quinta-feira, maio 02, 2019

Lula lá, falando como prisioneiro - ROBERTO MACEDO

O Estado de S.Paulo - 02/05

Faltou autocrítica, foi presunçoso e a entrevista nada acrescenta

A entrevista do ex-presidente Lula, na prisão onde se encontra, atrai interesse porque ele permanece como uma importante figura política do País, capaz de influenciar eleições, o comportamento do PT e as multidões que ainda o têm como ídolo. Esperava que na prisão refletisse também sobre os seus erros, mas depois de ler a entrevista, conforme publicada pela Folha de S.Paulo, a sensação que ficou foi a de que ele não mudou nada.

Lula insiste na sua inocência no processo que o levou à cadeia, relacionado a um apartamento no Guarujá, e noutro em que já foi condenado em primeira instância, relativo a um sítio em Atibaia, ambos no Estado de são Paulo. Lula diz que não lhe pertencem esses imóveis, que receberam melhorias custeadas por empreiteiros a serviço do governo.

Sobre o sítio: “... se eu cometi o erro de ir num sítio em que alguém pediu e a Odebrecht reformou, vamos discutir a questão ética”. E noutro trecho: “Eu desafio os empresários a dizerem quem é que me deu cinco centavos”. Não sou advogado, mas entendo que a questão de benefícios indevidos independe da propriedade do local a que se destinaram, e também de um pedido. O artigo 317 do Código Penal, que se aplica a funções públicas, tipifica o crime de “solicitar ou (grifo meu) receber, para si ou para outrem (idem), direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Acho que as melhorias tinham Lula como objetivo.

Ele foi condenado pelo juiz Sergio Moro e a pena de 9 anos e 6 meses de prisão foi ampliada pelo TRF-4 para 12 anos e 1 mês. Mais recentemente, no STJ, caiu para 8 anos e 10 meses, bem próxima da condenação inicial, que, assim, se sustentou. Não dá para acreditar que os juízes dessas três instâncias tenham integrado um complô para condenar Lula sem provas, como alegam ele e muitos que o apoiam.

Aceitar a condenação e pedir perdão exigiria grande dose de autocrítica, mas ele não demonstra interesse em fazê-la nem nesse nem noutros assuntos. Perguntado quanto a isso, saiu-se pela tangente. E quando foi afirmativo causou espanto, em lugar de convencer. Disse ele: “Quando falam em autocrítica, (...) tive um erro grave. Eu poderia ter feito a regulamentação dos meios de comunicação”. Como de hábito, em trechos da entrevista criticou a imprensa, apontando nela um viés contra ele. Imagine-se que regulamentação viria. E sobre a corrupção: “Combater a corrupção é uma marca do PT”(!).

Interessei-me também pela forma como abordou questões econômicas. Orgulha-se do que fez no governo, mas não é preciso ser filósofo para saber que um governante é ele e as circunstâncias. Elas lhe foram muito favoráveis, em particular no seu primeiro mandato. Destaque-se o impulso que veio das exportações, em particular as destinadas à China, que trouxeram grande avanço ao agronegócio e à mineração no Brasil, e tiveram um grande papel no acúmulo de reservas de moeda estrangeira pelo País, afastando crises cambiais que tantos danos nos trouxeram no passado. Nossa vizinha Argentina está de novo afundando numa dessas crises. Só faltava uma crise cambial para complicar ainda mais o péssimo estado da economia brasileira.

Aliás, deveríamos homenagear o Partido Comunista Chinês, até com um monumento em Brasília, pois foi o partido político que mais fez pelo Brasil neste século, numa avaliação que alcança todos os nossos.

Lula não aproveitou o seu período de bonança econômica e fiscal para também dar força ao investimento público. Sempre falou mais do consumo que do investimento, e não me lembro de tê-lo ouvido falar de poupança. É esta, se bem investida, a base da prosperidade pessoal, familiar, empresarial e nacional.

Na entrevista só encontrei uma referência a Dilma Rousseff, escolhida por Lula como sua sucessora: “Acontece que o impeachment da Dilma, o golpe, não fecharia com o Lula em liberdade”. É muita pretensão afirmar isso. Dilma foi sua criatura maior, mas do lado negativo. Estimo que o prejuízo que causou ao Brasil, medido pelas perdas do PIB relativamente ao produto potencial brasileiro, já esteja totalizando algo perto de R$ 1 trilhão.

Na reforma previdenciária, Lula fica apenas num discurso simplista, no seu estilo de comício: “Um país que não gera emprego, não gera salário, não gera consumo, não gera renda, quer pegar do aposentado e do velhinho R$ 1 trilhão?”. De fato, o País está frágil no emprego, mas continua gerando salários, consumo e renda, ainda que em baixa velocidade. Velhinho? Muita gente se aposenta na faixa dos 50 anos. Quanto aos aposentados, ele deveria distinguir os atuais dos futuros. E apontar proposta de solução realmente eficaz para o imenso déficit previdenciário. Este é uma das razões dos problemas que aponta ao usar mal o verbo gerar, pois de fato gera enorme desconfiança quanto ao futuro da dívida pública. E prejudica as decisões de investir e consumir de empresários e consumidores.

Há algo, entretanto, em que estamos de acordo: “O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco”. De fato, no atual governo há quem se comporte como maluco. E mesmo os demais são prejudicados por uma estranha mistura de olavistas, bolsonaristas, filhotes do papai, parlamentares inexperientes, falastrões, etc.

Mesmo se Lula ou outros petistas imaginam reassumir a Presidência da República, é preciso lembrar que hoje as circunstâncias são diferentes, tanto externa como internamente, e são muito piores do que as que Lula enfrentou ao chegar ao Poder. Ele & Cia. fariam melhor se voltassem a cabeça para repensar o Brasil e propor um programa de governo capaz de retirá-lo do buraco em que eles próprios o colocaram. Quanto a isso, a entrevista nada acrescenta, pois fica somente no velho discurso lulopetista.

-*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Sobre a descentralização de investimentos em Filosofia e Ciências Sociais - FLÁVIO GORDON

GAZETA DO POVO - PR - 02/05

“As ciências totalmente ‘inúteis’, a história, a filosofia, os estudos literários, são justamente as favoritas dos regimes totalitários, que as abraçam até sufocá-las” (Otto Maria Carpeaux, A Ideia de Universidade e as ideias das classes médias)

O anunciado projeto do governo de descentralizar (ou, em outras palavras, reduzir) os recursos destinados a faculdades de filosofia e ciências sociaisparece-me ser uma daquelas medidas que, provavelmente concebidas pelos motivos errados, podem acabar gerando bons frutos. Levada adiante, com ela o presidente Jair Bolsonaro terá, talvez, mirado no que viu e acertado no que não viu. Na mosca!

Se a minha suposição é correta, os motivos errados provêm daquele fundo de imaginação positivista que, presente até hoje no meio militar brasileiro, decerto inspirou a decisão do ex-capitão do Exército. A característica central do positivismo, essa cultura intelectual de massa surgida em meados do século 19, consiste na ideia de que as ciências naturais (ou seja, aquelas capazes de matematizar a realidade) possuem virtudes superiores e inerentes, razão pela qual todas as demais ciências, notadamente as humanas, deveriam imitar-lhes a metodologia. Em vez de discernir o método adequado para a compreensão dos objetos específicos com os quais lidam as ciências humanas – e cuja natureza é bem diversa da dos objetos estudados pelas ciências naturais (como há muito demonstraram Wilhelm Dilthey e outros expoentes da escola sociológica germânica) –, o positivista fará justamente o contrário, afivelando o objeto à cama metodológica de Procusto, e terminando assim por descaracterizá-lo.

Como se sabe, aquela tradição intelectual moldou a visão de mundo dos militares brasileiros, daí a sua má tendência a tomar como critérios exclusivos para a aferição de mérito científico a eficiência técnica (domínio sobre a natureza) e a utilidade imediata (efeitos de curto prazo), com a consequente valorização de disciplinas tais como engenharia, química e física em detrimento da sociologia, da antropologia e da filosofia, cujos efeitos são (para o bem ou pra o mal) de muito mais longo prazo, gerando mudanças de ordem antes subjetiva que objetiva. Foi essa tendência, aliás, uma das razões para a derrota cultural que, entre os anos 1960 e 1980, a esquerda brasileira (hegemônica justo naquelas áreas acadêmicas) impôs às nossas forças armadas.

Foi por intuírem esse vício ideológico positivista de origem que muitas pessoas (e aqui me refiro apenas a gente honesta, legitimamente preocupada com o rumo da educação no país, e não aos sabotadores profissionais) criticaram o anúncio da medida. Com certa razão, portanto. O problema, decorrente daquela intuição, foi terem reagido com uma argumentação puramente abstrata – e, por vezes, um tanto quanto sentimentalista – sobre a importância da filosofia e da sociologia enquanto campos do saber, argumentação em que não faltaram lugares-comuns do tipo “um país sem filosofia é um país sem cultura” ou “filosofia e sociologia ensinam a pensar criticamente”.

Ora, um debate teórico sobre o valor absoluto da filosofia e da sociologia, conquanto legítimo em si mesmo, soa alienado e até cômico quando confrontado com a situação concreta do ensino acadêmico dessas disciplinas no país. Porque, antes de defender uma filosofia e uma sociologia idealizadas contra uma medida que ameaça reduzir os investimentos no seu ensino, é preciso conhecer as condições práticas em que se dá esse ensino, e se essas condições são, elas sim, defensáveis. E para quem, como eu, conhece de perto o estado presente das faculdades de Ciências Sociais e Filosofia no Brasil, a resposta só pode ser uma: não, elas não merecem defesa, porque não formam cientistas sociais e filósofos minimamente capacitados, e, bem ao contrário, no geral se apresentam como ambientes extremamente hostis à vida intelectual autêntica. Como digo sempre, há sim (poucos) excelentes intelectuais acadêmicos no Brasil, mas a sua excelência costuma se manifestar apesar, e não por causa, da universidade.

Para avaliar o eventual impacto de uma redução de investimento público nas humanidades, deve-se ter em mente que a Filosofia e a Sociologia são, hoje, áreas acadêmicas inchadas. Nelas, ingressam anualmente uma quantidade desproporcional de estudantes, os quais, na maior parte dos casos, não terão condições de seguir uma carreira acadêmica bem-sucedida (grande parte sequer concluirá o curso) ou de serem absorvidos pelo mercado de trabalho. Com elas, gasta-se uma quantidade insustentável de recursos, em larga medida destinados a pesquisas de péssima qualidade, que resultarão em dissertações e teses redigidas em mau português, muitas delas versando sobre temas esdrúxulos – não raro, um mero pretexto para satisfazer, às custas de dinheiro público, as idiossincrasias pessoais de seus autores.

Ademais, o ambiente politicamente contaminado dessas faculdades (para não falar da transigência com o tráfico de drogas e outras práticas delituosas dentro dos campi) faz com que muitos jovens estudantes, e em especial os de baixa renda, tenham as suas inteligências, aptidões e personalidades totalmente devastadas, saindo dali, além de social e familiarmente desenraizados por uma cultura niilista de “desconstrução”, sem maiores perspectivas que as do desemprego ou ingresso num partido político de extrema-esquerda, cujos recrutadores profissionais estarão a postos para assediá-los desde o primeiro dia de aula. Nada disso me foi contado. Vi acontecer com os meus próprios olhos.

Não se pode esquecer, sobretudo, que o inchaço desse setor acadêmico não foi um processo natural, oriundo de uma demanda espontânea da sociedade ou do mercado. Tratou-se, ao contrário, do resultado de um cálculo político do lulopetismo, que enxergou aí um ambiente propício para a construção de um amplo curral de militantes partidários. Em 2007, primeiro ano de seu segundo mandato, o então presidente (hoje presidiário) Lula criou o Reuni, o projeto de expansão das universidades federais que, sob o pretexto de “democratizar” o acesso ao ensino superior, o que fez foi degradá-lo brutalmente, gerando uma massa do que Otto Maria Carpeaux chamava de “proletários intelectuais”, num processo caracterizado pela regressão daquela que deveria ser uma elite intelectual e científica à condição de “massa ornada de títulos acadêmicos”. Títulos em larga medida inúteis, pouco mais que ingressos Vips para o baile do desemprego.

Em 2008, como parte desse mesmo processo academicamente inflacionário, e por intensa pressão corporativa de representantes do setor, o governo petista sancionou a Lei 11.684, que, depois de 40 anos, voltava a tornar obrigatórias as aulas de filosofia e sociologia no ensino médio. Parte considerável da expansão universitária no âmbito do Reuni envolveu a criação de cursos de licenciatura para essas disciplinas, a fim de atender a demanda (artificialmente criada, repito) por professores para o ensino médio. Junto a isso, o número de programas de pós-graduação em filosofia e ciências sociais também cresceu acima do razoável, resultando num alto e custoso contingente de recursos humanos, a maior parte dos quais, como já dissemos, incapaz de seguir a carreira docente ou ser absorvido pelo mercado de trabalho. A produção acadêmica nas referidas áreas aumentou brutalmente em quantidade, mas a qualidade continua decaindo.

Essa não é uma opinião pessoal minha, mas um dado mensurável da realidade. Como tem mostrado numa série de artigos para esta Gazeta do Povo o bioquímico Marcelo Hermes Lima, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em cientometria, houve, no Brasil dos últimos anos, um aumento considerável na quantidade de artigos científicos publicados, resultado evidente da expansão descontrolada dos programas de pós-graduação. Todavia, esse crescimento quantitativo não se fez acompanhar de uma melhora na qualidade da nossa produção acadêmica, que continua tendo baixíssimo impacto global.

Por exemplo, segundo o SCImago Journal Rank, portal que avalia a influência de publicações científicas de todo o mundo, em 2017 o Brasil produziu 5.192 artigos acadêmicos na área de ciências sociais, um número relativamente alto (a Rússia, por exemplo, publicou 5.890; a China, 13.247; e os EUA, 64.541). Em termos quantitativos, o país ocupa uma razoável 13.ª posição num ranking de 44 países com mais de mil publicações. Nada mal, né? O problema começa quando nos voltamos para a qualidade e a relevância dessa produção, que pode ser auferida pelo número de vezes em que os nossos trabalhos são citados pela comunidade científica internacional. Sob esse critério, o Brasil passa a ocupar nada menos que a última posição naquele mesmo ranking de 44 países. E a coisa não varia muito para os anos anteriores (35.ª posição de 43 em 2016; 39.ª de 40 em 2015; 38.ª de 40 em 2014 etc.). Nada bem, né? Em Ciências Sociais (e o quadro é o mesmo para Filosofia, Antropologia, História, Linguística e Educação), produzimos muito – e a um custo elevado –, mas produzimos mal. Como queríamos demonstrar.

Diante desse quadro desolador, a proposta de uma gestão mais racional dos recursos destinados às universidades federais afigura-se não apenas como justa, mas também necessária. Trata-se de uma questão de probidade administrativa. Dinheiro público não dá em árvore, afinal de contas (só para se ter uma ideia, hoje o custo médio de manutenção de um aluno de universidade federal é de quase R$ 40 mil reais por ano). Justamente por serem importantes em si mesmas, disciplinas como Filosofia, Sociologia e Antropologia precisam ser resgatadas de um sistema falido que as corrompe. Somos um país que luta para se livrar da herança maldita (econômica, social, cultural e moral) do lulopetismo, e que, portanto, já não pode se dar ao luxo de bancar anos de uma pesquisa sobre orgias gays na cidade do Rio de Janeiro, cuja metodologia, por assim dizer, consistiu na observação (muito) participante do pesquisador; ou sobre a “erótica dos signos no aplicativos de pegação”, cujo autor, em vez de conseguir um emprego, preferiu se dedicar à tarefa mais modesta de “romper a divisão cartesiana entre mente e corpo”; ou ainda sobre “os discursos de gênero e sexualidade no Big Brother Brasil 10”, que dispensa maiores comentários…

Não podemos, sobretudo, permitir que o dinheiro dos nossos impostos seja torrado na manutenção de um outro tipo de orgia, os verdadeiros bacanais político-ideológicos que partidos como PT, PSol e PCdoB promovem habitualmente em nossos campi, com a cumplicidade de parte da comunidade acadêmica, que se vale para isso de uma noção distorcida de “autonomia universitária”. É hora de dar um basta na farra do aparelhamento acadêmico, e de reduzir a dimensões adequadas aquilo que, por razões políticas, foi artificialmente inchado. O Brasil cansou, enfim, de segurar vela para os Românticos de Cuba.

A Argentina na eleição do arrocho - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 02/05

Vizinhos vão votar no governo da crise nova ou no governo da velha crise


Além dos capítulos finais da ruína da Venezuela, a notícia mais importante da política sul-americana de 2019 são as eleições argentinas.

Outra vez em ruína, os hermanos podem até recolocar os peronistas no poder, derrubar o "neoliberalismo" e mudar a temperatura ideológica do subcontinente. Ou não.

Sim, é uma perspectiva antolhada pela conversa brasileira, embora a eleição no vizinho deva mesmo ter algum efeito por aqui, político ou até econômico, caso o voto argentino tenha desdobramentos financeiros desastrosos.

É quase certo que o presidente Mauricio Macri tente a reeleição.

Ao final de seu governo, a economia terá encolhido uns 3%; os salários, ainda mais. A inflação dobrou, para os mais de 50% ao ano de agora. A queda do PIB deve ser menor neste ano (1,5%, ante a baixa de 2,5% de 2018), mas, na prática, o sentimento da crise será pior (a demanda doméstica vai cair mais).

Parte da esquerda brasileira se diverte com o fracasso do "neoliberal" Macri, eleito por uma coalizão de centro- direita e que se diz liberal.

Mas, seja lá o que ele estivesse fazendo entre fins de 2015 e 2017, ajuste econômico é que não era.

Macri optou por um conserto gradual das contas públicas e deu ênfase ao controle da inflação, com juros altos, e à volta da Argentina ao mercado financeiro internacional, depois de 15 anos de banimento, dado o calote monstro de 2001.

Bem. O déficit primário mal caiu, o déficit total aumentou (por causa dos juros altos), o peso continuou valorizado, não houve controle da inflação. O governo voltou a se financiar com dívida externa, que cresceu brutalmente.

O déficit externo dobrou de 2015 para 2018. Ainda em meados de 2018, o Banco Central financiava o governo.

Parece uma receita velha de parrilla argentina, populismo cambial e endividamento externo. Sim, houve alguma "reforma", que não deu para o gasto.

Em fins de 2017, o governo elevou a meta de inflação, buliu com o BC e os preços começaram a disparar; houve secas e safras horrendas.

Quando veio o sururu no mercado financeiro internacional do início de 2018, com perspectiva de alta de juros e fuga de capitais, a Argentina estava quebrada. Pediu US$ 56 bilhões ao FMI.

Arrocho mesmo veio agora. O déficit primário deve cair quase 4% do PIB de 2017 a 2019. Os juros estão na lua. Mas a inflação não diminui.

Em abril, Macri baixou um pacote eleitoreiro, com congelamento de preços de bens essenciais e de tarifas públicas, auxílios para aposentados e um "Refis" para pequenas e médias empresas. O congelamento dura até a semana da eleição, em outubro. O BC tenta segurar o preço do dólar, vital para a reeleição. O FMI engoliu esse churrasco de melancia heterodoxo, por medo da "esquerda".

Apesar de tudo, nas pesquisas Macri está só a cinco ou oito pontos de distância da ex-presidente Cristina Kirchner. A peronista deve ser candidata, caso não seja abatida por escândalos e por ataques de outros peronistas.

Pode haver uma terceira via relevante, com Roberto Lavagna, ex-ministro da Economia dos peronistas Eduardo Duhalde e Néstor Kirchner.

Cristina é tão de esquerda quanto Macri fez ajuste liberal. A gente pode usar esses rótulos, mas a situação argentina, da política à estrutura da economia, é muito mais complicada, faz décadas. Um tanto surpreendente é que Macri possa vencer, com um fracasso na prática, um arrocho na mão e uma ideia liberal na cabeça.

Por que a economia não cresce - MARIO MESQUITA

Valor Econômico - 02/05

Dificilmente haverá uma política econômica isolada que vá tirar a economia da estagnação. Não há bala de prata


A divulgação de dados sobre atividade econômica no Brasil tem ensejado uma nova e deprimente rodada de revisões baixistas nas projeções de crescimento. O consenso do mercado, compilado pelo Banco Central, para o crescimento do PIB em 2019 apontava para 2,6% ao final do ano passado, e está próximo a 1,7% atualmente (o Itaú espera 1,3%). Esperamos uma leve queda do PIB no primeiro trimestre, contra o anterior, número que deve ser divulgado no final de maio. Caso nossa projeção seja confirmada, a economia precisaria acelerar para 0,6% ao trimestre (cerca de 2,4% em termos anualizados), para atingir a projeção de 1,3%. É verdade que as perspectivas para a economia mundial também pioraram, a julgar pelas projeções do FMI, de 3,5% para 3,3%, mas a redução foi menor do que a observada para o Brasil.

Há várias possíveis explicações, não necessariamente excludentes, tanto conjunturais quanto estruturais, para esse desapontamento com a evolução da atividade. Uma delas é que estaríamos basicamente sentindo os efeitos defasados dos choques de 2018: a paralisação no setor de transportes, a recessão argentina e, principalmente, o aperto das condições financeiras observado no período de maior incerteza eleitoral. Como os efeitos da elevação das taxas de juros de mercado demoram a impactar plenamente a atividade econômica, essa explicação ainda é plausível, mas vai deixar de ser caso a estagnação econômica se prolongue muito. Há também fatores climáticos que podem estar prejudicando o setor agropecuário e a geração de energia, mas seus efeitos tendem a ser limitados.

Outra vertente de explicações está associada à crise fiscal brasileira. No âmbito federal, a incerteza sobre o progresso das reformas, em especial a crítica reforma da Previdência, ajuda a travar os investimentos e os gastos de consumo de valor elevado. Em escala subnacional, o ajuste fiscal forçado que se observa em certos Estados e municípios, com atrasos seletivos no pagamento de aposentados, funcionários e fornecedores, tem impacto direto sobre a atividade. E há também o reposicionamento dos bancos públicos, que é parcialmente compensado pela intensificação da atividade no mercado de capitais local - ainda que existam também sinais de fraca demanda por crédito.

Há também aspectos setoriais, que retardam a retomada da indústria de construção (que responde por cerca de 4% do PIB), bem como do segmento de infraestrutura.
É possível, também, que, além de fatores conjunturais, estejamos experimentando os custos de um processo de transição estrutural. O modelo de economia fechada, com forte e disseminada presença do Estado - ao abrigo de uma interpretação generosa do artigo 173 da Constituição de 1988, que estabelece a preeminência do setor privado na condução de atividades econômicas - contribuiu para a perda de dinamismo observada desde os anos 1980, e mostrou seu esgotamento aparentemente terminal na profunda crise fiscal de 2015-16.

A economia iniciou uma transição para um modelo em que o Estado tende a ceder espaço para o setor privado na exploração direta de atividades econômicas, voltando-se para a atuação regulatória e normativa prevista no artigo 174 da Carta fundamental. A julgar pelas declarações das autoridades, o governo irá, também, trabalhar para aumentar o grau de inserção da economia, usualmente a mais fechada entre os membros do G-20, nas correntes globais de comércio.

Outra transição refere-se ao ambiente de taxa de juros. A Selic atingiu o mínimo histórico em março de 2018, e já está há 22 meses em um dígito - um recorde desde o início do Plano Real. A redução das rendas de investimentos pode estar ocasionando certa contenção de gastos por parte de poupadores - os rentistas estariam reagindo ao novo ambiente de forma conservadora, cortando gastos, antes de empreender. Tendo em vista a prolongada estagnação econômica, há um debate sobre a existência de algum espaço para o Banco Central adicionar estímulo à economia, caso a persistência de patamares amplos de ociosidade, notadamente no mercado de trabalho, indique que a convergência da inflação para a trajetória de metas pode vir a tardar mais do que o esperado. Mas, dado o patamar corrente da taxa Selic, qualquer estímulo adicional deve ser ministrado com cautela e parcimônia.

A multiplicidade de explicações sugere que dificilmente teremos uma iniciativa de política econômica isolada que vá tirar a economia da estagnação - não há bala de prata. Tomando emprestado o mantra de nossas autoridades monetárias, será preciso cautela, serenidade e perseverança para superar essa conjuntura. Avanço na agenda de reformas, notadamente da Previdência, mas também a agenda de desestatização e abertura, mais esforço para desatar alguns nós setoriais, bem como alguma ajuda extra da política monetária, devem finalmente acelerar a recuperação. O pior que poderia acontecer seria uma eventual perda da serenidade que levasse a tentativas anacrônicas de ressuscitar o nacional-desenvolvimentismo.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

Conversa de botequim - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 02/05

De forma desastrada, o presidente Jair Bolsonaro já interferiu na Petrobrás e no Banco do Brasil e polemizou com técnicos do IBGE, mas parece ter dificuldade para entender seu papel e suas limitações


O presidente Jair Bolsonaro insiste em discursar como se estivesse numa descontraída troca de comentários ligeiros, dando palpites de ocasião e falando de assuntos fora de seu conhecimento. De forma desastrada, já interferiu na Petrobrás e no Banco do Brasil (BB) e polemizou com técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas parece ter dificuldade para entender seu papel e suas limitações. Voltou a criticar os juros na terça-feira passada, num evento no Palácio do Planalto, um dia depois de ter pedido a redução da taxa ao presidente do BB, Rubem Novaes, numa cerimônia em Ribeirão Preto. No evento em Brasília, o comentário sobre o custo do dinheiro envolveu também o presidente da Caixa, Pedro Guimarães. Dessa vez, o presidente Bolsonaro fez uma ressalva. Negou a intenção de interferir nos bancos e qualificou seus palpites como “sugestões”: como conselhos, cada um cumpre se quiser. Fez a ressalva, obviamente, depois da reação negativa no mercado de capitais e das críticas na imprensa, mas terá mesmo reconhecido seu limite?

Tentando explicar-se, na terça-feira passada, a respeito do escorregão cometido em Ribeirão Preto, abusou novamente das palavras: “Ontem, eu apelei para o presidente do Banco do Brasil, para seu espírito patriótico, conservador, cristão, que atenda os ruralistas no tocante à taxa de juros”. Para começar, um ponto muito importante foi esquecido. Formular política agrícola é papel do primeiro escalão do Executivo. Isso envolve a responsabilidade pelo custo de qualquer subsídio. A conta cabe ao Tesouro. Não é função do BB formular e custear políticas setoriais.

Além de esquecer esses detalhes da formulação e da execução de políticas, o presidente Bolsonaro manifestou, mais uma vez, sua visão muito particular dos atributos de um bom gestor. Afinal, por que apelar ao espírito “conservador e cristão” de um presidente do BB? Conservadorismo e cristianismo são qualificações necessárias ao cargo? Constam da descrição de função? Presidentes do BB sem algum desses atributos terão sido incompetentes e, além disso, insensíveis às demandas de seus clientes? Nem todos são cristãos no primeiro escalão do Executivo, mas o presidente, quando se manifesta de forma espontânea, revela curiosas limitações de sua visão do mundo e das pessoas.


No mesmo discurso de terça-feira o presidente voltou a falar de sua discordância em relação a números e conceitos do IBGE: “Se fala em 12 milhões de desempregados. Sim, eu acho que é muito mais do que isso. E não vou polemizar novamente”. Mesmo assim, propôs uma revisão da metodologia usada na pesquisa oficial sobre o mercado de trabalho. Ele já havia questionado as informações oficiais sobre desemprego, mas, apesar do incômodo, os técnicos do IBGE limitaram-se a reafirmar a qualidade de seu trabalho e deixaram a polêmica para trás.

Mas o presidente da República insiste em criticar, como se pudesse discutir com especialistas. O menos importante, nesse episódio, foi sua confusão com números. Ele mencionou 12 milhões de desempregados. Mas a última pesquisa, divulgada na terça-feira de manhã, aponta uma taxa de 12,7% de desemprego e cita 13,4 milhões de desocupados. A mesma pesquisa, como vem ocorrendo há tempos, indica também a subutilização de 28,3 milhões de pessoas, 25% da força de trabalho. O levantamento quantifica pessoas desocupadas, pessoas ocupadas por tempo insuficiente, trabalhadores desalentados e a força de trabalho potencial. Seus padrões são internacionais. Mas o relatório talvez seja longo para a paciência do presidente.

Se o presidente da República tem dúvidas, peça esclarecimentos a algum auxiliar competente. Não caia no ridículo de contestar uma instituição respeitada internacionalmente e mantida livre de intervenção por diferentes governos e regimes. Ele tomaria esses cuidados se atentasse à sua função. Governar é muito diferente de mandar, de se meter em todos os assuntos e de dar palpites e opiniões como numa conversa de madrugada, num botequim. Palavra de presidente é como a moeda. Emitida sem critério, perde valor.

O que será o amanhã? - ZEINA LATIF

O Estado de S. Paulo - 02/05

Traçar cenários no Brasil é complexo. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo


Empresários e investidores perguntam se o Brasil vai dar certo. Como responder a essa pergunta se não sabemos sequer como será 2020?

Vamos assumir que o Brasil dar certo significa ao menos crescer em linha com o mundo, pouco acima de 3%. Seria um belo resultado, em termos per capita, acima de 2%, dado que a população cresce menos de 1%. Bem maior que a média observada desde o Plano Real, que foi pouco mais de 1%.

Como discutido adiante, esse parece um cenário improvável para os próximos anos. O crescimento será provavelmente mais modesto. Mas quanto? E este tanto será suficiente para promover um ambiente estável? O motivo dessa indagação é que o baixo crescimento tende a deixar o país fica mais vulnerável a acidentes de percurso, que também se tornam mais difíceis de serem superados. O cenário “meio do caminho” também guarda muitas incertezas.

Traçar cenários no Brasil é tarefa complexa. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo. A instabilidade da economia e a escassez de séries históricas longas são entrave. No passado recente, o intervencionismo estatal e a manipulação dos números fiscais do governo Dilma comprometeram a eficiência dos modelos de projeção.

Nos últimos anos, o quadro político ganhou protagonismo na construção de cenários econômicos. Isso porque, para voltar a crescer, o Brasil necessita urgentemente de reformas estruturais que dependem de aprovação no Congresso. Não fosse o quadro econômico tão frágil, não faria tanta diferença ter ou não um governo reformista, aqui entendido pela agenda proposta e a capacidade de execução.

As dificuldades não param por aí. É também importante analisar a reação da sociedade. O descontentamento com a economia e com os serviços públicos pode ser gatilho para protestos e greves, com implicações na política e na economia. Analistas econômicos cada vez mais precisam dialogar com os profissionais das demais ciências humanas.

A depender de como terminaremos este ano, poderão ser tempos difíceis a partir de 2020. Não por incertezas sobre o comportamento das variáveis econômicas em 2019 – há poucas dúvidas de que será um ano de baixo crescimento e inflação bem comportada –, mas pelas sementes que serão plantadas, ou seja, pela agenda econômica a ser entregue e outras a serem encaminhadas para o País voltar a crescer.

Uma reforma da Previdência desidratada não irá gerar o devido alívio aos cofres públicos nas três esferas. Os serviços públicos, que tanto impactam o sentimento dos eleitores, irão piorar. O risco fiscal, que impacta o sentimento de investidores, continuará elevado, com risco de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da regra de ouro (impõe limites ao endividamento do governo federal) e de inviabilização da regra do teto (estabelece limites ao crescimento dos gastos públicos), regra esta que foi essencial para trazer a taxa de juros do Banco Central para níveis inéditos. Qual será o tamanho desta fatura?

Como será o encaminhamento das demais reformas, já que a da Previdência, mesmo que não desidratada, não irá trazer crescimento de verdade? Os sinais não são bons, como o pouco alcance das medidas para melhorar o ambiente de negócios, o desconhecimento dos diagnósticos sobre o problema da educação e as trapalhadas na discussão sobre a reforma tributária, que insiste na tributação de transações econômicas, na contramão do recomendado.

Teremos, provavelmente, anos de crescimento modesto adiante. Será um cenário apenas desafiador ou de fato mais instável? Se por um lado, a classe política tem maior compreensão sobre a necessidade de reformas, por outro, o quadro econômico é muito frágil e a sociedade está mais exigente e vocal. Há muitas incertezas no radar e isso atrapalha os tomadores de decisão.

Muitas manifestações do governo revelam compreensão superficial dos problemas. Podem agradar os eleitores fiéis, mas não serão suficientes para manter as ruas calmas e empresários e investidores confiantes.

Radicalismo tende a afastar o Congresso do presidente - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

Valor Econômico - 02/05

O presidente Jair Bolsonaro e os ministros mais alinhados ideologicamente a ele aceleraram seu programa de ação, contra políticas que, durante um bom tempo, receberam o aval do Congresso e da Justiça. Bolsonaro se elegeu com uma plataforma conservadora, sem, explicitá-la, com exceção de alguns planos para a área econômica. Sua eleição, porém, não lhe dá carta branca para fazer o que quiser. O aparato legal e o Legislativo tendem a constrangê-lo e daí surgirão confrontos normais em uma democracia, cujos resultados podem lhe ser bastante desfavoráveis. A ofensiva contra o ambiente, desarmamento e a educação, entre outros, põe em risco suas principais metas na economia, a começar da reforma da previdência, embora o presidente e seus acólitos acreditem que não.

Bolsonaro age como se tivesse apoio maciço no Congresso, quando a verdade é o contrário: nem seu partido sustenta integralmente suas propostas. A rejeição ao jogo parlamentar impede a formação de uma base governista firme, o que deveria torná-lo mais prudente, mas não é o que está acontecendo. O presidente, na companhia de seus filhos, tornou-se foco de instabilidade no próprio governo - não se sabe se e quando isso será revertido. As pesquisas indicam que os eleitores que lhe deram o benefício da dúvida e/ou o sufragaram para se livrar de mais uma administração petista o estão abandonando. Bolsonaro parece confundir a admiração da franja radical de seguidores nas redes sociais com a sociedade em geral. Seu estilo agressivo agrada só a seus fãs, entre os quais muitos não defendem a democracia.

Após levar a Petrobras a perder R$ 32 bilhões de seu valor, o presidente voltou suas atenções para o Banco do Brasil. Primeiro, fez o que não podia, ao pedir o cancelamento de propaganda do banco que ressaltava a diversidade e a demissão do diretor de marketing. O novo secretário da Secom, Fabio Wajngarten, que conta com a simpatia de filhos do presidente, moveu seus peões para que toda a publicidade oficial, daí para frente, incluindo a das estatais, passasse pelo crivo da Presidência. Foi lembrado pelo ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, de que isso fere a lei. O Ministério Público em seguida pediu ao TCU que avaliasse a atitude de Bolsonaro. O lembrete de Santos Cruz de que existem leis a serem cumpridas bastou para que emergisse "nova guerra" entre os protegidos de Carlos Bolsonaro e os militares.

Para agradecer os produtores rurais, na abertura do Agrishow, Bolsonaro pediu ao presidente do BB que baixe os juros para a agricultura, o que fez as ações do banco caírem por algum tempo. Fez mais, listando uma série de ações para enquadrar os órgãos ambientais a seus desejos e defendeu o "excludente de ilicitude" no caso de reação armada dos fazendeiros na defesa de suas propriedades. Para ele, a violência rural virou atributo exclusivo do MST, mas ela é provocada principalmente por grileiros de terras, madeireiras ilegais, expropriações à bala, trabalho escravo, que inexistem no mundo bicolor do presidente.

Seu filho, o senador Flavio, propôs projeto de lei que elimina a necessidade de reserva legal. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz uma devassa na ICMBio e no Ibama, enquanto Bolsonaro ralha contra fiscais desse órgão que inutilizaram instrumentos usados para o desmatamento ilegal. O Ministério da Agricultura, mais discreto, quer eliminar a lista de peixes ameaçados de extinção, supostamente em defesa dos pescadores.

Entre a inação de Vélez Rodríguez e o ativismo de seu substituto, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não se andou um passo à frente na resolução dos grandes e graves problemas educacionais do país. O ministro estreou com o comportamento de um bedel de escola para adolescentes travessos. Corta verbas para universidades federais que protagonizarem "balbúrdias". Weintraub e Bolsonaro concordam que o estudo de ciências humanas não merece dinheiro público ou, como disse o ministro, confirmando uma temerária estreiteza de horizontes, quem quiser estudar filosofia "que o faça com o próprio dinheiro".

Essa agenda radical prejudica o trabalho importante que a área econômica do governo tenta fazer e tende a ampliar reações contrárias no Congresso. Perdendo apoio popular, Bolsonaro verá o Congresso virar rapidamente as costas a ele e seus projetos. O radicalismo do presidente não lhe fará bem, muito menos ao país.

A grande síntese brasileira - FERNANDO SCHULER

FOLHA DE SP - 02/05

Fosso entre a tradição liberal e a boa social-democracia é muito menor do que já se imaginou


Virou hábito chamar o atual governo de conservador. Eu mesmo utilizei esta expressão, algumas vezes. Gosto da ideia de que uma boa democracia é aquela capaz de dar expressão à multiplicidade de visões, na sociedade, e este foi um ganho das últimas eleições. Elas deram voz a um pensamento conservador há muito presente, e quem sabe hoje hegemônico, na sociedade brasileira.

Dito isto, há muitas coisas diferentes sob o rótulo do conservadorismo. Na expressão clássica de Oakeshott, ser um conservador “é preferir o familiar ao desconhecido, o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível... o conveniente ao perfeito”. Vai aí um sentido profundo da grande tradição conservadora: não a defesa pura e simples da tradição, mas a ideia de caminhar à frente com prudência.

Não pelo culto do passado, mas o respeito ao futuro. Daí a aversão ao voluntarismo, do sujeito que se põe a regular a vida dos outros com base em um punhado de ideias abstratas que, por acaso, ele tem na cabeça.

É curioso observar, no atual governo, que é precisamente no Ministério da Educação, usualmente associado ao conservadorismo, que se vê crescer uma certa lógica voluntarista.

A ideia de reduzir recursos para universidades federais em função de “badernas” no campus, a noção de que o governo possa arbitrar a utilidade social das diferentes profissões, ou a imprudente sugestão de que alunos devam filmar professores, em sala de aula.

Quando escutei isto, não acreditei. A ideia seria criar uma legião de pequenos torquemadas digitais caçando professores-bruxos no ambiente altamente racional e ponderado das redes sociais?

Acho que não é isso que o ministério deseja, e é por isso que se trata do avesso da atitude conservadora. É a ação feita de improviso, feita ao sabor da guerra cultural e sua lógica de curto prazo, sem muita preocupação com as consequências adversas daquilo que propõe.

Penso que o Brasil deveria andar por outro caminho, e a inspiração poderia vir exatamente da tradição conservadora. O caminho é buscar o que melhor fizemos em nossa experiência democrática, e encontrar novas bases de consenso, em um país fraturado.

Este é o primeiro aprendizado conservador: o que vale a pena preservar de nossos erros e acertos? A responsabilidade fiscal, por exemplo. Estados que a levaram a sério pagam hoje salários em dia, enquanto a pobreza cresceu 33%, no Brasil, com a aventura irresponsável que levou à crise de 2014-2016.

Vai aí a lição mais elementar: que o fosso que se imaginava separando a tradição liberal da boa social-democracia é muito menor do que já se imaginou, no passado. É disso, no fundo, que trata o ciclo de reformas que o país tem pela frente: a ideia de que o ajuste estrutural do Estado hoje é condição para transformar em realidade, no futuro, a sociedade de direitos desenhada na Constituição.

Da social-democracia aprendemos muitas coisas. A mais decisiva, a meu juízo, é nunca confundir a garantia de direitos com o privilégio. O BPC expressa um direito; aposentadoria aos 50 anos, para quem quer que seja, não passa de um privilégio.

Dias atrás conversava com um egresso do Prouni. Vindo de uma família muito pobre, hoje tem emprego, faz mestrado e sonha longe. “Aquilo me deu o direito de escolher”, disse ele. Me veio um filme na cabeça. O filme de um país que pode dar certo se encontrarmos o jeito brasileiro de combinar coisas que na retórica política soam divergentes: incentivos de mercado e garantia de direitos.

Paulo Guedes acertou, naquela tarde desigual na CCJ, quando disse que nosso caminho não era o do Chile, mas o de um sistema de capitalização que incorporasse o sentido de solidariedade inscrito na Constituição. Ele parecia falar sozinho, assim como parece falar, no campo da esquerda, o governador petista da Bahia, Rui Costa, quando defende a reforma da Previdência, o diálogo com o governo e diz que rigor fiscal e PPPs não são coisas do demônio.

A grande síntese brasileira virá de uma certa teimosia. Da aposta em gente capaz de construir pontes e fazer avançar reformas graduais. É assim que deveria andar o atual governo, e desse modo se consagrar, de fato, como um governo conservador.

Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

BID colabora com o Censo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 02/05

A presidente do IBGE, Susana Guerra, pretende aproveitar a oportunidade para fazer a transição do censo tradicional para um modelo misto

Diante da necessidade de adaptar o censo de 2020 às restrições financeiras do país, a nova direção do IBGE está em conversas iniciais com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para uma assistência técnica no censo de 2020, que visa potencializar o trabalho da equipe do IBGE, de qualidade reconhecida internacionalmente.

Tentando fazer do limão uma limonada, a presidente do IBGE, economista Susana Cordeiro Guerra, pretende aproveitar a oportunidade para fazer a transição do censo tradicional para um modelo de Censo Misto, cada vez mais utilizado no mundo, devido a avanços tecnológicos e melhora em registros administrativos.

O Censo Misto coleta as informações básicas através da operação tradicional, e as complementa com outras pesquisas e registros administrativos. A direção do IBGE garante que não haverá perda de informação, pois há outros meios de conseguir a mesma informação ao longo do tempo, através da otimização de pesquisas existentes e avanços tecnológicos.

Isso envolve dar mais potência às pesquisas do IBGE já existentes, como a Pesquisa Nacional por Domicílio (PNAD), usando tecnologia e ferramentas para se buscar a mesma informação de forma mais eficiente, melhorar a qualidade, acesso e integração de registros administrativos, e em certas áreas, desenvolver suplementos para se coletar esses dados com uma amostra menor.

Já há o convencimento dos técnicos do IBGE de que o questionário precisa ser simplificado. O IBGE faz muitas pesquisas amostrais ao longo das décadas, e elas poderiam ser utilizadas. Nossos registros administrativos ainda são falhos, mas estão melhorando. Temos um censo escolar todo ano, por que precisamos voltar ao assunto no censo geral?

Por que precisamos ter informações de fluxo no Censo, taxa de desemprego no Censo? Um bloco imenso de imigração internacional?, perguntam os técnicos como Ricardo Paes de Barros, que está dando uma consultoria pro-bono para o censo, e Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE. A ideia central é que variáveis não-estruturais que se modificam no curto prazo, relacionadas, por exemplo, ao mercado de trabalho, ao emprego e desemprego, às características de consumo da população, não deveriam ser levantadas a cada dez anos no Censo Demográfico.

Tais variáveis são de natureza dinâmica e os dados decenais deixam de ser úteis e de bem representar a realidade, perdendo a validade muito rapidamente. Tais quesitos seriam melhor investigados em pesquisas de menor periodicidade, por amostragem.

Uma pesquisa amostral como a PNAD Contínua, que fornece informações mensais, trimestrais, anuais ou periódicas para temas especiais, se potencializada, passando por aperfeiçoamento do desenho e dos métodos amostrais, poderia ser muito mais útil nesses casos, para a tomada de decisão mais dinâmica, com base em evidências atualizadas, mesmo que realizada com amostras menores.

Em um extremo, a Dinamarca, há quatro décadas, realiza o recenseamento de sua população com base em registros. Neste formato, não há coleta direta de dados da população, e a enumeração tradicional é substituída pela utilização de dados administrativos, o que permite a produção de dados censitários a um custo bastante reduzido e com força de trabalho significativamente menor.

Desde 1990, vários outros países pertencentes à UNECE, órgão econômico das Nações Unidas que engloba países da Europa, América do Norte, Ásia Central, além de Turquia e Israel, vêm ampliando a qualidade de seus registros, que passam a ser usados para a condução dos Censos, mesmo que, inicialmente, adotando um modelo combinado de transição.

No censo de 2000, apenas três países pertencentes à UNECE realizaram um Censo baseado em registros administrativos e outros cinco adotaram o Censo de transição. Nesta ocasião, o Censo tradicional ainda era a abordagem mais popular, adotada por 40 países.

Já na rodada de 2010, houve um aumento significativo do número de países que conduziram a operação com base em registros (nove países) ou fizeram o censo combinado (dez países), sendo expressiva a diminuição no número de países da UNECE que realizaram o Censo tradicional (34 países).

Com base em informações preliminares sobre o planejamento para a próxima rodada de 2020, a tendência é que, dos 48 países da UNECE, 14 realizem o Censo com base exclusivamente em registros administrativos (29%), 12 países adotem o modelo de transição (25%) e apenas 22 ainda façam o Censo tradicional (46%).

Insurreição e mito - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 02/05

Fatores abrangentes tornam difícil a ação comandada pelos EUA para derrubar Maduro



Qualquer que seja o resultado do que está acontecendo na Venezuela, o “golpe de mão” (como se dizia antigamente) contra a ditadura chavista lançado na terça-feira por Guaidó inicialmente carecia de todos os elementos clássicos de ações semelhantes bem-sucedidas, a saber: surpresa, força e velocidade.

A oposição e governos que a apoiam diretamente (como Estados Unidos e Brasil, mas não só) vem “telegrafando” há semanas que pretendem explorar dissidências dentro do aparato militar para derrubar o tirano Nicolás Maduro. Para uma quartelada dar certo esse esforço talvez devesse ter sido mais discreto.

“Golpe de mão” tentado a pedaços desanda em situações de impasse nas quais o controle da hierarquia militar aliado a grupos paramilitares ganha tempo para o ditador a ser desalojado – seria um bom retrato do que acontecia até o 1.º de Maio nas ruas de Caracas. O que leva à questão no fundo essencial, a da força entendida na acepção primordial.

A oposição até aqui não dispõe de tropas para enfrentar tropas. Onde a oposição (e os governos diretamente envolvidos em apoiá-la) julga ter encontrado “força” para um assalto frontal ao regime bem entrincheirado, como aconteceu no dia 30 de abril?

As evidências sugerem que é na convicção da viabilidade de uma insurreição popular alimentada pela miséria e penúria impostas a milhões de pessoas pelo regime chavista, e deflagrada pela “faísca” acendida por lideranças políticas com uma mensagem de esperança no futuro. Ironicamente, isso parece a leitura de panfletos marxistas sobre a Revolução de Outubro, que propagaram durante décadas o triunfo de uma insurreição que nunca ocorreu. Pelo jeito, o mito do grande levante popular é irresistível.

Mitos desse tipo talvez passem longe do staff de gente como Mike Pompeo, o secretário de Estado americano que é egresso de West Point e dirigiu a CIA – cujo mais recente triunfo em manipular personagens empenhados na derrubada de um regime nacionalista-populista num país grande data de 1953 no Irã (o golpe contra Mossadegh). Supõe-se também “frieza” na conduta de um diplomata profissional como John Bolton, assessor de segurança nacional de Trump e especialista em batalhas verbais na ONU e debates na TV.

Ocorre que, no fundo, o problema para a ação montada pela Casa Branca para derrubar Maduro vem de questões estratégicas mais amplas, como a dificuldade (exacerbada por Trump) de se contrapor a Rússia e China, e a profunda desconfiança em relação à política externa americana por parte de aliados tradicionais de vários tipos, como europeus ou a Turquia (“mérito” de Trump). A julgar pelo que disse a própria Casa Branca, Maduro confia muito em Vladimir Putin e teme bem menos do que se imaginava as ameaças de embargos e até ação militar de Trump.

A Venezuela transformada em componente delicado de um jogo geopolítico de grande abrangência internacional é testemunho da falta de liderança de Trump (Kennedy e Kruchev se entenderam por cima da cabeça de Fidel Castro em 1962). Agravada, nesse caso específico, pelo fato de atores regionais de relevância, como o Brasil, terem perdido exatamente essa relevância frente a vizinhos turbulentos.

Nesse sentido, é eloquente o contraste entre, de um lado, os “profissionais” com experiência em crises internacionais, como os generais que integram o governo Jair Bolsonaro. E, de outro, o voluntarismo de amadores das áreas de política externa e ideológicas à volta do presidente. Os “profissionais” têm pouco apreço por soluções improvisadas por motivação político-eleitoral, baseadas em duvidosa análise da realidade dos fatos e relação de forças. Não se empolgam com Guaidó. Os amadores adotam parábolas marxistas sobre História.

PT não quer abrir a caixa-preta dos partidos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 02/05

É imperativa a fiscalização do uso dos recursos públicos que sustentam as legendas

O Partido dos Trabalhadores tenta impedir regras mais rígidas de fiscalização das contas dos partidos políticos.

No fim de março, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou, em caráter terminativo, um projeto (PLS 429/2017) que obriga os partidos a cumprirem normas de transparência com objetivo de reduzir o espaço para crimes de corrupção.

O texto prevê que, obrigatoriamente, devem ser adotados mecanismos “de integridade, controle, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades”, além de “códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, inclusive estendidas a terceiros”, para prevenir desvios e fraudes. Dirigentes seriam responsáveis pela governança do caixa partidário, quase integralmente abastecido por recursos públicos. As punições foram reforçadas.

A cúpula do PT, porém, não gostou e resolveu se insurgir. Manobrou com alguns outros partidos e conseguiu reiniciar a tramitação do projeto na comissão do Senado, onde já havia sido aprovado por unanimidade. Impediu sua remessa à Câmara e apresentou substitutivo, desidratando o texto original. Tenta suprimir até punição em casos de desvio de dinheiro público repassado aos partidos.

As mudanças na matriz de financiamento partidário levaram a um aumento exponencial (364%) no volume de dinheiro transferido do orçamento para o caixa dos partidos. Em 2014, foram repassados R$ 560 milhões. No ano passado as transferências ultrapassaram R$ 2,6 bilhões. Desse total, R$ 1,7 bilhão foram classificados como fundo de campanha— criação do PT em combinação com o MDB.

Nunca antes as cúpulas partidárias receberam tanto dinheiro público — e o PT aí se destaca como beneficiário da maior fatia, proporcional à bancada. Também, nunca esses dirigentes políticos gastaram tanto com tão pouca transparência e fiscalização.

A tesouraria dos partidos é uma caixa-preta, legitimada por um sistema de fiscalização construído por eles mesmos para ser exatamente o que é hoje, ineficaz e inoperante.

Na última terça-feira, a Justiça Eleitoral encerrou a análise das contas apresentadas em 2013, ou seja, há seis anos. A partir da próxima semana, vai examinar as polêmicas contas da eleição de 2014.

Com uma história marcada por escândalos de corrupção, no caso mensalão e na Petrobras, os dirigentes do PT demonstram temor ao controle público do seu caixa. Têm o direito de agir conforme suas convicções, mas não podem conspirar nos bastidores do Legislativo para impedir o avanço da sociedade na supervisão do dinheiro dos seus impostos.

É imperativa a fiscalização do uso dos recursos públicos que sustentam os partidos, com severa punição aos dirigentes irresponsáveis ou corruptos. A obstrução petista é, no mínimo, pouco inteligente.