A cada dia que passa, o ex-presidente Lula vai perdendo sua aura de intocável. Surgem aqui e ali histórias envolvendo seu santo nome, quase nunca em vão. As mais recentes são exemplares de como os fatos acabam sendo revelados, mesmo que se queira escondê-los.
Na CPI da Petrobras, o doleiro Alberto Youssef reafirmou ontem a convicção de que o Planalto sempre soube do "petrolão". "Como não saber?", perguntou aos interlocutores. Para explicar sua certeza de que tanto Dilma quanto Lula sabiam, Youssef contou que entre 2011 e 2012, na gestão Dilma, houve uma divisão no comando do PP, e não se sabia quem estava no comando.
O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa consultou o Planalto e voltou com a orientação oficial: Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais, e Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, eram os indicados para decidir quem no PP deveria receber as quantias em dinheiro desviadas da Petrobras.
Lula chegou a pedir desculpas ao povo brasileiro quando estourou o caso do mensalão, e se disse traído, não disse por quem, mas todos compreendiam a quem queria atingir, seu Ministro mais forte e próximo, José Dirceu, chefe da Casa Civil, que acabou preso em consequência do processo aberto no Supremo.
Mais adiante, quando a repercussão do escândalo já havia amainado, Lula passou a dizer simplesmente que o mensalão nunca existira, e garantiu até que se dedicaria a provar isso. Nunca fez um mísero gesto nesse sentido, mas em público manteve a postura de que o mensalão teria sido manobra contra seu governo.
Agora, vem a público um livro que revela a verdade de Lula que não poderia ter sido revelada. O livro sobre José Mujica, o ex-presidente uruguaio, a certa altura revela que Lula, em 2010, em uma conversa com ele, admitiu a existência do mensalão.
Segundo o relato dos jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, "Lula teve que enfrentar um dos maiores escândalos da História recente do Brasil: o mensalão, uma mensalidade paga a alguns parlamentares para que aprovassem os projetos mais importantes do Executivo. Compra de votos, um dos mecanismos mais velhos da política. Até José Dirceu, um dos principais assessores de Lula, acabou sendo processado pelo caso. (...) Lula não é um corrupto como Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros", disse-nos Mujica.
Ele contou, além disso, que Lula viveu todo esse episódio com angústia e um pouco de culpa. "Neste mundo tive que lidar com muitas coisas imorais, chantagens", disse Lula, aflito, a Mujica e Astori (vice-presidente eleito), semanas antes de eles assumirem o governo do Uruguai. "Essa era a única forma de governar o Brasil", justificou-se.
O que era para ser uma referência condescendente, quase elogiosa, a Lula desencadeou uma crise política que um dos autores do livro tentou conter, assumindo que descrevera de maneira equivocada o diálogo. "Lula estava falando sobre as "coisas imorais" [praticadas em seu mandato], e não sobre o mensalão. O que Lula transmitiu ao Mujica foi que é difícil governar o Brasil sem conviver com chantagens e "coisas imorais"", tentou explicar Danza.
Para azar dele e de seu companheiro de empreitada, a revista em que trabalham, "Búsqueda", publicou na edição que chegou às bancas na quinta-feira uma resenha do livro "Una oveja negra al poder", intitulada "Lula: el mensalão era la única forma de gobernar Brasil". O próprio Mujica, que já assinara o livro em noite de autógrafo, dando a ele um ar de legitimidade, teve que intervir, afirmando: "Lula jamais falou em mensalão nas conversas comigo. Uma vez me disse que, por ter uma minoria parlamentar, o chantageavam". E arrematou, para mal dos pecados dos autores do livro: "Se os jornalistas escreveram isso, é por conta deles".
Nada mais ridículo do que o papel de um ex-presidente tendo que assumir de público que seus biógrafos oficiais distorceram suas palavras, as únicas do livro que foram desmentidas, pelo que se sabe.
Talvez essas histórias não bastem para incriminar o ex-presidente Lula, mas o conjunto da obra - inclusive a ligação com as empreiteiras e os favores recebidos mesmo depois de ser presidente - acaba formando um quebra-cabeça que dificilmente deixa de ser montado por quem não é crédulo ou não faz parte do esquema político beneficiado.