domingo, junho 13, 2010

DANUZA LEÃO

Por falar em saudade
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/10


Senti falta de estar de saia, salto alto, e mexendo o gelo do uísque com o dedo e fumando um cigarro

SABEMOS TODOS que o cigarro é um veneno, que o álcool é outro, que açúcar engorda, e por aí vai. Depois de várias tentativas, consegui parar de fumar, e estou muito feliz comigo mesma. A respiração melhorou, subo dois ou três lances de escada sem aquele vexame de parar no meio para tomar fôlego, estou nadando todos os dias, enfim, um sucesso total.

Fico feliz quando alguém me pergunta como consegui, e respondo com todo o prazer e paciência do mundo a todas as perguntas a respeito. O melhor seria nunca ter começado, claro, mas já foi, e fumar e beber uísque, vamos combinar, é coisa do século passado. Mas que de vez em quando dá uma saudade, lá isso dá. Ah, como era bom.

Outro dia combinei de jantar com um amigo num japonês, desses bem modernos. Marcamos já no restaurante, e como adoro sentar sozinha e ficar prestando atenção às coisas e às pessoas, cheguei 15 minutos antes da hora; com mais os regulamentares outros dez de atraso do meu amigo, eu teria 25 minutos só meus, como bem gosto. Sentei no balcão do sushi bar, pedi um saquê gelado e comecei a sentir falta de alguma coisa, só que não sabia bem do que era. Eu estava modernamente vestida de jeans, camiseta e tênis, consequentemente, sem salto.

E senti uma falta imensa de estar vestida de mulher, de saia, salto alto, e detalhe: mexendo o gelo do meu uísque com o dedo e fumando um cigarro; não num balcão de sushi bar, mas num bar de verdade. Não vou voltar a fumar, provavelmente nunca mais vou tomar um uísque na vida, mas vamos combinar: que saudade.

As modas dos vinhos e da gastronomia são muito responsáveis pela complicação da vida atual; era tão fácil receber os amigos; bastava ter em casa uísque, vodca, gelo e água. Se fosse servir um jantar, uma massa, uma salada e um vinho, talvez, mas não obrigatório. Aí inventaram que os vinhos etc. e tal, e quem não fica aterrorizado quando se vê diante de uma prateleira com os brancos, os tintos, os rosés -agora liberados-, das mais estranhas procedências, e ainda tendo que saber de que ano e de que região? Eu fico, e penso que a vida já foi mais "easy". Mas adoro ver aqueles que não entendem nada do assunto -mesmo tendo feito um curso- com ar de que entendem.

Quando, no restaurante, o garçom apresenta a carta de vinhos, a pessoa percorre com os olhos aquela longa lista, como se estivesse lendo grego, e se decide por um deles (pelo preço); nunca nem o mais barato nem o mais caro, sempre um tipo médio. Quando chega o vinho, ele prova, diz que pode servir, e quem está do lado se sente na obrigação, ao primeiro gole, de dizer: "bom esse vinho"; alguns vão adiante, pegam a garrafa para ver o rótulo e falam sobre o assunto. Nada mais divertido do que a comédia humana.

Voltando ao uísque: é uma bebida legal, que se envelhecer não se modifica, com três garrafas se faz uma festa, é encontrado em qualquer lugar do mundo e que, bebido moderadamente (tudo tem que ser moderado nesta vida), faz bem às artérias. Mas não se trata de beber, e sim de clima.

Marcar um primeiro encontro num bar, pedir um uísque, e para disfarçar o nervosismo e a tensão, pegar um cigarro. Na confusão, não se encontra o isqueiro na bolsa, claro, mas ele acende seu cigarro. Tem melhor? Não é um momento precioso?
É; aliás, era.

LULA NA ESCOLA

LULA NA ESCOLA




"Redassão" 

Tema: 'O mano'

Quando eu tiver um mano,
vai-se chamar Herrar, porque
Herrar é o mano

GOSTOSA

JOSÉ (MACACO) SIMÃO

Argentina na latrina
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/10


Jogador argentino é tão convencido, que, quando cai um raio, ele pensa que é FLASH!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! Direto da Cópula do Mundo! RUMO AO ÉQUIÇA!
Zoreias em pânico. Meus ouvidos não vão aguentar! Galvão e Vuvuzela! Tecla Mute! Ops, TECLA MATE! Rarará!
Quem foi o corno que inventou essa corneta? E o Eramos6 insiste em perguntar: o Dunga vai usar ferradura da Adidas ou da Nike? E diz que a Lady Gaga vai gravar o "Cala Boca, Galvão!".
A Argentina estreou vencendo a Nigéria por 1 a 0: oito gols perdidos e um roubado! Em todo caso: não chores por mim, Argentina, que amanhã é tu na latrina. Jogador argentino é tão convencido, que, quando cai um raio, ele pensa que é FLASH!
O Maradona não devia ser técnico da seleção. Devia ser a bola! E sabe o que vai acontecer com o time do Maradona? Vai virar pó! Maradona fica pelado, e Argentina vira pó. E um amigo meu não tá nem otimista nem pessimista, tá peronista: vai torcer pela Argentina. E a pior coisa do álbum da Copa: tirar argentino repetido. Rarará!
E eu tô impressionado com a segurança dos americanos. Eles vieram pra participar ou pra invadir? A revista é tão rigorosa que eles fazem até exame de próstata! E sabe o que tá escrito no busão da seleção dos Estados Unidos? "Ô Ô Ô! Osama é um terror!". Rarará!
E o Galvão? O HEXAGERADO! Van Gogh cortou a orelha só pra não ouvir o Galvão. E um psicanalista falou pro paciente: "Conte-me tudo desde o início". "No início, eu criei o céu e a terra". O paciente era o Galvão Bueno! Rarará!
E a piada pronta do dia: ""Policia luta contra o relógio pra encontrar assaltantes da Rolex, diz delegada". Rarará!
E fala pro Dunga levar o time dos sindicatos dos coveiros de Guarulhos. Mão de Manteiga, Billy Bafo de Bosta, Rui Fiofó de Minhoca e Marquito Pinto de Grilo! Ataque: Camisinha de Mosca e Urubu de Zorba! Ou então aquele craque de Caucaia: Mama na Égua! Mas eu insisto no Frango do Carrefour. O apelido é porque ele solta muitos gases em campo e bota a culpa no frango do Carrefour. "Ah, foi o frango do Carrefour." Rarará.
E na Nigéria tem um general chamado Keroku. Keroku do Maradona! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E FORÇA NA VUVUZELA!

JOÃO UBALDO RIBEIRO

A boa alimentação num boteco do Leblon
JOÃO UBALDO RIBEIRO

O ESTADO DE SÃO PAULO -13/06/10
- Que é que houve, cara, tá esperando alguém? É a terceira ou quarta vez que você olha pro relógio.

- É tique nervoso.

- Nunca notei esse tique em você.

- É novidade. Eu devo estar cheio de tiques novos, esse deve ser somente um deles. É o tique-refeição, ha-ha, taí, gostei do trocadilho, tique-refeição, é isso mesmo.

- Explique mais, pra eu dar risada também.

- É o seguinte, é por causa das três em três horas. Agora a Celinha entrou para um curso de alimentação e todo mundo lá em casa tem de comer de três em três horas. Ou seja, eu comi às oito, comi às onze e agora vou ter de comer às duas da tarde.

- De três em três horas? Eu nunca ouvi falar nisso.

- Ignorância sua. Nossa, aliás, porque eu também não sabia. O professor da Celinha explicou. Cientificamente, o certo é comer de três em três horas. Aliás, ele disse que o certo mesmo é comer o tempo todo, é o natural, é assim que os gorilas comem, por exemplo.

- Quer dizer que o cientificamente certo é comer igual aos gorilas?

- Ele disse que é o natural, que o homem não foi feito para se empanturrar, como nós fazemos hoje em dia. A gente devia mesmo era passar o dia inteiro beliscando. Mas aí, como não dá, deve se fazer uma refeiçãozinha de três em três horas.

- Bem, se é científico, tudo bem. Eu acho um pouco rígido, mas pra você deve estar tudo bem, você sempre gostou de comer.

- De comer. Comeeeer! É verdade, eu sempre gostei de comer, tenho sentido muita falta.

- Como, muita falta, e o esquema das três em três horas?

- Isso é comer somente por força de expressão. Agora eu me alimento. O professor prefere o verbo nutrir, mas eu acho que dizer "eu vou me nutrir" tem sempre um som meio indecente, então eu me alimento.

- Mas não acaba dando no mesmo?

- Não! Quando eu não me nutria, nem me alimentava e só comia, eu gostava da comida! Eu não tinha raiva dela! Ela era bonita, era cheirosa, era gostosa, eu ficava enternecido, eu tinha saudades, eu curtia devagarinho... E ela gostava de mim também, a gente se dava bem, raramente tínhamos um probleminha rápido, que qualquer antiácido resolvia. Agora não, agora ela é uma inimiga traiçoeira, coalhada de armadilhas, é uma aproximação cheia de suspeita e desconfiança, é um inferno!

- Também não é assim, acho que seu tique nervoso está subindo à cabeça. Esse professor deve recomendar algumas coisas boas para comer. Eu não sei nada desse curso que ele dá, mas tenho certeza de que, por exemplo, frutas e legumes ele não deve proibir.

- Ele só falou nos agrotóxicos! Você não faz ideia do que borrifam nas hortas, a começar por água de esgoto e a terminar por uns produtos químicos que causam câncer de pele em rinoceronte, é uma coisa horrorosa. Outro dia eu facilitei, comi uma salada de alface num boteco e depois passei a tarde achando que tinha perfurado o duodeno. Não, a única verdura segura mesmo é a que você planta em sua horta e, como eu não tenho horta, nada de verdura. Fruta é a mesma coisa, o professor disse que elas praticamente tomam banhos de inseticidas.

- É, mas aí dá pra lavar bastante, descascar etc. Com boa vontade, dá pra consumir sem grilo.

- Sem o grilo do agrotóxico, vamos dar de barato. E o grilo dos triglicerídeos? Você tá sabendo que tem um negócio que eu não sei bem o que é mas tem, um negócio com triglicerídeos em fruta, não é toda fruta que é assim uma boa, sem mais nem menos, tem que ter muita cautela. E o equilíbrio do PH do sangue, que eu também não sei o que é, mas tem fruta que é ácida e embanana o PH do indivíduo, tem fruta que não pode ser misturada com outros alimentos, você não sabe de nada! Tem fruta que pode te intoxicar pesado, se comer em jejum! E os açúcares nocivos? Glicose não sobe somente com sorvete, não! Você sabia que a maioria das frutas brasileiras não foi estudada e ninguém sabe que desgraça elas podem ter que ainda não foi descoberta?

- Tenha calma, cara, não precisa se exaltar. Em último caso, tu arruma um gorila pra ser teu provador.

- É, você quer curtir com minha cara, mas não adianta querer escapar da realidade.

- Tá legal, então esquece as frutas, come um peitinho de frango. Ou então um ovinho na água, ovo já pode.

- Só louco, cara. O professor mostrou por A mais B como isso é o pior veneno que você pode imaginar. Você sabe como esses frangos são criados, o que injetam de hormônios neles? E os ovos são a mesma coisa, porque as galinhas também tomam hormônios!

- Bom, então fica difícil. Que é que você vai comer, agora às duas?

- Ração. Eu vou comer ração. O professor ensinou e agora Celinha prepara pra gente uma ração cientificamente balanceada.

- Entendi por que você falou nos tiques. Senti qual vai ser o novo.

- É?

- É, vai ser morder quem chegar perto de seu prato. É o natural.

GOSTOSAS

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Foto do momento
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/06/10
Pesquisa interna do PT no Estado de São Paulo, fechada preliminarmente na sexta, aponta a intenção de votos de 6 mil entrevistados. Para presidente: Serra 43% e Dilma 31%. Para governador: Alckmin 15% e Mercadante 15%. Para senador(a): Marta 40%, Quércia 28%, Tuma 24%. E Aloysio Nunes com 7%.
Abalos sísmicos
O clima esquenta na CPI da Bancoop terça, com o depoimento de Ricardo Luiz do Carmo. Engenheiro que coordenou até recentemente obras da cooperativa. Consta que o moço irá soltar o verbo.
Cloro na fonte
Amanhã Guilherme Afif vai por a venda 800 kits da Copa, em frente à Associação Comercial de SP. Detalhe: descontará todos os impostos. Por exemplo, na compra de R$ 30, o cliente pagará R$ 18,81. Uma forma para "lembrar" a Câmara de votar a lei que obriga discriminar o valor dos tributos em nota fiscal.
Sortudo
Adriano Silva, de 16 anos, foi o sorteado para entrar carregando a bandeira do Brasil na estreia da seleção, terça. Louco por futebol, ele venceu concurso da Coca-Cola.
Suados
Técnicos brasileiros do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento negociam, em Washington, a questão da retaliação do Brasil contra os EUA. Com o devido aval do Senado.
Tecno-teacher
Clóvis de Barros Filho ousa. Dá curso por videoconferência a partir de quarta, direto da África do Sul. Onde ficam os alunos? Na Casa do Saber.
O forno da Cia. das Letras está quente. Luiz Schwarcz lança no fim do mês o novo selo Penguin Companhia Clássicos - parceria com a inglesa Penguin Book. "Todos os detalhes das edições britânicas serão preservados, principalmente as clássicas notas de rodapé", conta o editor, que convenceu John Makinson, da Penguin, a vir ao Brasil participar da Flip, em agosto, quando farão uma festa para comemorar a parceria. Entre as novidades, O Príncipe, de Maquiavel, com introdução assinada por Fernando Henrique Cardoso.

Responsabilidade social

A Roche está mobilizada por causa do Dia Internacional da Criança Africana. O grupo promove campanha mundial, quarta, para arrecadar doações entre seus funcionários para os órfãos de Malavi.
A Casa Hope, capitaneada por Claudia Bonfiglioli, vai homenagear os apoiadores da instituição, com Prêmio Casa Hope de Responsabilidade Social. Em setembro, na Sala SP.
A Usiminas ampliou a atuação do Xerimbabo, em MG. O projeto de educação ambiental com estudantes de rede pública será desenvolvido também na região de Serra Azul.
Ponto para a Fundação Bradesco. A acaba de instalar um Centro de Inclusão Digital para indígenas em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
E a jaqueta projetada para deficientes visuais com a estampa de Ray Charles foi a sensação do 2ºConcurso de Moda Inclusiva, que aconteceu terça. Criação de Cilmar Silva, aluno da ETEC.
A Sulamérica Seguros, em parceria com a Oi, oferecerá caixas de coleta de lixo eletrônico em suas unidades.
A Fundação Espaço Eco faz balanço de cinco anos: plantou 350 mil mudas, realizou 20 estudos de ecoeficiência e ações de educação ambiental.
O Projeto Escola Brasil, do Santander chegou aos 2.215 voluntários, 43% a mais do que no ano passado. No projeto, os participantes beneficiaram 170 escolas públicas do País.
Sinhá e sinhô. É no sábado a Festa Junina da Liga Solidária em prol dos projetos da organização. No Educandário Dom Duarte.
Detalhes nem tão pequenos...

1. Estilo Frida Kahlo chega até aos pés das mulheres-sexo feminino.
2. Muita água e alface para entrar na passarela nos trinques. E fugir dos flashes maliciosos.
3. Está aí a sola vermelha amada pelas loucas por sapatos. O difícil é controlar a compulsão.
4. Nem só de passarelas vive a moça bonita. Carrega o país de origem no peito.
5. Dá trabalho. E dor profunda na raiz do couro cabeludo.
6. Já que não dá para comprar o real, que tal uma miniatura da cadeira Carlos Motta?
Colaboração
Débora Bergamasco debora.bergamasco@grupoestado.com.br
Gilberto de Almeida gilberto.almeida@grupoestado.com.br
Marilia Neustein marilia.neustein@grupoestado.com.br
Paula Bonelli paula.bonelli@grupoestado.com.br

MANOEL CARLOS


Namorados

MANOEL CARLOS
REVISTA VEJA-RJ


–Para mim, a melhor fase de uma história de amor é a do namoro. Chego a sonhar com uma vida amorosa em que eu passasse de um namoro para outro, sem ter de viver os lances que normalmente se seguem a esse período, e que terminam, fatalmente, no casamento.

Essa afirmação foi feita pelo Nestor, no encontro casual que tivemos no bar Severino, da Livraria Argumento, pautado por um tinto chileno e nacos de grana padano.

— Uma vida assim dispensaria as separações traumáticas, os divórcios custosos e todos os contratempos e desprazeres que acompanham as relações estáveis — completou o Nestor.

Não contestei, já que a conversa era amena e os pontos de vista do Nestor me eram familiares, mas perguntei:

— E pensa em continuar dando um filho a cada namorada?

— Que filhos? — retrucou o Nestor, a expressão de surpresa, como se perguntasse sobre marcianos ou trogloditas.

— Ué — continuei —, você consegue pensar numa vida amorosa e feliz sem pensar nos filhos?

O Nestor deu um amplo sorriso, baixou a voz, já que estávamos rodeados de mulheres, que ocupavam praticamente todo o salão, e prosseguiu:

— Vida amorosa com harmonia, em clima de permanente namoro, não apenas dispensa os filhos como só é possível alcançar sem eles. Você conhece a minha opinião sobre o assunto: “Sejam felizes até que os filhos os separem”. Foram eles, e mais a maldita rotina da vida em comum, que quase me levaram à falência com os três divórcios.


Faço um parêntese para contar que o assunto do namoro não surgiu do nada entre nós dois, mas porque eu me lembrei de que estávamos às vésperas do Dia dos Namorados. Quanto ao meu amigo, posso radiografá-lo em poucas palavras: tem 51 anos, casou-se três vezes e — como já contei acima — tem três filhos, um com cada uma de suas mulheres. Depois do terceiro divórcio, passou ao namoro constante.

— Deixa eu lhe contar um namoro inesquecível entre os muitos que tive e tenho — falou ele. E contou:

— Uma vez, há uns vinte anos mais ou menos, numa ponte aérea Rio-São Paulo, o avião entrou numa área de turbulência. Uma bela comissária, que até então eu nem sequer havia notado, sentou-se, apressadamente, na poltrona vazia ao meu lado, o que a impediu de cair no corredor. E ela, que estava ali para acalmar a todos, teve medo, tremeu da cabeça aos pés, e segurou a minha mão.

Reconheci que era uma cena emocionante uma comissária com medo segurando a mão de um passageiro. Ele continuou:

— Juro que desejei que aquela turbulência não acabasse nunca e até lamentei que a viagem fosse tão curta. Quando o voo se normalizou, ela me olhou com carinho e gratidão, sem nada dizer. Trocamos os números dos nossos telefones e já no dia seguinte iniciamos um namoro que durou mais de um ano e foi a suprema felicidade da minha vida.

— Nossa! — exclamei. — E por que acabou?

— Ah, acabou porque ela teve de entregar o apartamento em que vivia e me pediu para ficar morando comigo até que alugasse outro. Bem, com isso, em menos de um mês, o namoro foi para o vinagre, virou casamento. E os casamentos acabam, ao contrário dos namoros, que podem durar para sempre.

Eu ia contestar, dizer que isso não era uma regra geral, mas o nosso papo foi interrompido pela Virginia, a atual namorada do Nestor, que chegou esbaforida, queixando-se do trânsito, e morta de sede.

Aproveitei para me despedir e fui ao Shopping Leblon, onde entrei numa loja e comprei meu presente para a Bety, minha mulher, ou melhor: minha namorada. Um namoro que já dura 33 anos e nos deu dois filhos que nos orgulham. Espero que o Nestor ainda encontre, como eu encontrei, uma namorada para a vida toda.

VOVOZELA

BRASIL S/A

Negócio bilionário
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 13/06/10

Capitalização da Petrobras já está aprovada, será recorde no mundo e vai implicar muitos desafios


O reforço de capital para a Petrobras montar a infraestrutura que trará do fundo do mar o petróleo do pré-sal será o grande destaque do noticiário econômico das próximas semanas. A capitalização, que poderá chegar a R$ 150 bilhões, será recorde em termos mundiais.

A autorização foi aprovada pelo Senado sem mudanças do projeto de lei já votado na Câmara, e irá à sanção do presidente Lula. É algo que ele deverá usar em favor da candidatura de Dilma Rousseff. Por ora, só deverá haver espaço para a grandiosidade do evento.

Muito técnicos, os detalhes e sequelas da operação deverão passar despercebidos ao eleitor. A primeira polêmica será a própria forma de capitalização. Segundo a lei aprovada, a Petrobras recebeu sem licitação o direito de exploração de uma das áreas do pré-sal, na Bacia de Santos, até o limite de 5 bilhões de barris.

Trata-se, agora, de arbitrar o preço do barril e o de seu custo de extração. A lei não o fixou. Preço e custo serão definidos entre o governo e a Petrobras, balizados por consultorias internacionais. Se for alto, a sociedade ganha, mas pode não atrair o investidor.

Uma vez definidos tais valores, o petróleo extraído será vendido a preços de mercado, e a Petrobras ressarcirá a União, abatidos os custos e a margem operacional. Mas a União é também o maior acionista da Petrobras por meio do Tesouro. Como será a subscrição das ações que ela vai emitir para que não se dilua o controle do Estado?

E deverá ser mais, pois a intenção do governo é aumentar a fatia do Estado na empresa. O Tesouro emitirá títulos de dívida em valor equivalente ao da valoração dos 5 bilhões de barris. As operações serão simultâneas. Com os papéis, o Tesouro integraliza o que cabe ao Estado no aumento de capital e fecha a engenharia financeira.

Na prática, os papéis serão leiloados no mercado financeiro como todos os títulos do Tesouro, virando dinheiro sonante no caixa da Petrobras. É esse capital, mais o que virá dos acionistas privados que se interessarem em manter a sua participação na empresa, que vai bancar o investimento em plataformas de exploração, oleodutos, plantas de gás, navios petroleiros e três a quatro refinarias.

A diretriz à Petrobras, ordenada por Lula, é que o petróleo do pré-sal seja vendido sob a forma de derivados, não bruto, como é o que ocorre normalmente, para agregar valor às exportações. Dará certo se o mercado quiser, e só pelos países sem capacidade de refino.

Pré-sal será salgado
Tal questão, como tantas outras provocadas pela mudança do marco exploratório do petróleo aprovado pelo Congresso, fica para outra análise. Ao menos, para depois que a Petrobras aprove o seu plano de negócios de 2010 a 2014. Essa conta exigirá dinheiro grosso.

Os investimentos estão avaliados entre US$ 200 bilhões e US$ 220 bilhões, financiados pelo aumento de capital, com limites de R$ 60 bilhões em ações ordinárias e R$ 90 bilhões em preferenciais.

Nas especulações dos analistas, a capitalização deve ser da ordem de R$ 110 bilhões, pouco menos que o aumento total autorizado. As outras fontes de financiamento virão de dívidas, parte pelo BNDES, e, principalmente, da geração própria de caixa da Petrobras.

Nem tudo sairá do chão
A expectativa é que todo o processo esteja concluído até o fim de agosto, permitindo a Lula e a Dilma anunciá-lo durante a campanha. O novo governo poderá rever os investimentos. Já se especula que uma das novas refinarias poderá não sair do papel. Se Dilma se eleger, o plano básico tem mais chances de ser mantido sem revisões.

Com mais um a dois anos, no entanto, o investimento no pré-sal se tornará irreversível. Aí restará torcer para que o preço do barril de petróleo não venha abaixo de US$ 40, patamar considerado mínimo para a viabilidade financeira do pré-sal, pelos próximos 20 anos.

O ônus antes do bônus
No curto prazo, o aumento de capital da Petrobras implica muitos desafios. O maior deles será a entrada dos dólares dos acionistas estrangeiros da Petrobras. O Banco Central terá de enxugá-los para evitar a valorização do real e, assim, o colapso das exportações.

A dívida bruta vai crescer, embora não haja impacto para a dívida líquida. Mas o mercado começa a se incomodar com tal jogo contábil — em que o Tesouro se endivida para reforçar o BNDES, capitalizar a Petrobras e esterilizar os aportes que chegarão de fora.

Não é improvável que a operação concorra com outras aplicações, levando-as à desvalorização. E ainda que o aumento de renda pelos investimentos no pré-sal leve o BC a pisar ainda mais nos juros.

Riscos não discutidos
O estranho ao projeto, ao modelo regulatório e à viabilidade do pré-sal é que não tenha havido a discussão sobre os riscos para a empreitada. A Petrobras os conhece, até porque é peça obrigatória nas negociações com os bancos. Os parlamentares, porém, votaram o que não entendem nem se esforçaram em entender, salvo uns poucos.

O risco é o de alguma tecnologia que ameace o domínio do petróleo sobre o modo de produção, sobretudo em transportes, que respondem por 70% de sua demanda no mundo. As montadoras começam a pôr ficha no carro elétrico. Nos EUA, está avançada a pesquisa para baterias de longa duração e recarga rápida. A tecnologia existe. Não há é a regulação que incentive a substituição do petróleo. O que pode vir não está claro, mas há mais que burburinhos nessa direção.