráticos fundamentais.
Uma diferença básica entre a democracia e o autoritarismo está na fórmula de alcançar o poder. A competição pelo voto livre define o regime democrático. Já na Venezuela nos dias de hoje o poder está nas mãos de quem supostamente teve acesso ao leito de uma UTI em Cuba, onde se encontraria Chávez sob cuidados médicos muito delicados.
Quem não pode ir à própria posse não pode presidir. O que ocorre no país vizinho agora não é mais uma crise institucional, mas uma evidente ruptura. E, sendo assim, o governo do país também deveria ser (mas não será) censurado pelo Mercosul assim como foi com o Paraguai. Lá também não havia desordem social, e a Corte Suprema ficou do lado do poder.
Não é a instabilidade nas ruas e praças públicas que define a natureza do regime político. Assim como as democracias não vivem em paz de cemitério, podendo conviver com protestos, muitas ditaduras conseguem ser estáveis, inclusive com eleições sem competidores reais e controlando os seus “tribunais de justiça”.
Democracia virou o que os Supremos disserem, mesmo que estes sejam controlados pelo governo. Se o Supremo disser que um presidente eleito pode ser derrubado em 24 horas, em rito sumário, sem direito a ampla defesa, então pode. Se o Supremo disser que alguém que não foi eleito pode governar o país indefinidamente, então pode. Um descalabro.
O que define a democracia são suas regras e o pluralismo que elas abrigam, o resto é oportunismo político inconsequente. Quando não se sabe o que é democracia, ela pode ser qualquer coisa e nada ao mesmo tempo. Perde o seu sentido em outra assustadora reversão autoritária.
Agora com uma diferença: para as transições autocráticas atuais darem certo não podem se parecer com as do passado. Os novos atentados institucionais precisam ocorrer como se nada anormal estivesse acontecendo.
Infelizmente, mais uma vez a incoerência do governo brasileiro se manifesta para quem quiser assistir, abençoando o autogolpe “temporário” na Venezuela poucos meses depois de ter suspendido o Paraguai do bloco pela cláusula democrática.
Para piorar, quem decidiu e primeiro falou pelo Brasil neste momento de suma importância foi um assessor sem ministério. Isso não só demonstra a total inoperância do Itamaraty, já desnorteado após tantos erros em seu próprio repertório, como também revela um preocupante vazio na cadeira presidencial no Palácio do Planalto em assuntos internacionais.
Atenta à economia que não cresce, Dilma delegou poderes a subordinados que não parecem saber o que fazer em situações críticas no campo das relações exteriores. Não vem liderança de onde mais a região espera. E a marcha ao retrocesso avança. Onde será o próximo golpe?
Brasil, um retrato em tom cinza - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 13/01
Pesquisa sobre capacidade de o país enfrentar grandes crises não dá resultados nem confortáveis nem trágicos
O Brasil nem está tão bem quanto parecem acreditar o governo e os governistas mais empedernidos nem tão mal como querem fazer crer recentes análises, nacionais e estrangeiras.
Esse tom cinza transparece da pesquisa "Percepção de Riscos Globais", feita por iniciativa do Fórum Econômico Mundial (pelo oitavo ano consecutivo). Foram ouvidos mil especialistas de 139 países, entre executivos, acadêmicos e membros do governo e da sociedade civil.
Dá até para dizer que o copo do Brasil está meio cheio quando a pergunta se refere ao país todo, e não apenas a seu governo. A pergunta foi esta: "Se este risco [econômico, ambiental, geopolítico, social ou tecnológico] se materializasse no país em que você é especializado, qual seria a capacidade dele de se adaptar ou se recuperar do impacto?".
Os dados recolhidos, dizem os autores do relatório, só permitiram comparações entre dez países. O Brasil sai-se excepcionalmente bem no quesito adaptabilidade a um grande risco econômico: ganha de Índia, Itália, Japão, Rússia e Reino Unido. Empata com os Estados Unidos e só perde para Alemanha, China e Suíça (esta a mais preparada).
Já na hipótese de risco ambiental, o resultado é menos positivo: o Brasil só está mais apto a resistir a ele do que a Índia e a Itália, entre os dez países para os quais há dados comparáveis.
O copo meio vazio aparece nas respostas a outra pergunta: "Como você avalia a eficácia e o monitoramento do seu governo na preparação para responder ou mitigar grandes riscos globais?" [crises financeiras, desastres naturais, mudança climática, pandemias etc.] O Brasil fica em 45º lugar entre 139 países.
Não é uma posição confortável para um país que foi alçado à condição de potência já para o ano 2020, que está virando a esquina, conforme os búzios jogados pela Goldman Sachs, para criar a sigla BRICs.
Essa colocação intermediária combina com a perda de brilho mais recente do Brasil emergente.
O país fica atrás de três dos outros quatro BRICS (China, 30º; África do Sul, 34º; e Índia, 38º), mas ganha da Rússia (73º).
Na América Latina, superam o Brasil o Chile, eterno queridinho dos mercados, que fica em luminoso 10º lugar, e o México, o novo "darling", que é o 12º.
Mas a posição não é tão ruim assim. Sua nota (4,16, quando o máximo é 7) não fica muito longe do melhor colocado entre os países grandes, o Canadá (5º colocado, com 5,41). Os quatro primeiros são países pequenos demais para serem comparáveis (Cingapura, Qatar, Omã e Emirados Árabes Unidos).
Horrível mesmo é a posição de Argentina e Venezuela, penúltima e última colocadas, atrás até da falida Grécia.
Ranking à parte, o relatório 2013 sobre riscos globais abre com a afirmação de que "persistente mal estar econômico acoplado a frequentes eventos climáticos extremos compõem uma mescla crescentemente perigosa".
É um bom sinal saber que a comunidade empresarial, clientela principal do Fórum, começa a pôr a mudança climática na agenda.
Pesquisa sobre capacidade de o país enfrentar grandes crises não dá resultados nem confortáveis nem trágicos
O Brasil nem está tão bem quanto parecem acreditar o governo e os governistas mais empedernidos nem tão mal como querem fazer crer recentes análises, nacionais e estrangeiras.
Esse tom cinza transparece da pesquisa "Percepção de Riscos Globais", feita por iniciativa do Fórum Econômico Mundial (pelo oitavo ano consecutivo). Foram ouvidos mil especialistas de 139 países, entre executivos, acadêmicos e membros do governo e da sociedade civil.
Dá até para dizer que o copo do Brasil está meio cheio quando a pergunta se refere ao país todo, e não apenas a seu governo. A pergunta foi esta: "Se este risco [econômico, ambiental, geopolítico, social ou tecnológico] se materializasse no país em que você é especializado, qual seria a capacidade dele de se adaptar ou se recuperar do impacto?".
Os dados recolhidos, dizem os autores do relatório, só permitiram comparações entre dez países. O Brasil sai-se excepcionalmente bem no quesito adaptabilidade a um grande risco econômico: ganha de Índia, Itália, Japão, Rússia e Reino Unido. Empata com os Estados Unidos e só perde para Alemanha, China e Suíça (esta a mais preparada).
Já na hipótese de risco ambiental, o resultado é menos positivo: o Brasil só está mais apto a resistir a ele do que a Índia e a Itália, entre os dez países para os quais há dados comparáveis.
O copo meio vazio aparece nas respostas a outra pergunta: "Como você avalia a eficácia e o monitoramento do seu governo na preparação para responder ou mitigar grandes riscos globais?" [crises financeiras, desastres naturais, mudança climática, pandemias etc.] O Brasil fica em 45º lugar entre 139 países.
Não é uma posição confortável para um país que foi alçado à condição de potência já para o ano 2020, que está virando a esquina, conforme os búzios jogados pela Goldman Sachs, para criar a sigla BRICs.
Essa colocação intermediária combina com a perda de brilho mais recente do Brasil emergente.
O país fica atrás de três dos outros quatro BRICS (China, 30º; África do Sul, 34º; e Índia, 38º), mas ganha da Rússia (73º).
Na América Latina, superam o Brasil o Chile, eterno queridinho dos mercados, que fica em luminoso 10º lugar, e o México, o novo "darling", que é o 12º.
Mas a posição não é tão ruim assim. Sua nota (4,16, quando o máximo é 7) não fica muito longe do melhor colocado entre os países grandes, o Canadá (5º colocado, com 5,41). Os quatro primeiros são países pequenos demais para serem comparáveis (Cingapura, Qatar, Omã e Emirados Árabes Unidos).
Horrível mesmo é a posição de Argentina e Venezuela, penúltima e última colocadas, atrás até da falida Grécia.
Ranking à parte, o relatório 2013 sobre riscos globais abre com a afirmação de que "persistente mal estar econômico acoplado a frequentes eventos climáticos extremos compõem uma mescla crescentemente perigosa".
É um bom sinal saber que a comunidade empresarial, clientela principal do Fórum, começa a pôr a mudança climática na agenda.
A volta de Dilma (e de Lula) - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 13/01
A avaliação dos petistas é a de que está tudo tão antecipado que se joga agora não só os personagens de 2014, como também as perspectivas para 2018 e é preciso administrar as ambições, pelo menos para a próxima eleição. E a forma de tratar desses projetos, o PT encontrou ao avaliar em conjunto a última pesquisa de intenção de voto de 2012, aquela em que Dilma e Lula apareceram como os dois primeiros colocados na espontânea - o tipo de consulta em que eleitor menciona sua preferência sem qualquer uma lista prévia de candidatos. O cenário foi tão confortável, que o partido decidiu que não é hora de excluir desde já um ou outro. Daí, a retomada das caravanas de Lula e as poucas viagens internacionais agendadas pelo ex-presidente. Assim, ele pode dividir com Dilma os holofotes rumo ao próximo ano.
Dentro do PT, entretanto, está claro que a atual presidente é a primeira da fila e deve disputar mais um mandato. Mas, o cenário ideal para os petistas, citado inclusive nas reuniões mais reservadas do partido, é manter Dilma e Lula nessa condição de primeiro e segundo colocados em pesquisas espontâneas até às vésperas das convenções partidárias em junho do ano que vem. E para que isso ocorra, Lula ora dirá que a candidata é Dilma, ora lembrará que ainda pode concorrer novamente.
Com essa dúvida no ar os petistas apostam que podem reduzir a margem de manobra e de crescimento de candidaturas alternativas dentro da base do governo. Leia-se, Eduardo Campos, do PSB, que inclusive já pediu o tempo de tevê dos diretórios estaduais do PSB para se apresentar. O PT está convencido de que Campos não teria nada a perder concorrendo a um mandato presidencial já em 2014, nem que seja como ponta de lança para 2018. Portanto, o partido trabalhará para estreitar os caminhos que o PSB possa seguir. A presença de Lula no cenário é vista como mais uma forma de ajudar nessa tarefa.
Enquanto isso, na Fazenda…
A avaliação dos ministros e assessores palacianos é a de que a oposição está decidida a colocar Lula na berlinda sob o ponto de vista ético e centrar fogo contra a imagem de gestora. E, para evitar que essa estratégia pegue no eleitorado, Lula fará as caravanas e ajudará na política enquanto Dilma cuidará da economia. O problema é que a vida dela não está fácil. Na Fazenda, é cada vez mais forte o zum-zum-zum de sérias divergências entre o vice-ministro Nelson Barbosa e o titular, Guido Mantega, que saiu de férias e deixou os pepinos das contas maquiadas e da inflação fora do centro da meta para serem descascados por Barbosa. Mantega volta ao trabalho em 21 de janeiro.
E na oposição…
Se o problema de Dilma é a economia, o dos tucanos continua sendo a divisão interna. Na última semana ficou claro, pelas declarações do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que ele não fechou o apoio ao senador Aécio Neves, pré-candidato a presidente da República. A defesa de prévias para escolha do candidato tucano no mínimo mantém a tensão entre paulistas e mineiros dentro do PSDB. A primeira tarefa de Aécio quando voltar das férias será cuidar de acertar os ponteiros com Alckmin e a bancada de São Paulo. Afinal, se o PSDB deseja tirar Dilma ou Lula da confortável posição que se encontram nas pesquisas, é preciso afinar os instrumentos de São Paulo com os de Minas Gerais. Mas essa é outra história.
Termo da moda: "destravar" - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 13/01
BRASÍLIA - Dilma Rousseff, que entrou com o pé esquerdo em 2013, tenta acertar o passo: assumiu o comando da crise de energia, ouviu o setor privado e quer os principais ministros reunidos nesta semana com setores empresariais. No fim, vai prestar contas a Lula.
A palavra de ordem é "destravar" a economia e o governo ou, quem sabe, destravar a própria Dilma.
Ela deve convocar Casa Civil, Fazenda e Planejamento para se reunirem nesta terça-feira com Bernardo Figueiredo, da EPL (Empresa de Planejamento e Logística), e Rodolpho Tourinho, do Sinicon (o sindicato da construção pesada). De preferência no Planalto, para dar densidade e visibilidade ao encontro.
A constatação é óbvia: nem fazendo mágica o BNDES tem como alavancar os imensos projetos de infraestrutura que o país precisa. Logo, a iniciativa privada tem de entrar. O problema é como.
Duas formas triviais e disponíveis são as encruadas PPPs (Parcerias Público-Privadas) e o regime de concessões, que ainda arranham a gargan-ta de Dilma, dividida entre a alma estatizante e o cérebro pragmático, que vê claramente a saída para investir em estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas...
A queda do investimento, aliás, teve peso importante no vexaminoso crescimento de 2012, que puxa a longa lista de críticas ao governo: níveis preocupantes dos reservatórios das hidrelétricas, queda de contratos de energia, inflação há três anos acima do centro da meta e as constrangedoras manobras contábeis para escamotear o fato de que o governo, segundo a Folha de ontem, economizou 35% a menos em 2012.
Além do fator econômico, há o cálculo político na ação de Dilma: ela precisa manter o apoio do empresariado, antes que ele volte de vez ao aconchego de Lula e dali se bandeie para outras candidaturas aliadas ou até da oposição -se não aderir ao grito do "Volta, Lula".
BRASÍLIA - Dilma Rousseff, que entrou com o pé esquerdo em 2013, tenta acertar o passo: assumiu o comando da crise de energia, ouviu o setor privado e quer os principais ministros reunidos nesta semana com setores empresariais. No fim, vai prestar contas a Lula.
A palavra de ordem é "destravar" a economia e o governo ou, quem sabe, destravar a própria Dilma.
Ela deve convocar Casa Civil, Fazenda e Planejamento para se reunirem nesta terça-feira com Bernardo Figueiredo, da EPL (Empresa de Planejamento e Logística), e Rodolpho Tourinho, do Sinicon (o sindicato da construção pesada). De preferência no Planalto, para dar densidade e visibilidade ao encontro.
A constatação é óbvia: nem fazendo mágica o BNDES tem como alavancar os imensos projetos de infraestrutura que o país precisa. Logo, a iniciativa privada tem de entrar. O problema é como.
Duas formas triviais e disponíveis são as encruadas PPPs (Parcerias Público-Privadas) e o regime de concessões, que ainda arranham a gargan-ta de Dilma, dividida entre a alma estatizante e o cérebro pragmático, que vê claramente a saída para investir em estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas...
A queda do investimento, aliás, teve peso importante no vexaminoso crescimento de 2012, que puxa a longa lista de críticas ao governo: níveis preocupantes dos reservatórios das hidrelétricas, queda de contratos de energia, inflação há três anos acima do centro da meta e as constrangedoras manobras contábeis para escamotear o fato de que o governo, segundo a Folha de ontem, economizou 35% a menos em 2012.
Além do fator econômico, há o cálculo político na ação de Dilma: ela precisa manter o apoio do empresariado, antes que ele volte de vez ao aconchego de Lula e dali se bandeie para outras candidaturas aliadas ou até da oposição -se não aderir ao grito do "Volta, Lula".
O candidato - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 13/01
A decisão não foi anunciada, mas já foi tomada. O governador Eduardo Campos será candidato à Presidência em 2014. O PSB diz que não é uma decisão pessoal, mas do partido. Explica que não deve nada a ninguém e que está na hora de se emancipar, pois apoiou o ex-presidente Lula por 24 anos. O PSB não crê na vice e considera o casamento entre PT e PMDB indissolúvel.
Os sindicatos e o governo Dilma
O Diap, que faz o lobby trabalhista no Congresso, está pessimista para 2013 e prevê nova investida contra os direitos dos trabalhadores. A entidade lembra que o provável presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), presidiu a Comissão de Trabalho quando foi votada a flexibilização da CLT, no governo FHC. Avalia que sem a retomada de investimentos, o setor empresarial ampliará a pressão sobre os direitos trabalhistas, alegando que os incentivos fiscais e monetários não são suficientes para manter e gerar empregos. E ressalta que "a ausência de diálogo da presidente com as centrais sindicais favorece esse ambiente pró-mitigação dos direitos trabalhistas".
"O futuro líder da bancada do PMDB na Câmara nunca fará oposição
ao vice-presidente da República, Michel Temer"
A decisão não foi anunciada, mas já foi tomada. O governador Eduardo Campos será candidato à Presidência em 2014. O PSB diz que não é uma decisão pessoal, mas do partido. Explica que não deve nada a ninguém e que está na hora de se emancipar, pois apoiou o ex-presidente Lula por 24 anos. O PSB não crê na vice e considera o casamento entre PT e PMDB indissolúvel.
Os sindicatos e o governo Dilma
O Diap, que faz o lobby trabalhista no Congresso, está pessimista para 2013 e prevê nova investida contra os direitos dos trabalhadores. A entidade lembra que o provável presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), presidiu a Comissão de Trabalho quando foi votada a flexibilização da CLT, no governo FHC. Avalia que sem a retomada de investimentos, o setor empresarial ampliará a pressão sobre os direitos trabalhistas, alegando que os incentivos fiscais e monetários não são suficientes para manter e gerar empregos. E ressalta que "a ausência de diálogo da presidente com as centrais sindicais favorece esse ambiente pró-mitigação dos direitos trabalhistas".
"O futuro líder da bancada do PMDB na Câmara nunca fará oposição
ao vice-presidente da República, Michel Temer"
Lúcio Vieira Lima Deputado federal (PMDB-BA)
Estamos conversados
O vice Michel Temer perguntou ao candidato a líder do PMDB, Osmar Terra (RS): "Se você ganhar vai me atacar?" Terra, que em 2010 apoiou José Serra (PSDB), respondeu: "Desisti dos tucanos depois das eleições, estou com vocês."
Todos juntos
A bancada federal do Rio vai almoçar na quinta-feira com o candidato do PMDB, Henrique Alves (RN), à presidência da Câmara. Os parlamentares estão sendo convidados pelo coordenador da bancada Hugo Leal (PSC), mais Eduardo Cunha (PMDB) e Luiz Sérgio (PT), "em nome do governador Sérgio Cabral e do prefeito do Rio, Eduardo Paes".
Fechando as fronteiras
O governo fará no 1º semestre a primeira Operação Ágata de Norte a Sul. De repressão ao tráfico de drogas e de armas, se encerrará dez dias antes da Copa das Confederações, como forma de fechar ao máximo as fronteiras.
O desencanto
Os amigos do ex-presidente Lula relatam que seu encanto pelo governador Eduardo Campos (PSB-PE) e pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) acabou. Nas eleições em Recife, Lula fez o que Campos pediu: tirou o prefeito João da Costa da sucessão. Mas o socialista não apoiou o candidato do PT. Requião, por ter sido um crítico sem trégua de seu governo e do de Dilma.
Convocação geral
A presidente Dilma envolveu 20 ministros no encontro nacional com prefeitos. José Eduardo Cardozo (Justiça) dará explicações sobre combate ao crack. Miriam Belchior (Planejamento) será porta-voz de informações sobre gestão fiscal.
Do mesmo lado
O governo está evitando manifestações sobre o tema, mas achou "positiva" e "corajosa" a decisão do governador tucano Geraldo Alckmin (São Paulo) de proibir policiais de socorrer vítimas de confronto com a polícia ou de crimes violentos.
PARLAMENTARES preveem intenso troca-troca no segundo semestre, tendo em vista as eleições de 2014, devido a lentidão da Justiça Eleitoral.
Estamos conversados
O vice Michel Temer perguntou ao candidato a líder do PMDB, Osmar Terra (RS): "Se você ganhar vai me atacar?" Terra, que em 2010 apoiou José Serra (PSDB), respondeu: "Desisti dos tucanos depois das eleições, estou com vocês."
Todos juntos
A bancada federal do Rio vai almoçar na quinta-feira com o candidato do PMDB, Henrique Alves (RN), à presidência da Câmara. Os parlamentares estão sendo convidados pelo coordenador da bancada Hugo Leal (PSC), mais Eduardo Cunha (PMDB) e Luiz Sérgio (PT), "em nome do governador Sérgio Cabral e do prefeito do Rio, Eduardo Paes".
Fechando as fronteiras
O governo fará no 1º semestre a primeira Operação Ágata de Norte a Sul. De repressão ao tráfico de drogas e de armas, se encerrará dez dias antes da Copa das Confederações, como forma de fechar ao máximo as fronteiras.
O desencanto
Os amigos do ex-presidente Lula relatam que seu encanto pelo governador Eduardo Campos (PSB-PE) e pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) acabou. Nas eleições em Recife, Lula fez o que Campos pediu: tirou o prefeito João da Costa da sucessão. Mas o socialista não apoiou o candidato do PT. Requião, por ter sido um crítico sem trégua de seu governo e do de Dilma.
Convocação geral
A presidente Dilma envolveu 20 ministros no encontro nacional com prefeitos. José Eduardo Cardozo (Justiça) dará explicações sobre combate ao crack. Miriam Belchior (Planejamento) será porta-voz de informações sobre gestão fiscal.
Do mesmo lado
O governo está evitando manifestações sobre o tema, mas achou "positiva" e "corajosa" a decisão do governador tucano Geraldo Alckmin (São Paulo) de proibir policiais de socorrer vítimas de confronto com a polícia ou de crimes violentos.
PARLAMENTARES preveem intenso troca-troca no segundo semestre, tendo em vista as eleições de 2014, devido a lentidão da Justiça Eleitoral.
Conexão Nordeste - FÁBIO ZAMBELI - PAINEL
FOLHA DE SP - 13/01
Dilma Rousseff fará este mês périplo pelo Nordeste para inaugurar obras do PAC e afagar governadores da região onde obteve mais expressiva vantagem na eleição de 2010. A caravana começa nos dias 17 e 18 pela Paraíba e Piauí. A presidente irá ainda ao Ceará, onde, ao lado de Cid Gomes (PSB), entregará a Barragem Figueiredo e a Zona de Processamento de Exportação. A agenda foi planejada pelo ministro Fernando Bezerra (Integração), da cota de Eduardo Campos (PSB-PE).
Marca Governistas querem que Dilma encampe a revisão do pacto federativo como uma das principais bandeiras para a campanha pela reeleição em 2014. A ideia é lançar o projeto em março, durante conferência de desenvolvimento regional.
Copyright Auxiliares da presidente lembram que o socialista Eduardo Campos empunha a mesma bandeira na tentativa de se credenciar à corrida pelo Planalto.
Escaldado 1 No comando do STF a partir de amanhã, Ricardo Lewandowski evitará medidas polêmicas durante os 15 dias de seu plantão na corte. Deve deixar temas espinhosos para a análise do plenário, que retoma atividades em fevereiro.
Escaldado 2 O ministro avalia que qualquer gesto durante o período de recesso será interpretado como teste de sua atuação na etapa derradeira do mensalão.
Onde pega Advogados dos condenados no mensalão tentarão desconstruir, na fase de embargos, dois pontos nevrálgicos no acórdão do julgamento, que deve ser publicado no próximo mês.
Domínio... Defensores do núcleo financeiro contestam a caracterização da lavagem de dinheiro. Entendem que os votos dos ministros indicam favorecimento real, crime com pena mais branda. Dizem não ter havido demonstração de que seus clientes objetivavam reinserir os recursos ilícitos no mercado.
.... do fato O núcleo político, no qual estão José Dirceu e Delúbio Soares, questiona a tipificação de quadrilha. Faltaria, na visão dos advogados, a identificação da antecedência da montagem do grupo aos crimes que teriam sido cometidos.
Terceiro... Fernando Haddad prorrogou por um ano contratos de três organizações sociais da saúde. Os aditamentos somam R$ 135,5 milhões. O tema foi objeto de polêmica eleitoral com José Serra. Ala petista era contrária às terceirizações.
... turno Haddad manterá o sistema, que inflou o custeio da prefeitura no início de mandato. Promete, contudo, tornar mais rigorosa a fiscalização de metas e resultados.
Gesto Em atrito com Haddad quanto ao novo formato da operação policial na cracolândia, Geraldo Alckmin receberá o prefeito e seus secretários para "tête-à-tête" no dia 22. O encontro será no Palácio dos Bandeirantes.
No atacado O tucano chamou seu primeiro escalão para discutir com a equipe do petista itens da agenda comum aos governos estadual e municipal. A pauta inclui transportes, saneamento, habitação, saúde, educação, segurança e Copa-2014.
Recall De um antigo aliado de Serra, sobre o frenesi acerca de sua eventual saída do PSDB: "Na pior das hipóteses, ele aparecerá na próxima pesquisa presidencial. E à frente de Aécio Neves".
Blitz verde Presidente do PV, o deputado José Luiz Penna correrá o país defendendo a inspeção veicular nacional. Salvador, onde o partido elegeu o vice de ACM Neto (DEM), será o ponto de partida da campanha.
Tiroteio
"O PT tanto fez nos últimos dez anos que nos levou ao pior dos mundos: agora, além do crescimento pífio, temos inflação alta."
DO EX-GOVERNADOR ALBERTO GOLDMAN (PSDB), sobre a alta do Índice de Preços ao Consumidor, que fechou 2012 acima da meta do governo.
Contraponto
Programa de auditório
Durante sessão da Câmara, em dezembro, Lincoln Portela (PR-MG) fazia longo discurso, quando foi interrompido por Miro Teixeira (PDT-RJ). Irritado com o acionamento, a cada minuto, da campainha que avisa o fim do tempo para cada parlamentar, o pedetista disse:
-Esse mecanismo é desagradável. De repente, fica parecendo aquela coisa dos hipódromos: toca-se a campainha antes de se dar a largada para a corrida de cavalos.
Sem ter seu pedido atendido, Teixeira completou:
-Assim é melhor soar a campainha a cada 30 segundos. Vamos treinar para o "Se vira nos 30", do Faustão.
Dois na cama - LUÍS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 13/01
Nos anos 30, reagindo a uma onda de protestos contra a “licenciosidade” nos filmes de Hollywood, a indústria cinematográfica americana criou um código determinando o que o público podia e não podia ver na tela. Nudez nem pensar, beijo de boca aberta esquece, sexo só sugerido e assim mesmo dentro de certos limites específicos. Homem e mulher, mesmo casados, não podiam aparecer na mesma cama. Durante os anos de vigência do código puritano, cama de casal, e tudo que ela implicava, era proibida, a não ser que fosse ocupada por uma só pessoa.
Com uma exceção, como sacou o Ruy Castro numa das suas colunas recentes na Folha: o Gordo e o Magro. Há várias cenas nos filmes do Gordo e o Magro em que os dois dormem juntos na mesma cama de casal – isso quando o sono não é interrompido por um fantasma ou uma briga pelo cobertor. E ninguém, que se saiba, jamais protestou contra os dois homens numa cama só. Talvez porque a ideia do Gordo e o Magro fazendo sexo não tenha ocorrido nem à mente mais suja ou mais puritana. Ou talvez se concedesse a uma dupla humorística, cujo fato de ser inseparável fazia parte da sua graça, uma licença que outros casais da tela não tinham.
O curioso é que justamente nessa fase em que o puritanismo reinou, alerta contra qualquer alusão sexual, por menos explícita que fosse, ninguém prestava atenção, por exemplo, no estranho relacionamento do Batman com o Robin. Nunca se soube se os dois dormiam juntos, mas essa seria uma especulação natural numa época tão fixada em sexo e seus subterfúgios. Mas só se começou a fazer este tipo de interpretação – o Zorro e o Tonto representando o colonialismo branco e a submissão do índio, mas certamente dormindo agarradinhos no frio das planícies – tempos depois, quando o ridículo código já tinha acabado, e as camas de casais podiam ser ocupadas por três ou quatro de sexos diferentes.
Mas entende-se. O puritanismo é uma espécie de inocência. Concentra-se tanto no rabo do vizinho que não vê mais nada.
Nos anos 30, reagindo a uma onda de protestos contra a “licenciosidade” nos filmes de Hollywood, a indústria cinematográfica americana criou um código determinando o que o público podia e não podia ver na tela. Nudez nem pensar, beijo de boca aberta esquece, sexo só sugerido e assim mesmo dentro de certos limites específicos. Homem e mulher, mesmo casados, não podiam aparecer na mesma cama. Durante os anos de vigência do código puritano, cama de casal, e tudo que ela implicava, era proibida, a não ser que fosse ocupada por uma só pessoa.
Com uma exceção, como sacou o Ruy Castro numa das suas colunas recentes na Folha: o Gordo e o Magro. Há várias cenas nos filmes do Gordo e o Magro em que os dois dormem juntos na mesma cama de casal – isso quando o sono não é interrompido por um fantasma ou uma briga pelo cobertor. E ninguém, que se saiba, jamais protestou contra os dois homens numa cama só. Talvez porque a ideia do Gordo e o Magro fazendo sexo não tenha ocorrido nem à mente mais suja ou mais puritana. Ou talvez se concedesse a uma dupla humorística, cujo fato de ser inseparável fazia parte da sua graça, uma licença que outros casais da tela não tinham.
O curioso é que justamente nessa fase em que o puritanismo reinou, alerta contra qualquer alusão sexual, por menos explícita que fosse, ninguém prestava atenção, por exemplo, no estranho relacionamento do Batman com o Robin. Nunca se soube se os dois dormiam juntos, mas essa seria uma especulação natural numa época tão fixada em sexo e seus subterfúgios. Mas só se começou a fazer este tipo de interpretação – o Zorro e o Tonto representando o colonialismo branco e a submissão do índio, mas certamente dormindo agarradinhos no frio das planícies – tempos depois, quando o ridículo código já tinha acabado, e as camas de casais podiam ser ocupadas por três ou quatro de sexos diferentes.
Mas entende-se. O puritanismo é uma espécie de inocência. Concentra-se tanto no rabo do vizinho que não vê mais nada.
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