segunda-feira, março 25, 2019

Atacado por Joice, Kim diz que articulação é catástrofe e que reforma morreu


Atacado por Joice, Kim diz que articulação é catástrofe e que reforma morreu



O barraco do dia no Congresso veio de uma troca de farpas entre a líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), e o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do MBL (Movimento Brasil Livre).
Ex-aliados durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, eles bateram boca por causa da articulação política (ou falta dela). O clímax foi Joice chamando Kim, 23, de “moleque” e sugerindo que ele “pegue a chupeta e vá nanar”.
Ouvi Kim sobre o imbróglio. Ele critica a articulação do governo e diz que a reforma da Previdência morreu.
*

O que o sr. achou do tuíte da deputada Joice Hasselmann que o chama de moleque? Quando entra no terreno da baixaria, prefiro não responder. Minha crítica é à articulação política do governo.
E qual sua avaliação? É uma catástrofe.
Por culpa de quem? É principalmente por causa do perfil do Bolsonaro, de não querer dialogar com o Congresso, de não querer receber parlamentares, de falar para todos os ministros fecharem as portas, de não escutar os projetos. Ou seja, de não fazer articulação republicana. O governo está tentando transformar a articulação em sinônimo de corrupção. Quando na verdade é escutar os projetos [dos parlamentares] para eventualmente encaminhar nos estados. Construir pontes, fazer hospitais, é legítimo também. Isso não tem nada a ver com corrupção.
Como o sr. avalia as escolhas dele para sua liderança no Congresso?Ele ficou traumatizado com o erro do major [Major Vitor Hugo, do PSL-GO, líder do governo na Câmara], que é um cara que não se impunha com os líderes, e aí acabou exagerando, tentando apagar o fogo com pólvora, nomeando a Joice.
Que consequência o estilo dela pode ter? O efeito que gera é que quanto mais parlamentares ela ataca, mais sentimento de corpo contra o governo gera nos outros parlamentares.
Com essa situação, qual o futuro da reforma da Previdência? A reforma encaminhada pelo governo morreu, não tem chance de ser votada e aprovada. Mas acho que também tem um senso de responsabilidade aqui de boa parte dos parlamentares. E mesmo a pressão dos governadores, que faz efeito. Acredito que talvez a gente retome o texto do Arthur Maia [relator da proposta apresentada no governo Temer], o que resolveria o problema a curto prazo da Previdência e ao mesmo tempo o centrão não seria derrotado.
Essa morreu por quê? Principalmente pela questão dos militares, mas pelo conjunto da obra. Pela falta de tato do governo. No caso dos militares, dizer que a economia vai ser de R$ 90 bi, quando na prática vai ser de R$ 10 bi.
Esses ataques da Joice são dela, ou vem uma ordem de cima, do Palácio? Eu acho que é a linha geral do governo, mas também vem ao encontro da personalidade dela.
Vocês tinham uma boa relação no passado, por exemplo durante o impeachment de Dilma, não? Sim. Estivemos juntos. Mas ela não reconhece que o trabalho dela não está funcionando. E há um sentimento de que a única direita possível é a do Bolsonaro.

Cadáver verde - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 25/03

Vou repetir: chegamos lá, o cadáver humano agora será lixo orgânico


Anos atrás, na época do COP 15, a conferência ambientalista em Copenhague, escrevi uma coluna aqui na Folha ("Cadáver verde") em que previa o uso de corpos humanos para alimentação hipervegana. O raciocínio, numa chave distópica, era que um dia a ciência iria descobrir a senciência (se você não sabe o que é, olhe no Google) nos vegetais, e toda a gente bacana contra a violência na alimentação, herdeiros do utilitarista Peter Singer e seu "Animal Liberation", seria obrigada a concluir que a única alimentação sustentável e ética possível seria comer cadáveres humanos. Cheguei perto da realidade.

Você, curioso, talvez se pergunte: como alguém pode prever coisas assim? Simples: aposte no ridículo, na hipocrisia social, no interesse econômico e, antes de tudo, no pior travestido de bem. A fórmula é quase infalível. Ia esquecendo! Acrescente uma pitada de niilismo inconfesso.

No caderno Mundo do dia 3 de março, esta Folha publicou uma reportagem fundamental que descrevia o processo de tramitação de uma lei no estado de Washington, na costa oeste americana (uma espécie de paraíso do partido democrata, um parque temático que poderia se chamar "nirvana hipster"), segundo a qual cadáveres humanos poderão ser usados como adubo, ao invés de cremados ou enterrados (cremar está na moda, inclusive no estado em questão). O termo científico é "compostagem humana". O termo em si significa uma espécie de reciclagem de lixo orgânico. No caso, o lixo é o cadáver humano. Você entendeu? Vou repetir para fins didáticos: sim, chegamos lá, o cadáver humano agora será lixo orgânico.

O filósofo britânico Edmund Burke (1729-1797) escreveu certa feita que a sociedade era uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. O mesmo autor, comentando uma cena em sua imaginação que viria a acontecer na realidade, dizia que o povo, ao invadir os aposentos da rainha durante a Revolução Francesa, descobriria que uma rainha era apenas uma mulher, e uma mulher, apenas um animal. Aviso aos idiotas de gênero que não se trata de uma "questão de gênero", mas sim que a rainha e a mulher do enunciado representam o universal humano. Esses trechos se constituem em fundamento do que a filosofia posterior chamaria de "imaginação moral". A expressão intitula um livro primoroso escrito pela historiadora americana Gertrude Himmelfarb, recentemente publicado pela É Realizações, "Imaginação Moral". Leia.

A ideia é que a moral é dependente da função imaginativa depositada em experiências ancestrais narrativas, afetivas e mesmo estéticas. Adam Smith, no século 18, e John Stuart Mill, no 19, referiam-se a duas dimensões de modo semelhante: "moral sentiments" (sentimentos morais) e "moral affection" (afeto moral), respectivamente. Haveria na moral um estrato afetivo, estético, imaginativo, narrativo, alheio à lógica geométrica da ciência? Sim.

Segundo o conceito de imaginação moral, uma vez que você dilacera o tecido narrativo da moral com argumentos econômicos, calculadores e sofistas (Burke, de novo) você abre um abismo no comportamento humano que jamais será organizado moralmente apenas pela lógica racional (sinto muito, Kant), e menos ainda pela científica. Da compostagem humana, chegaremos a comer cadáveres humanos porque um ser humano é apenas mais um animal.

O mercado (empresas especializadas nesse processo ambientalmente correto) vê o bom negócio que é. Afinal, morre muita gente toda hora e, mais importante, "de graça!!". Na universidade, antropólogos hipsters logo dirão como é cool redefinir rituais fúnebres. Políticos progressistas dirão que essa é a forma igualitária de resolver a desigualdade social dos enterros e cremações. Ativistas progressistas dirão que se trata de uma questão de saúde pública. Espiritualistas de plantão dirão que é energeticamente equilibrado. E, claro, a ciência dará sua bênção dizendo que é melhor psiquicamente para as atuais gerações pensar que seremos úteis para as futuras gerações se formos adubo para rúcula orgânica. Mais uma vez, a estupidez esclarecida esquece da reverência aos mortos de que Burke tanto falava.

Vamos um pouco mais longe? Em breve, abençoaremos o uso de fetos abortados em pesquisas de saúde e cosmética. Proporemos uma produção assistida de bebês gerados para fins alimentares corretos. O segredo é ser proposto por gente bacana. Virou seu estômago? Eis a imaginação moral agindo. Logo passa.

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Lava Jato derruba reforma da Previdência pela segunda vez - REINALDO AZEVEDO


SEMPRE ELES 1: Lava Jato derruba reforma da Previdência pela segunda vez

UOL - 25/03
Uma coisa é preciso reconhecer: a turma da Lava Jato tem método — ou, se quiserem, o lava-jatismo, já que agora esse "ente" está presente no Ministério Público, no Judiciário, no Executivo e no Legislativo; no caso, nas pessoas daqueles porra-locas que pretendem fazer a "CPI" que apelidaram de "Lava-Toga". Por que afirmo isso? Porque a turma conseguiu mandar pelos ares a reforma da Previdência pela segunda vez. A primeira se deu com a tentativa de depor o então presidente Michel Temer, e a segunda está em curso agora. E não deixa, de novo, de usar Temer como alvo. Mas como se percebe, a questão é agora mais ampla. E, por óbvio, incluam-se no espírito lava-jatistas as hostes organizadas na Internet, muitas delas servindo ao bolsoanrismo, que saem por aí a vomitar bobagens em nome de uma tal "nova política", sem que consigam dizer o que isso significa. O fato é que Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, havia combinado com Jair Bolsonaro, nada menos do que presidente da República, uma estratégica de aprovação do texto — uma matéria sempre difícil de engolir. E isso passava por negociar com os partidos políticos, já que, de verdade, a base de Bolsonaro não é formada nem pelo PSL, que não apoia unanimemente o texto, como admitiu até a líder do governo no Congresso.


Quantos votos pró-reforma Olavo tem na Câmara e no Senado?

O primeiro a jogar uma casca de banana no caminho de Rodrigo Maia foi o próprio Bolsonaro. Enquanto o presidente da Câmara negociava com os parlamentares, o presidente da República os chamava de fisiológicos e dizia enfrentar pressão da "velha política", numa mal disfarçada alusão ao próprio Maia, o que é indecoroso para dizer pouco. E muitos idiotas caem na conversa. A Família Bolsonaro, não sei se notam, veem a Presidência como uma espécie de feudo familiar. Em certa medida, o presidente só aceita dividir o poder com a família: ou são aliados ideológicos com a sua mesma obtusidade ou são militares — nesse caso, é a família do quartel, onde ele era um rebento meio enjeitado. Com quase três meses de governo, o chefe do Executivo ainda não conseguiu ter uma conversa adulta com os partidos políticos. Parece que ele se sente roubado ou chantageado. Resumo da ópera: os parlamentares são tratados como um bando de interesseiros, como lixo. Ora, decente, como sabemos, é entregar ministérios e áreas do governo a seguidores de Olavo de Carvalho, não é mesmo? A propósito: quantos votos Olavo tem na Câmara e no Senado? Até agora, ele só atrapalhou o governo, como resta evidente. E daí? O bolsanirsmo-lava-jatismo-olvismo espalhava seu fel nas redes sociais enquanto as pessoas responsáveis tentavam ver se a negociação andava.


Moro detonou pessoalmente a maior bomba contra a reforma

Eis, então, que Sérgio Moro, o Pai de Todos, que Bolsonaro fez o desfavor a si mesmo de meter no governo, vai à Câmara e resolve expelir regras ao presidente da Casa, justamente Rodrigo Maia, aquele que vinha mantendo já uma relação algo tensa com Bolsonaro porque a ele, Rodrigo, coube os esforços de fazer avançar a reforma da Previdência, mas sem o concurso do Planalto, que nem governa nem deixa governar. Ainda há pouco, no Chile, Bolsonaro afirmou que a reforma é um problema do Congresso. Isso corresponde a tentar lavar as mãos. Não é, não! O Congresso vota, mas é um problema principalmente do Executivo. Parece visível que o presidente escolhe um "virem-se vocês aí que não quero perder ainda mais popularidade". Moro não é burro nem nada. Sabia que a cobrança pública que fez a Maia para que seu pacote dito anticorrupção e anticrime tramitasse ao mesmo tempo em que tramita a reforma da Previdência era um chute na canela daquele que se tornara o principal esteio da proposta formulada por Paulo Guedes. E houve a reação. O presidente não advertiu seu ministro. Carlos, o filho predileto, saiu nas redes sociais a demonizar Maia. Moro não só emitiu uma nota malcriada, sugerindo que o deputado quer procrastinar o combate à corrupção, como gravou uma versão em áudio da dita-cuja, que circula freneticamente por aí. Um lava-jatista de primeira grandeza, que jamais disse uma palavra em favor da reforma da Previdência — fazendo um jogo político pessoal que ignora o próprio Bolsonaro, já de olho em 2022 —, resolveu detonar uma bomba na relação entre os presidentes da Câmara e da República. E Bolsonaro fez o quê? Só piorou o que já era ruim.


A Lava Jato do RJ se encarregou de queimar a terra arrasada

E aí veio o arremate, protagonizado pela Lava Jato do Rio, com a decretação doidivanas e estúpida da prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer. Os heróis das trevas atacavam de novo. Ainda que a peça mal costurada apresentada pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal fizesse sentido, e ainda que tudo tivesse se dado como lá vai, a prisão era descabida. Ocorre que vai além do território do ridículo, o que se evidencia também no despacho do juiz Marcelo Bretas. O uso que ele faz em seu texto do Artigo 312 do Código de Processo Penal, que trata desse tipo de prisão cautelar é um assombro. Muitos juízes federais, ainda que prefiram o silêncio público do corporativismo, se dizem envergonhados. Gente que acha que a Lava Jato tem a suas virtudes avalia que o episódio marca a avacalhação da operação. Muito bem! E as hostes bolsonaristas fizeram o quê? Saíram a comemorar a prisão, como se ela não marcasse mais um tento justamente na demonização da política e dos políticos. Um dos presos, Moreira Franco, é padrasto da mulher de Maia. Os dois estão longe de rezar o mesmo credo. Mas, ainda assim, o presidente da Câmara entrou no radar das milícias virtuais do bolsonarismo. E o próprio presidente disse compreender que o deputado pudesse estar agastado por razões familiares, o que é de uma grosseria impressionante.


Até o líder do PSL na Câmara reconhece que assim não dá

E então se chega ao ponto atual. Até Delegado Waldir (GO), líder do PSL na Câmara, diz que assim não dá. Ele pede que Bolsonaro e Maia se entendam etc e tal. Mas reconhece: "O governo não precisa de oposição nesse momento. As ações de algumas pessoas do Executivo e do Parlamento criam um tsunami maior do que qualquer pessoa. É necessário amadurecimento. Se o governo quer aprovar a (reforma), da Previdência temos que dialogar mais, reduzir essa zona de atrito, de discussões pela imprensa e pelas redes sociais. Esse mundo virtual é extremamente sadio, ajudou a mudar o Congresso, mas agora está sendo péssimo. Em alguns segundos uma publicação (na internet) derruba a bolsa de valores e reduz a credibilidade do País quando dois chefes de poderes estão numa acirrada disputa pelo nada".

Pois é, Delegado Waldir… Esse "mundo virtual", como o senhor chama, pode até ajudar a eleger. Fazer dele o espaço das contendas políticas é escolher a ingovernabilidade. Como a que vemos. Mas vá convencer o presidente, seus filhos e alguns de seus prosélitos vulgares…

A harmonia entre os Poderes - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/03

Para voltar aos trilhos do desenvolvimento econômico e social, o País tem claras e imediatas necessidades


Para voltar aos trilhos do desenvolvimento econômico e social, o País tem claras e imediatas necessidades. É preciso realizar reformas estruturantes, a começar pela reforma da Previdência. É preciso restabelecer um ambiente de normalidade e estabilidade jurídico-institucional. Há ainda um longo caminho no combate à criminalidade e à impunidade, mas nem tudo é corrupção ou podridão, e tratar o cenário nacional como terra devastada, além de injusto, significa pôr a perder muitas coisas boas construídas ao longo do tempo. É preciso também amenizar a polarização político-ideológica. Compreensível numa campanha eleitoral, o clima de conflito, se estendido ao longo do tempo, esgarça as relações sociais e gera danos em todas as esferas da vida nacional.

Se as atuais necessidades do País são evidentes, está claro também que os Três Poderes têm sido incapazes – ao menos, até o momento – de atender a contento a essas demandas. Na semana passada, houve um almoço em Brasília que reuniu a cúpula dos Três Poderes a respeito dos possíveis caminhos para, diminuindo as tensões entre Executivo, Judiciário e Legislativo, torná-los mais funcionais. É preciso, por exemplo, trabalhar coordenadamente para que a reforma da Previdência, prioridade nacional, seja de fato aprovada pelo Congresso.

“Há um intuito de todos de construir uma nova agenda e de aprovar a reforma da Previdência. Este encontro é um sinal importante, estamos construindo um pacto para governar o Brasil”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anfitrião do almoço.

Nessa trajetória de união e cooperação entre os Poderes é indispensável que o Executivo cumpra o seu papel. Desde a posse, tem causado perplexidade o fato de o presidente Jair Bolsonaro, em vez de buscar a união nacional, continuar alimentando polêmicas e fissuras, num clima de guerrilha eleitoral. No dia anterior ao almoço, por exemplo, o presidente da República compartilhou em sua conta no Twitter vídeo em que seu filho Carlos criticava a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da competência da Justiça Eleitoral. Não é disso que o País precisa.

Nesse reequilíbrio institucional em busca de maior funcionalidade, é também evidente a necessidade de o Ministério Público (MP) adequar-se às suas competências institucionais, sem que alguns de seus membros invadam outras searas ou agravem desnecessariamente as tensões.

A Suprema Corte tem sido alvo de ataques, nas redes sociais, de grupos que desmerecem, desautorizam e ridicularizam todos aqueles que ousam ter opiniões divergentes das suas. É surpreendente, no entanto, que alguns desses ataques venham de membros do MP, cuja função é defender a ordem jurídica e o Estado Democrático de Direito.

Para diminuir as tensões, é preciso também uma atitude de cooperação e de menos protagonismo dos ministros do STF. Não poucas vezes, são os próprios integrantes da Corte que alimentam divisões, promovem embates e, mais grave, ferem o caráter colegiado do Supremo. É urgente a promoção de uma nova cultura no STF, mais disposta a aceitar a posição majoritária, a conferir estabilidade à jurisprudência ao longo do tempo, a restringir as decisões monocráticas para os casos imprescindíveis, a defender e a aplicar a Constituição e as leis, sem imiscuir-se com tanta frequência em trajetórias alternativas.

O Congresso tem também papel especial na busca da funcionalidade institucional. É ele quem deve processar com diligência as reformas de que tanto o País precisa. A renovação ocorrida nas eleições passadas deve servir para banir velhos costumes que são absolutamente deletérios para o interesse nacional. No entanto, tanto os antigos parlamentares como os novos não podem se furtar de fazer política, na melhor acepção da palavra. A decisiva contribuição do Congresso para o País decorre precisamente dessa busca por encontrar os consensos e propostas possíveis para os problemas nacionais. Não é no grito, na intolerância e, muito menos, na violência, física ou verbal, que o Legislativo cumprirá o seu papel.

É essencial o diálogo entre Executivo, Judiciário e Legislativo. Mas o principal fruto que se espera desse diálogo é que cada um dos Poderes cumpra seu dever. Essa é a harmonia institucional de que o País precisa.

Há pergunta nova no ar: Vai concluir o mandato? - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 25/03
Até outro dia, piscava no letreiro da conjuntura nacional uma pergunta: Jair Bolsonaro conseguirá aprovar a reforma da Previdência? Hoje, há uma interrogação nova no ar: Será que o presidente termina o mandato? O governo ainda nem completou três meses e a carta do impeachment já voltou para o baralho.

Fernando Henrique Cardoso e Olavo de Carvalho jamais tiveram algo em comum. O ex-presidente tucano chegou a dizer que "nunca tinha ouvido falar" no polemista que virou guru do atual presidente da República. De repente, FHC e Olavo passaram a compartilhar uma opinião. Ambos avaliam que Bolsonaro pode cair.

Há nove dias, Olavo disse: "O presidente está de mãos amarradas. […] Se tudo continuar como está, já está mal. Não precisa mudar nada para ficar mal, é só continuar isso mais seis meses e acabou."

Neste domingo, FHC anotou no Twitter: "Paradoxo brasileiro: os partidos são fracos, o Congresso é forte. Presidente que não entende isso não governa e pode cair. Maltratar quem preside a Câmara é caminho para o desastre."

O que diferencia as opiniões de FHC e de Olavo são as razões que levam Bolsonaro a flertar com a queda. Um acha que a Presidência do capitão corre risco porque ele é incapaz de se sentar à mesa para negociar. Outro acredita que o mandato está ameaçado porque Bolsonaro demora a virar a mesa.

Para Olavo, Bolsonaro está cercado de militares que têm "mentalidade golpista". Ele chama os auxiliares fardados do presidente de "um bando de cagões." Olavista de mostruário, o assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, empilhou as ideias exóticas do grupo no Twitter na última sexta-feira.

Em meio à polêmica que eletrifica as relações de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Filipe pregou a necessidade de organizar uma "pressão popular" capaz de "mostrar que o povo manda no país", não as forças que compõem o que ele chama de "poder estabelecido", "oligarquias dominantes", "sistema de privilégios" e "sindicato do crime".

Para FHC, o problema é bem outro. "Precisamos de bom senso, reformas, emprego e decência. Presidente do país deve moderar não atiçar."

Tomado por seus últimos movimentos, Bolsonaro está mais para Olavo do que para FHC. Com a popularidade em queda, o capitão estimula os atores políticos e econômicos a prestarem atenção no vice-presidente Hamilton Mourão, um general que integra o "bando de cagões". Os vices, como os ciprestes, costumam crescer à beira dos túmulos.

Nova política patina e Bolsonaro será o culpado se reforma fracassar - LEANDRO COLON

FOLHA DE SP - 25/03

Não há mágica que altere um modelo lógico de trabalhar com o Congresso

Essa tal nova política de Jair Bolsonaro tem se revelado um desastre em quase cem dias de governo. Usando-a como escudo, o presidente tenta fugir da culpa que terá pelo eventual fracasso na aprovação da reforma da Previdência.

“A bola está com ele [Rodrigo Maia], já fiz a minha parte, entreguei, o compromisso dele é despachar e o projeto andar dentro da Câmara”, disse Bolsonaro, durante viagem ao Chile. “A responsabilidade no momento está com o Parlamento brasileiro”, reforçou, em resposta às críticas do presidente da Câmara.

Se a mudança previdenciária fracassar, não haverá nenhum outro culpado que não seja o governo de Bolsonaro, por mais que o presidente da República tergiverse para fazer colar a versão de que já fez sua parte ao enviar a proposta ao Congresso.

A poucos dias de completar três meses de mandato, o capitão reformado não conseguiu formar uma base aliada. Não há nova política (seja lá o que signifique) que faça projetos de interesse governista seguir adiante sem um bloco de apoio. Não há, por exemplo, crime algum na prática de discutir cargos com os partidos, desde que não haja negociação espúria por trás das cortinas.

Errado é nomear como líder do governo na Câmara o major Vitor Hugo, uma figura inexperiente, desconhecida e ignorada pelos colegas.

Bolsonaro pede voto dos parlamentares com um discurso que os afugenta. Tem minado potenciais aliados ao pensar que só ele age com ética e correção. Nem o seu PSL, manchado pelo laranjal eleitoral, engoliu a reforma dos militares, recheada de privilégios para a carreira.

O PSL, aliás, também dá sua parcela para o caos político ao criar problemas desnecessários com legendas que poderiam ajudar o governo a (enfim) sair do ponto morto.

Rodrigo Maia está certo ao afirmar que Bolsonaro não pode terceirizar a articulação. É tarefa do Planalto buscar maioria. Não há nova fórmula que altere um modelo lógico de trabalhar com o Congresso. Dizer o contrário é enganar os eleitores.

A conspiração - DEMÉTRIO MAGNOLI

O Globo 25/03
Diante de uma lápide, no antigo cemitério judeu de Praga, à sombra da noite, reúnem-se 12 rabinos, representantes das tribos de Israel. O mais venerável toma a palavra. No seu discurso, proclama que “18 séculos pertenceram a nossos inimigos”, mas “o século atual e os futuros pertencerão a nós”. Em seguida, explica que a luta pela hegemonia mundial se desenrolará nos planos político, econômico e religioso, por meio da tomada de controle das finanças, do poder de Estado, dos meios de comunicação e das instituições educacionais.

A estrutura narrativa da conspiração encontra seu paradigma no mito da conspiração judaica, que emerge em romances baratos, artigos fantasiosos de jornal e uma célebre falsificação da polícia czarista russa, na passagem do século 19 para o século 20. O historiador Raoul Girardet segue a trilha desses textos no ensaio “A conspiração”, que faz parte do livro “Mitos e mitologias políticas”, publicado em 1986. É um guia inesperado para compreender o que se passa, hoje, no governo Bolsonaro.

A facção ultradireitista do governo, formada por seguidores de Olavo de Carvalho, nutre-se da ideia da conspiração. No lugar dos judeus, o Bruxo da Virgínia coloca os “liberais globalistas” e os “comunistas”, ligados por um pacto de dominação global que almeja destruir as “nações de sangue”. Se a constrangedora visita presidencial aos EUA nos ensina algo, a lição é que a paranoia conspiratória sedimentou-se como convicção fundamental do próprio presidente.

O Bruxo da Virgínia não inventou a versão contemporânea da conspiração mundial. De fato, ele apenas reproduz a tábua da fé da alt-right, a direita nacionalista americana, que tenta organizar um movimento nacionalista internacional. A crença difunde-se entre os fiéis pelo labirinto das redes sociais, em fragmentos de informação descontextualizada, boatos ferozes e acalorados rumores. Uma concha protetora providenciada pela aversão à imprensa profissional isola a seita da torrente de notícias que descortinam a complexidade do mundo.

A conspiração seduz, hipnotiza, encanta os espíritos. Sua narrativa simples, similar às do conto de fadas e do folhetim, oferece explicações completas para fenômenos complexos. Sua força persuasiva floresce no solo da ignorância histórica e da preguiça intelectual. Não é preciso ler, estudar, investigar: a teoria conspiratória eleva qualquer um à condição de sábio. A conspiração é o travesseiro, o lençol e o cobertor dos incultos. O Bruxo da Virgínia, que sabe disso, fez dela o núcleo do seu modelo de negócios.

Depois que deita raízes, a teoria conspiratória é invulnerável à prova negativa— e, inclusive, alimenta-se dela. Postos diante de contestações lógicas ou factuais, os espíritos tomados por ela retrucam que o autor da refutação faz parte da própria conspiração. Experimente sugerir a um“aluno de Olavo” que o keynesianismo fechou caminhos às proposições socialistas. Ele responderá que o interlocutor é um  arauto do keynesianismo—isto é, do“marxismo cultural” espraiado nas instituições, na mídia e nas universidades. Nas bolhas das redes sociais, a resposta patética passa como contrarrefutação indiscutível.

Figuras imersas no caldo de cultura da conspiração inclinam-se a fantasiar pequenos complôs cotidianos— e a reagir articulando, eles mesmos, complôs paroquiais. O MEC, comandado por um discípulo do Bruxo da Virgínia, é um microcosmo desse fenômeno. A crônica guerra civil que o paralisa, contrapondo fanáticos “olavetes” a assessores técnicos e militares, evidencia a inviabilidade de um governo submetido ao paradigma conspiratório. Governar exige um mínimo de respeito a regras de administração e alguma estabilidade política. Nada disso é compatível com as quimeras que movem a facção ideológica do bolsonarismo.

“Se continuar assim, mais seis meses e acabou”, pressagiou Olavo de Carvalho sobre o governo Bolsonaro, no jantar em Washington, pouco antes de tomar assento ao lado do presidente. O Bruxo da Virgínia tem os meios para demonstrar o acerto de sua profecia.

O momento da Lava-Jato - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 25/03


Aqui no alto da Serra de Ibitipoca, uma bela região de Minas, chove e faz frio. Na minha cabeça, tentava organizar um artigo sobre uma possível intervenção militar na Venezuela. Rememorava a Guerra do Iraque e os grandes debates da época. Achava uma visão idealista tentar impor, numa sociedade singular, a democracia liberal à ponta do fuzil.

Continuo achando. Lembro-me de que, num debate em Paraty, o escritor Christopher Hitchens ficou bravo com meus argumentos. Nada grave. Semanas depois, escreveu um artigo simpático sobre aquela noite. Hitchens, ao lado de outros intelectuais como Richard Dawkins, dedicava-se muito ao combate da religião. Mas não percebeu como suas ideias sobre a invasão do Iraque, como observou John Gray, tinham uma ponta de religiosidade.

Esse era meu plano. No alto do morro, o único lugar onde isso era possível, o telefone deu sinal da mensagem: Temer foi preso. Moreira Franco também. A possibilidade da prisão de Temer sempre esteve no ar. Na última entrevista, lembrei a ele que ia experimentar a vida na planície.

Aqui neste pedaço da Mata Atlântica, não é o melhor lugar para se informar em detalhes. No meio da semana, tinha escrito um artigo sobre a derrota da Lava-Jato no STF, que deslocou o caixa 2 e crimes conexos para a Justiça Eleitoral.

Lembrava que o grupo de ministros que se opõem à Lava-Jato aproveitou um momento de desequilíbrio. Foi o escorregão dos procuradores ao tentar destinar R$ 2,3 bilhões, oriundos do escândalo da Petrobras, para uma fundação. Eles recuaram para uma alternativa mais democrática, um uso do dinheiro através de avaliação mais ampla das necessidades do país.

Distante dos detalhes da prisão de Temer, tento analisar este novo momento da Lava-Jato. Até que ponto vai fortalecê-la ou ampliar o leque de forças que se opõem a ela, apesar de sua popularidade? Diante da prisão do ex-presidente, que é do MDB, certamente vai surgir uma tendência de opor as reformas econômicas à Lava-Jato.

É uma situação nova, que ainda tento avaliar. O ministro Sergio Moro tem um pacote de leis contra o crime que já está sendo colocado em segundo plano, em nome da reforma da Previdência. É possível que avance junto ao governo uma nova tese, a de que a Lava-Jato prejudica as reformas, reduzindo suas chances de aprovação. Além disso, há o mercado, sempre expressando seu nível de pessimismo.

As acusações contra Temer eram conhecidas. Como diz um analista estrangeiro, ele gastou grande parte da energia e do tempo de seu governo para tentar escapar delas. Por essas razões, será necessário deixar bem claras as razões que levaram Temer à cadeia. É apenas mais um ex-presidente; mas, no caso de Lula, só houve prisão depois de condenado em segunda instância. Essa diferença desloca o debate técnico para a causa da prisão. Daí a importância de bons argumentos.

A ideia geral é de que a Lava-Jato deve seguir seu curso independentemente de análises políticas. Mas ele depende do apoio da opinião pública. Qualquer momento de fragilidade é usado pelos lobos no Supremo que querem devorá-la.

Numa análise mais geral, as eleições fortaleceram a Lava-Jato. A própria ida de Moro para o governo era o sinal de que agora ela teria o Executivo como aliado. Mas as coisas não são simples assim. A escolha de Moro por Bolsonaro foi um gesto político.

A renovação no Parlamento pode ter ampliado o apoio à Lava-Jato. Mas ainda é bastante nebuloso prever que leis contra o crime, especialmente o do colarinho branco, tenham um trânsito fácil, maioria tranquila.

O governo perde prestígio, segundo as pesquisas. Está dependendo da reforma da Previdência. Pode haver uma convergência momentânea para empurrar com a barriga as leis contra a corrupção.

Houve maioria no Supremo para mandar processos para uma Justiça Eleitoral sem condições de investigá-los com rigor. A mesma maioria de um voto pode derrubar a prisão em segunda instância.

Nesse momento, não adiantará aquele velho argumento: perdemos uma batalha, mas venceremos no final. Uma sucessão de derrotas precisa acender o sinal de alarme. Somente uma interação entre a opinião pública e a parte do Congresso que entendeu a mensagem das urnas pode reverter essa tendência. Haverá força para isso?

Aqui no meio do mato, não me arrisco a concluir nada. Eleições não decidem tudo. Ainda mais uma falta de rumo dos vencedores, que chega a nos fazer temer que, na verdade, não tenham resolvido nada. Exceto mudar o rumo, da esquerda para a direita.