terça-feira, agosto 28, 2012

O conforto do outro - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA

Viver sozinho é uma opção moderna. O sujeito não é acordado pelo despertador dos outros, volta para casa na hora que quer e vê o que deseja na televisão. Nunca tem de interromper a leitura para escutar a última história sobre a família, o trabalho ou os amigos de ninguém. Se em algum momento estiver carente, tenta encher o quarto com o corpo e as ideias de uma mulher de quem ele goste. Temporariamente.

Vale o mesmo para as mulheres, claro. Muitas vivem perfeitamente à vontade com o silêncio, o vinho e os cosméticos de quem está sozinha. Cozinham para ela e as amigas, assistem duas temporadas inteiras de uma série no fim de semana e, se der vontade, arrumam companhia com mais facilidade do que os homens. Desde a invenção da internet, até o delivery de sexo por meio dos sites de relacionamento ficou fácil. Nem precisa mais sair de casa.

Ainda assim, as pessoas se juntam, namoram e passam a dormir juntas todos os dias. Diante dos confortos e facilidades da vida urbana, essa atitude às vezes me parece um mistério. Por que abrir mão da enorme e promissora liberdade do século 21 para se confinar ao espaço de um único relacionamento, que tende a ser mais estreito e mais restrito do que qualquer arranjo solitário? Supondo que os envolvidos não queiram ter filhos, claro. Se quiserem, é outra história. Até hoje, ninguém inventou um ambiente melhor para criar filhotes humanos do que uma casa em que haja dois adultos dividindo essa pesada responsabilidade.

Mas pouca gente pensa em filhos quando começa um relacionamento desses em que se dorme junto toda hora. Elas querem outra coisa quando se metem na casa dos outros ou permitem que os outros se metam na casa delas. Se você perguntar, dirão que é algo grandioso como amor ou compromisso. Eu duvido. Essas palavras representam abstrações intangíveis na vida real, enquanto as nossas decisões diárias são baseadas em elementos concretos da existência. Mesmo que isso seja inconsciente. Dou exemplos:

Pode tomar banho com ele, dormir encostado nele, transar com ele do jeito que gosta ou mesmo amarrar e bater, se você for da turma dos Cinquenta Tons de Cinza. Isso do ponto de vista estritamente físico. Mas um corpo, claro, tem também um cérebro com informações e capacidade analítica. Essa parte neurológica da sua companhia pode ser usada para lembrar o nome de um filme, discutir seus projetos profissionais, refletir sobre os seus sentimentos conturbados ou para esclarecer um detalhe do processo do Mensalão que você não entendeu. Não se pode deixar de lado, evidentemente, a função social do corpo parceiro. Você pode viajar com ele, levá-lo ao cinema ou almoçar com ele na sua mãe, aos domingos. Assim fica mais gostoso fazer coisas que de outro jeito você acharia aborrecidas. Quando as pessoas dizem amor, elas estão pensando, concretamente, em sexo e companhia constante. É isso que um relacionamento sólido garante. Alguns dias por semana, ou todos os dias, você tem assegurada a presença física de alguém de quem gosta – e pode fazer várias coisas com esse corpo querido.

As pessoas precisam de ajuda, aconchego, distração. Tudo isso vem no pacote físico do relacionamento. Se você não tem alguém na sua vida, vai fazer supermercado sozinho toda semana. O que pode ser pior do que isso? Cozinhar pode ser outra tarefa intolerável com apenas duas mãos. Falta quem lave as folhas, pique a cebola e guarde a louça depois do jantar. E não é só isso. Quem ajuda a colocar as malas no carro? Quem vai levar para casa o amigo que bebeu demais? Quem decide a cor da porcaria da parede e o formato da droga da pia do banheiro? Quem faz você rir do seu mau humor matinal? Quem abraça você se chegar em casa chorando depois de um dia de cachorro? Para isso tudo serve o namorado, a mulher, o corpo parceiro.

Acho que essas razões concretas, e não as palavras altissonantes, explicam por que as pessoas abrem mão da liberdade moderna para meter-se em relacionamentos. O conforto do sexo e da companhia constante não se consegue de outra forma. Não está à venda no supermercado e não tem no delivery dos sites de relacionamento. Para ter alguém enchendo a sua vida – e algumas vezes o seu saco – é preciso renunciar a parte da sua independência e do seu sossego, deixar que o outro invada o seu espaço com móveis esquisitos, conversa fiada e despertadores barulhentos. Faz parte. Quem já passou por isso sabe que nem sempre é sensacional, mas ultimamente, agora, esta manhã, tem sido indescritivelmente bom.

Forno da discórdia - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 28/08

Sérgio Cabral mandou um duro recado a Heinrich Hiesinger, presidente da ThyssenKrupp, controladora da Companhia Siderúrgica do Altântico (CSA), que, em dificuldades, foi posta à venda.
O governador avisou que corta todos os incentivos da usina se a alemã decidir desligar um dos dois altos-fornos.

Segue...

Se isto ocorrer, a CSA reduzirá à metade sua produção, de 5 milhões de toneladas de aço por ano.

Câncer é cultura

Diante da grita de um grupo de artistas, a própria Casa Civil de Dilma prometeu rever o assunto.
Mas, do jeito que a MP 563 foi aprovada, recentemente, os recursos destinados à cultura pela Lei Rouanet podem ser desviados para pesquisas médicas, notadamente sobre câncer.

Pé no jato
Veja como é dura a vida de Michel Temer. Em menos de um mês, terá de voltar a Londres, onde esteve no encerramento das Olimpíadas.
O vice embarca dia 9 para acompanhar os Jogos Paralímpicos como representante de Dilma.

Templo é dinheiro
A Igreja Universal criou um aplicativo no Facebook para doações on line. O pagamento pode ser feito por cartão de crédito ou boleto.
O fiel também pode escolher o destino da doação entre "dízimo, construção de templo, oferta para evangelização em rádio e TV, voto com Deus ou auxiliares do bispo”!

De mulher para mulher

Angela Merkel, a chanceler alemã, pediu para ter um papo a sós com Dilma durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro.

SINHAZINHA, CRAVO E CANELA
Maitê Proença, a linda e talentosa atriz, aos 54 anos, roubou a cena com sua personagem Sinhazinha na nova versão de “Gabriela”, na TV Globo. A bela posa aqui para a capa da próxima revista ““SimplesMente”. Na entrevista, nossa Maitê revela que já se emocionou ao experimentar religiões afro-brasileiras como candomblé e umbanda, e até com o Santo Daime. ““Mergulhei fundo em vivências espirituais. Conheci momentos sublimes”, diz •

Diário do mensalão
Sexta, o ex-ministro Eros Grau era o centro de uma grande mesa no badalado restaurante Leite, em Recife. Um repórter local se aproximou e perguntou:
— E o mensalão?
E Eros:
— Mensalão? O que é isto?

Segue...
O repórter insistiu:
— E Lewandowski?
E o ex-ministro:
— Lewandowski? Quem é?

No fim...O repórter já ia saindo, certo de que não tinha colhido nada, quando Eros pegou em seu braço e liberou:
— O senhor não entendeu. Esta segunda resposta é para publicar.

O novo xerife

Toma posse dia 6 o novo corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, que substituirá a colega de STJ Eliana Calmon.
Quem tem falado com Falcão diz que vem aí "uma dura” nas corregedorias dos 27 TJs: se até 60 dias após receberem denúncias ainda não tiverem atuado, o novo xerife vai "agir com mão de ferro”

A hora de Jucá - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 28/08


Desde que deixou o cargo de líder do governo, em março, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) optou pela discrição. Ninguém vê Jucá envolvido em grandes embates, seja no plenário, seja nas comissões. Mas esse período de “quarentena” está no fim. Na semana que vem, ele terá a faca e o queijo nas mãos para, se quiser, emparedar o governo da sua antiga “chefe” Dilma Rousseff.

Vale aqui resfrescar a memória: Jucá foi demitido do cargo de líder do governo quando o plenário do Senado rejeitou a indicação de Bernardo Figueiredo — hoje presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) — para a Agência Nacional de Transportes Terrestres. Naquele momento, a presidente desconfiou de que os peemedebistas atuaram nos bastidores para derrotá-la e o seu líder deixou correr solto. Jucá saiu com ares de “faz parte do jogo”, mas não gostou de ser afastado. Afinal, qual político gosta de perder poder?

Jucá, entretanto, não ficou “ao relento” — expressão que os políticos usam para definir aqueles que já estiveram no topo e hoje não têm tanta expressão assim. No mesmo mês, foi confirmado relator do Orçamento da União para 2013. A proposta orçamentária chega ao Congresso nesta sexta-feira. Até o final do ano, Jucá tem a força.

Por falar em força…

Ontem Jucá fez a primeira reunião com técnicos da área orçamentária no Congresso. Ouviu deles que as pressões dos servidores públicos por mais aumentos vão desaguar em sua sala, da mesma forma que sindicatos do Poder Judiciário jogaram todo seu poder de fogo sobre Arlindo Chinaglia (PT-SP) que, no ano passado, relatou o Orçamento de 2012. Há um ano, Dilma não incluiu na proposta de Orçamento o valor dos recursos relativos ao reajuste do Judiciário. Os sindicatos reclamaram, Dilma enviou um adendo ao Orçamento, mas Chinaglia não incluiu o pedido de reajuste em seu relatório sobre as despesas de 2011.

Há quem esteja preocupado com as diferenças gritantes entre a situação de Jucá hoje e a de Chinaglia. No ano passado, o petista ganhou a simpatia da presidente Dilma ao fazer o que o governo desejava. Não por acaso, virou líder do governo na Câmara, no lugar de Cândido Vaccarezza (PT-SP). Jucá recebeu a relatoria como compensação por ter perdido a liderança. Agora pode, se quiser, armar uma arapuca para Dilma, recheando os recursos destinados a pessoal para garantia de aumentos ao funcionalismo.

A outra arapuca que Jucá pode armar diz respeito à receita. O governo tem sido otimista na previsão de receita para o ano seguinte, sem dar margem a aumentos da estimativa de arrecadação por parte dos relatores. E, para completar, a receita está em queda. A arrecadação de julho foi 7,36% menor do que o total arrecadado no mesmo mês do ano anterior.

O detalhe sutil é que Jucá pode conceder os reajustes sem dar margens a vetos do governo. Basta colocar recursos no bolo orçamentário destinado ao pagamento de pessoal do Judiciário. Para vetar, Dilma teria que cortar integralmente esses recursos, sem deixar um tostão para pessoal do outro Poder. Jucá, entretanto, ainda não disse o que fará. Como um político experiente, sabe pacientemente esperar a hora de agir e usa ao máximo a frase: quem tem tempo, não tem pressa.

Por falar em tempo…

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) mantém a propaganda do candidato a vice-prefeito de Osasco (SP), Jorge Lapas, em destaque. Afinal, depois de 4 votos a 2 pela condenação, os petistas ficaram pessimistas. Embora ainda faltem cinco ministros para votar, a cúpula partidária começa a perder as esperanças de absolvição.

Pensões também precisam de reforma - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 28/08



Se a sociedade evolui à frente de normas legais, regras que se relacionam de forma direta com a organização social precisam ser atualizadas, de tempos em tempos. Um exemplo cristalino são os sistemas previdenciários, dependentes de maneira crucial do perfil demográfico das populações, e, por isto, sempre revistos para que possam continuar a ser financiados de forma não inflacionária.

Com uma vida crescentemente mais longa, os segurados tendem a manter gastos previdenciários por mais tempo, um problema para os governos, pois é necessário encontrar fontes de custeio para estas despesas. No Brasil, a questão é mais grave, porque a carga tributária no país (36% do PIB) já está acima do razoável.

Série de reportagens do GLOBO sobre novos arranjos familiares traz exemplos de mudanças na sociedade com impacto direto no sistema previdenciário. O constante nas novas famílias é o número menor de filhos, comprovado pelos censos do IBGE.

Em 1940, a mulher brasileira tinha, em média, seis filhos. Hoje, menos de dois. Cresce, também, o número de casais que optam por não ter filhos. Eles já são dois milhões e representam 16% do total das famílias brasileiras.

A demografia e as mudanças sociais pressionam, portanto, a Previdência também pelo lado da receita, com a tendência de haver uma diminuição de contribuintes. Mais despesas, e receitas sem condições de crescer na mesma proporção dos gastos, são fórmula eficaz da falência.

É por isso que o Brasil procura seguir o caminho de países europeus e fazer uma reforma no sistema do INSS, para rever a possibilidade da aposentadoria por idade, conceito anacrônico, em desuso no mundo.

O Brasil, mesmo com uma população mais jovem, tem um gasto previdenciário em relação ao PIB de país maduro europeu (na faixa dos 10%). Já estamos, então, atrasados na tarefa do inexorável ajuste no INSS.

Mas os desequilíbrios previdenciários nacionais não estão apenas na aposentadoria. Não há país que pague pensões tão generosas quanto o Brasil, alertou em artigo recente o economista Fabio Giambiagi, especialista no tema. Só no Brasil a pensão é 100% do benefício recebido pelo segurado. Não é feito um ajuste que, sem penalizar o pensionista, impeça o desequilíbrio a galope do sistema.

Ao contrário do que o discurso populista defende, não há qualquer injustiça em impedir que pensões descabidas continuem a ser pagas - as em vigor não podem ser alteradas, por constituírem direito adquirido. O resultado é que o custo das pensões já chegou a 25% do total dos gastos previdenciários.

Está em jogo uma questão mais ampla de justiça social: a própria sobrevivência do INSS. As pensões não podem ficar ao largo da reforma do sistema.

A mágica não funcionou - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 28/08


Além de sua singular biografia, o temperamento caloroso e a capacidade de sedução do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que dele fazem um "encantador de serpentes", na avaliação do antecessor e adversário Fernando Henrique Cardoso - foram o passaporte que usou de caso pensado e a mais não poder em suas andanças pelo mundo antes, depois e, principalmente, durante seus oito anos de Planalto. Ele se tornou "o cara", no memorável elogio do presidente Barack Obama, ao apresentá-lo ao chefe do governo australiano no intervalo de uma reunião do G-20 em Londres, em 2009. "Ele é o político mais popular do mundo", explicou ao seu interlocutor.

Há pouco, Lula teve mais uma oportunidade para ligar o seu charme diante de um estrangeiro - o jornalista americano Simon Romero, correspondente do New York Times no País. Uma reportagem publicada domingo, sob o título O ex-presidente do Brasil voltou à linha de frente, a propósito da retomada de sua "posição de combate" depois de um penoso tratamento contra o câncer na laringe diagnosticado em outubro, descreve como ele se acerca do entrevistador e lhe dá uns tapinhas no joelho para fazê-lo entender por que não pretende desacelerar: "A política é a minha paixão". Mas admitiu que "não é fácil saber como atuar no papel de ex-presidente".

Mas se ele foi eloquente, e quem sabe persuasivo, ao criticar a Europa pelo modo como trata a crise da dívida - argumentando que, se a Alemanha tivesse resolvido o problema grego anos atrás, a situação não teria chegado aonde chegou - e, ainda, ao prever a reeleição da "minha candidata" Dilma Rousseff em 2014, a mágica parece não ter funcionado quando teve de enfrentar o inevitável tema do mensalão. O único arrimo que encontrou para a sua declaração, repetida pela enésima vez, de que o escândalo simplesmente não existiu foi o trôpego raciocínio de que o PT não precisava comprar deputados para votar com o governo porque este já dispunha de maioria parlamentar graças às alianças políticas que tinha fechado.

Lula, pelo visto, quer que os leitores do New York Times interessados em assuntos brasileiros, já não bastasse a opinião pública nacional, acreditem numa patranha. Duas, a rigor. Primeiro, a de que tais alianças se formaram sem que dinheiro ilícito (ou a promessa de) mudasse de mãos. Segundo, a de que a paga original para caciques partidários como os do PTB e do então PL tornou supérfluos novos desembolsos com recursos ilícitos, dessa vez distribuídos no varejo a políticos de diversas legendas, indicados pelo maquinista do trem pagador, o tesoureiro petista Delúbio Soares. Na sua tentativa de tapar o sol com peneira, negando o óbvio que se esparrama pelas 50 mil páginas da ação penal 470, Lula não disse - nem lhe foi perguntado - por que então falou em "erro" dos companheiros, considerou-se "traído" e pediu "perdão" aos brasileiros, antes de empunhar a teoria do "golpe das elites".

O ex-presidente - de quem se pode dizer tudo, menos que seja bobo - fez, na entrevista, a apropriada expressão corporal de respeito absoluto às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso que, para ele, não existiu. "Quem for considerado culpado que seja punido, quem for declarado inocente seja absolvido", afirmou. A aparente platitude é a mais recente incursão de Lula por aquilo que, ainda no seu primeiro mandato, a cientista política Luciana Fernandes Veiga, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), chamou a "quase-lógica" das suas manifestações. Afinal, como acatar um tribunal que apontasse e punisse os culpados por delitos que simplesmente não ocorreram?

O Lula que declara se curvar de antemão aos veredictos do Supremo Tribunal não é evidentemente o mesmo que mostrou a sua verdadeira face quando se divulgou que tentara pressionar - ou chantagear - um dos ministros da Corte, Gilmar Mendes, para adiar para depois das próximas eleições municipais o julgamento do mensalão. Para quem espera exercer a sua paixão pela política enquanto tiver forças para tal, Lula receia ter de se haver até o fim com um resultado adverso no STF.

A desmoralização da política - MARCO ANTONIO VILLA


O Globo - 28/08


A luta pela democracia marcou o século XX brasileiro. Somente em oito dos cem anos é que não ocorreu nenhum tipo de eleição, de voto popular, para escolher seus representantes. Foi durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). No regime militar as eleições tiveram relativa regularidade, mas sem a possibilidade de o eleitor escolher o presidente da República e, a partir de 1965, dos governadores e dos prefeitos das capitais e das cidades consideradas de segurança nacional. Nas duas décadas do regime militar (1964-1985), a luta em defesa da eleição direta para o Executivo e da liberdade partidária foram importantes instrumentos de mobilização popular.

Com o estabelecimento pleno das liberdades democráticas, após a promulgação da Constituição de 1988, as eleições passaram a ter uma regularidade de dois anos, entre as eleições municipais e as gerais. Deveria ser uma excelente possibilidade para aprofundar o interesse dos cidadãos pela política, melhorar a qualidade do debate e e abrir caminho para uma gestão mais eficaz nas três esferas do Executivo e, no caso do Legislativo, para uma contínua seleção dos representantes populares.

Para um país que sempre teve um Estado forte e uma sociedade civil muito frágil, a periodicidade das eleições poderia ter aberto o caminho para a formação de uma consciência cidadã, que romperia com este verdadeiro carma nacional marcado pelo autoritarismo, algumas vezes visto até como elemento renovador, reformista, frente à ausência de efetiva participação popular.

Desde 1988, está será a décima terceira eleição consecutiva. Portanto, a cada dois anos temos, entre a escolha dos candidatos e a eleição, cerca de seis meses de campanha. Neste período o noticiário é ocupado pelas articulações políticas, designações de candidatos, alianças partidárias, debates e o horário gratuito de propaganda política. Cartazes são espalhados pelas cidades, carros de som divulgam os candidatos (com os indefectíveis jingles) e é construída uma aparência de participação e interesse populares.

Porém, é inegável que a sucessão das eleições tem levado ao desinteresse e apatia dos cidadãos. A escolha bienal de representantes populares tem se transformado em uma obrigação pesada, desagradável e incômoda. Tudo porque o eleitor está com enfado de um processo postiço, de falsa participação. A legislação partidária permite a criação de dezenas de partidos sem que tenham um efetivo enraizamento na sociedade; são agrupamentos para ganhar dinheiro, vendendo apoio a cada eleição. A ausência de um debate ideológico transformou os partidos e os candidatos em uma coisa só. O excesso de postulantes aos cargos não permite uma efetiva comparação. Há uma banalização do discurso. E o sistema de voto proporcional acaba permitindo o aparecimento dos "candidatos cacarecos", que empobrecem ainda mais as eleições.

A resposta do eleitor é a completa apatia, com certo grau de morbidez. Vota porque tem de votar. Escolhe o prefeito, como agora, pela simpatia pessoal ou por algo mais prosaico; para vereador, vota em qualquer um, afinal, pensa, todos são iguais e a Câmara Municipal não serve para nada. O mesmo raciocínio é extensivo à esfera estadual e nacional. No fundo, para boa parte dos eleitores, as eleições incomodam, mudam a rotina da televisão, poluem visualmente a cidade com os cartazes e ainda tem de ir votar em um domingo.

Para o político tradicional, este é o melhor dos mundos. Descobriu que a política pode ser uma profissão. E muito rendosa. Repete slogans mecanicamente, pouco sabe dos problemas da sua cidade, estado ou do Brasil, a não ser as frases feitas que são repetidas a cada dois anos. O marqueteiro posa de gênio, de especialista de como ganhar (e lucrar) sem fazer muita força. Hoje é o maior defensor das eleições bienais. Afinal, tem muitos funcionários, tem de pagar os fornecedores, etc, etc. Para ele, a democracia acabou virando um tremendo negócio. E é um devoto entusiástico dos gregos, pois se não fosse eles e sua invenção....

Não é acidental, com a desmoralização da política, que estejamos cercados por medíocres, corruptos e farsantes. O espaço da política virou território perigoso. Perigoso para aqueles que desejam utilizá-lo para discutir os problemas e soluções que infernizam a vida do cidadão.

O político de êxito virou um ator (meio canastrão, é verdade). Representa o papel orquestrado pelo marqueteiro (sempre pautado pelas pesquisas qualitativas). Não pensa, não reflete. Repete mecanicamente o que é ditado pelos seus assessores. Está preocupado com a aparência, com o corte de cabelo, com as roupas e o gestual. Nada nele é verdadeiro. Tudo é produto de uma construção. Ele não é mais ele. Ele é outro. É a persona construída para ganhar a eleição. No limite, nem ele sabe mais quem ele é. Passa a acreditar no que diz, mesmo sabendo que tudo aquilo não passa de um discurso vazio, falso. Fica tão encantado com o personagem que esquece quem ele é (ou era, melhor dizendo).

Difícil crer que toda a heroica luta pelo estabelecimento da democracia, do regime das plenas liberdades, fosse redundar neste beco sem saída. Um bom desafio para os pesquisadores seria o de buscar as explicações que levaram a este cenário desolador, em que os derrotados da velha ordem ditatorial se transformaram em vencedores na nova ordem democrática. Enfim, a política perdeu sentido. Virou até reduto de dançarinos.

Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo.

Relações de Lula e Campos por um fio - RAYMUNDO COSTA


Valor Econômico - 28/08


Amigos inseparáveis, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, estão com as relações pessoais e políticas estremecidas. Na realidade, os dois chegaram à beira do rompimento, depois que Eduardo Campos se recompôs politicamente com o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), com o início da campanha eleitoral. Mas o que move PT e PSB, numa disputa quase fratricida, são as duas próximas eleições presidenciais.

Lula "adorava" Jarbas, segundo contam amigos do ex-presidente, mas os descaminhos da política levaram o senador pernambucano a se transformar num dos mais ácidos críticos do presidente, no segundo mandato. A memória de Lula ainda traz bem impressa a imagem de uma visita que Jarbas fez à sua casa, em São Bernardo do Campo.

Para mostrar a admiração que tinha por Jarbas, Lula costuma contar uma das "maiores humilhações" que teria sofrido até hoje. O agora ex-presidente recebeu em sua casa, em São Bernardo do Campos, o já consagrado senador e sentou-se num sofá surrado bem sobre o rasgão que não gostaria que Jarbas visse. Constrangido, não se levantava e passou a maior parte do tempo sentado, o que impedia Jarbas também, por educação, de levantar e ir embora.

Estremecimento Lula e Campos é uma prévia de 2014

À época, Jarbas era um dos mais importantes líderes do grupo do PMDB que fazia oposição ao regime militar. Quando assumiu o Palácio do Planalto, Lula tinha boas expectativas em relação ao senador. Ocorre que entre os dois havia Eduardo Campos, adversário de Jarbas, à época ministro da Ciência e Tecnologia, presidente nacional do PSB e deputado de boa cepa pernambucana: neto do lendário governador Miguel Arraes.

Em pouco tempo, Eduardo se tornou uma ameaça ao PT. Além de estirpe, o governador pernambucano se revelou um hábil articulador político e não tardou a botar novamente de pé o antigo Partido Socialista (PSB). Sob o olhar condescendente de Lula e a desconfiança do PT, aos poucos o governador foi avançando pelo Nordeste, região eleitoralmente forte e que recebeu grandes benefícios do governo Lula. Tanto que o PT ganhou as últimas eleições com facilidade na região.

Eduardo Campos decidiu fazer um gesto de boa vontade eleitoral em São Paulo: não foi fácil, mas ele conseguiu convencer os dirigentes do PSB local a apoiar o candidato do PT a prefeito, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad. "Fizemos quase uma intervenção branca apenas para atender o Lula, que, todos nós sabemos, quer eleger o Haddad", conta um dirigente do PSB. Os pessebistas ofereceram duas opções para a vice: a deputada Luiza Erundina e o educador César Calegari. O PT escolheu Erundina.

Outro conflito PT-PSB foi o do Recife. Os pessebistas concluíram que Lula errou do início ao fim na negociação para manter a aliança entre os dois partidos: O PT exigia liderar a aliança quando estava rachado em três facções. Lula também não se impôs ao PT e apontou um candidato como fez em São Paulo.

"Vamos lançar o nosso [candidato]. Se eu entrar nessa história não vamos ficar bem com nenhum dos lados [as facções do PT em disputa]. Como o PT é o partido no poder, o PSB considera legítimas suas aspirações por espaço, mas entende que o que a sigla quer mesmo é se tornar "exclusivista e esquece que a época do stalinismo passou", avalia-se no PSB. A sigla, por exemplo, acha que teria boas chances nas eleições de Salvador. O PT não abriu mão de impor o nome de Nelson Pelegrino. Restaram à sigla de Eduardo cidades com menor potencial eleitoral no Norte do país. Essa é a queixa.

No fundo, o que contamina as relações entre PT e PSB é o pós-lulismo, o que virá depois do controle, esse sim quase hegemônico, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As relações pessoais entre Lula e Eduardo, embora abaladas, em breve serão restabelecidas, conforme acreditam os mais radicais de um e outro partido.

A relação política é outra coisa. Quando Lula se queixou da aliança de Eduardo com Jarbas, o pernambucano reagiu com o chamado tapa com luvas de pelica: ele não fora à casa do senador do PMDB para pedir apoio político. Jarbas é que o visitara.

Lula, evidentemente, não gostou de ser lembrado da visita que fez à casa de Paulo Maluf para celebrar a aliança do PP com o PT, em São Paulo. Assim como Eduardo Campos dificilmente vai dar crédito à explicação, dada no Planalto, segundo a qual aguardara por quatro horas para ser recebido pela presidente Dilma Rousseff.

De acordo com o Palácio do Planalto, o que ocorreu foi uma grande confusão: quando já se estava com o programa de concessões pronto para o lançamento, alguém lembrou que os governadores não haviam sido convidados para a cerimônia. Foi um corre-corre, noite adentro. Pelo menos uns 20 governadores conseguiram modificar a agenda e arrumar transporte para Brasília. Eduardo entre eles.

Posteriormente, alguém teria visto o governador de Pernambuco na antessala de um assessor e vazou a versão segundo a qual ele esperou para ser recebido. Verdadeira ou não, o fato é que Eduardo registrou a intriga: "Ela se esquece que depois dessa eleição tem outra". Referia-se a Dilma, é claro.

Eduardo já disse que não quer ser candidato ao Senado ou a vice-presidente, quando deixar o governo. Ele efetivamente analisa a "tática Ciro", ou seja, sair candidato já em 2014 a fim de se tornar conhecido para 2018. Mas também conversa com Aécio Neves - uma conversa aparentemente sem futuro, pois caberia a ele a vice, enquanto o tucano ficaria com a cabeça de chapa.

Sobre o futuro da relação do grupo, é ilustrativo um episódio ocorrido antes da viagem de Dilma ao México. A presidente perguntou a Gleisi Hoffmann qual seria o presente oficial da comitiva. Dilma não gostou da resposta e determinou: "Liga para a Fatinha [mulher do governador Jaques Wagner] ou para a Renata [mulher de Campos]. Evidentemente ela pensava em uma peça com a cara do Nordeste brasileiro.

Mensalão: o equilíbrio na decisão histórica - SÉRGIO GUERRA

FOLHA DE SP - 28/08


O julgamento tem ocorrido em clima de absoluta serenidade. O embate técnico entre Barbosa e Lewandowski nos assegura a autonomia de ambos no STF


O caso do mensalão do PT, em julgamento no Supremo Tribunal Federal, requer uma análise acima das paixões políticas.

É claro que trata-se de um escândalo, urdido e arquitetado entre paredes palacianas, mais precisamente no quarto andar do Palácio do Planalto, durante o governo Lula, como disse o procurador geral da República, Roberto Gurgel, em sua demolidora peça de acusação.

Mas em um universo democrático, como o que edificamos para o Brasil, a Justiça não se faz apenas com peças acusatórias. O amplo espaço, concedido às defesas dos 38 réus do mensalão do PT, legitima qualquer decisão da corte mais alta. O STF permitiu, como se viu, a todos o mais amplo direito de defesa. Foi uma demonstração de civilidade e democracia.

Mesmo em campos opostos aos do PT ao longo desses anos, e fundamentalmente adotando práticas frontalmente diferentes do ponto de vista ético, o PSDB não formará entre aqueles que torcem para instalação de um clima de caça às bruxas, como se vivêssemos em um país discricionário. Seguimos, como sempre, o itinerário de nossas instituições na direção da consolidação de país que exibe uma democracia exemplar.

Para que as instituições exerçam de forma plena seus poderes, no entanto, é preciso que o ambiente seja o de equilíbrio e serenidade.

Mais particularmente em relação ao Supremo Tribunal Federal, nesse momento histórico o que se espera é uma decisão equilibrada, que puna aqueles que realmente cometeram os crimes de corrupção passiva e ativa, peculato, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas. Aqueles que, nas palavras do procurador Roberto Gurgel, "macularam a República", mas que também abra-se espaço para absolvição daqueles que são inocentes.

Mas a serenidade que se reclama não pode ser confundida com fraqueza diante daqueles que articularam e organizaram o maior escândalo de corrupção da história política do país. Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aplique-se o castigo para quem cometeu crime. Para os inocentes, a absolvição.

Até aqui a mais alta corte, em que pese uma divergência aqui e ali em relação a uma ou outra questão regimental, tem permitido que todo o julgamento ocorra em clima de absoluta serenidade.

Ali, não se capta sinais de fraqueza a favor deste ou daquele réu. Nem tampouco sinais de abuso de poder contra quem quer que seja. Pela voz serena e calma do ministro Carlos Ayres Britto, o que presenciamos é uma instituição agindo com autonomia e dentro dos limites da democracia.

No embate técnico entre o relator Joaquim Barbosa, que apresentou um voto fatiado repleto de elementos comprobatórios, e o revisor Ricardo Lewandowski podemos medir a divergência e ainda assegurar a autonomia de ambos.

O equilíbrio do Supremo Tribunal Federal em sua decisão final será fundamental na inauguração de uma nova etapa, a do fim da impunidade e do vale tudo na política.

Com o fim do julgamento do processo do mensalão do PT, legitimamos um padrão que implicará não só em mais transparência na política. Mais do que isso, abre-se uma avenida para que o Brasil deixe para trás definitivamente a pecha de país da corrupção e inaugure uma nova era em que prevaleça, acima de tudo, os valores que edificam a ética.

Será um marco histórico que nos guindará a um novo patamar, o de país democrático onde as instituições funcionam. Instituições estas que se pautam por valores e que cobram de seus representantes a honradez de cumprir o que determina a Constituição. Esse é o legado que podemos deixar para o futuro.

O problema brasileiro - ANTONIO DELFIM NETTO

Valor Econômico - 28/08

É impossível chegar a um consenso sobre o Brasil que gostaríamos de legar à geração que amadurecerá em 2030. Há fatos demográficos já inscritos que, com toda a probabilidade, se realizarão, a não ser que sejamos atropelados por uma improvável invasão marciana.

Graças ao processo civilizatório, que, felizmente, foi introjetado pela mulher brasileira, que hoje estuda mais, gera menos filhos (e um pouco mais tarde) e aumenta a participação na força de trabalho, vivemos uma revolução demográfica e econômica. Há menos de quatro décadas, temia-se que o Brasil, com sua então fantástica taxa de fecundidade, estaria condenado a ser um país miserável. A tabela abaixo dá alguns números que revelam a preocupação então existente.

É preciso fazer justiça a alguns economistas e aos demógrafos mais recatados, que nunca aceitaram aquele crescimento exponencial. Seus modelos eram um pouco sofisticados. Implicavam a aceitação de uma função logística com assíntotas precariamente determinadas. De qualquer forma, a situação parecia mesmo muito preocupante. Na década de 60 do século passado, a média de filhos por mulher era de 6,3!

Não foi, sem alguma razão, que naquele momento o Brasil namorou com um processo de "controle da natalidade", que sofreu forte oposição do Vaticano. Pois bem. Foi o processo civilizatório da mulher brasileira que reduziu em menos de duas gerações a sua taxa de fecundidade para 1,94, abaixo da taxa de reposição populacional de 2,1 filhos.

Qual o seu resultado? O Censo de 2010 revelou que a população brasileira era de 191 milhões, praticamente 65% do propalado terrorismo demográfico dos anos 60! O Brasil é hoje um país com pequeno crescimento populacional e com aumento significativo da expectativa de vida ao nascer. Esses fatos estão registrados no gráfico 1, abaixo.

Como se vê, vamos passar por um máximo populacional em 2040, acompanhado de um envelhecimento significativo. A pirâmide etária, revelada no gráfico 2, mostra que o aumento da população não será apenas quantitativo, mas também, e principalmente, qualitativo, com uma mudança profunda na estrutura da demanda de bens e serviços: menos crianças para serem educadas e mais idosos para serem cuidados...

É esse fato demográfico insuperável que coloca, na minha opinião, o mais importante problema que temos de deixar solucionado para a próxima geração. Hoje, temos 130 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos. Em 2030, teremos 150 milhões: cidadãos mais velhos, mais educados e, tudo sugere, mais exigentes com relação à administração do país.

O mais importante problema nacional é este: como vamos organizar a sociedade brasileira para propiciar empregos, de boa qualidade e salários adequados, a 150 milhões de pessoas que constituirão a população em idade ativa em 2030? A resposta não é simples, nem clara.

O que é simples e claro é que isso não se fará simplesmente aprofundando a estrutura produtiva atual, apoiada na sofisticadíssima e produtiva agroindústria nacional, que agrega mais valor do que em geral se quer admitir, mas que é poupadora de mão de obra. E muito menos com a exploração mineral (inclusive o petróleo), atividades altamente capital-intensivas, com altíssima tecnologia e trabalho superespecializado.

Se quisermos ter em 2030 algo parecido com o nível de renda per capita em paridade de poder de compra de Portugal de hoje, temos de crescer em torno de 5% ao ano (mais ou menos 4% do PIB per capita), em média, nos próximos 18 anos. Isso pedirá cuidadosa e rigorosa política fiscal, capaz de sustentar a política monetária (que produzirá o equilíbrio interno), e adequada política cambial (que produzirá o equilíbrio externo).

Nas condições atuais de pressão e temperatura, isso exigirá um investimento bruto anual, até 2030, da ordem de 25% do PIB (com talvez um déficit em conta corrente de não mais do que 1,5% ao ano). O nosso Estado forte, constitucionalmente controlado, precisa cooptar, com regulação segura e amigável, o nosso eficiente setor privado!

É preciso superar a desconfiança mútua, ainda existente entre eles, com a transferência - por concessão ou parcerias - do investimento em infraestrutura para o setor privado, através de leilões bem projetados, que determinem as justas taxas de retorno para garantirem a quantidade e a qualidade dos serviços no presente e no futuro.

O parecer robusto - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 28/08


RIO DE JANEIRO - Venho acompanhando, dentro do possível, o julgamento do mensalão, no STF.

Palmas para a TV Justiça, que dá àquela corte a visibilidade e o respeito de todos nós.

Em linhas gerais, aprecio os debates e admiro os senhores ministros. Mesmo assim, volta e meia me espanto com a linguagem que os advogados e juízes ainda usam.

Numa das últimas sessões, pincei o adjetivo "robusto" em algumas declarações, na base do "robusto argumento" ou "robusto parecer". Tudo bem, é com robusta razão que podemos usar as palavras que constam de nossos dicionários.

Mesmo assim, lembrei a lição que o Adolpho Bloch me deu quando publiquei, na revista que eu editava, uma crônica do Otto Lara Resende -de quem, aliás, o Adolpho era fã de carteirinha. Foi um dos primeiros e mais famosos editores da "Manchete", dando-lhe a feição moderna que desbancou a liderança de "O Cruzeiro" no mercado das revistas.

Era um comentário do Otto a um livro de seu amigo Pedro Nava, que fazia parte dos mineiros famosos que atuavam na imprensa carioca. Em dado momento, o Otto destacava um trecho que considerava "robusto" no estilo do Nava.

Li a crônica antes de paginá-la e nada achei de reprovável no texto de um dos maiores mestres de nossa literatura. O Otto achava que o Nava havia feito, a respeito da precariedade dos nossos hospitais e centros de saúde, um "comentário robusto".

Adolpho me chamou com a revista na mão, dobrada justamente na crônica do Otto: "Você leu isso antes de publicar?". Respondi que sim. E que nada achara de reprovável no texto de um dos mestres de nossa imprensa.

Adolpho atirou com certa raiva a revista em cima da mesa e me pediu: "Diga ao Otto que robusto, aqui, é só o bebê Johnson!".

O clássico de segunda - TUTTY VASQUES


O Estado de S.Paulo - 28/08

Como qualquer domingo de Corinthians x São Paulo, Cruzeiro x Atlético Mineiro ou Grêmio x Internacional nos estádios de futebol, Joaquim Barbosa x Ricardo Lewandowski já virou um clássico das segundas-feiras no STF.

A torcida maior, como se sabe, paga pra ver a condenação dos réus do mensalão, mas o prazer de assistir a um ministro do Supremo - não importa em que time ele jogue - tomando um lençol, um elástico, uma caneta ou um drible da vaca não tem preço.

Melhor ainda quando, injuriado com a finta retórica de um, o outro se remexe na capa preta e ameaça reagir como um primeiro volante ofendido com as pedaladas de quem o ataca no campo das ideias.

Nem sempre, entretanto, a expectativa de show de bola jurídica ou de zorra total no tribunal resulta no confronto franco preconizado pela imprensa especializada neste complicado esporte da Justiça.

Ontem à tarde, por exemplo, perdeu seu tempo quem passou o fim de semana se poupando para assistir à réplica do relator e à tréplica do revisor, anunciadas como preliminar trepidante da etapa de votação no julgamento. Não rolou!

Acontece! O Flamengo x Botafogo de véspera também foi uma pelada danada!


Bem-vinda

Testemunho de alguém que assistiu em ilha de edição da TV Globo às primeiras cenas de Patrícia Pillar na novela Lado a Lado: a atriz está melhor do que nunca depois que se separou do Ciro Gomes.

Peluso de fora

O Bloco dos Raparigueiros, um dos mais tradicionais de Brasília, confirmou participação no "Bota-fora do Peluso". A festinha de despedida do ministro fugiu inteiramente do controle do STF.

Pelo telefone

Tem corrupto em Brasília aproveitando a greve da turma que faz grampos na Polícia Federal para pôr em dia o papo com sua quadrilha.

Se for inevitável...

Marta Suplicy não só aderiu como vai lançar slogan novo na campanha de Fernando Haddad: "Relaxa e vota!"

A conferir

É cedo ainda para creditar a reação do Santos no Brasileirão à nova namorada de Pelé. Márcia Aoki teria dado um jeito no pé-frio do Rei.

Sempre ele!

Primo assassinado do goleiro Bruno deixou carta incriminando o ex-atleta. Isso quer dizer o seguinte: vai sobrar de novo para o tal de Macarrão!

Em cima do muro

Afinal de contas, a tempestade tropical Isaac é democrata ou republicana? Só se fala disso na Flórida!

Membro real

Em defesa do príncipe Harry, deve-se dizer que ele fica muito melhor pelado do que metido em farda nazista nas festas à fantasia que frequenta.


Globalização

Entreouvido na saída da palestra de Bill Clinton sobre sustentabilidade, ontem, em Fortaleza: "Gostei mais do Plácido Domingo!" O cantor se apresentou há 10 dias na cidade.

Como é mesmo? - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 28/08


Ministros do STF tropeçam nas palavras e brigam com as frases quando precisam ler um trecho


Iniciada a votação que definirá o destino dos réus do mensalão, já os dois primeiros ministros a se manifestarem, entre os pronunciamentos do relator e do revisor, demonstraram a dificuldade dos magistrados em perceber um dos principais aspectos desse julgamento.

Ainda que não haja indicação da audiência das sessões do Supremo Tribunal Federal, o interesse público pelo julgamento do mensalão é inquestionável. Constituiu, por isso, uma oportunidade incomum de aprendizado cívico, não importa em que medida, para uma parte dessa gente tão ignorante como são os brasileiros a respeito de suas instituições e, em particular, do Judiciário.

A confusão inesgotável que foram os votos dos ministros Rosa Weber e Luiz Fux, durante as duas horas e meia mais longas entre todas as horas de 15 sessões desse julgamento, foi mais do que exaustiva. Foi de afastar, para sempre, todo espectador que não tivesse o dever funcional de submeter-se à exasperação.

Os dois não falaram nem para os outros "especialistas" que são os seus colegas: mesmo o presidente do STF, Ayres Britto, de cuja inteligência e conhecimentos jurídicos ninguém duvidaria, precisou de esclarecimentos adicionais para anotar o que, afinal, seriam os votos.

Pode ser que haja alguma razão cabalística para que alguns ministros tenham o voto por escrito, mas, em vez de lê-lo, passem a descrever durante horas, pelo modo mais tortuoso, o que abordam em suas redações. Não há de ser pela dimensão dos votos, porque sua prolixidade oral não perde para a dos textos. Mas, é verdade, os textos provocam mais um problema.

Esses mesmos ministros não sabem ler o que escreveram com suas equipes. Tropeçam nas palavras e brigam com as frases quando precisam ler um trecho. Bem que podiam ensaiar um pouco.

E os seguintes a pronunciar-se talvez pudessem fazê-lo de maneira inteligível pelos cidadãos que, interessados, ainda se disponham a outra tentativa de acompanhar o julgamento.

A OUTRA

O julgamento do mensalão sufocou a CPI do Cachoeira. O PT e o PSDB, e seus respectivos aliados, só podem estar muito agradecidos. Quanto maior parece a dimensão criminosa do assunto da CPI, menos os seus integrantes e dirigentes ativam os meios de que dispõem para investigações e inquirições.

Está agendado o depoimento de Luiz Antônio Pagot, ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes. É um dos que têm muito a dizer e, até agora, não recorreu à Justiça para silenciar. É um incômodo para as bancadas do PT e do PSDB na CPI.

O CRONISTA

Na torrente de louvações a Nelson Rodrigues, por seu centenário, uma exceção pode passar despercebida. Toma carona no admirável Tostão, que lembrou uma frase de Nelson, em sua opinião "o maior e mais politicamente incorreto cronista esportivo": "O pior cego é o míope. E pior que o míope é o que enxerga bem, mas não entende o que enxerga. Há pessoas, sobretudo jornalistas esportivos, que não têm inteligência visual".

Nelson Rodrigues era muito míope. Mas não usava óculos, que lhe pareciam capazes de torná-lo mais feio. Com isso, deixou uma dúvida: não entendia nada de futebol porque não via o jogo, e de fato não enxergava quase nada, ou não via o jogo porque não entendia mesmo? Nelson Rodrigues foi um cronista de futebol que nunca escreveu sobre um jogo de futebol. Fazia crônicas a pretexto do futebol.

O Brasil vai mudando - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/08


Ao contrário do que comemorou o advogado Márcio Thomaz Bastos após o voto do revisor do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, parece estar se formando no plenário do Supremo Tribunal Federal um posicionamento majoritário contra a tese do caixa dois defendida pelos réus, engendrada nos porões das atividades eleitorais petistas.

Houve mesmo quem, como a ministra Rosa Weber, tenha assegurado que "não importa o destino dado ao dinheiro, se foi gasto em despesas pessoais ou dívidas de campanha. Em qualquer hipótese, a vantagem não deixa de ser indevida". Esse entendimento está fazendo com que os ministros que votaram até agora deixem isolados os dois que optaram pela absolvição do petista João Paulo Cunha, presidente da Câmara à época em que os crimes em julgamento foram cometidos.

Parece também ser consenso da maioria que vai se formando a tese do procurador-geral da República de que esse tipo de crime não é feito às claras e é de difícil comprovação, e por isso exige do julgador bom-senso. Rosa Weber foi específica: "(...) quem vivencia o ilícito procura a sombra e o silêncio. O pagamento não se faz diante de holofotes. Ninguém vai receber dinheiro para corromper-se sem o cuidado de resguardar-se."

Devido à dificuldade inerente a esse tipo de crime é que vários ministros reconheceram, como Rosa, que se tem"admitido certa elasticidade na admissão da prova acusatória" nos chamados "crimes da intimidade" como o estupro, quando se valoriza o depoimento da vítima. Disse ela: "Nos delitos de poder não pode ser diferente. Quanto maior o poder ostentado, maior a facilidade de esconder o ilícito com a obstrução de documentos, corrupção de pessoas. A potencialidade do acusado de crime para falsear a verdade implica maior valor das presunções. Delitos no âmbito reduzido do poder são pela sua natureza de difícil comprovação."

Dois ministros deram a seus votos a dimensão da proteção da sociedade: Cármen Lúcia e Luiz Fux. Fux disse que "temos que nos preocupar com a dignidade das vítimas, que é toda a coletividade brasileira". Ele classificou o caso várias vezes de "megadelitos" e chamou a atenção para o fato de que em alguns momentos o que poderia ser considerado apenas um erro administrativo ou delito menor ganha outra dimensão porque realizado "em um contexto maior".

Para Fux, "a cada desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome, mais uma localidade fica sem saneamento, mais um hospital, sem leitos. Estamos falando de dinheiro público, destinado à segurança, à saúde e à educação". O ministro chamou a atenção também para a questão das provas, que pode gerar "a situação grotesca da necessidade de se obter uma confissão escrita sobre esses fatos que não se imagina que efetivamente ocorra".

Por isso, ele diz que hoje há uma função "persuasiva" da prova em contraposição "àquela real e absoluta". O juiz parte de um fato conhecido para chegar a um desconhecido, "um trabalho de construção da realidade fática". Fux colocou no plenário a discussão sobre a "presunção de inocência", afirmando que "não é qualquer fato posto que pode destruir a razoabilidade de uma acusação". Ele disse que ouviu muito durante as defesas a tese recorrente de que "não há prova" contra este ou aquele, mas lembrou que "o álibi cabe a quem o suscita, portanto, à defesa. Se ela alega um álibi, precisa apresentar os elementos que o sustentem".

Também a ministra Cármen Lúcia disse que, independentemente do resultado do julgamento, "o Brasil mudou", falando da "grande indignação" que os fatos em julgamento provocaram. Ela considerou que o fato de João Paulo Cunha ter mandado sua mulher apanhar o dinheiro de Valério no Banco Rural em Brasília demonstra uma "singeleza extremamente melancólica para nós brasileiros, de uma certeza de impunidade, de que nada se terá descoberto. Fez às claras para se esconder".

É de se notar que Gilmar Mendes praticamente antecipou seu voto com relação a João Paulo ao comentar sua posição no recebimento da denúncia, quando considerou o fato "atípico", uma atenuante.

Ele explicou que "à época, mandar um parente próximo parecia que estava recebendo uma ordem de pagamento. Depois viu-se que era uma forma de esconder".

Festival de condenações - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 28/08


BRASÍLIA - Não houve surpresa em relação à coincidência de votos do ministro Dias Toffoli e do revisor Ricardo Lewandowski, mas os dos novatos Rosa Weber e Luiz Fux desenham um novo horizonte para o julgamento do mensalão pelo Supremo. A previsão passa a ser a de um festival de condenações.

Toffoli e Lewandowski condenam Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, mas absolvem João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Os dois réus são acusados de praticamente a mesma coisa: favorecer os negócios do publicitário Marcos Valério e, simultaneamente, receber boladas de dinheiro não justificadas.

Já Rosa Weber e Luiz Fux, tidos até ontem como incógnitas, condenam tanto Pizzolato quanto João Paulo - deputado federal do PT e único candidato às eleições de outubro entre os 38 réus-, induzindo à impressão de uma condenação generalizada. Os "neutros" pesaram para o lado da condenação na balança do Supremo.

Cármen Lúcia também votou pela condenação, mas isso era previsível. Ela não era listada como "neutra" nem como "interrogação". Apesar de muito discreta, a ministra é considerada técnica, concisa e dura. Foi exatamente assim que ela votou ontem.

Além de Cármen Lúcia, de Rosa Weber e de Luiz Fux, imagina-se, entre quem acompanha tudo de perto, que seguirão na mesma linha os ministros mais antigos, como Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, o presidente, Ayres Britto, e o seu antecessor, Cezar Peluso (que só vota até a próxima sexta-feira).

Com Joaquim Barbosa, são 9 dos 11 votos, e a própria declaração do advogado Márcio Thomaz Bastos -de que prisões, se houver, só no próximo ano- já foi compreendida como reconhecimento prévio de derrota.

A grande dúvida é se essa tendência será ou não mantida até o capítulo mais crucial: o julgamento do "núcleo político", que ficará por último. Pelas manifestações de ontem, ninguém ali vai escapar.

GOSTOSA


Programão - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 28/08

Vivemos num país onde, quando existem sinais de mutreta, é quase certo que mutreta houve


Cara de mocinho, cara de bandido... O que é mais emocionante do que uma novela que mexe com as convicções e sentimentos da plateia e ninguém envolvido na produção sabe como vai acabar? É o que está acontecendo com um dramático e fascinante programa da TV-Justiça e da Globo News.

Se fosse na TV comum, não faltariam anunciantes nem audiência. Como são as coisas, o horário, no começo da tarde, inibe a turma que tem de trabalhar. Inevitável, mas é pena: uma grande parte da população não pode acompanhar, ao vivo e sem script, o julgamento do mensalão.

Como ninguém ignora e muita gente já esqueceu — o que pode parecer uma contradição em termos, mas não é — trata-se de um dos mais significativos episódios escandalosos do Governo Lula: a compra de votos de parlamentares por um grupo associado ao Palácio do Planalto. O processo não inclui o chefe do Governo, mas caíram na rede da Polícia Federal pelo menos alguns personagens que entravam no gabinete do então presidente sem precisar pedir audiência.

Nos primeiros capítulos da novela, o papel de mocinho — ou, na expressão técnica, relator — foi desempenhado pelo ministro Joaquim Barbosa. Ele teve fôlego, sem abrir mão da ênfase e de uma certa dose de indignação quando necessário, para descrever todos os episódios que provam a existência de uma conspiração montada para concentrar no Planalto o controle de tudo que se passava no Congresso, em nível muito acima do que determina e permite a Constituição. Barbosa falou muito, mas, para a arquibancada, falou bem. E, baseado em laudo da Polícia Federal, votou pela condenação do deputado João Paulo Cunha, acusado de aceitar suborno quando presidiu a Câmara dos Deputados.

O segundo ministro a votar, Ricardo Lewan-dowski, no papel de revisor, opinou pela inocência do deputado. A mídia em geral caiu de pau nele. Gostaria de acrescentar minha modesta cacetada, e aqui o faço, mas é preciso também lembrar que tribunais colegiados como o STF têm essa estrutura exatamente para permitir a divergência nas decisões do mais alto tribunal do país. E ganha a interpretação dos fatos que tiver mais votos. Ainda não se descobriu, em país algum, melhor sistema.

Toda a turma da arquibancada que aplaudiu o voto de Barbosa tem direito a fortes esperanças de que o seu será o voto da maioria. Quanto mais não seja porque, como dizem os pessimistas, vivemos num país onde, quando existem sinais de mutreta, é quase certo que mutreta houve.

Por enquanto, a plateia parece ter feito do relator o seu herói, e do revisor, o vilão da novela. Há exagero nisso, mas não me parece que ela tenha errado: como todo mudo sabe, a plateia costuma ter razão. E, pela televisão, com todo o respeito, o relator tem mais cara de mocinho do que o revisor.

Sem planos - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 28/08


Segundo uma pesquisa da Mercer, São Paúlo é, atualmente, a 12ª cidade mais cara do mundo. Há alguns dias, a revista inglesa "The Economist" apresentou um estudo no qual São Paulo aparecia como a 92ª cidade do mundo no quesito qualidade de vida.
Ficava atrás de cidades como Buenos Aires, Santiago e Lima. A discrepância entre o que se gasta e o que se tem deveria servir de motor para uma profunda reflexão sobre o modelo falimentar de desenvolvimento e planejamento que impera em nossa maior cidade.
Com isso em vista, era de esperar que a campanha para a prefeitura estivesse embalada pela discussão de programas abrangentes e ousados de governo. No entanto isso não aconteceu.
O fato é que São Paulo não precisa de um prefeito com mentalidade de síndico de prédio, com propostas totalmente desconectadas da escala monumental de seus problemas. Como se algumas ações cotidianas mínimas pudessem mudar radicalmente a cidade.
Também não precisa de alguém que gosta de participar de eleições sem nunca apresentar um programa crível, já que acredita que sua simples presença no embate sirva como garantia para a solução de problemas.
Em momentos críticos de seu desenvolvimento, metrópoles que hoje são sinônimo de qualidade de vida, como Paris, apelaram para grandes intervenções urbanas para modificar seu destino. Certamente, São Paulo precisa de algo parecido.
Nesse sentido, vale lembrar que um dos únicos candidatos a apresentar um verdadeiro programa de remodelagem da estrutura urbana de São Paulo foi Fernando Haddad com seu "Arco do Futuro": projeto que visa descentralizar a cidade por meio de um corredor circular de grandes avenidas capaz de expandir o centro.
Em qualquer lugar do mundo, os cidadãos teriam o direito de ouvir análises de outros candidatos a respeito de ideias dessa natureza, seja combatendo, seja defendendo. Os cidadãos poderiam comparar projetos, seus custos, resultados e viabilidade. Mas em São Paulo, ao que parece, quem tem menos ideias e quem tem o discurso mais genérico sai na frente.
Mesmo ideias importantes como a extinção do Tribunal de Contas do Município a fim de liberar seu custo (R$ 260 milhões) para ações sociais, como quer Carlos Gianazzi tendem a passar em branco.
Há de perguntar até onde irá essa espécie de consenso mudo em favor do esvaziamento programático do debate sobre o destino de nossa maior metrópole. São Paulo merece deixar de aparecer em artigos mundiais sobre urbanismo apenas como sinônimo de fracasso.

Meu avô entrou no "Face" - JAIRO MARQUES

FOLHA DE SP - 28/08


O recado era simples, mas me causou surpresa e, ao mesmo tempo, emoção: "Meu estimado neto e xará. Agora, também faço parte do universo Facebook. Convido você a fazer parte do meu grupo de amizades e podermos melhorar nossa comunicação. Aceite a solicitação de amizade do seu avô Jayro. Um grande abraço".
O seu Jayro me "adotou" como neto do coração faz dois anos, assim que comecei a prosear neste espaço. Atualmente, somos bem mais que ligados pelo músculo cardíaco. Falamos sobre pressão alta, sobre o calor em pleno inverno, sobre a gaiola do passarinho que não viu sua cabeça. Finalmente, também somos "faceamigos".
Na rede social, também tenho várias "avós" que me dão conselhos, que "curtem" minhas fotos fazendo graça, que insistem com as amigas que meus rabiscos e garranchos de pensamentos são "imperdíveis".
Entendo aqueles que "odeiam essas coisas" de ficar se expondo na internet, mas o mundo virtual pode dar conforto, conhecimento, estimular o espírito crítico -e o de porco. Para mim, é certo que os avós podem dar menos a mão para a solidão quando navegam.
O bombardeio de postagem na invenção de Zuckerberg cria, sim, buracos de inutilidade e álbuns repletos de figuras bobas, de poesias ligadas a escolas pouco literárias e muito decadentes.
Mas, se os dizeres que estão ali causam euforia e melhoram o dia daqueles que se dedicam à leitura das "mensagens lindas", a chatice de ficar azucrinando a brincadeira digital fica fadada aos redutos saudosistas.
Pelo "Face" os avós conseguem acompanhar um pouco da rotina dos pequenos que têm agenda lotada -é natação às 12h, é aula de pilates no final da tarde, é videogame à noite. Crianças e adolescentes têm dias agitadíssimos e acabam ficando sem "tempo" para detalhes como a família.
Obviamente o revés desse turbilhão metido a informativo e imagético existe e as caneladas desse jogo podem doer um bocado nos menos avisados de que, hoje em dia, o duplo sentido das palavras é comum e as atitudes dos jovens são pouco comportadas.
Não é fácil para alguns mais velhos ver a foto da nova "tatoo" que a Carol acabou de fazer, pouco acima do cóccix. Também pode ser intragável aquele "scrap" do Cauê dizendo que bebeu "até morrer" na balada do Juca.
E, se acontecer de o netinho dar um "block" no perfil da vovó, poderá ser o primeiro pingo de um dilúvio que molhará lenços e lençóis, mas brincar com tecnologia envolve risco de estresse, de tentativa e erro para acertar o cursor no prumo que dará o clique perfeito.
Adorei ter meu avô sentimental no meio do meu grupo de amigos. Tenho muito a aprender com ele e a surpreender a ele. Lado a lado, a gente evolui e tropica junto. Querer apartar os mais velhos da incomensurável "era digital" é que me parece ideia de jerico.
....
Amanhã começa a Paraolimpíada de Londres e os brasileiros sem pernas, sem braços, avariados das vistas, prejudicados em geral do esqueleto têm chance de sagrarem-se campeões. Por isso, estou indo para lá. Quero aplaudir sentado, com muito orgulho!

A Ásia e a estratégia de defesa dos EUA - RUBENS BARBOSA


O ESTADÃO - 28/08


Os EUA promoveram no início de 2012 a mais profunda mudança estratégica na sua política externa e de defesa desde 2002, quando George W. Bush, sob o impacto do atentado de 11 de setembro de 2001, radicalizou a ação americana no exterior. A redução do déficit público, a nova concepção da estratégia militar baseada mais nos avanços tecnológicos e a emergência da China aceleraram a decisão de Barack Obama.

A ação da Casa Branca pode ser vista também como o reconhecimento das grandes transformações por que passa o cenário internacional: a perda da importância relativa da Europa do ponto de vista econômico e de defesa pela ausência de ameaças de segurança, os efeitos da crise econômica sobre as economias americana e europeia e a crescente importância econômica da Ásia.

O governo dos EUA, com as novas diretrizes, procura defender seu interesse, coerente com a Estratégia de Segurança Nacional, de 2002. Numa das passagens mais cruas do unilateralismo então vigente, o documento afirmava que "os EUA serão suficientemente fortes para dissuadir potenciais adversários de buscar um fortalecimento militar, com a expectativa de ultrapassar ou igualar o poder" americano. A Estratégia de Segurança Nacional, atualizada recentemente por Obama, na mesma linha, visa "aqueles que buscam impedir a projeção de poder dos EUA" e reconhece que, "a longo prazo, a emergência da China como uma potência regional poderá afetar a economia e a segurança dos EUA de diversas formas. O crescimento do poderio militar chinês, contudo, deve ser acompanhado de maior clareza quanto às suas intenções estratégicas a fim de evitar a ocorrência de fricções na região".

A nova política, a ser desdobrada nos próximos anos, aponta para um corte substancial no orçamento de defesa e traz a reorientação estratégica voltada para o futuro. O redesenho das Forças Armadas presume que guerras com grande mobilização de tropas terrestres não voltarão a repetir-se e, em consequência, serão reduzidas, de forma significativa, as ações do Exército e da Infantaria Naval. O tipo de guerra que se desenha para o futuro será determinado por ações secretas, respaldadas por informações da inteligência e por veículos não tripulados (drones), e pela guerra cibernética, como ocorreu no Irã, com ações secretas e a sucessão de mortes de cientistas nucleares que afetaram o programa e as instalações nucleares.

Ao reafirmar o poder global americano, no State of the Union em janeiro - "quem diz que os EUA estão em declínio, não sabe do que está falando" -, Obama responde à percepção de que o poderio da China está aumentando perigosamente e necessita ser contrabalançado pelos EUA. O CSIS, think tank de Washington, por solicitação do Pentágono, recomendou a transferência de forças do Nordeste da Ásia para o Mar do Sul da China, o aumento do número de submarinos na base de Guam e o posicionamento de porta-aviões na Austrália.

As primeiras manifestações dessa mudança estratégica foram o anúncio do estabelecimento de uma base permanente na Austrália, o envio de 2.500 fuzileiros navais para ajudarem a manter a segurança da região, o deslocamento de 60% da força naval para o Pacífico até 2020, a aproximação com Mianmar e a ampliada cooperação naval com a Índia e o Japão. A saída total do Iraque, depois do fracasso militar e da reconstrução, e a redução de efetivos militares na Europa completam as medidas iniciais.

Embora os movimentos populares árabes, a crise Israel-Palestina e o programa nuclear iraniano continuem a manter os EUA envolvidos no Oriente Médio, a nova política prevê o "reequilíbrio voltado para a Ásia-Pacífico e o apoio à Índia, como âncora econômica e um elemento de segurança para toda a região do Oceano Índico". A estratégia visa a aumentar a presença americana na Ásia e a contrapor o poderio chinês do ponto de vista de defesa, econômico e comercial.

A China, a segunda economia global, amplia seu alcance militar e econômico na região Indo-Pacífica, podendo levar à criação de bloco sinocêntrico, dominando o Pacífico Ocidental. Pelo Mar do Sul da China, declarado de interesse nacional dos EUA, passa um terço do comércio mundial, mais de US$ 5,3 trilhões. A região abriga reservas inexploradas de gás e petróleo e é foco de longas disputas territoriais da China, sobretudo com as Filipinas, o Vietnã e, em especial, Taiwan.

Apesar de a forte reação negativa chinesa ter-se manifestado em declarações públicas do governo de Pequim, os dois países estabeleceram um diálogo estratégico e de defesa de alto nível.

Obama aproveitou a abertura da reunião da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) e o encontro de cúpula dos países do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) para divulgar o redesenho da estratégia para a região. Na Apec o presidente americano anunciou a negociação de acordo de livre-comércio entre os países-membros da Parceria Trans-Pacífico (PTP), sem a participação da China, "por não atuar conforme as regras do comércio internacional".

Há, do ponto de vista de Washington, uma clara rationale para o aumento da presença militar e econômica na Ásia, o que, numa visão de médio e longo prazos, está muito mais de acordo com o interesse nacional americano do que a manutenção das guerras no Oriente Médio.

É prematuro afirmar que os primeiros passos dessa nova estratégia possam levar a uma confrontação entre EUA e China, propiciando o surgimento de algo semelhante à guerra fria, que pôs em campos opostos os EUA e a URSS. O que se pode afirmar, contudo, é que uma nova área de tensão surgiu no já conturbado cenário internacional e que, para os EUA, vai ser mais difícil gerenciar a aliança asiática do que administrar a relação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A ÁRVORE DE PITANGA - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 28/08

Protagonista de "Lado a Lado", próxima novela global das seis, Camila Pitanga se inspirou em Clara Nunes para ser fotografada na praia Vermelha, no Rio. No perfil, que sai na revista "Glamour" de setembro, ela fala sobre a mãe, a ex-modelo Vera Manhães. "A mamãe fazia tratamento psiquiátrico, e eu tinha essa utopia de que poderia salvá-la. Isso foi uma angústia grande durante muito tempo. A terapia me ajudou a aceitá-la como ela é, a amá-la e também a ver a beleza dessa situação peculiar."

CORAÇÃO DE MÃE
Um casal de lésbicas de SP ganhou na Justiça o direito à dupla maternidade na certidão de nascimento dos gêmeos Arthur e Beatriz, de três meses. A novidade, em relação à maioria de outros casos, é que os bebês são filhos biológicos das duas mães -em geral, ou as crianças são adotadas ou filhas biológicas de apenas uma das mulheres. É também a primeira decisão registrada na cidade.

CORAÇÃO 2
Os bebês foram gerados por Waldirene Pinto, 40, com óvulos inseminados de Fernanda Bajo, 32. A sentença declara que as duas são igualmente mães. Em outras ocasiões, a Justiça reconheceu ou a mãe que gestou ou a que doou o óvulo.

NOSSA HISTÓRIA
A decisão só saiu há 20 dias. "Foi desgastante. Me barravam na maternidade. Reclamei e me deram uma pulseira com a frase 'Eu sou o papai'. Não consegui incluí-los no plano de saúde", diz Fernanda. Elas gravaram depoimento para a Coordenação para a Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça de SP. O vídeo irá ao ar na internet amanhã, o Dia da Visibilidade Lésbica.

SEMANA DE 22
O Ballet Stagium abre em outubro espetáculo no teatro São Pedro, "90@22", com direção de Marika Gidali e coreografia de Décio Otero.

LADO B DA POLÍTICA
Claudia Sartori, mulher do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, convidará Paulo Maluf e Geraldo Alckmin para participar de seu novo quadro no programa de Amaury Junior (RedeTV!), "em que esmiuço o lado B dos políticos". O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) toca hoje, no ar, "Asa Branca" no piano. A primeira convidada foi a corregedora Eliana Calmon. As duas conversaram sobre gastronomia.

CINEMA PARADISO
O ator italiano Giancarlo Giannini, de filmes como "Por um Destino Insólito" e "Mimi, o Metalúrgico", vem a São Paulo em novembro. Ele ganhará uma retrospectiva de sua carreira no MIS (Museu da Imagem e do Som).

AMIGO
Roger Agnelli, ex-presidente da Vale, visitou José Dirceu há alguns dias em São Paulo. Foi prestar solidariedade ao ex-ministro, réu no caso do mensalão.

DE FÉ
Dirceu recebeu também a visita de João Pedro Stedile, líder do MST.

BOA VIZINHANÇA
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) estão fazendo uma "vaquinha" para comprar o presente de casamento de Lívia Lewandowski, filha do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do mensalão. Todos, inclusive Joaquim Barbosa, relator do caso e que tem divergido do colega, vão colaborar.

AFINADOS
Barbosa, por sinal, revela a interlocutores que concorda com a declaração de Lewandowski de que, apesar das atuais divergências em plenário, os dois estão entre "os mais chegados" no STF. Acrescenta dois ao grupo: Ayres Britto e Cármen Lúcia.

QUANTO RISO, Ó
A atriz Mayana Moura, que será uma vilã em "Guerra dos Sexos", próxima trama das sete da Globo, diz que está "feliz da vida" com sua primeira comédia. "Tá difícil só não rir em cena."

MAROON 5 NO XADREZ
As modelos Ana Beatriz Barros e Fernanda Motta se encontraram na noite do domingo vestindo a mesma camisa xadrez, da Zara. "A gente também usa 'fast fashion', viu?", riu Ana. E nem era show sertanejo: elas e a cantora Luiza Possi foram ver a banda Maroon 5, no Anhembi. O ator global José Loreto também foi, de xadrez.

BRINDE NA OSCAR
As atrizes Camila Morgado e Carolina Ferraz. mais a top Carol Trentini, foram madrinhas de evento de uma marca de champanhe na rua Oscar Freire, anteontem.

CURTO-CIRCUITO
A Maria Bonita lança coleção inspirada nas obras de Milton Dacosta. Hoje, no shopping Iguatemi, e amanhã, na Oscar Freire.
O Cine Cristal tem sessão de estreia hoje, às 20h, na Cristal de Pinheiros.
A galeria André abre hoje a mostra "Cotidiano" para comemorar seus 50 anos.
A banda Los Sebosos Postizos, com integrantes do Nação Zumbi cantando Jorge Ben Jor, lança seu primeiro álbum em setembro.

Mensalão! Briga de capinhas! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 28/08

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Taboão da Serra tá bombando! Olha este outdoor: "Noite do Beijo do Cabrito! A primeira mulher que beijar o cabrito na boca ganha R$100 mais 1 kg de linguiça". E o cabrito usa aparelho nos dentes! Ele trabalha em "Malhação "! Rarará!

Rodada do mensalão! Acredito na inocência do Marcos Valério. Já viu mineiro distribuir dinheiro? Rarará! E diz que o Marcos Valério foi o único careca que derrubou um monte de barbudo! E sabe por que só tem 38 mensaleiros? Porque o resto saiu correndo! Rarará! E os tiozinhos fatiaram alguém hoje? Eu quero sexo, sangue e petista fatiado!

E a charge com o Joaquim Barbosa: "Eu fatiei o julgamento, se der empate é só fatiar o ministro Peluso". Vão fatiar o Peluso. E eu entendi Peludo. Vão fatiar o peludo! E esse Barbosa com esse Lewandowski? A briga das capinhas! "A sua capa tá com a bainha desfiada." "E a sua tá cheirando naftalina." "E a minha tem mais gominhos que a sua". Rarará! Ai, ai, viu?!

E atenção! Reviravolta no mundo animal! Disney em festa! Bambis comem gambás de virada! Luis Fabiano desobedece o técnico e faz dois gols! E o Luis Fabiano tá sempre cometendo ou levando uma falta. Ou ele tá deitado ou ele tá em pé ao lado de um deitado. E, quando o Corinthians perde, tem que ter cuidado com o retrovisor. Os motoboys estão de mau humor! E o Adriano virou bar. Em BH! "Adriano, o Imperador da Cerveja". E eu acho que a Patricia Amorim e o Adriano estão "in love". Ops, in Vágner Love. Estão in Vágner Love! Rarará!

E o hilário eleitoral? E a charge do Luscar: "Ministério da Saúde adverte: horário eleitoral pode causar raiva, nojo, tédio, tonteira, broxura e caganeira". Nesta ordem! Até a Angela Maria é candidata! Babalu 2012! Eu só voto na Angela Maria se o Cauby Peixoto vier junto! Rarará!

E a Mulher Pera? Grau de instrução: lê e escreve. Só isso? Que decepção! Não dá nem uma variada? Pensei que a Mulher Pera fizesse um monte de coisa! Rarará!

E este: "Pedro da Ascron (Associação dos Cornos de Rondônia). Corno sim, corrupto não". Concordo. Dou o maior apoio! Rarará! E este de Monsenhor Gil (PI): "Antonio Viado". E o slogan: "Se é para o bem do povo, Antonio Viado de novo". Rarará! A situação tá ficando psicodélica! Acho que o Brasil tomou um ácido no café da manhã! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Dilma, Lula e a cumbuca - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 28/08


Desde o início do mandato da presidente Dilma Rousseff, setores importantes do PT padecem da nostalgia dos "bons tempos" em que o Grande Chefe distribuía bondades e afagos a mancheias com o duplo objetivo de, por um lado, atender a demandas sociais "como nunca antes na história deste país" e, por outro lado, cooptar os aliados necessários para garantir a perpetuação no poder da nomenklatura petista.

O impasse nas negociações entre governo e sindicatos na atual campanha salarial dos servidores públicos elevou o tom da insatisfação do PT com o comportamento da presidente, que é considerada a principal culpada pelos prejuízos políticos que sua "intransigência" já causa à base sindical do partido.

De acordo com tradicionais lideranças petistas ouvidas pelo diário Valor (27/08), "falta a Dilma sensibilidade e experiência nesse ramo negocial", e essa é a mais "marcante diferença" entre ela e seu antecessor. Não é. A grande diferença entre os dois é que Dilma não fica à vontade no figurino demagógico-populista de Lula, que só abre a boca para falar o que as pessoas querem ouvir e jamais "mete a mão em cumbuca".

Pois a atual "negociação" salarial proposta pela maior parte dos sindicatos de servidores públicos - habituados à liberalidade do governo anterior - é uma enorme cumbuca para o governo, uma vez que, de modo geral, as exigências de reajuste salarial, quase sempre muito acima da inflação, extrapolam os limites do justo e do razoável e são inaceitáveis para qualquer administrador de finanças públicas minimamente responsável. Principalmente no momento em que o governo encontra enormes dificuldades para fechar o orçamento para 2013, que precisa apresentar ao Congresso até a próxima sexta-feira.

Dilma evitou a arapuca e instruiu seus assessores a endurecer o jogo. Mais adiante mandou cortar o ponto dos grevistas. Uma postura realista, até mesmo porque o País vive hoje, em razão dos reflexos da crise internacional, uma conjuntura econômica muito pior do que aquela que permitiu a Lula alimentar o maior culto à personalidade de que se tem notícia na história deste país.

A posição do governo é clara na negociação com os servidores: reajuste salarial geral de 15,8%, em três parcelas de 5% a serem pagas, anualmente, de 2013 a 2015. Nas rodadas de negociação mantidas nos últimos dias pelo secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, a proposta do governo foi unanimemente recusada. Mas as lideranças prometeram submetê-la às respectivas assembleias.

Diante de indícios de que algumas categorias, mais desgastadas com os três meses de paralisação, tenderão a finalmente aceitar o que lhes é proposto, fontes oficiais revelaram a possibilidade de, nesses casos, ser concedido o pagamento das horas paradas, com a restituição dos descontos em folha efetuados, desde que acertado um esquema de reposição daquelas horas de trabalho.

Esse não é, definitivamente, o modo petista de tratar "demandas sociais" - aquele que parte do princípio de que o Estado tudo pode, inclusive gastar o que não tem. Foi exatamente assim que se comportou o PT quando, em 2000, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acabou com a gastança irresponsável na administração pública em todos os níveis, estabelecendo "normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal". Proposta no governo FHC, essa lei foi duramente combatida pelos petistas com o argumento de que se tratava de mais um instrumento de opressão das "elites" sobre o povo trabalhador. Aprovada, a Lei de Responsabilidade Fiscal se transformou num dos pilares da gestão fiscal que permitiu a implementação de políticas de crescimento e distribuição de renda nos dois mandatos de Lula.

De qualquer modo, a crescente insatisfação do PT com o "modo dilmista" de governar pode ser apenas o reflexo de uma surda luta interna pelo poder. Do ponto de vista político, tudo leva a crer que a firmeza da presidente na condução do confronto com um sindicalismo saudoso de seus privilégios só tem feito aumentar os índices de sua aprovação popular.

Efeito detergente - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 28/08


Semana passada o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, e o presidente do partido em São Paulo, Edinho Silva, saíram de uma reunião com o ex-presidente Lula falando sobre a queda no volume de doações financeiras para a campanha municipal que, segundo eles, ocorre no País todo e atinge todos os partidos.

"A arrecadação está devagar, os empresários dizem que estão avaliando", informou o tesoureiro. O presidente da seção paulista atribuiu essa redução à insegurança decorrente do julgamento do mensalão e da CPI do Cachoeira. "Não é um ambiente de tranquilidade na política", disse.

De fato. Com uma comissão de inquérito mostrando ligações nebulosas entre máfia de jogatina, agentes públicos e empreiteira especializada em negócios governamentais, o Supremo Tribunal Federal pela primeira vez julgando réus amigos, aliados e correligionários de partido no poder e advogados sendo criticados por conferirem à prática do caixa 2 a condição de argumento de defesa, o ambiente é tudo menos tranquilizador.

Digamos que o mar não esteja para peixe.

Tranquilidade mesmo só quando as autoridades estão alheias aos ditames da lei e a opinião pública se curva ao lema do imperativo do uso de mãos sujas no exercício da política.

Em tempos de vigilância explícita, encolhem-se os potenciais infratores. De onde se pode fazer a seguinte reflexão: se é verdadeira a alegação de que o julgamento do mensalão resulta em queda de arrecadação, algo há de errado na avaliação sobre o efeito moralizador da instituição do financiamento público de campanhas.

Não é o aporte de mais verbas públicas - além do fundo partidário e da renúncia fiscal às emissoras pela veiculação da propaganda dita gratuita - o que inibe o crime, mas a sinalização de que os ilícitos não ficam impunes. Simples e óbvio assim.

Cada qual. A despeito da disposição de Ricardo Lewandowski de se contrapor às posições de Joaquim Barbosa, há uma definição regimental clara sobre os papéis de cada um.

Ao relator cabe lidar com os fatos e as pessoas do processo e ao revisor a confirmação, complementação ou retificação do relatório. Mal comparando, é relação semelhante à existente entre o autor e o revisor de um texto. Não é prerrogativa de quem revisa contestar o escrito.

Uma vez iniciado o julgamento do mérito, a única prerrogativa especial do revisor é votar antes dos demais, logo após o relator.

Dessa perspectiva é que o colegiado discorda do ponto de vista de Lewandowski.

O empate. Da agonia para o caso de empate no julgamento, o Supremo não cuidará por ora, deixando para fazê-lo quando, e se, a questão se colocar na conclusão dos votos.

Não obstante a inexistência do voto de minerva - ou "voto de qualidade" no jargão do STF - em ações penais, o assunto não é pacífico no tribunal.

Há posições pró e contra. O regimento interno dá ao presidente o direito ao voto decisivo quando não seja prevista solução diversa, se houver empate decorrente de impedimento ou suspeição, vaga ou licença médica superior a 30 dias em caso de urgência e impossibilidade de convocação do ministro licenciado.

Nada diz sobre aposentadoria nem tampouco prevê a acima citada "solução diversa".

Nos conformes. A semana começou bem para a Corte, com a manutenção dos embates nos limites da divergência, sem entrar no terreno do atrito pessoal.

Já para a defesa, o início da coleta dos votos dos chamados "vogais", o revés se desenhou na consolidação do pressuposto de que nesse processo não se examina ilícito eleitoral, mas oferta e obtenção de vantagens indevidas com punição prevista no código penal.

Perdidos no espaço - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/08


SÃO PAULO - Neil Armstrong se foi e o jipe-robô Curiosity vai enviando imagens e informações inéditas sobre Marte. É um novo momento da exploração espacial, que se torna menos romântica e mais útil.
Saem as dispendiosas e arriscadas missões tripuladas e entram as mais justificáveis sondas e telescópios espaciais, que geram montanhas de dados relevantes para a ciência. A esperança é que nos ajudem a responder à pergunta fundamental: estamos sós no Universo?
Descartada a pseudociência dos ufólogos, há duas vertentes de busca: sondas como o Curiosity, que permitiriam identificar vida microbiana, e iniciativas como o Seti, que tenta encontrar sinais de rádio emitidos por uma inteligência extraterrestre.
O pressuposto da procura é o princípio da mediocridade, defendido, entre outros, pelos astrônomos Carl Sagan e Frank Drake: se existe vida na Terra e este é um planeta sem nada de excepcional, deve haver seres vivos em muitos outros mundos.
Contrapõe-se a ele a hipótese da Terra rara, elaborada pelo paleontologista Peter Ward e pelo astrobiólogo Donald Brownlee, segundo a qual o surgimento de vida multicelular é um evento menos comum do que supõe o princípio da mediocridade, pois depende de uma combinação improvável de fatores astrofísicos e geológicos, e não só da química.
A Terra rara é uma das respostas possíveis para o silêncio do Seti, mas ela nos deixa mais solitários no Universo. Pensando bem, isso talvez não seja uma má ideia. Se existem aliens com capacidade tecnológica para produzir sinais de rádio e quem sabe construir discos voadores, é prudente ficarmos longe deles.
Mesmo que viessem com as melhores intenções, quando civilizações em diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico se encontram, a mais atrasada leva a pior. Foi isso pelo menos o que aconteceu na Terra, como o provam a história das Américas, da África e da Oceania.

Os bancos na mira da CPI - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 28/08

A CPI do Cachoeira recebeu dos bancos 80% dos dados pedidos. Seus integrantes avaliam que isso ocorre porque os bancos relutam em apoiar a investigação. Por isso, elaboram uma nova Lei Geral das CPIs. O presidente, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), diz que os bancos passarão a ser punidos, pelo crime de obstrução do trabalho da Justiça e da CPI, se não enviarem os dados em dez dias.

Protestos fora dos limites
Polícia Federal iniciou investigação sobre ameaças contra a OAB. Elas se intensificaram depois de divulgado o resultado do exame da Ordem, com um índice de aprovação baixíssimo: 14,97%. Bacharéis insatisfeitos usam sites, blogs e redes no Twitter para contestar o exame. O tom dos ataques subiu. Parlamentares e advogados têm recebido avisos alarmantes pelo Twitter: "A OAB está sob ameaça de sofrer atentado terrorista.” Esse tipo de mensagem está sendo replicado na rede. O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, diz que não se pode desconsiderar os avisos. Nos anos 80, uma carta-bomba causou a morte da secretária da entidade, Lyda Monteiro.

“A polarização PT x PSDB acabou. Hoje há novos atores na mesa: o PMDB e o PSB. Isso ficará nítido depois das eleições municipais”
Vital do Rêgo
Senador (PMDB-PB) e presidente da CPI do Cachoeira

Caminho aberto e sem marolas
O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse a um amigo no PMDB que não será candidato à presidência da Câmara. Contou que recebeu recado do Planalto: o governo fechou com o líder do PMDB, Henrique Alves (RN).

Bom humor
Em roda de conversa, sábado, o ministro Gilmar Mendes (STF) fez piada de sua conversa com o ex-presidente Lula. Contou que Lula queria ter indicado o deputado federal Vicentinho (PT-SP) para a vaga no STF que acabou com Joaquim
Barbosa. Vicentinho se formou em abril de 2004, e o ministro Joaquim assumiu em junho de 2003.

PowerPoint e projetor de slides

O ex-presidente do Dnit Luiz Antônio Pagot pediu para usar na CPI do Cachoeira um PowerPoint, e o Paulo Preto, da Dersa, um projetor de slides. Os pedidos foram recusados. Ontem, parlamentares do PR passaram a tarde tentando amansar Pagot.

É vapt-vupt
Advogado ligado a um dos réus concluiu que, se forem condenados pelo STF, os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) perdem seus mandatos automaticamente. O artigo 55 da Constituição, inciso 6, é específico: condenação criminal transitada em julgado leva à perda do mandato. Nem é preciso processo de cassação.

Comissão de Ética esvaziada
Ontem haveria reunião da Comissão de Ética Pública da Presidência. O encontro foi retirado da agenda. A comissão só tem dois membros: Sepúlveda Pertence e Américo Lacombe. A presidente Dilma precisa nomear outros cinco.

Correção

É informação da coluna a frase "Ele será juiz do mensalão mineiro, que tem ... desvio de dinheiro público e tucano entre os réus", publicada domingo. Ela não é do texto do Instituto Teotônio Vilela (PSDB) que critica Ricardo Lewandowski.

baixo-astral
. O desânimo tomou conta dos aliados dos réus do mensalão diante do voto do ministro Luiz Fux. Imaginavam que ele seguiria o revisor.