Sinais para o futuro
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 02/11/10
O professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense Daniel Aarão Reis comentou comigo, na bancada do "Jornal das Dez" da Globo News do dia da eleição, que achou que os dois candidatos estavam muito tensos mesmo quando emitiram as protocolares mensagens de reconciliação política. Seria, segundo Aarão Reis, ainda consequência do clima agressivo que marcou a campanha eleitoral, principalmente no segundo turno.
De fato, a presidente eleita, Dilma Rousseff, fez um discurso frio, assumindo compromissos importantes, mas sem emoção — que surgiu por segundos quando falou em Lula, mas conteve-se —, enviando "aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada" uma mensagem da mão estendida, garantindo que não haverá "discriminação, privilégios ou compadrio".
Partiu do candidato derrotado, José Serra, o tom aparentemente mais inusitado, mas que não deveria provocar tanta surpresa aos petistas, mas sim aos tucanos.
Serra acenou com a intenção de sair da eleição como líder da oposição, e num tom muito acima do que imprimiu na própria campanha: "Nestes meses duríssimos, quando enfrentamos forças terríveis, vocês alcançaram uma vitória estratégica. Cavaram uma grande trincheira, construíram uma fortaleza, consolidaram um campo político em defesa da liberdade e da democracia no Brasil. Em defesa das grandes causas econômicas e sociais do país", disse, pintado para a guerra, dirigindo-se aos 44 milhões de eleitores que votaram nele neste segundo turno.
Quem deve ter ficado surpreso e preocupado é o senador eleito por Minas Aécio Neves, considerado pela maioria como o herdeiro natural das bandeiras do PSDB e candidato natural à Presidência da República em 2014.
Os petistas não têm direito de ficar espantados nem de reclamar da dureza das palavras num momento de festa pela eleição da nova presidente do país.
Em 1994, Lula saiu derrotado da campanha presidencial chamando o Plano Real de "estelionato eleitoral" e durante todos os oito anos de mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso o PT votou contra todas as propostas do governo, desde o Plano Real em si.
O PT foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Fundef, que mudou radicalmente o financiamento do ensino fundamental no país; contra a criação da CPMF; contra a reforma da Previdência; contra a privatização das telecomunicações, entre muitos outros temas.
Em janeiro de 1999, reeleito Fernando Henrique no primeiro turno, o PT lançou uma campanha "Fora FH", e o hoje governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, escreveu um artigo na "Folha de S. Paulo" pedindo o seu impeachment.
Portanto, o tom belicoso de Serra na sua fala à Nação nada mais é que uma proposta de postura à oposição derrotada mais uma vez pelo PT, uma tentativa de marcar posição desde o primeiro momento.
A oposição que saiu das urnas fortalecida, no comando de 11 estados — 8 governados pelo PSDB; dois, pelo DEM; e um, pelo PMDB dissidente — governará 56% da população e 60% do PIB, e teve mais votos do que nas duas últimas eleições em que foi derrotada, reduzindo em quase dez milhões de votos a diferença para o PT.
O PSDB sozinho governará a partir de janeiro cerca de 47% dos brasileiros, quase metade do eleitorado brasileiro.
Os 44% de votos válidos obtidos por José Serra neste segundo turno traduzem o melhor desempenho da legenda nas últimas três eleições presidenciais perdidas, e em termos de eleitores governados o partido só foi melhor em 1994, na primeira eleição de Fernando Henrique com o Plano Real, quando governou 52% dos eleitores.
A unidade demonstrada pelo partido durante a campanha eleitoral começou a se desvanecer a partir da fala de Serra, que deliberadamente não citou o ex-governador mineiro Aécio Neves nos seus agradecimentos, sinalizando naquele momento que endossava as críticas de alguns de seus assessores mais próximos que viram nos resultados do segundo turno em Minas, quando Dilma Rousseff aumentou a vantagem sobre Serra, sinal de que Aécio apenas simulou estar empenhado na campanha.
A diferença de 1,7 milhão de votos, porém, nada tem a ver com a falta de empenho do ex-governador, mas com condições específicas locais, como uma rejeição natural à hegemonia paulista na política nacional e à vontade de que Minas tenha um papel mais destacado no PSDB, além, evidentemente, das sequelas deixadas pela disputa entre Serra e Aécio pela indicação a candidato à Presidência da República.
Ziraldo, um mineiro ilustre, não se surpreendeu com a ineficácia da ação de Aécio. Uns 15 dias antes da eleição, quando havia indícios de que o ex-governador poderia virar os votos mineiros tal a intensidade de sua atuação, ele me disse que Dilma venceria em Minas por dois milhões de votos.
"Eu conheço minha gente, e não adianta fazer pesquisa em Minas. Mineiro não revela seu voto", explicava Ziraldo.
E também não entra em briga sem necessidade. Aécio Neves telefonou para cumprimentar Serra, deu uma nota oficial elogiando a campanha "excepcional" do candidato tucano e recolheu-se.
Prepara-se para assumir o comando da oposição já articulando no Congresso com partidos hoje na base do governo, como o PSB, que saiu fortalecido da eleição e terá mais força política para disputar com o PT espaço no novo governo Dilma.
Aécio propõe ao PSDB uma oposição que não seja radicalizada e que se conecte mais amplamente com outras forças políticas do país.