sexta-feira, agosto 12, 2016

Para que servem os muros? - JOAQUIM FREITAS

O PONTO CEGO

Não há nada pior midiaticamente falando do que defender um muro.

Um muro, segundo o senso comum midiático, é um monumento a segregação, ao preconceito, ao mal.

Os esquerdistas detestam muros, pessoas bacanas não gostam de muros. Apesar de ser bem difícil encontrar um falando mal do muro de Berlim, aliás, falam, com uma certa nostalgia, a queda do muro representa o fim do sonho socialista.

Naquele caso o muro simbolizava um sonho.

Trump fala em fazer um muro na fronteira do México. É um estouro!

Fascista, bélico, louco, irresponsável!!

Eu realmente não tenho elementos para avaliar a eficácia do muro de Trump, mas confesso que sou tocado pela coragem do homem frente ao discurso unânime vigente.

Lá em Israel quando levantaram o muro para impedir o livre trânsito de palestinos, todos foram unânimes.

Segregação, preconceito etc.

Sobre esse muro eu também não tenho profundidade em conhecimento para avaliar sua eficácia em relação aos seus objetivos.

Mas podemos afirmar que Israel tem se mostrado muito eficiente em evitar o terrorismo, mesmo cercado por inimigos em todos os lados, todos berços do terrorismo internacional.

O detalhe curioso sobre esses três muros, o que existia, o que existe e o que se fala em levantar, não está na semelhança, mas na diferença entre seus objetivos e ideologias que representam.

Os muros da direita visam proteger quem está dentro, de um possível invasor, ele não prende ninguém, é uma medida defensiva.

Já o muro da esquerda, o objetivo era claro: prender as pessoas, impedir que as pessoas fujam do regime.

Cuba não tem muros, o mar revoltoso do Caribe já é suficiente.

Enfim, para todo aquele que condena de imediato qualquer muro, sugiro que na próxima reunião do condômino lute para demolir o muro do condomínio.

Compartilhe a piscina, a sauna, a área de lazer com quem está do lado de fora.

Pare de ser fascista!!

Os petralhas, como os pokémons, estão sendo pegos - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 12/08

Os petralhas, para o bem do Brasil, estão sendo pegos, como pokémons inimigos da civilidade. E não! Eles nunca foram do tipo Zubat ou Pidgey, que se capturam logo na primeira pokebola. Que nada! São bichos tinhosos. Estão mais para Dragonite, Blastoise e Charizard. Vejam quanto tempo demorou até que caíssem em desgraça.

Ladrões de dinheiro público continuarão a existir em todos os partidos. Os operadores de caixa dois também. E é claro que crimes e criminosos têm de continuar a ser combatidos com severidade. Pokebola neles! Mas é preciso tomar cuidado para não cair presa de uma falácia. Nem todos os pokémons são iguais. E o jornalismo existe, entre outras razões, para tratar de modo diferente os diferentes. Já volto ao ponto.

Há 15 anos, criei o vocábulo "petralha". Nasceu da fusão da sigla "PT" com a palavra "metralha", numa referência aos irmãos que viviam tentando roubar o Tio Patinhas. Um "petralha" é aquele que justifica o roubo de dinheiro público em nome de uma causa. E não me venham dizer que se trata de uma caricatura da esquerda, assim como "coxinha" é uma caricatura da direita! Um "coxinha" não é o ladrão do lado de cá. Não é um criminoso ou um justificador de crimes.

Como se vê, a palavra antecede a chegada do PT ao governo federal. Com ela, eu designava aquela que eu entendia ser a prática dos petistas na Prefeitura de Santo André, então administrada por Celso Daniel, que foi assassinado.

O "Washington Post" afirmou que o turista precisa saber o significado de seis palavras se quiser entender o Brasil contemporâneo. Fiquei contente. Uma delas é "petralha". As outras são "gourmetização", "jeitinho", "zoeira", "coxinha" e "crise".

A minha criação já havia alcançado altitude maior como expressão de uma realidade reconhecível: a palavra integra o "Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa". O autor da obra, Luiz Antonio Sacconi, diga-se, sofreu retaliações por isso. Teve seu dicionário e seu minidicionário rejeitados pelo MEC dos... petralhas!

O jornal americano não foi muito feliz ao tentar explicar o significado da palavra. Misturou alhos com bugalhos. Os barbudos, os maconheiros e até os estudantes de sociologia fariam parte de tal comunidade. Eu jamais disse isso. Até porque nunca entendi a associação entre drogas e esquerda. Fui vermelho um dia. Tínhamos um desprezo solene por viciados. O que mudou?

Talvez isso se deva ao fato de os esquerdistas terem passado a consumir mais maconha e menos Marx, o que, quero crer, não colabora para a qualidade do marxismo que praticam nem para a gostosura da viagem. Sempre achei curioso esse esforço para transformar fumaça em categoria de pensamento. Mas deixo essas digressões para outros baratos. Tentarei não desperdiçar a minha pokebola.

Não basta ser ladrão para ser petralha, embora o petralha seja um ladrão. Não basta fazer caixa dois para ser petralha, embora um petralha faça caixa dois. Não basta cobrar propina para ser petralha, embora um petralha cobre propina.

Um petralha torna o vício uma precondição da virtude. Um petralha transforma o crime numa teoria de poder. Um petralha usa o assalto ao cofre como ato preparatório do assalto à institucionalidade.

Nós matamos os petralhas como horizonte utópico.

Agora começa a luta.

Parâmetros próprios - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 12/08
Na quarta-feira (10), um carro da Força Nacional errou o caminho na Linha Amarela e entrou numa comunidade controlada por traficantes. Estes atacaram e feriram dois soldados, um deles talvez mortalmente. Um aplicativo mandou os soldados entrar por onde não deviam. A Força Nacional recomenda a seus soldados que se guiem por mapas.

O caso lembra o romance "Fogueira das Vaidades", de Tom Wolfe, de 1987, em que Sherman McCoy, um potentado de Wall Street, vai receber sua namorada no aeroporto de Nova York. Na volta, pega uma saída errada na autoestrada e se vê numa zona do Bronx também controlada por traficantes. Ele e a mulher são acossados por dois jovens negros. Tentando escapar, McCoy atropela e mata um deles. Seu mundo começa a desabar.

Nessa época, eu vivia indo a Nova York a trabalho e sabia que deveria ficar longe do Bronx. O que era fácil, porque não tinha nada a fazer lá. Mas havia lugares que me interessavam, como o East Village entre a Primeira Avenida e o rio — as avenidas chamadas A, B, C e D —, das quais fui aconselhado a manter distância, se quisesse continuar vivo. E, poucos anos antes, Jules Feiffer escrevera uma peça de teatro, "Pequenos Assassinatos", sobre os franco-atiradores nas ruas de Manhattan.

Mas Nova York superou tudo isso. O Bronx, hoje, é família. O East Village está cheio de botequins espertos. E Jules Feiffer pode andar sossegado pelas ruas — embora eu não creia que ele passeie pelo Central Park de madrugada.

Por tudo isso, os jornais americanos têm seus parâmetros com que avaliar a violência. O "New York Times", por exemplo, está encantado com o Rio: "É a cidade perigosa com a maior sensação de segurança que você verá na vida". E o "Chicago Tribune": "Em matéria de segurança na Rio-2016, o verdadeiro crime foi a histeria da mídia".

Temer nos EUA - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 12/08

Além da inquestionável guinada em relação ao regime moribundo de Nicolás Maduro na Venezuela, a política externa brasileira age determinantemente na outra ponta, garantindo a reaproximação efetiva do Brasil com os Estados Unidos, maior parceiro em investimentos, o segundo maior em comércio (o primeiro é a China) e um mar de oportunidades na área de ciência e tecnologia.

É nesse ambiente que o novo embaixador do Brasil, Sérgio Amaral, vai chegar no fim deste mês a Washington e já arregaça as mangas para preparar encontros bilaterais em paralelo para o presidente Michel Temer, que irá a Nova York para a abertura anual da ONU, em 20 de setembro. A primeira viagem internacional de Temer como presidente efetivo (como o Planalto espera e as circunstâncias indicam) será no dia 4 à China, para o G-20. A segunda aos EUA, para a ONU.

Horas depois de ser sabatinado pelo Senado para o cargo – o mais desejado por dez entre dez diplomatas ao redor do mundo –, Sérgio Amaral relatou à coluna que vem tendo contatos de trabalho com embaixadores estrangeiros em Brasília e com ministros de Temer. Foram três encontros com a embaixadora americana Liliane Ayalde, que está de saída do cargo. Um deles, de cunho social, foi num sábado de julho, na bucólica Pirenópolis, a duas horas de Brasília, com a presença do secretário geral do Itamaraty, Marcos Galvão. “Tudo na minha vida começa em Pirenópolis”, disse Amaral, que tem casa na cidade goiana. As orelhas de Maduro devem ter ardido muito.

São 50 iniciativas na pauta Brasil-EUA, “algumas muito devagar, outras que nem andaram”, disse Amaral. O que ele não diz, porque diplomatas não são chegados a confrontos diretos, é que esse ritmo de tartaruga se deve a um erro dos EUA, flagrados grampeando até mesmo telefones da presidente Dilma Rousseff, agora afastada, e a um erro crasso de política externa na era PT: a predominância de crenças ideológicas sobre interesses pragmáticos do País.

“Nós vamos avançar, e muito”, promete Amaral, citando três temas que já ganharam velocidade: 1) o comércio de carne in natura foi destravado; 2) o “Global Entry”, que vai facilitar vistos para visitantes frequentes, particularmente empresários, deve sair logo (durante a ida de Temer aos EUA?); e 3) um bloco de medidas para facilitação de comércio bilateral.

“Podem ser concluídos rapidamente, com a importante sinalização de que as coisas estão andando”, diz o novo embaixador em Washington, que ontem se encontrou com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e já teve várias conversas com outros ministros. Com Moreira Franco, da infraestrutura, discutiu mudanças no marco regulatório para tornar o País mais atrativo a investimentos estrangeiros. Com Fernando Bezerra Filho, de Minas e Energia, repassou frentes comuns na área da energia convencional e não convencional. Com Ricardo Barros, da Saúde, informou-se sobre o acordo, já selado no final de Dilma, para produzir vacinas contra a dengue.

A intenção do novo embaixador é “mapear o terreno, para destacar as prioridades e dar foco ao fundamental nesse processo de aproximação”, que é carro-chefe da política externa de Temer e José Serra, considerando a obviedade de que os EUA são a maioria potência mundial. Detalhe: apesar disso, o Itamaraty do PT criou montes de postos e vagas por aí afora, mas fez o oposto na embaixada em Washington. O número de diplomatas caiu de 23 para 17. Vá-se entender...

Temer e capital. Foi difícil convencer Meirelles de que retirar o veto ao aumento de salários era essencial para aprovar a renegociação da dívida dos Estados no Congresso e, além disso, não mudaria nada, porque o veto já existe. Tarde da noite, Geddel Vieira Lima apelou: “Então, Meirelles, vai lá com seu charme todo e aprova no Congresso!”. O ministro da Fazenda jogou a toalha.

Golpe ou fracasso? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 12/08

Até compreendo a insistência do PT em qualificar como golpe o impeachment de Dilma Rousseff. A alternativa a esse discurso, por mais deslocado da realidade que seja, seria admitir que o partido fracassou em sua tentativa de governar o país. Dilma, afinal, recebeu de seu antecessor o que ela mesma definiu como uma herança bendita e entregou a pior recessão da história do Brasil.

A versão petista de que fomos vítimas da crise internacional não resiste a uma comparação com o desempenho de outros países emergentes. As dificuldades econômicas, contudo, teriam sido em princípio contornáveis, se a presidente tivesse sido capaz de convencer seu partido e a coalizão que ela liderava da necessidade de reformas. Dilma, porém, não só não conseguiu fazê-lo (tentou timidamente com Joaquim Levy) como ainda realizou a proeza de colocar mais de 2/3 do Legislativo contra si.

Registre-se que não estamos falando de parlamentares que sempre foram hostis ao PT e jamais lhe deram uma chance de governar. Ao contrário, mais da metade dos deputados e agora senadores que votam pelo impeachment compuseram a base de sustentação do governo.

Evidentemente, um presidente que conte com a oposição ativa de 2/3 do Parlamento não tem muitas condições políticas para exercer o cargo. O bom e velho PT, pelo qual em outros tempos eu cheguei a nutrir simpatias, não tinha nenhum problema em reconhecer que o impeachment é um processo essencialmente político e que como tal deve ser usado. Ao qualificá-lo agora como golpe, o partido não chega a resolver seu presente e trai seu passado.

Para o futuro, que é o que importa, o PT deveria em algum momento fazer o que a esquerda antigamente chamava de autocrítica e reconhecer os muitos erros do governo Dilma, substituindo a fraca narrativa do golpe por uma visão econômica um pouco mais consistente.


Parecer frouxo e ser frouxo - CELSO MING

ESTADÃO - 12/08

Temer e Meirelles negam que o essencial do acordo fiscal com os Estados tenha mudado, mas essa não é a impressão que se passa



Quando ditador de Portugal, Antônio de Oliveira Salazar produziu uma frase que ficou famosa: “Em política, o que parece é”. Contém uma verdade que poderia ser incluída em qualquer tratado de teoria política.

E é essa verdade que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ignora quando vem repetindo que o governo Temer não afrouxou na negociação do acordo fiscal com os governadores.

O projeto de lei prevê o alongamento do passivo dos Estados com o governo federal por 20 anos, que deve proporcionar alívio imediato do caixa dos Tesouros estaduais de aproximadamente R$ 50 bilhões.

Entre as contrapartidas mais importantes exigidas dos Estados pelo governo estavam duas. A primeira é a de que, nos próximos dois anos, as despesas não podem crescer mais do que a inflação do ano anterior. E a segunda: os Estados ficam proibidos de reajustar os salários dos servidores públicos nos próximos dois anos.

Meirelles levou alguns dias advertindo que essas exigências eram imprescindíveis e inegociáveis. Na semana passada, pressionado pelos políticos, o governo recuou e a proibição do reajuste dos servidores públicos foi retirada do projeto. Também não foi incluída a proposta defendida por Meirelles, de suspender todos os concursos públicos para contratação de pessoal nos Estados, mas essa não chegou a ser uma capitulação à pressão dos governadores, porque não chegou a ser sacramentada no acordo.

Depois, cobrado por empresários e por analistas econômicos, Meirelles se esqueceu do que dissera anteriormente e passou a afirmar que a concessão feita não é relevante e que o essencial do acordo com os governadores foi preservado. Nesta quinta-feira, o presidente em exercício Michel Temer entendeu que devesse repetir o refrão. Lembrou que a Constituição (artigo 169) já impõe que os reajustes dos salários dos servidores só se façam quando houver arrecadação para isso e que a Lei de Responsabilidade Fiscal já determina que, no setor público, as despesas com pessoal não podem exceder os 60% da despesa total. Por isso, argumentou Temer, incluir essas exigências na lei do acordo seria redundante e, portanto, dispensável.

A essas alegações podem ser feitas três observações. Primeira, embora impostas pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, essas determinações sobre o reajuste dos servidores não vinham sendo observadas sem que os governadores fossem cobrados por essas infrações. Se essa tolerância fica sacramentada por novas concessões do governo federal, fica ainda mais difícil exigir a observância dessas disposições pelos Estados.

Segunda: se eram exigências redundantes e dispensáveis, por que, então, Meirelles bateu tão veementemente no seu tambor que eram indispensáveis e inegociáveis?

E terceira: chame-se de concessão ou do quer que seja, o recuo do governo é forte precedente, é uma demonstração de fraqueza política que pode ser explorada em novas situações. Se isso se confirmar, sabe-se lá para onde irá o ajuste fiscal, sem o que tanta coisa se perderá.

E, decididamente, se é verdade que o essencial do acordo foi mantido, como asseguram Temer e Meirelles, falta parecer que seja. Em política, o que não parece também não é. E, como tal, tem consequência.

CONFIRA:




Esta é a evolução (e as projeções) que a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) aponta para a produção de petróleo e gás no Brasil.

Recuperação

Em box no seu relatório mensal divulgado nesta quinta-feira, a IEA observa que a Petrobrás desde maio está em plena recuperação, depois de uma grave crise produzida pelos escândalos de corrupção. Observa que o governo começa a abrir o mercado para acelerar a produção. E prevê que, em 2017, a produção ficará em 2,88 milhões de barris diários enquanto o consumo interno, em 3,11 milhões.

Parte da solução ou do problema? - JOSÉ PAULO KUPFER

O GLOBO - 12/08

Menos pelo que possa ser desfigurado pelo Congresso do que pela frustração da teoria na prática, sugere-se cautela com o êxito do ajuste fiscal


Odiagnóstico predominante segundo o qual a correção dos evidentes desequilíbrios fiscais na economia brasileira promoveria a retomada de um novo ciclo de crescimento acelerado e sustentado se vale de uma construção conceitual muita em voga desde a grande crise global de 2008, mas nem por isso isenta de controvérsias. A ideia da “contração expansionista” — ou seja, que é possível promover expansão econômica a partir do corte de gastos públicos e da produção de superávits fiscais — é polêmica e motivo de acalorados debates entre economistas mundo afora.

Prevalece, entre os adeptos da teoria entre nós, a visão de que um corte de gastos públicos consistente, que resultasse em superávits primários idem e, em consequência, no estancamento da tendência de elevação da dívida pública, teria o condão de recuperar a confiança dos agentes econômicos, abrindo espaço para a redução dos juros e a retomada dos investimentos. A constatação de que a fórmula não tem conseguido tirar as economias maduras do atoleiro em que se encontram é rebatida pelo fato de que, diferentemente de lá, onde os juros estão no chão, aqui haveria espaço para reduzir os juros e estimular a demanda privada.

Esse é o experimento econômico que está em curso no Brasil desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, com os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, mas ganhou consistência e espaço político a partir de maio, no governo do presidente interino Michel Temer, sob o comando do ministro Henrique Meirelles. A expectativa é a de que ele seja aprofundado com a conclusão do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff e o fim da interinidade de Temer.

Se vai dar certo, porém, são outros quinhentos. Menos pelo que possa ser desfigurado no Congresso do que pela simples frustração da teoria na prática, sugere-se cautela em relação ao êxito do programa de ajuste fiscal. E se a teoria do ajuste expansionista não produzir a volta concreta da confiança, frustrando o impulso do investimento, como a redução dos juros, as desonerações das folhas de pagamento e isenções de tributos da chamada nova matriz econômica não produziram aumento da produção suficiente para manter os empregos e sustentar a demanda?

Para o economista Felipe Rezende, professor do Departamento de Economia do Hobart and William Smith Colleges, em Genebra, por exemplo, esse risco existe. A crise brasileira, segundo ele, não é de base fiscal, mas financeira. Em artigo recente publicado no jornal “Valor”, Rezende afirma que o mesmo quadro de deterioração da saúde financeira das empresas brasileiras, que teria determinado o fracasso da nova matriz e o aprofundamento da crise econômica, pode também reduzir ou mesmo anular os efeitos esperados do programa de ajuste fiscal anunciado pelo governo. “As empresas têm agora de pagar as dívidas e recompor seus balanços — num contexto em que o retorno sobre os seus ativos, assim como o lucro líquido, sofreram uma forte queda de mais de 50% entre 2010 e 2014”, escreveu ele.

Levantamentos do Centro de Estudos do Instituto Ibmec (Cemec), coordenados pelo economista Carlos Antonio Rocca, já haviam apontado uma vedação prática à decisão de investir entre as empresas do setor privado, diante da combinação adversa de queda nos lucros e custos de financiamento acima da taxa de retorno dos investimentos. Novas pesquisas levaram Rocca a concluir que a “desalavancagem” das empresas brasileiras ainda está longe do fim. Num grupo de 300 empresas de capital aberto agora analisadas, metade não tem geração de caixa suficiente para cobrir custos financeiros e 40% precisariam de cinco anos de faturamento para liquidar suas dívidas. Não é por outra razão que o número de pedidos de recuperação judicial mais do que dobrou de 2013 para cá.

Há, para resumir, uma crise fiscal, mas, antes dela, existe uma crise de solvência no setor privado. Assim, o ajuste fiscal, que é parte da solução, dependendo de como seja executado, pode vir a ser um fator de agravamento de um generalizado problema financeiro.

José Paulo Kupfer é jornalista

Rombo de julho - MÍRIAM LEITÃO

O Globo 12/08

Contas públicas tiveram um forte rombo em julho. O governo anunciará no fim de agosto que o déficit primário de julho cresceu muito em relação ao mês anterior. As contas não estão encerradas, mas devem fechar com um dado negativo entre R$ 16 bilhões e R$ 18 bilhões, mais do que o dobro do número de junho. Em parte, porque a conta de subsídios ficou em R$ 9,4 bilhões, com os financiamentos a juros baixos concedidos a empresários e agricultores.

Apesar de mais esse dado ruim, o governo diz que continua comprometido com a meta de R$ 170,5 bilhões de déficit este ano. Nos meses de maio e junho, houve forte frustração de receita — R$ 8,8 bilhões — e houve também aumentos inesperados de despesa, como o gasto com o estado do Rio. Já em julho, não houve frustração de receita; ela ficou dentro do esperado, só que continua em tendência declinante.

O déficit primário será alto em julho em grande parte pela conta de subsídios aos empresários através dos programas do BNDES (PSI) e do Banco do Brasil (Plano Safra), que pela lei tem que ser paga a cada semestre, em julho e dezembro. Como sabem todos os que acompanham as sessões do impeachment no Congresso, não dá para deixar de quitar esses valores com os bancos públicos. No caso do BNDES, são subsídios concedidos pelo governo Dilma, no caso do Plano Safra, são benefícios que existem há décadas aos empresários do agronegócio.

Apesar do mar vermelho de julho, os técnicos do governo dizem que a meta será cumprida. Se houver risco isso ficará claro nos próximos dois relatórios fiscais bimestrais e, então, o governo vai contingenciar o gasto para evitar o estouro desse limite.

Nos últimos dias começou a se espalhar a impressão de que o governo pode estourar a meta fiscal e que fez concessões demais aos estados. Fontes do Ministério da Fazenda negam que a meta vá ser superada e admitem que o contingenciamento não é o ideal, mas será usado se houver esse risco. Quanto aos estados, admitem que o ideal seria que tivesse sido aprovado o congelamento do salário dos servidores. Alguns governadores pediram que esse mecanismo fosse incluído para que tivessem mais força para resistir às pressões em seus estados. O problema é que, na hora da votação, os governadores não se mobilizaram.

— Poucos vieram a Brasília e só a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, se mobilizou mais fortemente para tentar convencer os parlamentares. Ao fim, esse inciso foi retirado. Porém, como 60% dos gastos são com pessoal, o teto (que limita o aumento da despesa à inflação do ano anterior) acaba, indiretamente, controlando os salários também — disse uma dessas fontes.

Além disso, os estados têm um controle extra sobre suas contas através dos PAFs (Programa de Ajuste Fiscal) que cada estado tem com o Tesouro. Esse pode ser o instrumento de maior controle sobre o crescimento das despesas. A preocupação em Brasília é que os estados aproveitem o benefício — mais 20 anos de prazo para a dívida e dois anos de abatimento nas prestações mensais — para regularizar o pagamento em 2018.

O governo diz que a exigência de teto para o crescimento das despesas que ele faz aos estados é a mesma que faz para si próprio.

— Havia uma impressão de que a PEC do teto de gastos fosse fraca, mas agora, que ela começou a tramitar, as reclamações estão ficando cada vez mais fortes porque as pessoas passaram a entender que a emenda vai realmente disciplinar as despesas. Teremos que trabalhar duramente no convencimento dos parlamentares sobre a importância dessa medida — diz um integrante do governo.

O governo sabe que até agora teve o benefício da dúvida que recebe toda administração que começa. E essa começou de forma provisória. Hoje o governo Temer completa três meses e tem a chance real de permanecer após o julgamento do impeachment da presidente. As cobranças serão maiores.

A crise fiscal é muito séria, como mostra o mês de julho. Ele não surpreendeu negativamente na arrecadação. O governo teve uma receita próxima da que havia previsto, mas os dados continuam sendo de queda em relação ao ano passado, que já era recessivo. Os compromissos assumidos pelo governo anterior, como os subsídios aos empresários, e a sempre crescente despesa previdenciária, tornam difícil a tarefa de equilibrar as contas públicas. Tudo isso pesou em julho.


Falta de pressa com o telhado - FERNANDO DANTAS

ESTADÃO - 12/08

Sociedade aproveitará os dias de sol tentar dar um jeito no telhado logo depois de uma violenta tempestade?


Há quem diga que, no Brasil, em vez de consertar o telhado nos dias do sol, a preferência é por ir à praia. Mas a grande questão atual pode ser formulada de uma maneira um pouco diferente: será que a sociedade brasileira, apesar de gostar tanto de praia, aproveitará os dias do sol para pelo menos tentar dar um jeito no telhado, logo depois que uma violenta tempestade fez enormes estragos?

Os “dias de sol” são a extrema liquidez do mercado financeiro internacional, que há vários meses vem fortalecendo moedas, bolsas e outros ativos financeiros de países emergentes. Há crescente tolerância em relação a desequilíbrios como os do Brasil. Quem transformou dólares em reais em 21 de janeiro deste ano, para comprar ações que correspondam ao índice Ibovespa, está auferindo hoje um ganho de quase 85% na moeda americana.

Sorte do Brasil, do presidente em exercício Michel Temer e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Eles estão ganhando o tempo necessário à estratégia gradualista de ajuste fiscal, que deixa as rédeas relativamente frouxas no curto prazo – permitindo atender clientelas importantes para consolidar o cacife político –, em troca de sinalizar com mudanças duras que devem melhorar as contas públicas no médio e longo prazos, como o teto para os gastos e a reforma da Previdência.

Só que muitos analistas temem que a complacência internacional esteja empurrando o Brasil na direção de um gradualismo excessivo. Nas contas de Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora de recursos JGP, a dívida pública bruta deve chegar em alguns anos a 90% do PIB e o Brasil só voltará a ter superávits primários (isto é, descontando os juros) após 2020.

“No momento, o mundo está mandando um sinal que está de acordo com essa trajetória”, diz. O problema, porém, é que os apetites do investidor internacional são volúveis.

Rocha nota que, nos últimos dez anos, a diferença entre o juro real de um ano americano e o equivalente brasileiro quase sempre ficou acima de cinco pontos porcentuais. A exceção foi um período entre 2011 a 2013, em que o Banco Central tentou baixar os juros “na marra”, estratégia que redundou em fracasso. Hoje, o juro real dos EUA de um ano é negativo em 1%, o que até permitiria em teoria que o juro real brasileiro caísse gradualmente até 4% (está acima de 7%), mantendo os cinco pontos porcentuais de diferença ante o americano que Rocha considera um certo piso (sem baixar juros na marra), dado o retrospecto histórico.

Se dentro de alguns anos a política monetária americana se normalizar, porém, o juro real do país pode ir para 1%, o que equivaleria a um piso de 6% para o Brasil – nível perigoso para a trajetória da dívida pública brasileira. Em outras palavras, se há um momento propício para estancar o ciclo vicioso pelo qual o juro real é alto por causa (em parte) do risco da dívida pública e a dívida sobe por causa do juro real, este seria agora. Por causa das taxas negativas americanas e no mundo rico, o Brasil poderia praticar juros reais mais baixos se rapidamente resolvesse o problema fiscal, reduzindo o risco que se reflete em taxas mais altas. Com juro real menor, a trajetória da dívida também melhoraria, o que poderia ajudar a derrubá-los ainda mais, mudando o círculo de vicioso para virtuoso.

Mas é exatamente a grande liquidez internacional, que leva aos juros negativos e à maior complacência internacional, que também impele o Executivo e o Legislativo no Brasil na direção de maior gradualismo. O perigo, como resume Rocha, é que “quando a coisa virar”, isto é, quando o juro real americano se mover para território positivo, “o Brasil pode ser pego ainda com dívida alta, e com o superávit primário próximo de zero”. E o telhado estaria muito mal preparado para a próxima tempestade.


Em guerra - MERVAL PEREIRA

O Globo - 12/08

Ataque à Força Nacional mostra situação de guerra no Rio. A explicação mais plausível para o ataque ao carro da Força Nacional que resultou no ferimento grave de um dos soldados é também a confirmação da situação de guerra que estamos vivendo no Rio de Janeiro. Os membros da Força Nacional, por serem de outros estados e não conhecerem o Rio, seguiram a orientação de um aplicativo e entraram por engano na Vila do João.

Acidentes como esse já aconteceram em outras ocasiões, sempre com resultados desastrosos, e só revelam uma coisa: existem territórios na cidade do Rio de Janeiro onde a lei é ditada pelos traficantes, e onde as instituições oficiais não entram.

Esse é o dado mais alarmante da situação. Depois de ações das Forças Armadas de retomada de territórios, e da implantação do programa de Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, cujo objetivo era justamente não deixar que bandidos dominassem áreas da cidade, estamos diante da explicitação do fracasso dessa política, que inicialmente foi vitoriosa e parecia ser uma solução viável para a nossa Segurança Pública.

De nada adianta fazer incursões pelas chamadas comunidades para prender os autores dos disparos contra a Força Nacional, pois o que é preciso retomar é uma política de Segurança que impeça os traficantes e milicianos de dominarem áreas da cidade.

A ideia de que a venda de drogas não é a prioridade das ações de Segurança, mas, sim, a liberação de territórios do domínio de gangues, está correta em tese, mas só se o controle territorial for continuado e a bandidagem for mantida sob controle, sem exibições de armas nem tentativas de ditar as regras dos locais em que atuam.

O triste dessa história é que a cada dia se revela que os bandidos simplesmente perderam o respeito até mesmo pelas Forças Armadas, e já não têm medo de atuar numa cidade que está super policiada. Estávamos acostumados a que, nos grandes eventos, a criminalidade ficasse sob controle, mas não é o que estamos vendo nesta Olimpíada.

Já antes mesmo de seu começo, quando as primeiras levas de soldados chegavam à cidade, bandidos fizeram arrastões no Túnel Rebouças, e temos notícias esparsas de arrastões acontecendo nas principais vias de acesso à cidade, mesmo com o policiamento reforçado.

O mais perigoso é que, com a crise econômica, nós sabemos, e os bandidos, também, que a polícia não tem dinheiro nem para a gasolina, e que os policiais não têm equipamentos adequados para sua missão. Essa situação estimula a ação dos bandidos, reforçando a sensação de impunidade.

Os pedidos para que as tropas das Forças Armadas permaneçam na cidade até as eleições municipais de outubro ganham força com os recentes casos, de que a escolta armada que passará a acompanhar os ônibus que transportam os jornalistas estrangeiros, alvos de ataques recentes, e os tiroteios noturnos em diversas comunidades, que certamente são ouvidos pelos estrangeiros, são apenas sinais de que estamos vivendo em uma cidade em guerra civil, às vezes camuflada, outras declarada.

O pior sintoma de que estamos nos acostumando com situações que apenas ocorrem em locais em guerra é a explicação para uma bala perdida ou para um ataque a um ônibus.

Atacar um drone que passou por cima da comunidade por não querer ser espionado é uma atitude de guerra de quem tem o controle daquela área. Atirar pedras — se não foram balas — em um ônibus identificado como da Rio 2016 pode ser um protesto por uma desapropriação malfeita, mas é uma atitude de guerra, assim como queimar ônibus em protestos contra a inação da autoridade pública.

É preciso dar uma atenção muito maior do que a dada até agora para que a situação não fique fora de controle, como parece estar em alguns momentos.


GOSTOSAS DO TEMPO ANTIGO



Em todas as vezes, o fogo - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 12/08

O comando do crime organizado está nas cadeias e o esforço policial, nas ruas



É arriscado funcionar como um detector de fumaça num momento de alegria e emoção que envolve o País. Mas há fogo intenso na Amazônia, que vive uma seca brava. E houve muito fogo no Rio Grande do Norte, com ônibus e instalações sumindo nas labaredas.

No caso da Amazônia, já tivemos condições de conter o crescimento de incêndios. Depende também de um esforço coordenado do governo. E ele deveria examinar onde falhou. Já o episódio do Rio Grande do Norte, com mais de cem ataques e a presença da Força Nacional, é um sintoma de que, na crise do sistema penitenciário, continuamos sem saída, apenas empurrando com a barriga.

Já é difícil falar do sistema penitenciário em tempos normais. No auge de uma Olimpíada, os incêndios no Nordeste parecem ser num outro país. As atenções estão voltadas para a Olimpíada, a própria imprensa está concentrada nos Jogos, como todo o aparato de segurança. No entanto, os incêndios revelam um padrão inquietante. Nasceram de ordens das cadeias, tal como no Rio, em São Paulo, Santa Catarina, Maranhão.

Todos sabem que o sistema penitenciário está em crise. E agora percebem que grande parte dos líderes do crime organizado opera de dentro das cadeias. Existe uma espécie de ilusão nacional de que, uma vez condenando e prendendo as pessoas, tudo está resolvido. A sociedade não se interessa por presídios, os juízes cuidam de novas sentenças, os advogados se afastam gradativamente. E a polícia lava as mãos, satisfeita.

Claro que os presídios precisam melhorar, mas mesmo quando estiverem melhores é ingenuidade supor que os presos não continuem a cometer crimes dentro da cadeia. A Inglaterra, por exemplo, desenvolveu inúmeros trabalhos de inteligência e prevenção dentro de presídios. Estamos no estágio ainda de bloquear ou não celulares. Mas não há inteligência nem cuidados preventivos.

Num momento como este, de quebradeira, parece um luxo falar em investir em prevenção do crime dentro das cadeias. Mas os motins quase sempre terminam com destruição de equipamentos e instalações. E nos incêndios nas ruas, com prejuízos para todos. Compreendo que todos estivessem focados na Olimpíada. Mas os deputados estavam à toda. Já nem se movem mais para conflitos e presídios, talvez com medo de ficar por lá.

Se houvesse um sistema nacional de relatórios diários sobre as principais cadeias e um grupo analisando esses dados, creio que parte dos motins seria evitável. Às vezes acontecem depois de um prolongado período de reclamações sobre comida estragada. Os funcionários de presídios não precisariam escrever, apenas responder a um amplo questionário.

No caso do Rio Grande do Norte, às vésperas do bloqueio dos celulares, seria possível aconselhar a monitorá-los um pouco, traçar um quadro de suas conexões. Reconheço que falar é fácil depois que acontece. Mas com um sistema de vigilância de pé, quando acontece é possível ao menos uma referência para a crítica.

Em vários Estados o processo suplantou a polícia local, foi preciso a intervenção da Força Nacional e do Exército, isso num momento em que está tudo orientado para a segurança da Olimpíada.

Embora nunca se divulguem as cifras com clareza – mesmo porque ninguém pergunta –, esses movimentos são caros. Em termos puramente econômicos, o crime liderado por presidiários nos impõe pesadas perdas. São coisas que, calculando na ponta do lápis, mesmo abstraindo os fatores humanos, acabam sendo muito mais custosas para o País do que enfrentamento direto do problema, ainda que investindo algum dinheiro.

Leio no belo livro Brasil, uma Biografia, de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, que os portugueses pouco se importavam com a situação dos escravos que transportavam. Perdiam 10% de sua carga humana, o que era considerado pelos franceses como um índice de epidemia. Pensei: se os portugueses investissem um pouco mais na alimentação dos escravos, talvez conseguissem um melhor resultado econômico. E, sobretudo, poupariam muitas vidas.

Empurrar com a barriga, recusar-se a enfrentar uma reforma, não é a melhor tática. Perdemos vidas, dinheiro.

Criar condições dignas de prisão é apenas um dos caminhos. Depende de recursos, reorganização geral. Há muita gente nas cadeias e muita gente com mandato de prisão nas ruas. Na velha lógica da gafieira, quem está dentro não sai, quem está fora não entra, dificilmente vamos encontrar o equilíbrio.

Mas é preciso ir um pouco além. O comando do crime organizado está em grande parte nas cadeias. O esforço policial, pelo menos teoricamente, está concentrado nas ruas.

O episódio do Rio Grande do Norte foi engolido pela Olimpíada. Revoltas semelhantes também foram esquecidas. No momento, não vejo o governo tentando ligar as pontas, compreender a dimensão nacional do problema. Ele espera que alguma coisa estoure nos Estados e vai socorrer quando as coisas escapam ao controle da polícia. Parece que ministros da Justiça ignoram a realidade das cadeias.

Outro dia, pesquisando sobre violência em Paraty, constatei que as facções criminosas na pequena cidade histórica foram organizadas por gente que passou por presídios do Rio e, ao voltar à liberdade, dividiu as regiões de influência e criou suas facções criminosas. Eles aprenderam na cadeia. Assim os vários presídios estão aprendendo uns com os outros e aterrorizando as ruas. Mas o que é que o governo aprendeu? É hora de compreender a violência urbana não só nas ruas, mas em suas articulações com um sistema penitenciário em crise.

A longa crise política dificultou o debate. Os ministros da Justiça eram escolhidos para defender um governo cambaleante. O atual está concentrado na Olimpíada, falando de terroristas e redes sociais. Quando tudo isso passar e ele examinar bem o que aconteceu no Rio Grande do Norte e compreender o susto que passamos, pode tomar alguma iniciativa. Será um legado indireto da Olimpíada.

Recuos temerários - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 12/08

Temer parece ter esgotado prazo inicial de carência com que contava. Tudo indica que está consciente dessa dificuldade



Desde que assumiu a Presidência da República, há 90 dias, Michel Temer tem sido criticado pela complacência com que vem acomodando iniciativas na contramão do esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário. De início, não faltava quem estivesse pronto a atribuir sua suposta falta de firmeza à interinidade do seu mandato. E até quem louvasse a forma pragmática com que ele sabia evitar confrontos com o Congresso. Mas, a esta altura, a racionalização da sua complacência vem se tornando cada vez mais difícil.

Entre os que conseguem perceber com nitidez as reais proporções da crise fiscal que enfrenta o país, Temer já parece ter esgotado o prazo inicial de carência com que contava. Tudo indica que o próprio presidente está plenamente consciente dessa dificuldade. E não esconde suas preocupações com a perda de credibilidade que poderá ter de enfrentar. A melhor evidência disso é o estranho artigo, em tom defensivo, que Temer publicou no “Estado de S.Paulo” de 9 de agosto, sob o título “A democracia” .

O que aflige o presidente, no artigo, é que seu governo esteja sendo acusado de ter recuado na renegociação das dívidas dos estados com a União. Sua linha de defesa é lamentar a “vocação centralizadora e autoritária” da cultura política brasileira, que estaria por trás da presunção equivocada de que, “ao mandar projeto ao Legislativo e ajustar seus termos”, o governo estaria recuando.

O presidente sugere que não mostrar flexibilidade seria próprio do autoritarismo, da falta de diálogo e de democracia. Afirma que gestos autoritários são incompatíveis com sua formação democrática. Que sua escolha já foi feita. E que cabe aos que criticam o governo, com alusões a “recuos”, escolher a via do autoritarismo.

Tendo se permitido desabafo tão descabido, é importante que o presidente seja capaz de se livrar da postura defensiva e equivocada a que se agarrou no artigo, para que possa entender com clareza a gravidade do processo de desestruturação que voltou a se abater sobre o federalismo fiscal brasileiro.

Só assim poderá perceber que a reversão desse processo deverá exigir da esfera federal postura bem mais firme do que a que seu governo parece disposto a assumir. E que tal postura nada tem a ver com autoritarismo. É tão somente a chave para a mobilização das forças democráticas do país para a penosa tarefa de reconstrução do federalismo fiscal brasileiro.

A firmeza que voltou a ser necessária é a mesma que possibilitou o notável esforço de ordenamento do federalismo fiscal no país que, a partir da segunda metade dos anos 90, redundou na renegociação das dívidas dos estados e na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000.

Lamentavelmente, boa parte dos resultados deste esforço desapareceu na esteira da demolição institucional perpetrada pelas autoridades fazendárias do segundo governo Lula e do governo Dilma. E o que sobrou está sendo agora submetido ao teste de estresse da queda de arrecadação, imposto pela colossal recessão em que a economia brasileira foi metida.

Para que tivessem condições de conduzir a contenção de gastos que se espera, governadores e secretários de Fazenda dos estados precisariam contar com a ajuda de restrições legais e contratuais adequadas que, supostamente, seriam impostas pela esfera federal ao longo do processo de renegociação das dívidas estaduais com a União. Sem isso, lhes será muito difícil enfrentar, nos estados, as pressões políticas das corporações de funcionários públicos dos Três Poderes e dos demais lobbies que, incansavelmente, se batem pela expansão de gastos.

Goste ou não o governo, fechar uma generosa renegociação das dívidas dos estados, concedendo-lhes mais 20 anos de prazo para pagamento, sem conseguir lhes impor tais restrições, será visto como mais uma demonstração de temerária complacência na condução da política fiscal, fadada a lançar sérias dúvidas sobre o avanço da pesada agenda de reformas que o país tem pela frente.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

Crime sem castigo - ANTONIO PEDRO PELLEGRINO

O GLOBO - 12/08

Foro por prerrogativa de função merece ser abolido de nossa Constituição


Recentemente, o STF aceitou denúncia contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), pela suposta prática do crime de incitação ao estupro, em razão de ter dito, no plenário da Câmara dos Deputados e em entrevista para um jornal, que a também deputada Maria do Rosário (PT-RS) não mereceria ser estuprada, já que seria muito feia. O parlamentar, com as suas palavras, conseguiu duas façanhas: a primeira foi modificar o entendimento de uma das turmas do Supremo a respeito do alcance da imunidade dos parlamentares por suas palavras e opiniões, que outrora, quando proferidas “on the floor of the House”, era considerada absoluta; a segunda foi a união da dividida sociedade brasileira, mesmo que por um átimo de segundo, já que desde freudianos e lacanianos, passando por anarquistas e burocratas, todos condenaram a manifestação do deputado.

A decisão do Supremo talvez sirva de pontapé inicial para um amplo debate sobre as prerrogativas (ou seriam privilégios?) que a nossa Constituição outorgou aos parlamentares. Focarei em duas: a inviolabilidade dos parlamentares quanto às palavras, votos e opiniões, também conhecida como imunidade material, e o foro por prerrogativa de função, ou, como preferem alguns, o foro privilegiado.

A imunidade material tem por objetivo assegurar o bom exercício do mandato parlamentar, sendo, sob essa perspectiva, muito mais uma prerrogativa do que um privilégio. Ela significa que os parlamentares não serão repreendidos, na esfera cível ou penal, por suas palavras e opiniões.

Sem dúvida, a imunidade material tem que existir. Contudo, o problema é que o STF se utilizava de um critério espacial, importado dos Estados Unidos, que não faz muito sentido, segundo o qual tudo o que for proferido sobre o “chão” da Casa Legislativa, mais especificamente no plenário, é protegido pela imunidade, pouco importando o teor do que foi dito. Agora, com sua recente decisão, o Supremo colocou os pingos nos is: fora ou dentro do plenário, pouco importa, para fazer jus à imunidade, a manifestação deve guardar pertinência com a atividade política.

Quanto ao foro por prerrogativa de função, esse, sim, merece ser abolido de nossa Constituição. Aqui o privilégio se impõe sobre a prerrogativa. O ministro Roberto Barroso, em recente artigo, colocou o dedo na ferida: o prazo médio para recebimento de denúncia pelo STF é de 617 dias, ao passo que um juiz de primeira instância demora, como regra, menos de uma semana. Não que os ministros sejam lentos, mas é que o Supremo não foi concebido para funcionar como uma vara criminal.

Em suma, o que parece é que alguns, com a defesa intransigente das prerrogativas de deputados e senadores, querem voltar à França do século XVIII, quando quem pusesse a mão nos parlamentares era considerado traidor, infame e digno de morte. Nada mais absurdo.

Antonio Pedro Pellegrino é advogado

O ministro que não se contém - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP -12/08

Michel Temer atrasou o relógio da história em quatro décadas ao nomear um ministério sem nenhuma mulher. Agora o titular da Saúde, Ricardo Barros, mostrou que está em sintonia com o chefe. Ele declarou que os homens vão menos ao médico porque "trabalham mais".

A afirmação é desmentida por dados oficiais. Segundo o IBGE, as mulheres trabalham quatro horas a mais por semana, somando o tempo que dedicam às atividades domésticas. O ministro nem precisava saber disso para evitar o palpite infeliz. Bastava ler a pesquisa que ele mesmo divulgou. Nela, menos de 3% dos homens apontam o horário de funcionamento das unidades de saúde como razão para não frequentá-las.

Desde que virou ministro da Saúde, há três meses, o engenheiro Barros se destaca pelas declarações desastradas. Em maio, ele usou um argumento religioso para defender o uso da fosfoetanolamina, a "pílula do câncer", sem a realização de testes clínicos. "Se ela não tem efetividade, mas as pessoas acreditam que tem, a fé move montanhas", disse.

Depois o ministro defendeu que o governo inclua as igrejas nas discussões sobre o aborto. Padres e pastores têm o direito de pregar o que quiserem, mas não deveriam se meter nas políticas públicas de saúde.

A incontinência verbal evidencia o despreparo de Barros, mas não chega a ser o pior traço de sua gestão. O que mais preocupa é a forma como ele defende abertamente os interesses das seguradoras, setor que forneceu o maior doador de sua campanha a deputado em 2014.

O ministro já afirmou que não cabe ao governo fiscalizar a qualidade dos planos privados. Em outra ocasião, criticou o fato de milhões de pacientes recorrerem à Justiça para receber atendimento médico.

Agora Barros quer criar um tipo de plano de saúde "popular", com cobertura menor do que o mínimo exigido hoje pela ANS. Não é preciso ter diploma de medicina para saber quem vai lucrar com a ideia.


Lula quer mais do mesmo - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 12/08

Lula, pragmático como sempre, já entregou os pontos em relação ao impeachment da pupila da qual é o criador arrependido. Considera “remota” a possibilidade de o afastamento definitivo de Dilma Rousseff não ser aprovado pelo Senado, segundo afirmou a senadores e deputados com os quais se reuniu na quarta-feira à noite em Brasília. Para o ex-presidente, o PT precisa se concentrar, daqui para a frente, em dois objetivos: preparar-se para ser novamente oposição e lutar pela preservação do legado do partido depois de 13 anos no poder.

Dilma Rousseff, efetivamente, já era. Pouco importa, portanto, saber se vai ou não divulgar a tal Carta aos Senadores e aos Brasileiros, na qual deposita suas últimas esperanças vãs de não perder o mandato de presidente da República. Tampouco se vai ou não excluir daquele documento o termo “golpe”, que foi aconselhada a abandonar para não ferir as suscetibilidades dos senadores que ela espera que revertam votos a seu favor no julgamento final. Nesse quadro patético, Dilma só poderá continuar contando com o apoio da brancaleônica tropa de choque de senadores – e senadoras, é claro – que têm usado e abusado em proveito próprio de cada segundo de valiosa exposição diante das câmeras de televisão, como também de seu fiel e eloquente advogado, que igualmente tem sabido aproveitar a preciosa oportunidade de se redimir, perante seus companheiros petistas, das acusações de ter sido um ministro da Justiça “frouxo” no controle da Operação Lava Jato. A Dilma, portanto, só resta decidir como passar a longa vilegiatura que terá à sua frente.

Já Lula da Silva parece disposto a seguir em frente, administrando como puder aqueles dois desafios impostos a seus seguidores. Um deles, o de voltar a fazer oposição, é mais fácil, porque corresponde à verdadeira vocação do lulopetismo. Manter vivo o legado do PT é um pouco mais complicado, até porque implica, para começar, chegar a um acordo sobre o que vale a pena trombetear como resultado positivo dos governos Lula e Dilma.

Os petistas jamais se preocuparam em ofender a inteligência e o discernimento dos eleitores. Essa é uma característica comum ao populismo, qualquer que seja. Por isso, não será problema, tanto para fazer oposição quanto para polir a imagem de 13 anos de poder, usar os velhos recursos de apregoar feitos extraordinários, não necessariamente verdadeiros, e de transferir para terceiros a responsabilidade pelo que não deu certo. E também, obviamente, prometer o que não têm intenção de, ou capacidade para, cumprir.

Um governo se julga pelos resultados concretos que apresenta, não por suas maravilhosas intenções. Diante do verdadeiro legado do lulopetismo com o qual o País terá que se haver agora – finanças públicas arrombadas, inflação, recessão, desemprego, corrupção generalizada no governo e em certos meios empresariais, etc. – não há margem, mesmo com muita boa vontade, para uma avaliação positiva de resultados. E não é por outra razão que o impeachment vem aí, apoiado pela existência de crimes de responsabilidade que representam, em última análise, o modus operandi de um governo arrogante e incompetente.

É óbvio que nos últimos 13 anos – descontados todos os exageros do marketing político – houve conquistas que fizeram o Brasil andar para a frente. Mas são avanços naturalmente resultantes de uma dinâmica social que, em boa parte, independe de governos. O que poderia ser um legado do qual se orgulhar – o resgate de milhões de brasileiros da pobreza e sua ascensão à classe média – provou-se, em grande parte, demagogia de efeito efêmero.

O mais desalentador, contudo, na perspectiva de ação definida por Lula para o futuro imediato de seu agonizante partido, é a inexistência de pelo menos um aceno em direção à urgente necessidade de se tentar um entendimento amplo, suprapartidário, capaz de favorecer o trabalho de tirar o País do buraco. Lula prefere continuar cultivando o ambiente em que se sente à vontade: de um lado, “nós”, de outro, “eles”. De novo.

OTÁRIOS!



Falta de integração fragiliza política de segurança - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/08

Organismos policiais do país precisam desenvolver um protocolo de colaboração, efetiva e permanente, entre todas as instâncias envolvidas na guerra contra a criminalidade


No papel, o legado da Copa de 2014 no âmbito da guerra contra a criminalidade, ao menos nas cidades-sede, seria notável. Havia a expectativa de que, por exemplo, a criação de Centros Integrados de Comando e Controle impulsionasse políticas de contenção da violência. Mas, na prática, a parafernália montada para assegurar a paz nas capitais beneficiadas pelas instalações, durante e após o Mundial, equivale a modernos computadores rodando antediluvianos softwares. Protocolo e plataformas da segurança pública do país não se conectam.

A máquina da segurança pública brasileira supostamente se aperfeiçoa, mas a operação desse organismo permanece desconectada da realidade. Episódios recentes, de ações de criminosos, ocorridos em regiões distantes geograficamente, são exemplos de que a guerra contra as quadrilhas do crime organizado se trava em condições distintas. Enquanto as facções, mesmo quando rivalizam entre si, mostram uma inequívoca comunhão de práticas, entre os organismos legais prevalece uma falta de integração que os fragiliza estruturalmente e desprotege a sociedade.

Os ataques de bandidos a ônibus em Natal obedecem à mesma tática terrorista já colocada em prática no Rio, em São Paulo, Florianópolis e outras capitais. Da mesma forma, tais atentados obedecem a uma estrutura de comando instalada em presídios. Quando asfixiados numa determinada região, os criminosos migram para áreas menos protegidas.

Por sua vez, a estrutura policial do Brasil segue adotando uma política de ações estanques. É impossível a polícia do Rio combater com eficiência o poder do tráfico de drogas nas favelas, ou cada estado fazer frente a demandas próprias sem que iniciativas que transcendem suas jurisdições sejam tomadas na fonte onde se desenrolam ações que os impactam.

O exemplo mais visível dessa desconexão é o tíbio controle de fronteiras, responsabilidade da União. O Brasil tem 27% de seu território delineados por divisas internacionais. É principalmente por esse imenso queijo suíço que chegam armas e drogas para abastecer quadrilhas do crime organizado que estão por trás da violência. Essa é uma questão antiga, mas jamais enfrentada com suficientes vontade política e eficiência.

Integrar o organismo de segurança do país constou do programa do primeiro governo Lula, mas interesses políticos desidrataram a ideia. A gravidade dessa leniência se traduz, por exemplo, em alertas como o do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, que externou ao GLOBO a preocupação de que o recente assassinato de um traficante brasileiro no Paraguai abra caminho para se abastecer o arsenal dos bandidos fluminenses com armas ainda mais pesadas. A inépcia dos controles fronteiriços lhe dá razão.

O Rio recebe agora mais um investimento maciço em homens e armas para a Olimpíada. É preciso assegurar que desta vez esse hardware rode programas compatíveis com as necessidades.

Os desafios por trás do câmbio - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 12/08

Enquanto o dólar em queda assusta empresários, preocupados com a perda de mercado no Brasil e no exterior, especialistas do setor financeiro discutem até onde poderá cair a moeda americana. Sobra dinheiro no mundo rico e enormes aplicações têm fluído para o Brasil, em busca principalmente de juros muito mais altos que os de outros países. A cotação, ontem, estava em R$ 3,14 às duas da tarde. Um mês antes pagavam-se R$ 3,31 por dólar comercial. Mas a desvalorização começou há mais tempo, depois de um longo período de alta. O valor subiu de R$ 3,48 há um ano para R$ 4,04 no começo de 2016 e se manteve em níveis satisfatórios para a indústria durante boa parte do primeiro semestre, facilitando as exportações de fábricas ainda em condições de atuar no mercado externo e encarecendo os produtos estrangeiros.

Com a mudança do quadro, executivos são forçados a enfrentar uma nova fase de insegurança. Como a evolução do câmbio é muito incerta, neste momento, é difícil calcular a formação de preços em moeda estrangeira e planejar os negócios no mercado externo. De toda forma, a atividade é empurrada para a frente, no dia a dia, mas com muitas dúvidas. Não se pode parar de repente, à espera de um cenário mais claro, mas o risco de erros e de perdas é considerável.

Levam-se em conta dois fatores na maior parte das discussões e de apostas sobre a evolução do câmbio. Um deles é a política monetária das maiores potências. Sobra dinheiro na Europa, os bancos centrais, tanto da Inglaterra quanto da zona do euro, despejam enormes volumes de moeda nos mercados para estimular os negócios. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) iniciou e interrompeu uma cautelosa alta de juros.

Não se sabe quando será o próximo aumento, mas poderá ocorrer em breve, se o emprego continuar em firme e rápida expansão. Quando vier o novo aumento, capitais serão desviados para os títulos americanos e sobrará menos dinheiro para os mercados emergentes.

O Brasil também será afetado, dizem especialistas, se as condições financeiras ficarem menos folgadas nos Estados Unidos e, de modo geral, nos países mais avançados. Mas ainda restará, é prudente admitir, um forte atrativo. As taxas de juros permanecerão muito acima dos níveis internacionais, ainda haverá estímulo a aplicações especulativas e ainda sobrarão dólares no País, com efeitos no câmbio.

Mas o problema, afinal, está no mercado de câmbio, nos juros ou em algum outro fator? Empresários brasileiros frequentemente se queixam do câmbio, como se as autoridades tivessem a obrigação de buscar níveis favoráveis à competitividade das empresas. Também se reclama dos juros, porque dificultam os negócios, encarecem os investimentos produtivos e, além disso, interferem na formação do câmbio.

Há alguma verdade em todas essas alegações, mas os fatos são mais complicados e alguns são geralmente esquecidos nas falas dos empresários.

Primeiro fato: os juros são altos porque a inflação brasileira é muito maior que a da maior parte dos mercados, tanto desenvolvidos quanto emergentes. Os aplicadores estrangeiros no Brasil podem ganhar esses juros sem sofrer as perdas causadas pela inflação, porque se limitam à aplicação de dinheiro.

Segundo fato: inflação mais alta que a de outros países também afeta o câmbio pela mera diferença da variação de preços dentro e fora do mercado nacional. Raramente, no entanto, algum empresário da indústria reclama da inflação, como se fosse assunto secundário.

Terceiro fato: pressões inflacionárias persistirão enquanto as contas públicas permanecerem seriamente desarranjadas. Para consertá-las será preciso tomar medidas duras e, em alguns casos, contrárias a interesses de empresas beneficiadas, por exemplo, por isenções fiscais e facilidades financeiras injustificáveis. Se o conserto avançar, as pressões inflacionárias diminuirão e o País terá juros mais civilizados. O capital estrangeiro ainda será atraído, mas pelas oportunidades de ganho na produção, e o Brasil será um país mais normal.


Incremento ao comércio - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 12/08

Em tempos de crise em ambos os lados da fronteira, Brasil e Argentina têm a chance única de usar o comércio bilateral como propulsor para a retomada do crescimento econômico. As dificuldades enfrentadas pelos dois países criam a possibilidade de maior aproximação para que suas economias possam ser aquecidas por meio do incremento das trocas comerciais. Uma medida urgente a ser adotada é a construção bilateral de uma cadeia produtiva compartilhada, o que certamente proporcionará uma oxigenação nos parques industriais brasileiro e argentino.

Essa produção compartilhada foi a estratégia encontrada por países asiáticos - todos eles participam da criação e confecção de um produto em suas diversas fases - para estimular o desenvolvimento econômico. O crescimento em outras regiões do mundo também se deu pela integração entre os vizinhos, caso da América do Norte e da Europa. Brasil e Argentina têm tudo para incrementar o comércio bilateral, principalmente depois da saída de cena de governos que não tinham uma visão econômica global, presos em suas posições políticas e ideológicas.

As duas nações sul-americanas precisam crescer com celeridade, formar um grande mercado ávido para consumir, e o comércio bilateral pode ser a chave para a retomada do desenvolvimento. Muitos apostam que o troca comercial entre elas seja a maneira mais fácil para a volta do crescimento, que também terá reflexos no aumento da produtividade. Atualmente, mais de 70% do comércio global é feito por meio de bens intermediários que são exportados para serem finalizados em outros países. Esse índice é muito menor na América do Sul e, com produção compartilhada, Brasil e Argentina têm muito a ganhar.

Mas para que esse impulso econômico vire realidade, a questão política não pode ser colocada de lado. As autoridades de ambos os países têm de quebrar protecionismos que barram a livre circulação de mercadorias. Setores que se beneficiam de fronteiras fechadas tudo farão para impedir essa produção compartilhada, que só existirá com a queda das barreiras alfandegárias. O momento é oportuno para a implementação da nova estratégia, pois as duas maiores economias da América do Sul não podem ficar de costas uma para a outra.

Alguns movimentos para uma maior aproximação entre Brasil e Argentina já foram dados, como o acordo automotivo renovado quando da visita do ministro das Relações Exterior, José Serra, ao país vizinho. O projeto que diminui a burocracia nas aduanas (Certificado de Origem Digital) também foi desengavetado, outro passo importante para o incremento das trocas comerciais bilaterais. A oportunidade de os dois gigantes sul-americanos se aproximarem ainda mais não pode ser jogada fora, para o bem dos dois povos.


Temer cede de novo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/08

Um dia após classificar como inegociável a proibição por dois anos de concursos e reajustes salariais para servidores estaduais, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se curvou. O governo interino de Michel Temer (PMDB) aceitou retirar a restrição da renegociação das dívidas dos Estados.

O resultado é ruim. O texto de base aprovado quarta-feira (10) na Câmara dos Deputados permite alongar por 20 anos, sem contrapartidas adequadas, as dívidas estaduais com a União. Estima-se impacto de R$ 50 bilhões nos cofres federais até 2018.

Já nas primeiras rodadas de negociação naufragara a tentativa de aperfeiçoar a contabilização de gastos com pessoal para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal. Noutro recuo do Planalto, ficaram fora da conta terceirizados e vários tipos de auxílios, o que mascara o tamanho real da folha.

O retrocesso deixa intocada a principal causa do descalabro orçamentário nos Estados.

Culpar a dívida com o governo federal é ilusionismo, pois despesas com juros e amortizações representam menos de 15% dos dispêndios de governadores.

O peso maior vem da folha, que em muitos casos supera 80% da arrecadação. Os deputados, para não melindrar líderes do funcionalismo, alegam que as amarras seriam irrealistas e demandariam cortes de salários.

Ora, é bem disso que se trata. Num momento de recessão, com tantos brasileiros premidos por desemprego e reajustes abaixo da inflação, não é justo que a categoria mais protegida do país continue a contar com garantias especiais.

O governo argumenta que não houve recuo. Teria preservado a contrapartida decisiva: gastos totais não poderão crescer acima da inflação nos próximos dois anos.

Do ponto de vista do deficit público, trata-se de prognóstico satisfatório. Na prática, se o teto se mostrar eficaz (algo longe de garantido) e, ao mesmo tempo, a conta salarial continuar a subir (como é de prever), governadores só terão os gastos sociais, especialmente saúde e educação, para comprimir.

É certo que parte do problema decorre da queda de receita com a recessão, obra do governo federal. Alguma flexibilidade nos pagamentos da dívida, assim, faz sentido. Mas isso não apaga o fato de que despesas com pessoal nos Estados subiram 96% de 2009 a 2015, muito acima da inflação.

O Planalto cedeu invocando a autonomia dos Estados, que poderão acomodar despesas no teto como quiserem. A autonomia, na verdade, é defendida apenas para aumentar os dispêndios. Quando o buraco aparece, todos vão choramingar no Tesouro Nacional.