FOLHA DE SP - 11/12
Não transamos com buracos ou protuberâncias, transamos com pensamentos, sonhos, ficções, antecipações narrativas
1) O MUNDO virtual nos torna mais ousados e, às vezes, é uma lástima. Quem divulga seu e-mail na hora de assinar um texto sabe disso: receberá ataques de uma virulência que, no mundo real (quer dizer, por carta), ninguém ou quase ninguém teria a coragem de escrever.
O mesmo vale para comentários em blogs e microblogs, para conversas nas salas de chat etc.: parece que, teclando, a gente se solta --fruto do anonimato e da facilidade e rapidez (basta clicar).
Enfim, essa é a ousadia "ruim" da internet. Mas há uma ousadia "boa", que é indissociável da dita segunda revolução dos costumes sexuais (considerando que a primeira foi nos anos 1960).
A segunda revolução começou com o fato de que, na internet, qualquer um pôde descobrir que não estava sozinho com sua orientação, seus gostos e suas fantasias sexuais: ninguém precisava mais se enxergar como um "monstro". Também graças à internet, não era necessário sequer sair do armário para dialogar com parceiros possíveis.
Essa possibilidade inédita de socializar fantasias sexuais levou cada um a explicitar as suas. Para encontrar quem tope brincar comigo, devo conhecer meus gostos --na verdade, mais que conhecê-los, devo ser capaz de elaborá-los, de apresentá-los de maneira detalhada e, se possível, interessante.
Foi inaugurada assim uma imensa experiência coletiva, ainda em curso, de apresentação e narração de fantasias sexuais, que se tornaram, aliás, mais complexas pela própria necessidade de propô-las a eventuais parceiras e parceiros.
2) Essa imensa proliferação de imagens e textos detalhando fantasias sexuais tem uma contrapartida: inevitavelmente, esbarramos em fantasias que são diferentes das nossas.
Ora, uma fantasia sexual diferente da nossa é sempre chata. A maioria das pessoas só consegue situar essa fantasia diferente numa curva que vai da obscenidade (a fantasia do outro é "pornográfica", enquanto a nossa seria "sutilmente" erótica) ao ridículo (sadomasoquismo, para quem não o pratica ou não se excita com ele, é um programa da Tiazinha).
Talvez por deformação profissional, tenho simpatia e uma certa admiração pelas fantasias e pelos gostos sexuais mais complexos. Só me escandaliza mesmo a ausência de fantasias: ridículo ou obsceno, para mim, é quem afirma desejar os buracos ou as protuberâncias do corpo do outro, "naturalmente", sem "complicações".
Nossa sexualidade é diferente da dos outros mamíferos justamente porque os humanos se desejam sem que tenha que ser a hora em que a fêmea é fecunda.
Ou seja, nossa sexualidade é uma aventura cultural: não transamos com buracos ou protuberâncias, transamos com pensamentos, sonhos, ficções, antecipações narrativas. Se os humanos passassem a transar por atração "natural", seria uma perda cultural irreparável.
Enfim, por sorte, a internet permite bloquear facilmente os correspondentes indesejados; é o que faço com os que reprimem suas fantasias.
3) Outra contrapartida da segunda revolução sexual: quando alguém se debruça sobre suas fantasias sexuais, é comum que ele (ou ela) elabore e apresente aos outros fantasias que estão muito além do que ele (ou ela) aguentaria realizar. Por exemplo, alguém sonha em ser torturado, mas não consegue aceitar nem a dor nem a humilhação.
É por isso que, nas salas de chat, é frequente que alguém suma bem na hora em que a coisa se encaminha para um encontro. Em suma, efeito da segunda revolução sexual: às vezes, verificamos que não estamos à altura de nossas próprias fantasias sexuais.
É claro que devemos ter o direito de recuar de nossa própria fantasia quando descobrimos que nos engajamos além do que nós mesmos conseguimos aturar. Mas, para recuar, não é preciso acusar o parceiro ou a parceira de ter nos levado a praticar a fantasia da qual fugimos, e que é (também) a nossa.
Explico. Alguém sonha em ser torturado; no meio da tortura, ele pode dizer que não quer mais; o que não pode é negar que a fantasia era também dele. Em outras palavras, é claro que temos o direito de dizer não em qualquer momento. Mas não temos o direito de dizer que foi o outro quem quis.
4) Essas notas podem servir para refletir sobre o "caso" Idelber Avelar, que se alastrou pela rede e chegou à minha atenção graças a Mônica Waldvogel e Virginia Bessa. Não tenho opinião sobre o "caso". Para os leitores se inteirarem, sugiro o Facebook de Ivana Bentes (com os comentários, que incluem uma resposta de Avelar): migre.me/npq1L.
quinta-feira, dezembro 11, 2014
Testemunha secreta aponta operador do PMDB desviando recursos de Pasadena
O ESTADÃO - 11/12
Garganta profunda da Petrobrás aponta “má gestão proposital” na compra de refinaria para desviar recursos; cita Graça Foster e Lobão em dois outros escândalos
Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Fausto Macedo e Julia Affonso
Um mês após ser deflagrada a Operação Lava Jato, no início do ano, um funcionário de carreira com 30 anos de serviços prestados à Petrobrás procurou os delegados federais da força-tarefa para denunciar indícios de crimes e “má gestão proposital” na estatal “com o objetivo de desviar dinheiro sem levantar suspeita em auditorias e fiscalizações”. Além de apontar fraudes na compra da Refinaria de Pasadena, no Estados Unidos – mais emblemático escândalo do caso -, vinculou o nome do ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, como “padrinho” de um dos envolvidos e citou a atual presidente, Graça Foster, como responsável pela indicação de outros dois gerentes da área de negócios internacionais supostamente responsáveis por uma transação na Nigéria de venda de ativos, que teria gerado prejuízos aos cofres públicos.
Durante quatro horas, em um depoimento sigiloso realizado no dia 28 de abril, no Rio de Janeiro, – e anexado aos inquéritos da Lava Jato nesta terça-feira -, o “informante”, que não terá seu nome revelado nas investigações, falou de seis supostos crimes, em especial, a compra de Pasadena, iniciada em 2005. O negócio, que começou por um valor de US$ 359 milhões e terminou em US$ 1,2 bilhão, gerou prejuízo de US$ 793 milhões à estatal, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU).
O órgão já pediu o bloqueio de bens de 11 executivos da estatal. Segundo o informante, o operador do PMDB, Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano – preso em Curitiba (PR), desde o dia 21 -, teve participação ativa na movimentação de recursos decorrentes da transação de Pasadena, que teria sido propositalmente sobrevalorizada.
“Uma das pessoas que esteve presente intermediando toda a negociação com a Astra Oil foi Fernando Soares, o ‘Baiano’”, afirmou o colaborador, a apresentado como um funcionário prestes a se aposentar, ”descontente” com a “administração” da estatal e seu “sucateamento”, que não seria identificado por temer represálias.
O informante cita que o acordo de compra da refinaria envolveria a ”devolução de forma oculta aos envolvidos na operação” do “excedente ao valor do mercado” do negócio, paga à companhia Astra Oil, sócia da Petrobrás na companhia – cada uma tinha 50%.
“A Astra Oil contratou uma consultoria espanhola, onde este excedente foi repassado na forma de contratos fraudulentos de consultoria. Em seguida, através de formas ainda não conhecidas, estes recursos retornaram ao Brasil”, explicou o informante.
Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB na Diretoria Internacional, pelo doleiro Alberto Youssef e pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa – delatores do processo – é representante de duas grandes empresas espanholas no Brasil e é investigado pela PF por ter consultorias abertas em países como Espanha e Estados Unidos. Duas delas foram alvo de busca e bloqueios judiciais.
Para provar o que dizia, em um pedaço de papel, o funcionário-informante rabiscou um croqui do esquema de Fernando Baiano para movimentar o dinheiro da propina. Segundo ele, o mesmo esquema usado em Pasadena foi repetido em um outro negócio envolvendo a área internacional, mas no Uruguai. O material foi anexado às 17 páginas de seu depoimento, registrado na Informação Policial 18/2014, da Delegacia de Crimes Financeiros da PF, no Paraná. Segundo o documento sigiloso anexado ontem aos autos da Lava Jato, as informações devem ser tratadas “base para apurações” dos “indícios e relatos de possíveis crimes”. “Se faz necessário a investigação para averiguação se tais informações são verdadeiras”, registra o documento.
Informantes sempre tiveram papel central em escândalos de crimes políticos e financeiros. O mais emblemático é o “garganta profunda”, codinome do ex-diretor da CIA que nos anos 1970 deu o caminho do dinheiro aos jornalistas do Washington Post, que investigaram o caso Watergate, nos Estados Unidos, que levou o presidente Richard Nixon à renúncia. Só em 2005 sua identidade foi revelada.
Alertas de risco
“A aquisição da Refinaria de Pasadena/EUA foi marcada por sucessivos alertas dos riscos do projeto e por indícios de que houve dolosamente a intenção de causar prejuízo à Petrobrás”, declarou o informante. A compra, iniciada em 2005 pela Diretoria Internacional, envolvia a aquisição de 50% da unidade e a atuação em sociedade com a Astra. Um ano depois do negócio ser fechado, houve um desentendimento entre as sócias e a empresa belga acionou duas cláusulas do contrato (Merlim e Put option) que previa que em casos como esse uma das partes adquiriria os 50% da outra. Em 2009, a Justiça norte-americana obrigou a Petrobrás a pagar a parceira. O caso foi à Justiça no Brasil e terminou em acordo em 2012, com a estatal brasileira concordando em pagar US$ 895 milhões.
“Aproveitando-se da falta de transparência e do enorme volume de operações financeiras realizadas pela empresa, elaboram (denunciados) diversas formas de desviar recursos financeiros, seja escondendo estas operações com a utilização de termos técnicos complexos, demonstrando ’prejuízos propositais’ ou contratando supostas consultorias internacionais”, afirmou o colaborador. “Todas estas alternativas são conjecturas com o objetivo de desviar e apropriar-se indevidamente de recursos financeiros da Petrobrás.”
O garganta profunda da Petrobrás sustentou que as cláusulas compensatórios do contrato, como remuneração em caso de prejuízo e compra da outra metade em caso de desentendimento, que geraram elevação de custo final foram exigidas pela Astra Oil, “por temer as intenções da estatal brasileira”.
“Essas cláusulas não foram utilizadas para prejudicar a Petrobrás, mas sim para proteger a Astras Oil de prejuízos internacionais que a diretoria da Petrobrás estava tentando promover no solo americano”, explicou ele. “A diretoria da Astra Oil estava reocupada com a ‘má gestão proposital’ da Petrobrás e solicitou que diversas cláusulas de proteção fossem incluídas no contrato de compra da refinaria.”
O informante rebateu um a um os argumentos usados pela Petrobrás, em sua página na internet, para mostrar as necessidades de compra de Pasadena e o que foi feito após descoberta dos problemas. Segundo ele, internamente a estatal abriu uma Comissão Interna de Apuração – em 24 de março por determinação da presidente Graça Foster -, mas ela nada apontaria. “Essa comissão criada pela Graça só têm pessoas ‘leais’ a ela. Nada de irregular deverá ser revelado”. Documentos da sindicância chegaram recentemente à PF, que analisa ainda os dados.
Negócios na Nigéria
O garganta profunda da Petrobrás apontou o nome da atual presidente Graça Foster como responsável pela indicação de dois gerentes que foram responsáveis pela venda de 50% de seus ativos e interesses na África ao banco BTG Pactual, por US$ 1,5 bilhão, em junho de 2013. São participações nos blocos de exploração em produção na Nigéria - campos de AKPO e AGBAMI – e de desenvolvimento de produção no campo de Egina.
O informante afirma que o projeto era tocado por equipe multidisciplinar com coordenação da área de Novos Negócios, em parceria com a Diretoria Internacional. Na ocasião, bancos internacionais teriam avaliado os ativos da estatal no continente africano pelo valor mínimo de US$ 7 bilhões. Após a saída do diretor Jorge Zelada, em 2012, “a presidente da Petrobrás,
Graça Foster, passou a acumular a Diretoria Internacional, e desmobilizou a equipe que estava desenvolvimento o projeto,
concentrando todas as informações e negociações em apenas dois executivos escolhidos por ela Ubiratan Clair e André Cordeiro”.
“Com essa nova configuração, em poucos meses a Petrobrás vendeu 50% de participação de seus negócios na África por apenas US$ 1,5 bilhão contra um valor mínimo previsto anteriormente de US$ 3,5 bilhões - avaliado anteriormente pelos bancos internacionais”, afirmou o informante.
O negócio da venda ao banco já é alvo de investigação no TCU e também chegou a ser citada na CPI da Petrobrás, mas sem a associação do negócio diretamente a presidente Graça Foster. O negócio foi fechado em junho de 2013, e envolveu o banqueiro André Esteves, uma subsidiária da estatal brasileira na Holanda e os executivos citados pelo informante. Procurada, a presidente Graça Foster não respondeu à reportagem.
Lobão
O documento anexado ao processo da Lava Jato cita ainda o nome do ministro Edson Lobão, do PMDB, como padrinho de José Raimundo Brandão Pereira, ex-gerente executivo de Marketing e Comercialização da Diretoria de Abastecimento, que segundo o informante tentou superfaturar afretamentos de navios em Pasadena. Segundo ele, o acusado teria sua “permanência na empresa em decorrência da indicação política do PMDB, pois ele seria afilhado político de Edson Lobão”.
“Em determina situação, Pereira teria enviado a Houston/EUA, um home de sua confiança, Newton Vieiralves Sobrinho, com o objetivo de realizar contratos de afretamentos de navios superfaturados na Pasadena. Todavia, a empresa Astra Oil, sócia da Petrobrás, não aceitou esse contratos”.
Segundo ele, Sobrinho então teria sido incumbido por Pereira de afretar navios aliviadores na plataforma Cascade-Chinook, no Golfo do México, um dos projetos da Petrobrás América – subsidiária da Diretoria Internacional.
“Esses afretamentos foram realizados, porém devidamente superfaturados, conforme solicitação de Pereira, apresentando um custo três vezes maior do que teriam caso fossem contratados para serviços similares na região da Bacia de Campos.”
Os ex-gerentes indicados pelo informante foram procurados, mas não foram localizados.
COM A PALAVRA A PETROBRÁS
A Petrobrás e a presidente, Graça Foster, não responderam aos questionamentos feitos. Em outras ocasiões, a estatal defendeu a necessidade de compra da Refinaria de Pasadena, na época do negócio. Em relação à comercialização na África, a estatal informou que a parceria envolveu a Petrobras International Braspetro B.V. (PIBBV), com o BTG Pactual, para exploração e produção (E&P) de óleo e gás. Em nota conjunta, os dois informaram que houve a constituição de uma joint venture, após o banco usar a Veículo BTG Pactual na compra de 50% das ações da Petrobras Oil & Gas B.V. (PO&G). A operação envolveu unidades em Angola, Benin, Gabão e Namíbia, e as subsidiárias Brasoil Oil Services Company (Nigeria) Ltd., Petroleo Brasileiro Nigeria Ltd. E Petrobras Tanzania Ltd.
O negócio “representa uma promissora oportunidade de investimento em E&P na África e será o veículo preferencial para novo investimentos dessa natureza em tal continente”, informou nota divulgada em 2013. A parceria foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras.
“A operação representa um passo importante para a Petrobras, no âmbito do seu Programa de Desinvestimentos, permitindo a ampliação de sua atuação na África e o compartilhamento dos investimentos requeridos para expansão e desenvolvimento de suas reservas”, afirmou o comunicado, na época.
MINISTRO EDSON LOBÃO
A assessoria de imprensa do Ministério de Minas e Energia afirmou que o ministro Edison Lobão “conhece a pessoa em referência, mas não a indicou para o cargo. Trata-se de técnico da empresa, e, assim, foi escolhido.” A pessoa em referência é José Raimundo Pereira.
BTG PACTUAL
A BTG confirma que o investimento foi feito e diz que a empresa ganhou o processo competitivo porque pagou o maior preço da licitação.
LEIA O DEPOIMENTO DO INFORMANTE NA ÍNTEGRA
Garganta profunda da Petrobrás aponta “má gestão proposital” na compra de refinaria para desviar recursos; cita Graça Foster e Lobão em dois outros escândalos
Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Fausto Macedo e Julia Affonso
Um mês após ser deflagrada a Operação Lava Jato, no início do ano, um funcionário de carreira com 30 anos de serviços prestados à Petrobrás procurou os delegados federais da força-tarefa para denunciar indícios de crimes e “má gestão proposital” na estatal “com o objetivo de desviar dinheiro sem levantar suspeita em auditorias e fiscalizações”. Além de apontar fraudes na compra da Refinaria de Pasadena, no Estados Unidos – mais emblemático escândalo do caso -, vinculou o nome do ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, como “padrinho” de um dos envolvidos e citou a atual presidente, Graça Foster, como responsável pela indicação de outros dois gerentes da área de negócios internacionais supostamente responsáveis por uma transação na Nigéria de venda de ativos, que teria gerado prejuízos aos cofres públicos.
Durante quatro horas, em um depoimento sigiloso realizado no dia 28 de abril, no Rio de Janeiro, – e anexado aos inquéritos da Lava Jato nesta terça-feira -, o “informante”, que não terá seu nome revelado nas investigações, falou de seis supostos crimes, em especial, a compra de Pasadena, iniciada em 2005. O negócio, que começou por um valor de US$ 359 milhões e terminou em US$ 1,2 bilhão, gerou prejuízo de US$ 793 milhões à estatal, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU).
O órgão já pediu o bloqueio de bens de 11 executivos da estatal. Segundo o informante, o operador do PMDB, Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano – preso em Curitiba (PR), desde o dia 21 -, teve participação ativa na movimentação de recursos decorrentes da transação de Pasadena, que teria sido propositalmente sobrevalorizada.
“Uma das pessoas que esteve presente intermediando toda a negociação com a Astra Oil foi Fernando Soares, o ‘Baiano’”, afirmou o colaborador, a apresentado como um funcionário prestes a se aposentar, ”descontente” com a “administração” da estatal e seu “sucateamento”, que não seria identificado por temer represálias.
O informante cita que o acordo de compra da refinaria envolveria a ”devolução de forma oculta aos envolvidos na operação” do “excedente ao valor do mercado” do negócio, paga à companhia Astra Oil, sócia da Petrobrás na companhia – cada uma tinha 50%.
“A Astra Oil contratou uma consultoria espanhola, onde este excedente foi repassado na forma de contratos fraudulentos de consultoria. Em seguida, através de formas ainda não conhecidas, estes recursos retornaram ao Brasil”, explicou o informante.
Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB na Diretoria Internacional, pelo doleiro Alberto Youssef e pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa – delatores do processo – é representante de duas grandes empresas espanholas no Brasil e é investigado pela PF por ter consultorias abertas em países como Espanha e Estados Unidos. Duas delas foram alvo de busca e bloqueios judiciais.
Para provar o que dizia, em um pedaço de papel, o funcionário-informante rabiscou um croqui do esquema de Fernando Baiano para movimentar o dinheiro da propina. Segundo ele, o mesmo esquema usado em Pasadena foi repetido em um outro negócio envolvendo a área internacional, mas no Uruguai. O material foi anexado às 17 páginas de seu depoimento, registrado na Informação Policial 18/2014, da Delegacia de Crimes Financeiros da PF, no Paraná. Segundo o documento sigiloso anexado ontem aos autos da Lava Jato, as informações devem ser tratadas “base para apurações” dos “indícios e relatos de possíveis crimes”. “Se faz necessário a investigação para averiguação se tais informações são verdadeiras”, registra o documento.
Informantes sempre tiveram papel central em escândalos de crimes políticos e financeiros. O mais emblemático é o “garganta profunda”, codinome do ex-diretor da CIA que nos anos 1970 deu o caminho do dinheiro aos jornalistas do Washington Post, que investigaram o caso Watergate, nos Estados Unidos, que levou o presidente Richard Nixon à renúncia. Só em 2005 sua identidade foi revelada.
Alertas de risco
“A aquisição da Refinaria de Pasadena/EUA foi marcada por sucessivos alertas dos riscos do projeto e por indícios de que houve dolosamente a intenção de causar prejuízo à Petrobrás”, declarou o informante. A compra, iniciada em 2005 pela Diretoria Internacional, envolvia a aquisição de 50% da unidade e a atuação em sociedade com a Astra. Um ano depois do negócio ser fechado, houve um desentendimento entre as sócias e a empresa belga acionou duas cláusulas do contrato (Merlim e Put option) que previa que em casos como esse uma das partes adquiriria os 50% da outra. Em 2009, a Justiça norte-americana obrigou a Petrobrás a pagar a parceira. O caso foi à Justiça no Brasil e terminou em acordo em 2012, com a estatal brasileira concordando em pagar US$ 895 milhões.
“Aproveitando-se da falta de transparência e do enorme volume de operações financeiras realizadas pela empresa, elaboram (denunciados) diversas formas de desviar recursos financeiros, seja escondendo estas operações com a utilização de termos técnicos complexos, demonstrando ’prejuízos propositais’ ou contratando supostas consultorias internacionais”, afirmou o colaborador. “Todas estas alternativas são conjecturas com o objetivo de desviar e apropriar-se indevidamente de recursos financeiros da Petrobrás.”
O garganta profunda da Petrobrás sustentou que as cláusulas compensatórios do contrato, como remuneração em caso de prejuízo e compra da outra metade em caso de desentendimento, que geraram elevação de custo final foram exigidas pela Astra Oil, “por temer as intenções da estatal brasileira”.
“Essas cláusulas não foram utilizadas para prejudicar a Petrobrás, mas sim para proteger a Astras Oil de prejuízos internacionais que a diretoria da Petrobrás estava tentando promover no solo americano”, explicou ele. “A diretoria da Astra Oil estava reocupada com a ‘má gestão proposital’ da Petrobrás e solicitou que diversas cláusulas de proteção fossem incluídas no contrato de compra da refinaria.”
O informante rebateu um a um os argumentos usados pela Petrobrás, em sua página na internet, para mostrar as necessidades de compra de Pasadena e o que foi feito após descoberta dos problemas. Segundo ele, internamente a estatal abriu uma Comissão Interna de Apuração – em 24 de março por determinação da presidente Graça Foster -, mas ela nada apontaria. “Essa comissão criada pela Graça só têm pessoas ‘leais’ a ela. Nada de irregular deverá ser revelado”. Documentos da sindicância chegaram recentemente à PF, que analisa ainda os dados.
Negócios na Nigéria
O garganta profunda da Petrobrás apontou o nome da atual presidente Graça Foster como responsável pela indicação de dois gerentes que foram responsáveis pela venda de 50% de seus ativos e interesses na África ao banco BTG Pactual, por US$ 1,5 bilhão, em junho de 2013. São participações nos blocos de exploração em produção na Nigéria - campos de AKPO e AGBAMI – e de desenvolvimento de produção no campo de Egina.
O informante afirma que o projeto era tocado por equipe multidisciplinar com coordenação da área de Novos Negócios, em parceria com a Diretoria Internacional. Na ocasião, bancos internacionais teriam avaliado os ativos da estatal no continente africano pelo valor mínimo de US$ 7 bilhões. Após a saída do diretor Jorge Zelada, em 2012, “a presidente da Petrobrás,
Graça Foster, passou a acumular a Diretoria Internacional, e desmobilizou a equipe que estava desenvolvimento o projeto,
concentrando todas as informações e negociações em apenas dois executivos escolhidos por ela Ubiratan Clair e André Cordeiro”.
“Com essa nova configuração, em poucos meses a Petrobrás vendeu 50% de participação de seus negócios na África por apenas US$ 1,5 bilhão contra um valor mínimo previsto anteriormente de US$ 3,5 bilhões - avaliado anteriormente pelos bancos internacionais”, afirmou o informante.
O negócio da venda ao banco já é alvo de investigação no TCU e também chegou a ser citada na CPI da Petrobrás, mas sem a associação do negócio diretamente a presidente Graça Foster. O negócio foi fechado em junho de 2013, e envolveu o banqueiro André Esteves, uma subsidiária da estatal brasileira na Holanda e os executivos citados pelo informante. Procurada, a presidente Graça Foster não respondeu à reportagem.
Lobão
O documento anexado ao processo da Lava Jato cita ainda o nome do ministro Edson Lobão, do PMDB, como padrinho de José Raimundo Brandão Pereira, ex-gerente executivo de Marketing e Comercialização da Diretoria de Abastecimento, que segundo o informante tentou superfaturar afretamentos de navios em Pasadena. Segundo ele, o acusado teria sua “permanência na empresa em decorrência da indicação política do PMDB, pois ele seria afilhado político de Edson Lobão”.
“Em determina situação, Pereira teria enviado a Houston/EUA, um home de sua confiança, Newton Vieiralves Sobrinho, com o objetivo de realizar contratos de afretamentos de navios superfaturados na Pasadena. Todavia, a empresa Astra Oil, sócia da Petrobrás, não aceitou esse contratos”.
Segundo ele, Sobrinho então teria sido incumbido por Pereira de afretar navios aliviadores na plataforma Cascade-Chinook, no Golfo do México, um dos projetos da Petrobrás América – subsidiária da Diretoria Internacional.
“Esses afretamentos foram realizados, porém devidamente superfaturados, conforme solicitação de Pereira, apresentando um custo três vezes maior do que teriam caso fossem contratados para serviços similares na região da Bacia de Campos.”
Os ex-gerentes indicados pelo informante foram procurados, mas não foram localizados.
COM A PALAVRA A PETROBRÁS
A Petrobrás e a presidente, Graça Foster, não responderam aos questionamentos feitos. Em outras ocasiões, a estatal defendeu a necessidade de compra da Refinaria de Pasadena, na época do negócio. Em relação à comercialização na África, a estatal informou que a parceria envolveu a Petrobras International Braspetro B.V. (PIBBV), com o BTG Pactual, para exploração e produção (E&P) de óleo e gás. Em nota conjunta, os dois informaram que houve a constituição de uma joint venture, após o banco usar a Veículo BTG Pactual na compra de 50% das ações da Petrobras Oil & Gas B.V. (PO&G). A operação envolveu unidades em Angola, Benin, Gabão e Namíbia, e as subsidiárias Brasoil Oil Services Company (Nigeria) Ltd., Petroleo Brasileiro Nigeria Ltd. E Petrobras Tanzania Ltd.
O negócio “representa uma promissora oportunidade de investimento em E&P na África e será o veículo preferencial para novo investimentos dessa natureza em tal continente”, informou nota divulgada em 2013. A parceria foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras.
“A operação representa um passo importante para a Petrobras, no âmbito do seu Programa de Desinvestimentos, permitindo a ampliação de sua atuação na África e o compartilhamento dos investimentos requeridos para expansão e desenvolvimento de suas reservas”, afirmou o comunicado, na época.
MINISTRO EDSON LOBÃO
A assessoria de imprensa do Ministério de Minas e Energia afirmou que o ministro Edison Lobão “conhece a pessoa em referência, mas não a indicou para o cargo. Trata-se de técnico da empresa, e, assim, foi escolhido.” A pessoa em referência é José Raimundo Pereira.
BTG PACTUAL
A BTG confirma que o investimento foi feito e diz que a empresa ganhou o processo competitivo porque pagou o maior preço da licitação.
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