Por falar em saudade
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/10
Senti falta de estar de saia, salto alto, e mexendo o gelo do uísque com o dedo e fumando um cigarro
SABEMOS TODOS que o cigarro é um veneno, que o álcool é outro, que açúcar engorda, e por aí vai. Depois de várias tentativas, consegui parar de fumar, e estou muito feliz comigo mesma. A respiração melhorou, subo dois ou três lances de escada sem aquele vexame de parar no meio para tomar fôlego, estou nadando todos os dias, enfim, um sucesso total.
Fico feliz quando alguém me pergunta como consegui, e respondo com todo o prazer e paciência do mundo a todas as perguntas a respeito. O melhor seria nunca ter começado, claro, mas já foi, e fumar e beber uísque, vamos combinar, é coisa do século passado. Mas que de vez em quando dá uma saudade, lá isso dá. Ah, como era bom.
Outro dia combinei de jantar com um amigo num japonês, desses bem modernos. Marcamos já no restaurante, e como adoro sentar sozinha e ficar prestando atenção às coisas e às pessoas, cheguei 15 minutos antes da hora; com mais os regulamentares outros dez de atraso do meu amigo, eu teria 25 minutos só meus, como bem gosto. Sentei no balcão do sushi bar, pedi um saquê gelado e comecei a sentir falta de alguma coisa, só que não sabia bem do que era. Eu estava modernamente vestida de jeans, camiseta e tênis, consequentemente, sem salto.
E senti uma falta imensa de estar vestida de mulher, de saia, salto alto, e detalhe: mexendo o gelo do meu uísque com o dedo e fumando um cigarro; não num balcão de sushi bar, mas num bar de verdade. Não vou voltar a fumar, provavelmente nunca mais vou tomar um uísque na vida, mas vamos combinar: que saudade.
As modas dos vinhos e da gastronomia são muito responsáveis pela complicação da vida atual; era tão fácil receber os amigos; bastava ter em casa uísque, vodca, gelo e água. Se fosse servir um jantar, uma massa, uma salada e um vinho, talvez, mas não obrigatório. Aí inventaram que os vinhos etc. e tal, e quem não fica aterrorizado quando se vê diante de uma prateleira com os brancos, os tintos, os rosés -agora liberados-, das mais estranhas procedências, e ainda tendo que saber de que ano e de que região? Eu fico, e penso que a vida já foi mais "easy". Mas adoro ver aqueles que não entendem nada do assunto -mesmo tendo feito um curso- com ar de que entendem.
Quando, no restaurante, o garçom apresenta a carta de vinhos, a pessoa percorre com os olhos aquela longa lista, como se estivesse lendo grego, e se decide por um deles (pelo preço); nunca nem o mais barato nem o mais caro, sempre um tipo médio. Quando chega o vinho, ele prova, diz que pode servir, e quem está do lado se sente na obrigação, ao primeiro gole, de dizer: "bom esse vinho"; alguns vão adiante, pegam a garrafa para ver o rótulo e falam sobre o assunto. Nada mais divertido do que a comédia humana.
Voltando ao uísque: é uma bebida legal, que se envelhecer não se modifica, com três garrafas se faz uma festa, é encontrado em qualquer lugar do mundo e que, bebido moderadamente (tudo tem que ser moderado nesta vida), faz bem às artérias. Mas não se trata de beber, e sim de clima.
Marcar um primeiro encontro num bar, pedir um uísque, e para disfarçar o nervosismo e a tensão, pegar um cigarro. Na confusão, não se encontra o isqueiro na bolsa, claro, mas ele acende seu cigarro. Tem melhor? Não é um momento precioso?
É; aliás, era.
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