sábado, agosto 06, 2016

Cabeça dura tem conserto? - BOLÍVAR LAMOUNIER

REVISTA ISTO É

Sempre negamos a realidade, mesmo quando ela vem de pau para cima de nós. Com tal mentalidade, não há país que se desenvolva


Na primeira metade do século 20, o ofício predileto da elite intelectual e política brasileira era especular sobre nosso atraso como país. Instigados pelo vertiginoso avanço dos Estados Unidos, dedicavam-se a tal tarefa com um afinco admirável.

Alguns diziam que o problema era nossa origem portuguesa: fomos colonizados pelo menor e mais atrasado país da Europa. Outros jogavam a culpa na abolição da escravatura: que esperar de um país que passara a depender do trabalho de negros livres? Alguns, mais sinceros, diziam que o problema estava em todos nós: éramos um país de preguiçosos.

Depois da Segunda Guerra, tivemos uma ideia genial. As causas do nosso atraso estavam no exterior. Eram os estrangeiros: primeiro os ingleses, depois os americanos, as “sete irmãs” petrolíferas, o FMI etc. Essa é que era a verdadeira raiz do mal.

Mas a verdade é que nunca chegamos ao âmago do problema. O problema é que sempre fomos uns tremendos cabeças-duras. A teimosia, eis o elemento que antes nos escapava. Sempre negamos a realidade, mesmo quando ela vem de pau para cima de nós. Com tal mentalidade, não há país que se desenvolva. Dou dois exemplos.

Hoje a economia brasileira está em escombros, numa crise tremenda, que se explica principalmente por nossa mania estatizante. Sempre vimos a empresa estatal como o suprassumo da sabedoria econômica, símbolo de eficiência e imunidade à corrupção. Tanto assim que odiamos o verbo “liberalizar”; o máximo que topamos é “flexibilizar” algumas coisas. Sempre costeando o alambrado. Pois aposto que vamos continuar assim.

Segundo, o sistema presidencialista de governo. Nos convencemos de que se tratava de outra maravilha, o único modelo capaz de assegurar a estabilidade, a eficiência, a unidade de comando etc. E o único congruente com nossas tradições culturais, quero dizer, com nosso velho gosto por líderes “machos”. É verdade que ele às vezes obriga o País a esperar uma eternidade para defenestrar um “presidento” ou uma “presidenta” que prá começo de conversa nunca deveria ter sido eleito(a). Aqui também, aposto que vamos deixar tudo do mesmo jeito. Cabeça dura não tem conserto.

O presente de Rosemary - REVISTA ISTO É


Nova investigação do MP indica que Rosemary Noronha, a protegida de Lula, obteve um imóvel da Bancoop sem tirar um centavo do bolso, num desdobramento do esquema que beneficiou o ex-presidente com o tríplex no Guarujá. Outros personagens ligados ao petista também foram contemplados





Pedro Marcondes de Moura05.08.16 - 18h00
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Em março deste ano, o Ministério Público de São Paulo pediu a prisão preventiva do ex-presidente Lula pelos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no caso do tríplex do Guarujá. Agora, se descobre que o esquema do imóvel ocultado pela família Lula da Silva tem mais capilaridade do que se imagina e não se limitou a beneficiar o petista. Privilegiou também outros personagens ligados a Lula, à cúpula do PT e à Central Única dos Trabalhadores. É o que demonstra o Ministério Público de São Paulo em nova fase da investigação, batizada de Operação Alcateia. Mais de sete volumes de documentos colhidos pelos promotores até agora dão segurança para eles afirmarem que a amiga de Lula, Rosemary Noronha, recebeu um apartamento da falida Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) sem tirar um centavo do bolso. Rose, como era conhecida no governo quando, a pedido de Lula, ocupou a chefia de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo, teria sido favorecida com um duplex de cerca de 150 metros quadrados no Condomínio Residencial Ilhas D’ Itália, numa área nobre do bairro paulistano da Mooca. “Rosemary Noronha não conseguiu provar que pagou o imóvel”, afirmou à ISTOÉ o promotor Cássio Conserino. “Ela, assim como outros personagens ligados a Lula, não apresentou um mísero comprovante bancário de pagamento de uma parcela”, complementa. Os outros personagens íntimos de Lula a que Conserino se refere são o presidente da CUT, Vagner Freitas, e a própria Central Única dos Trabalhadores. O lado mais sórdido disso tudo é a consequência desta e de outras fraudes da Bancoop. Com a falência da cooperativa, mais de sete mil famílias perderam as economias de uma vida e o sonho da casa própria ao investirem na entidade ligada ao sindicato dos bancários. Enquanto cooperados de boa-fé foram lesados em suas poupanças, Lula e amigos, de acordo com a investigação, acabaram contemplados com imóveis sem precisar mexer no bolso.CLIQUE PARA AUMENTAR

A nova fase da investigação, filhote daquela que chegou ao tríplex de Lula, está prestes a ser concluída. O nome Alcateia foi escolhido pela semelhança entre a cadeia hierárquica existente entre os investigados e a adotada pelos lobos. Em ambos os casos, acreditam os promotores, há um líder central que designa o papel e garante a sobrevivência dos outros integrantes do bando. Neste caso, o chefe seria o ex-presidente Lula, como mostram documentos e depoimentos. Em um deles, uma testemunha narra ter presenciado João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT preso na Lava Jato e então presidente da Bancoop, afirmar, aos risos, que em breve a cooperativa iria quebrar. Mas a bancarrota, segundo Vaccari, pouparia o tríplex do chefe no Guarujá e apartamentos de pessoas íntimas dele. Os promotores já sabem que Vaccari não blefou. O que o ex-tesoureiro do PT implicado na Lava Jato não revelou, naquela ocasião, é que muitos desses imóveis sequer seriam pagos pelos futuros proprietários. O MP chegou a essa conclusão ao enviar para Rosemary Noronha e outras doze pessoas próximas ao “chefe” uma lista de questionamentos. Perguntaram quais imóveis eles teriam adquirido da Bancoop e pediram que comprovassem o pagamento das parcelas.
A protegida

De acordo com o MP, Rose possui dois apartamentos da Bancoop. Ambos localizados no bairro paulistano da Mooca. Em relação ao mais valioso deles, um duplex de 150 metros quadrados no Condomínio Residencial Ilhas D’ Itália, a amiga de Lula não apresentou um documento sequer que atestasse o pagamento. “Rosemary não apresentou um comprovante e ainda omitiu que era dona deste imóvel em sua resposta”, afirmou o promotor Cássio Conserino.

Algumas das respostas chamaram a atenção do Ministério Público. Em documento enviado em junho, Rose passou com louvor na prestação de contas de um outro imóvel construído pela Bancoop também na Mooca. Juntou uma série de comprovantes que mostram o pagamento do apartamento no Condomínio Torres da Mooca. Não falou, no entanto, uma palavra sobre um imóvel mais valioso localizado na mesma rua: o duplex de 150 metros quadrados, que está em nome de sua filha Mirelle. Às autoridades, a própria Mirelle confirmou que quem comprou o duplex da Bancoop, avaliado em R$ 1,5 milhão, foi sua mãe. Em janeiro de 2014, o apartamento teria sido repassado para a filha. “A partir deste momento, passei a arcar com os pagamentos do imóvel”, disse Mirelle em documento enviado para as autoridades paulistas.
Amigos de Lula

Ocorre que Mirelle também não conseguiu comprovar o pagamento de uma parcela sequer. Apresentou uma planilha da empreiteira OAS, que assumiu o empreendimento da Bancoop, e uma declaração de quitação em que não aparecem nem o valor total pago nem a forma como se deu o pagamento. “Além dos documentos apresentados não terem validade, é estranho que ela não tenha feito nenhuma referência ao pagamento da taxa de migração para a OAS que todos os cooperados tinham de arcar. Há cada vez mais indícios de que os suspeitos receberam um tratamento diferenciado”, complementa Cássio Conserino. Para os promotores, está claro que o apartamento não foi pago. Foi doado pela Bancoop em uma das muitas fraudes que levaram a cooperativa à falência. “Quaisquer vantagens obtidas ocorreram em detrimento das famílias lesadas”, lamentou o promotor.CLIQUE PARA AUMENTAR

No meio político, Rosemary Noronha ganhou notoriedade pela proximidade com o ex-presidente. A relação dos dois remonta a 1988, quando ela trabalhava como caixa da agência bancária onde o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC detinha conta corrente em São Bernardo do Campo. A amizade levou Rose a administrar as contas pessoais de Lula, que depois a convidou para ser secretária da sede do PT em São Paulo. Lá, ela trabalhou por 12 anos. Quando ascendeu à Presidência, Lula nomeou Rosemary como assessora do gabinete em São Paulo. Depois, como chefe de gabinete do escritório da presidência da República, também na capital paulista. Em diversas viagens de Lula ao exterior, ela esteve presente na comitiva. Nos bastidores, o poder alcançado por Rose incomodava a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Em dezembro de 2012, Rosemary deixou o governo após ser um dos alvos da Operação Porto Seguro. A protegida de Lula foi acusada de envolvimento com uma organização criminosa que fazia tráfico de influência em órgãos públicos.

As informações colhidas até agora pelo Ministério Público complicam outro aliado do ex-presidente. O presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, não conseguiu demonstrar ter pago à Bancoop por um apartamento registrado em seu nome no condomínio Altos do Butantã. Apresentou apenas uma explicação fajuta de que teria comprado a unidade na capital paulista a partir da soma de valores de cotas que teria adquirido de dois apartamentos. “É estranho que ele tenha investido em duas unidades e não tenha mostrado comprovantes de nenhuma”, diz Conserino. Segundo o Ministério Público, a matrícula registrada em cartório não comprova que Vagner Freitas quitou o imóvel. “A questão é se ele pagou. Isso ele não conseguiu mostrar”, afirma o promotor.

As provas reunidas até agora pelo Ministério Público demonstram também que a Central Única dos Trabalhadores, fundada por Lula e braço sindical do PT, também teria sido aquinhoada com imóveis da Bancoop de maneira irregular. Questionado pelos promotores, Vagner Freitas se limitou a dizer que as unidades, sem mencionar quais, foram negociadas diretamente com a Bancoop e que não ocorreram repasses para a OAS. Não demonstrou um comprovante bancário, transferência ou boleto atestando que a CUT realmente pagou alguma parcela das duas unidades que possui em um empreendimento construído pela Bancoop no bairro paulistano do Tatuapé. Com três quartos, cada apartamento está avaliando em cerca de R$ 400 mil. “Há uma simbiose grande entre a CUT e Bancoop, cooperativa do sindicato dos bancários. Inclusive, há, atualmente, integrantes da CUT que participam do alto escalão da cooperativa”, complementa o promotor Cássio Conserino.Rosemary, assim como outros, não apresentou um mísero comprovante bancário de pagamento do imóvel” – Cássio Conserino, promotor de Justiça de São Paulo

Houve, entre os investigados pela Operação Alcateia, quem conseguisse comprovar que desembolsou pelos imóveis. Carlos Gabas, ex-ministro de Dilma Rousseff, forneceu comprovantes suficientes para lotar uma pasta. Freud Godoy, ex-segurança de Lula, e a esposa dele também enviaram uma série de registros de pagamentos dos apartamentos que compraram da Bancoop. No entanto, nessa nova fase da investigação, os promotores ainda vão periciar os documentos. Em pelo menos um caso, mantido em sigilo, constam recibos pela metade ou boletos sem autenticação bancária. O Ministério Público ainda pretende cruzar as informações de pagamento dos investigados com os dados fiscais da Bancoop, obtidos em outra denúncia sobre fraudes na cooperativa.
Uma cooperativa de fraudes

Na lista de suspeitos do Ministério Público aparecem ainda conhecidos da Operação Lava Jato. São os casos do ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Bancoop, João Vaccari Neto, e da cunhada dele, Marice Corrêa de Lima. Ambos foram presos por envolvimento no Petrolão. Ao responder aos promotores, Marice disse que as escrituras dos apartamentos que teria adquirido da Bancoop já estavam com a força-tarefa do Petrolão. Enviou apenas uma planilha da Bancoop. Nela, estão as somas das parcelas pagas. Para os promotores, o documento por si só não serve para afastar as suspeitas que recaem sobre eles. “Não há como levar a sério uma planilha referendada pela cooperativa se os acusados são dirigentes ou pessoas próximas a ela”, afirma o promotor do MP-SP. Em um despacho sobre Marice, o próprio juiz Sergio Moro disse que “enquanto vários foram prejudicados pela gestão da BANCOOP”, “a investigada aparenta ter lucrado em decorrência de aparente generosidade da OAS”. A cunhada de Vaccari recebeu da empreiteira envolvida no Petrolão mais de duas vezes o valor que pagou ao devolver um apartamento no prédio em que está o tríplex atribuído à família Lula. O mesmo imóvel foi vendido, em seguida, pela construtora por um valor abaixo do pago a Marice.

A situação de Vaccari é ainda mais grave. O ex-tesoureiro do PT se tornou um personagem onipresente nas investigações da Bancoop. Sua passagem pela presidência da cooperativa, entre 2004 e 2008, foi marcante. Cooperados reclamam de assembleias fraudadas e cobranças de taxas irregulares. Foi pelas mãos dele que a Bancoop foi à bancarrota e iniciou as controversas transferências de empreendimentos inacabados. Desde 2010, ele é réu de uma ação por lavagem de dinheiro, estelionato e formação de organização criminosa. Recentemente, teve a sua prisão pedida no caso do tríplex do Guarujá, apesar de já estar detido, desde abril de 2015, por envolvimento na Operação Lava Jato.





Operação Alcatéia

Promotores paulistas estão prestes a concluir a segunda fase da investigação do tríplex de Lula. Suspeitas chegam à Rosemary Noronha, amiga do ex-presidente. Confira:

> A investigação é a segunda etapa da que pediu a prisão do ex-presidente. Ela recebeu o nome de Operação Alcatéia pela semelhança entre a hierarquia existente entre os investigados e a dos lobos. Em ambos os casos, há um líder central que designa o papel e garante a sobrevivência dos outros integrantes do bando. Neste caso, seria o ex-presidente Lula

> Com base em mais de sete volumes repletos de documentos, os promotores suspeitam que personagens ligados a Lula, ao PT e à CUT receberam vantagens da Bancoop. Há fortes indícios de que alguns chegaram a ganhar apartamentos sem pagar nada. Rosemary Noronha, amiga de Lula, não conseguiu comprovar o pagamento de um duplex na capital paulista.


Infraestrutura e faxina regulatória - LUIS HENRIQUE TEIXEIRA BALDEZ

ESTADÃO - 06/08

O Brasil está em crise, mas no campo da infraestrutura é um país de oportunidades



O Brasil está em crise – política, econômica e social. Mas, no campo da infraestrutura, é um país de oportunidades. Temos muito a fazer, a construir e a investir. A recente decisão de intensificar as parcerias do setor público com o setor privado – consubstanciada na Medida Provisória (MP) n.º 727/16 – trouxe algum otimismo ao mercado pelos pressupostos que explicita: parcerias como política de Estado, ampliação da competição, aumento da segurança jurídica, redução da burocracia e fortalecimento da regulação. É preciso, no entanto, modelar processos que contenham esses pressupostos e sejam atrativos aos investidores e usuários.

Das diversas formas de parceria possíveis, entendemos que aquelas que ensejam recursos públicos para lhes dar viabilidade são de difícil consecução. Por outro lado, as chamadas concessões integrais são as que têm maior chance de darem certo, desde que revestidas de regras claras, seguras e com modelos atrativos.

Concessão não é obra pública. Concessão é prestação de serviços. Obras são temporárias, de curto prazo. Serviços são perenes, de longo prazo. Assim, as concessões devem conter prazos contratuais que justifiquem os pesados investimentos exigidos e a manutenção e operação das vias – normalmente, acima de 20 anos para a completa amortização e remuneração dos ativos. No setor de rodovias, só 12% da extensão total é pavimentada e, destes, cerca de 10% são concessionados.

Nos atuais modelos de concessão de rodovias vê-se que a cada projeto estudado as tarifas alcançam patamares que podem se revestir de verdadeiras impedâncias à competitividade dos produtos e ao desenvolvimento econômico regional. Quando o governo anuncia um programa de concessões o faz explicitando o volume bilionário dos investimentos (o que não é ruim, mas é conceitualmente insuficiente como razão da parceria!). O mais adequado, para demonstrar a importância dos projetos, seria explicitar os benefícios que as parcerias trarão à economia: qual a redução do custo logístico? Qual o efeito no aumento da competitividade dos produtos? Quais os reflexos no desenvolvimento da produção por melhoria de competitividade? São respostas fundamentais que subsidiarão as decisões governamentais num processo de priorização de parcerias.

No setor ferroviário as dificuldades são maiores, tanto do ponto de vista da viabilidade financeira do projeto quanto da modelagem operacional a ser implantada. Um projeto ferroviário greenfield (com investimento da ordem de R$ 10 milhões por km de via) dificilmente é financeiramente viável só com recursos privados – algum recurso público, a fundo perdido, é necessário para complementar sua rentabilidade e consequente atratividade. Caso contrário, as tarifas não serão atrativas ao usuário e todo o projeto se perde.

No momento, com o País com contas públicas deficitárias, é quase impossível contar com esse aporte. A nosso ver, os projetos cujas parcerias podem ser viabilizadas sem recursos públicos são aqueles referentes aos trechos da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. já praticamente implantados: Palmas a Anápolis (em Goiás) até Estrela D’Oeste (em São Paulo).

No entanto, num cenário de competição e integração modal como apregoa a MP 727, precisamos responder: Como inserir a competição nas ferrovias, se o seu atual modelo de exploração é de monopólio? Como permitir o transporte por operadores ferroviários independentes? Como integrar as malhas, se as atuais concessionárias não permitem o direito de passagem? As respostas a esses questionamentos são fundamentais para que as decisões do poder concedente promovam a materialização das parcerias no setor ferroviário.

Finalmente, para dar sustentação aos modelos e aderir aos pressupostos da MP, será necessário realizar uma verdadeira “faxina regulatória”, com objetivo de completar a base normativa, eliminar excessos, reduzir a burocracia e construir um cenário de regras claras, duradouras e de longo prazo.

*É presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut)

Quanto investir para manter viva uma mulher com câncer de mama metastático? - MAIRA CALEFFI

CORREIO BRAZILIENSE - 06/08

Em 2016, quase 58 mil mulheres enfrentarão o câncer de mama no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Conforme o Tribunal de Contas da União, cerca de 50% dos casos diagnosticados no Sistema Único de Saúde (SUS) são descobertos em estágio avançado. Além disso, estima-se que 30% das pacientes diagnosticadas evoluirão para a fase metastática da doença, quando o tumor atinge outros órgãos.

Tornar o diagnóstico precoce acessível a mais mulheres é medida fundamental para virar esse jogo. Mas existe outra realidade essencial a ser modificada: o acesso a novos tratamentos para câncer de mama metastático. Nessa fase, tratamentos específicos fazem toda a diferença no controle da doença, prolongando a vida com mais qualidade. Porém, há mais de dez anos, nenhum novo medicamento é adotado pelo SUS para atender a essa demanda. Assim, quando há metástase, as pacientes da rede privada podem viver até três vezes mais tempo do que as usuárias da rede pública.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) determina a Lista Modelo de Medicamentos, como parâmetro global para a oferta mínima aos pacientes com câncer. O trastuzumabe, por exemplo, medicação utilizada contra um tipo de câncer de mama, integra a lista. O Brasil, na contramão, o fornece para combater o câncer de mama metastático apenas na rede privada de saúde. Outro exemplo de tratamento inovador para combater a doença nessa fase também contemplado apenas na rede privada do país é o everolimo, cujos estudos clínicos demonstram maior sobrevida sem progressão da doença e mais qualidade de vida. Existem muitas outras drogas inovadoras para tratar casos de melanoma e câncer de pulmão, por exemplo, que não são disponibilizadas no SUS.

Aos pacientes com indicação de tratamentos indisponíveis na rede pública, resta a judicialização. Saída que, além de não promover acesso igualitário à saúde, provoca desgaste emocional, espera e incerteza. Ações judiciais trazem desequilíbrio financeiro ao sistema de saúde, pois medicações são adquiridas uma a uma, mais caras do que se o governo optasse por fornecer os tratamentos a muitas pacientes que necessitam.

Precisamos enfrentar o problema com coerência na gestão pública e mais respeito aos cidadãos. As definições de políticas para o controle de doenças são determinadas pelo cálculo de custo-efetividade, que avalia os efeitos sobre a saúde em relação ao total de recursos investidos. Entretanto, por que os tratamentos não se provam custo-efetivos no Brasil, enquanto o são considerados por sistemas de saúde de outros países, por vezes até com menos renda per capta que o nosso? A vida de pacientes brasileiras com metástase vale menos?

Há 10 anos, na busca por acesso ágil e adequado ao diagnóstico e tratamento do câncer de mama no país, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) propõe algumas medidas: o registro compulsório dos casos de câncer no Brasil, para permitir mais clareza sobre o cenário da doença e melhorar a gestão de recursos; o aumento de recursos destinados à oncologia, diante do crescimento do número brasileiros dependentes do SUS neste cenário econômico; a criação, na Câmara dos Deputados, de uma subcomissão especial de oncologia; e a revisão da Lei nº 12.401/2011, que criou a Conitec. A pergunta que devemos enfrentar como sociedade é: quanto estamos dispostos a investir para manter viva uma mulher com câncer de mama metastático?


O mundo em sua mão - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 06/08

Os modernos smartphones promoveram uma revolução nos costumes e colocaram o mundo, literalmente, ao alcance da mão. Para começar, ninguém fica perdido. A pessoa é capaz não apenas de se localizar no tempo e espaço como descobrir instantaneamente como chegar a qualquer local. E ainda escolhendo o meio como pretende ir até o endereço. Se for numa mesma cidade, dá para escolher: a pé, de carro, de bicicleta, ônibus, metrô. Estou falando, claro, de cidades onde o serviço de transporte público funciona, há ruas e ainda existem áreas onde é possível caminhar com relativa tranquilidade.

Se for para viajar a outro município ou país, a comodidade é a mesma. A pessoa pode verificar se há voo, comparar preços entre as companhias aéreas e, em questão de minutos, se a conexão permitir, comprar a passagem e fazer check in na hora. Nesse caso, as facilidades não param por aí. Dá, também, para alugar antecipadamente um carro, após cotação entre locadoras, e receber as chaves ao desembarcar no aeroporto. Pode-se, igualmente, qualquer que seja o destino, Recife, Tóquio ou Paris, pesquisar o hotel, verificar o que há de melhor em custo e benefício - consultar a opinião de quem já se hospedou lá - e fazer a reserva.

Quem abraçou de vez a nova tecnologia dificilmente perde horas na fila de banco para pagar uma conta. Dá para resolver quase tudo com o celular na mão. Até investimento, como aplicar em títulos do Tesouro Direto, o sujeito é capaz de fazer. Mesmo que esteja bem longe da agência da W3 onde tem conta. Está em Nova York? Yes, you can. Londres? No problem. Acredite: a dificuldade maior será se você estiver lá na sua própria agência, na fila, à espera para falar com a gerente. Isso depois da dificuldade de chegar lá e de conseguir estacionar. Não tem jeito. Renda-se. A revolução tecnológica chegou para ficar.

Como não poderia deixar de ser, há as armadilhas. Hackers podem roubar seus dados e aplicarem golpe no cartão de crédito e na conta bancária. Mas eles já faziam isso antes de existir internet e smartphones. Uma saída é instalar um bom antivírus no aparelho e ficar sempre atento às instruções sobre segurança. Com isso, você já vai reduzir e muito o risco de ser lesado. Não há como escapar desse mundo novo. Então, a ordem é aproveitar o que ele oferece de bom. E olhe que, se sua internet for rápida o suficiente, não é pouca coisa!


Se não está quebrado... - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 06/08

Parece-me inoportuna a ideia, que vai ganhando corpo no Congresso, de votar alguma das PECs que alteram a forma de escolha dos ministros do STF. Não é que o sistema hoje utilizado —pelo qual o presidente da República indica mais ou menos livremente um nome de sua preferência que, depois de sabatinado, é aprovado ou rejeitado pelo Senado— seja perfeito ou não comporte melhorias. Mas, como dizem os norte-americanos, se não está quebrado, não conserte.

O maior perigo do atual modelo, que seria a entronização de ministros próximos demais do governo que os designa, comprometendo a independência da magistratura, foi posto à prova e não se materializou.

Passaram pelo Supremo nos últimos anos vários casos de interesse capital para o PT, como o julgamento do mensalão e decisões relativas ao impeachment de Dilma Rousseff. O PT, por ter permanecido no poder por 13 anos, teve a oportunidade de indicar 8 dos 11 ministros que hoje ocupam a corte. Apesar disso, o STF soube atuar com independência, tendo condenado a penas de prisão figuras importantes da cúpula petista e permitindo que o Legislativo conduzisse o afastamento de Dilma sem grandes interferências. Nos bastidores, o PT chegou a qualificar alguns dos ministros de traidores.

Minha hipótese para explicar o fenômeno está na vitaliciedade. Uma vez nomeado, o ministro só sai morto, aposentado ou por vontade própria. Isso significa que ele só deve satisfações a si mesmo. Num ambiente que cultiva o amor-próprio, como é o da principal corte do Judiciário, a biografia tende a valer do mais que a lealdade. Ocorre aqui algo parecido com o que se passa no mercado, que transforma vícios privados em virtudes públicas. A exemplo da cobiça, que é uma imperfeição na escala individual, mas se converte em eficácia econômica no plano institucional, a vaidade acaba estimulando a independência judicial.

Rio, bomba após Olimpíada - ADRIANA FERNANDES

ESTADÃO - 06/08

Até aqui, nada foi feito para combater as raízes da crise no Rio



As difíceis negociações em torno das concessões feitas ao Judiciário e Legislativo no projeto de reestruturação da dívida dos Estados, que balançaram esta semana a credibilidade do ajuste fiscal da equipe econômica, são só um aperitivo do que o governo Michel Temer terá de enfrentar depois do fim da Olimpíada do Rio de Janeiro.

A apreensão maior que ronda os gabinetes de Brasília é mesmo com os desdobramentos da crise financeira do Estado do Rio. Cada real dos R$ 2,9 bilhões que Temer concordou em liberar ao governo fluminense – com a justificativa de garantir a segurança pública durante os Jogos – está contado. O dinheiro só é suficiente para permitir um mínimo de fôlego financeiro ao governo estadual até o fim da competição Não passa daí.

O que acontecerá depois, quando o dinheiro acabar, é a grande incógnita que dá dor de cabeça há semanas à equipe econômica. A forma como o presidente vai lidar com o problema, porém, terá repercussões nos Estados que, assim como o Rio, estão também vivendo grave crise nas suas finanças.

O potencial de minar o ajuste das contas públicas é sem precedentes, porque pode abrir uma crise na Federação. O governo não tem mais dinheiro para dar ao Rio. E pior: mesmo se conseguisse ampliar a ajuda, abriria uma brecha para que os outros Estados peçam também socorro do Tesouro Nacional. A liberação do dinheiro para o Rio já causou ciumeira nos outros governadores.

Enfrentando críticas pela flexibilização nas regras de contenção de gastos com pessoal feitas no projeto de reestruturação da dívida dos Estados, o ministro Henrique Meirelles, conseguiu barrar nesses três primeiros meses no comando do Ministério da Fazenda uma onda de pressão para que o governo liberasse não só um volume muito maior de dinheiro ao Rio, como para outros Estados que também pediram ajuda financeira à União.

Essa é, sem dúvida, a principal vitória de Meirelles em favor do ajuste fiscal. É, porém, silenciosa, porque até agora muito pouco dessa pressão dos governadores veio de fato a público. Desse ponto de vista, é inegável o avanço obtido no acordo que a equipe econômica negociou com os governadores e garantiu um alívio financeiro de R$ 50 bilhões aos governos regionais.

A fatura poderia ter saído bem mais cara. Até porque Estados menos endividados, que não foram tão beneficiados pelos acordo, também vêm pedindo compensações pelas perdas com a redução das transferências do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Meirelles evitou uma benesse maior de um presidente que governa com “predominância” política. Mas, com a possibilidade de agravamento da crise financeira do Rio, o ministro pode não conseguir mais segurar essa rojão. Ele tem dito a interlocutores que não pode liberar mais nada os Estados.

Até aqui, nada foi feito para combater as raízes da crise do Rio. O Estado compromete perto de 90% de sua receita efetiva com salários dos servidores. Ou corta a folha, ou aumenta a receita. Sem isso, sem chance...

É nesse ponto que a flexibilização do projeto da dívida dos Estados, em votação na Câmara, foi um péssimo sinal. O projeto tinha com uma contrapartida garantir uma metodologia mais transparente para evitar a maquiagem que é feita na contabilidade das despesas de pessoal dos Estados. Essas manobras é que vêm permitindo aos governadores, com a conivência dos Tribunais de Conta estaduais, burlar o limite de gasto com pessoal da Lei de Responsabilidade Federal, o único teto de gasto já adotado no País.

Quanto tempo o Rio aguenta com policiais, médicos, professores sem receber salários? Ao mesmo tempo, juízes, promotores e deputados, que foram beneficiados com as mudanças, continuam recebendo seus vencimentos em dia. A hipótese até de o Rio pedir intervenção federal, prevista na Constituição, não está descartada.

Depois da Olimpíada, o certo é que o caos na segurança, na saúde, nos serviços básicos, no pagamentos de fornecedores vai continuar. Quem vai resolver?

Agenda bolivariana de Maduro não cabe no Mercosul - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/08

Crise é o maior impasse já vivido pelo bloco, que precisa voltar ao seu propósito original: integrar o comércio dos países da região, mas sem se fechar ao mundo
O Mercosul continua paralisado devido ao impasse em relação à presidência pro tempore do bloco. Paraguai, Brasil e Argentina questionam a transferência automática do comando à Venezuela, sem que o país comprove ter cumprido os requisitos básicos para se tornar um membro pleno da união aduaneira, inclusive a cláusula democrática. O Uruguai, por sua vez, cujo ciclo presidencial acaba de se encerrar, defende a transferência e, para pressionar o bloco, se recusou a permanecer na presidência pro tempore, deixando o grupo acéfalo.

Do ponto de vista técnico, não há mistério. O tratado da aliança aduaneira impõe uma série de requisitos que devem ser cumpridos pelos sócios, para que estes se tornem membros efetivos. E só com este status têm o direito a presidir o bloco. Pelo calendário, a Venezuela tem até o dia 12 de agosto, na reunião do Conselho do Mercado Comum, para comprovar o cumprimento dessas exigências. Tarefa difícil, considerando-se os sinais de violações de direitos humanos no país, como a prisão de líderes oposicionistas e o aparelhamento de instituições para impedir a atuação do Congresso.

A presente crise reflete, na verdade, a questão existencial que se tornou, nos últimos anos, o principal dilema do bloco. Afinal, o Mercosul é uma união aduaneira, voltada para integrar o comércio da região, ou uma aliança entre regimes que dividem a mesma ideologia?

Qualquer solução exige o consenso de todos os parceiros, inclusive da própria Venezuela. Os sinais de Caracas, no entanto, não são animadores. No fim de semana passado, logo após o Uruguai declarar em aberta a presidência rotativa, o governo venezuelano enviou carta aos chanceleres do bloco informando que assumiria o comando do Mercosul. A decisão tresloucada foi aceita pelo Uruguai, cujo presidente, Tabaré Vásquez, é refém do apoio da Frente Ampla — a bancada de esquerda liderada pelo senador e ex-presidente José Mujica. Mas foi rejeitada por Brasil, Argentina e Paraguai. Criou-se aí o maior impasse já vivido pelo Mercosul.

À reunião de altos funcionários da última quinta-feira, a Venezuela não enviou representantes. E o presidente Nicolás Maduro foi à TV atacar o Paraguai, acusando o presidente Horacio Cartes de representar a “oligarquia corrupta e narcotraficante” e perseguir a Venezuela. A chancelaria paraguaia reagiu convocando o encarregado de negócios da embaixada venezuelana em Caracas, Fritz Petersen Chaurén, para expressar seu mal-estar.

Motivados ideologicamente, Venezuela e Uruguai empurram o Mercosul para uma aventura irracional, ao estilo bolivariano. E, ao fazerem isso, deixam de lado os verdadeiros princípios que nortearam a criação do bloco sul-americano: a integração econômica e a liberdade de circulação de pessoas e mercadorias na região, sem fechá-la ao mundo.

Cotas e combate à corrupção - FREI DAVID SANTOS / WILLIAM DOUGLAS

O GLOBO - 06/08

Não é fácil criar políticas afirmativas. Elas são complicadas, porém mais complicado do que não fazer nada é se omitir. Escolhemos a dor menor


O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão criou novas regras para verificar a veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros ou pardos em concursos. A partir de agora, quem optar por concorrer pelo sistema de cotas raciais passará pela análise de uma comissão que avaliará os “aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato”.

A medida está sendo objeto de muito debate, para o qual queremos contribuir na qualidade de militantes do movimento negro. O foco e o valor maior em discussão são a capacidade de a sociedade combater o problema das fraudes na obtenção do benefício das cotas. Em tempos em que a corrupção, felizmente, se torna cada vez mais abjeta perante a comunidade, temos que acabar com mais essa modalidade que vem apresentando.

O combate ao racismo e à injustiça social é questão de alto grau de complexidade, daí valendo lembrar a lição de H. L. Mencken: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. A autodeclaração foi uma solução simples e que funcionou bem durante algum tempo, mas o transcurso do tempo traz novos desafios. A dinâmica das transformações sociais envelhece algumas soluções, demandando aperfeiçoamentos.

A solução da autodeclaração, prática, rápida e um pouco menos indolor, funcionou até que a consolidação das cotas e as mudanças sociais fizessem com que os “malandros” passassem a se dispor a prestar uma autodeclaração falsa que lhes abrisse as portas das universidades e concursos. E nenhuma sociedade se livra do racismo e da injustiça sem algum tipo de dor.

A sociedade sabe que não é fácil criar políticas afirmativas. Elas são complicadas, porém mais complicado do que não fazer nada é se omitir. Escolhemos a dor menor.

As cotas são polêmicas, muitos brancos e negros são contra elas, outros a favor, e implementá-las bem é doloroso, mas o Congresso Nacional e o STF escolheram a dor do desafio de fazer tais políticas, em lugar da dor de manter o racismo que tolda nossa sociedade.

Nessa mesma toada, temos que lidar com a dor de escolher critérios para identificar quem merece/precisa das cotas, e ir atualizando os modelos sempre que necessário. Nós, particularmente, não nos sentimos muito confortáveis com uma comissão de avaliação racial, mas se temos cotas raciais, esta dor é substancialmente menor do que ver o sistema ser objeto de malandragens e fraudes.

Cada fraudador de cotas tira a vaga de alguém que as merece na forma da lei e, pior, coloca mais um corrupto no serviço público.

Ficou famoso o caso da UnB, em 2012, quando uma banca considerou um gêmeo univitelino negro e outro não. O caso confirma a complexidade do problema, mas não é porque tivemos um erro médico ou judiciário que extinguimos os hospitais ou o Poder Judiciário. O risco de erro sempre existe, mas a comissão vai evitar casos como o do Itamaraty, em que louros de olhos verdes e nipônicos se autodeclararam negros para entrar pelas cotas. E eles têm se multiplicado, colocando em risco a política das cotas e dando oportunidade a corruptos. Nesse cenário, lidar com as dificuldades de uma comissão compensa com larga margem, pois evitaremos as funestas consequências de permitir fraudes e ingresso de corruptos.

Estamos certos de que até aqueles que ainda são contra as cotas irão concordar que, já que se trata de lei considerada constitucional pelo STF, todos devemos trabalhar para que ela seja cumprida, ao invés de ridicularizada. Uma política pública não pode ser pervertida por aqueles que escolhem o caminho fácil da fraude.

Em nota, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial afirmou que a medida “contribui para consolidar as iniciativas do poder público que visam à redução das desigualdades históricas e à promoção da igualdade racial em nosso país” e considerou que “se trata de uma medida legítima e oportuna, que busca direcionar as políticas públicas aos que realmente têm direito a ela”.

Viemos a público dizer que, por nossa experiência de décadas lidando com o problema do racismo, aplaudimos a inovação e a referendamos como positiva.

Frei David Santos é especialista em ações afirmativas e William Douglas é juiz federal

O álibi dos corruptos - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 06/08
Um dia, no passado já distante, Lula clamou contra "300 picaretas" do Congresso. O gesto foi saudado por muitos, que nele enxergaram um grito de alerta sobre a corrupção e a impunidade. Em direção oposta, alguns raros dissidentes registraram que, na ausência de identificação nominal dos "picaretas", o então líder oposicionista apenas praticava demagogia. Hoje, o apelo do ex-presidente ao comitê de direitos humanos da ONU prova que os segundos tinham razão. Com seu novo gesto, Lula converte-se no porta-bandeira dos políticos corruptos: o chefe dos "300 picaretas".

O ex-metalúrgico tornou-se um dos homens mais poderosos da República. Ele presidiu o Brasil por oito anos, fez sua sucessora e, apesar de tudo, ostenta a condição de candidato presidencial viável em 2018. Já Sergio Moro, o alvo de sua denúncia à ONU, não é mais que um juiz de primeira instância: suas decisões, certas ou erradas, são manifestações tentativas, precárias e reversíveis, do Poder Judiciário. Por que Lula não arguiu a suspeição de Moro no Conselho Nacional de Justiça? Por que, alternativamente, não confia na reversão, pelas instâncias judiciais superiores, de uma futura sentença que imagina desfavorável?

Os advogados de Lula argumentam que o recurso à ONU amplia as garantias das liberdades civis vigentes no Brasil, conferindo materialidade a um direito de todos os cidadãos (Folha, 3/8). Eles mesmos admitem que rompem a regra básica do Pacto Internacional ao solicitarem a intervenção da ONU antes do esgotamento dos recursos internos, mas sustentam a exceção à regra pela suposta inexistência de "medida eficaz para paralisar a violação ao pacto". Num exercício radical de contorcionismo jurídico, pretendem convencer-nos de que a mera transformação de Lula em réu implica violência contra os direitos humanos. De fato, por esse atalho, veiculam a mensagem formulada por seu cliente: Lula está dizendo que o sistema de justiça brasileiro não merece confiança quando processa agentes políticos.

Na hora da execução das sentenças do mensalão, José Dirceu ergueu o punho fechado contra o STF, declarando-se um preso político e anunciando que recorreria a tribunais internacionais. O PT o acompanhou, mas Lula escolheu caminho diferente, prometendo que voltaria ao STF com as provas da inocência dos companheiros condenados. Passados três anos, agora é o próprio Lula quem segue o rumo indicado por Dirceu, colocando tacitamente sua assinatura nas resoluções petistas que acusam a Justiça de promover uma caça às bruxas politicamente motivada. Há, nisso, uma novidade relevante: em nome de seu interesse pessoal, o líder histórico do PT cruza a fronteira do respeito às instituições democráticas brasileiras. Ao fazê-lo, oferece um álibi a todos os políticos investigados por crimes de corrupção. Afinal, se nosso sistema de Justiça persegue um ex-presidente, por que não perseguiria, e de modo ainda mais ignóbil, políticos de menor estatura como um Eduardo Cunha, um Fernando Collor ou um Paulo Maluf?

O ofício do advogado é defender seus clientes, não cultivar a lógica ou procurar a verdade factual. Os advogados de Lula mencionam 2.756 comunicações à ONU por violações de direitos em diferentes países, além de 12 condenações aplicadas à França e 39 à Austrália. Não nos dizem, porém, quantos ex-governantes de países democráticos solicitaram a intervenção de tribunais internacionais contra a simples abertura de um processo criminal na instância judicial inferior. O recurso de Lula à ONU é um gesto inédito, uma anomalia. Seu alvo real não é Moro, mas o Poder Judiciário. Sua finalidade é proteger o "direito à impunidade", um bem precioso da elite política brasileira posto em xeque desde o julgamento do mensalão.

A história descreve piruetas. Lula tem uma bandeira e os "300 picaretas" têm um líder.

Propinas e melancias - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 06/08

Primeiro convidado a participar das audiências da comissão especial da Câmara que trata das medidas de combate à corrupção, o juiz Sérgio Moro abriu sua fala, anteontem, com uma constatação: até o momento, o Poder Judiciário “era uma voz sozinha no deserto” no enfrentamento a esse tipo de crime.

Com a instalação do colegiado que vai sistematizar as propostas entregues ao Congresso pelo Ministério Público, com o apoio de 2,2 milhões de pessoas, o Legislativo também começa a ser envolver, completou o juiz que conduz a Lava Jato.

“Nos perguntávamos: onde está o Congresso? Onde está o Executivo?”, continuou Moro.

Congresso e Executivo estavam onde sempre estiveram. Receosos de que a Lava Jato chegasse aonde chegou, começaram a urdir planos para impedi-la de avançar. Talvez nenhuma operação da Justiça, Ministério Público e Polícia Federal tenha ido tão longe quanto foi a Lava Jato. E talvez nenhuma operação tenha sofrido tamanho combate político quanto a Lava Jato.

Mesmo com todos os problemas, a Lava Jato chegou aonde chegou. O resultado é o que todo o Brasil e o mundo conhecem: boa parte dos grandes empresários, dirigentes partidários, ex-presidentes da República, senadores, deputados e governadores foi apanhada por envolvimento no maior esquema de corrupção e desvio de dinheiro de uma estatal já descoberto no País.

Moro declarou na audiência que o que mais o “perturbou” na condução da Lava Jato foi a “naturalidade” com que os envolvidos admitiam receber ou pagar propina. Tal naturalidade, acrescentou Moro, levou os condenados na operação a admitir que participavam do esquema de desvio de verbas porque fazia parte da “regra do jogo”.

Essa regra do jogo é difícil de mudar. Durante sua participação na audiência da comissão que trata dos projetos anticorrupção, Moro foi atacado pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos mais ferozes críticos da Lava Jato. Para ele, o juiz defende projetos que cheiram a fascismo. A direção do PT acha que Sérgio Moro, juntamente com parte do Ministério Público, da Polícia Federal e dos meios de comunicação participam de um conluio para destruir o estado democrático de direito, desmoralizar o partido e criminalizar de tal forma o ex-presidente Lula que o impeça de ser candidato a presidente da República em 2018.

Do ponto de vista da luta política, trata-se de um argumento com força para animar a militância. Principalmente quando o PT está em vias de ver afundar seu projeto de poder com o impeachment de Dilma Rousseff.

Mas, no partido, há os que acham, sinceramente, que o juiz Sérgio Moro é um agente da CIA, a agência de inteligência norte-americana, e sua missão, depois de ajudar a destruir o PT, é entregar o petróleo do pré-sal aos Estados Unidos. Mesmo na mais aguda teoria da conspiração, impossível crer em tal bobagem.

Moro falou que a naturalidade com que os envolvidos admitiam receber ou pagar propina foi o que mais o assustou na Operação Lava Jato. Essa naturalidade às vezes assusta de fato quando revelada. Na Lava Jato, a naturalidade era a propina. Na política, é o patrimonialismo descarado.

Mesmo quem convive com o dia a dia da política não pode deixar de se surpreender com o que confessou o senador Hélio José (PMDB-DF), que se declarou “dono” da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), um órgão do Ministério do Planejamento, conforme gravação que circula na internet e se tornou notícia: “Isso aqui é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser, a melancia que eu quiser aqui, eu vou colocar”. Outro trecho: “A partir de hoje, a SPU é responsabilidade minha, do senador Hélio José, gabinete 19 da (Ala) Teotônio Vilela”.

Do presidente em exercício Michel Temer, que, tudo indica, se tornará efetivo, espera-se que apoie as ações de combate à corrupção. E que demita a melancia.

Isolada e distante dos fatos - LEANDRO COLON

FOLHA DE SP - 06/08

O último movimento de Dilma Rousseff reforça o quão desconectada dos fatos ela se encontra. Diante de uma derrota previsível no Senado, anunciou uma carta aos senadores em que apoia um plebiscito sobre a convocação de novas eleições. O gesto, além de não convencer os senadores, não tem a simpatia nem do seu partido, o PT.

O presidente da sigla, Rui Falcão, se posicionou contra a consulta popular. O comando petista não admite publicamente, mas quer virar logo a página do governo Dilma. A sintonia entre a presidente afastada e o seu partido se esvaiu há muito tempo — se é que um dia existiu.

Dilma fez um apelo no dia 12 de maio: "mantenham-se mobilizados". "Esta vitória depende de todos nós", disse a petista. Horas antes, o Senado aprovara, por 55 votos a 22, seu afastamento temporário do cargo.

Quase três meses se passaram e a mobilização revelou-se um fiasco. Os aliados de outrora, a quem Dilma talvez se referiu ao citar "todos nós", sumiram. Não deixa de ser previsível, tratando-se do histórico dela, mas o seu isolamento no Alvorada impressiona. Dilma ficou só.

O padrinho Lula, de quem se esperava um certo empenho contra o impeachment, está no banco dos réus sob a acusação de obstruir a Lava Jato. Há um mês,apenas seis senadores apareceram num jantar em Brasília com o ex-presidente para tratar de Dilma. Lula captou a mensagem.

O roteiro no Senado está pronto. Ela se torna ré no processo de impeachment na próxima semana. É o último ato do plenário antes do julgamento final, previsto para começar entre 25 e 26 de agosto.

Basta maioria simples (41 com quórum completo) para aprovar a "pronúncia do réu" na sessão de terça (9). Na prática, é um aval para que a petista seja julgada.

Os 41 votos estão consolidados. E é bem provável que o placar ultrapasse a marca de 54, patamar mínimo exigido para a condenação de Dilma na última etapa.

Fim inexorável - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 06/08

O comentário aparentemente cândido do presidente do PT, Rui Falcão, sobre as dificuldades que a proposta de um plebiscito sobre nova eleição presidencial enfrentaria para se tornar realidade, na verdade, é uma crítica direta à presidente afastada, Dilma Rousseff, que explicita a separação entre o partido e aquela que foi sua candidata à presidência por influência de Lula.

Nunca Dilma teve o apoio do partido, que não a engoliu mesmo quando as coisas da política pareciam favoráveis ao partido e a ela. Agora, a crise os separa cada vez mais, e já se prevê que a dissonância aumentará à medida que as delações premiadas da Operação Lava-Jato começarem a envolver Dilma e seus dois governos.

Ela já ensaiou o tom que usará quando comentou a revelação do marqueteiro João Santana de que recebeu milhões de dólares no exterior, pagos por um intermediário ligado a empresa envolvida no escândalo da Petrobras, a mando do PT. Trata-se de uma modalidade nova, caixa 2 oriunda de propina, ao contrário da maioria das propinas, que eram pagas como se fossem doações legais das empresas.

Mas Dilma, que anteriormente negava a possibilidade de ter havido pagamento de propina ou mesmo caixa 2 em suas campanhas, teve que mudar seus comentários diante dos fatos que estão surgindo nas investigações da Lava-Jato. A delação premiada dos executivos da Odebrecht, sobretudo a de seu presidente Marcelo, deve, pelo que já vazou, incriminar largamente a presidente afastada, inclusive com financiamento ilegal do trabalho do marqueteiro João Santana para as campanhas presidenciais de 2010 e 2014.

Dilma passou então a dizer que esse seria um problema do PT, e não dela, pois como candidata e presidente nunca autorizou pagamento de propinas. Jogando a culpa sobre seu partido, Dilma está apenas fazendo jogo de cena, pois, pela legislação brasileira, os candidatos são responsáveis pela prestação de contas das campanhas.

A separação política do PT não impediu, no entanto, que os senadores da base aliada tivessem uma ação ativa na Comissão do Impeachment para tentar retardar ao máximo a decisão, que acabou saindo ontem pelo placar esperado, largamente contrário à presidente afastada. Agem em benefício próprio, não do país, muito menos de Dilma, para tentar montar uma narrativa que os ajude a recolher os cacos de carreiras políticas manchadas pela corrupção.

O senador Lindbergh Farias, um dos mais ativos na tentativa de atrapalhar os trabalhos da comissão, caiu na malha fina da Operação Lava-Jato na delação premiada de Otávio Azevedo, expresidente da Andrade Gutierrez.

O mesmo deve acontecer no plenário do Senado, e a definição de posições começa a mostrar que o quadro na votação final será necessariamente contrário à permanência de Dilma por uma grande diferença. O senador Cristovam Buarque, ao rebater ontem a tese do golpe parlamentar, fez um belo discurso mostrando bem a diferença entre decisões democráticas como o impeachment, cujo processo transcorre há quase um ano no Congresso, com a supervisão do Supremo Tribunal Federal, e os golpes de Estado antidemocráticos.

O senador Eduardo Braga também já se posicionou no campo antipetista ao aliar-se ao prefeito tucano Arthur Virgílio em Manaus. O senador Jader Barbalho, embora não queira anunciar seu voto agora, dificilmente deixará de votar a favor do governo Temer, que tem seu filho como ministro.

Caminhamos assim para um desfecho provável até o fim deste mês, momento em que o presidente interino passará a ser efetivo e terá que mostrar toda a sua habilidade para lidar com um Congresso que tem sua maioria atrelada ao novo governo, mas está disposto a fazer valer seus desejos, que muitas vezes não coincidem com os do país.

Michel Temer, até o momento, tem cedido a todas as chantagens a que é submetido por corporações e indivíduos, mas a margem de manobra está sendo reduzida à medida que a leniência com os gastos públicos retira-lhe o apoio da sociedade e traz incertezas aos investidores.


Uma chance para Dilma - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 06/08

Os próprios petistas, intramuros, consideram a batalha perdida



A Comissão Especial do Senado aprovou na quinta-feira passada, pela ampla maioria de 14 a 5 votos, o parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) favorável ao afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência da República. Na próxima terça-feira, os 81 senadores decidirão, por maioria simples, se deve ser iniciada, no plenário da Casa, a fase final do julgamento do impeachment. Mais uma vez, confirma-se a sintonia do Senado com o inquestionável desejo da maioria dos brasileiros de ver encerrado o catastrófico ciclo de mais de 13 anos de poder do lulopetismo. Mais uma vez se manifesta o anseio de que o País passe a dispor com urgência de um governo definitivo capaz de avançar com segurança nos campos em que, em menos de três meses, começa a apresentar resultados positivos: a pacificação política para acabar com a cizânia imposta pelo lulopetismo e as medidas de natureza fiscal e econômica capazes de estimular a retomada do crescimento e o consequente desafogo das dificuldades cada vez maiores que enfrentam hoje os brasileiros, principalmente os de menor poder aquisitivo. Quanto mais rápido se encerrar a agonia desse processo, melhor para o País.

Com toda certeza, na votação da próxima semana os senadores deixarão mais uma vez claro que Dilma Rousseff será afastada de uma vez por todas da Presidência da República, com a decretação do impeachment. Para tanto serão necessários, nessa votação final, os votos de uma maioria qualificada de 54 senadores. Essa maioria já foi superada quando, em maio, o Senado decretou o afastamento provisório de Dilma por 55 votos. Hoje, calcula-se que votariam pelo impeachment pelo menos 63 parlamentares. Os próprios petistas, intramuros, consideram a batalha perdida. A prioridade agora é evitar que o partido sofra uma derrota acachapante no pleito municipal de outubro.

Mas, se depender da própria Dilma e da tropa de choque que a defendeu na Comissão Especial, o processo de impeachment se estenderá pelo tempo que for possível, por meio de recursos regimentais de obstrução dos trabalhos e outras iniciativas procrastinatórias. E é fácil compreender as razões desse comportamento.

Dilma Rousseff não tem mais nada a perder e pode se dedicar a alimentar o próprio ego – e eventualmente a acertar algumas diferenças com adversários e, por que não?, com “aliados –, manifestando-se independente de um partido que já a considera carta fora do baralho. Mas também pode ser que a presidente afastada esteja sob o peso de mais carga do que pode suportar. Haja vista que chegou ao absurdo de declarar que só comparecerá ao Senado para se defender se receber a garantia de que não será interpelada. Essa atitude pode ser típica de sua mentalidade autoritária. Mas também pode ser um sinal de pouco contato com a realidade.

Quanto à tropa de choque que passou meses repetindo slogans e frases feitas, protestando indignadamente contra o “golpe” na primeira fila da sala de sessões da Comissão Especial, não há nada menos verdadeiro do que a ideia de que possa estar se sentindo derrotada. Ao contrário, jamais tiveram os ruidosos defensores da tese de que “não há crime” no processo de impeachment oportunidade igual de exibir-se com tanta visibilidade diante das câmeras de televisão.

Não é impossível, portanto, embora seja improvável, que a votação final do impeachment no Senado só venha a ocorrer em setembro. Mas já na próxima terça-feira os senadores estarão votando a favor do início do julgamento no plenário da Casa. E mais uma vez a decisão será tomada por ampla maioria.

Seria uma excelente oportunidade para que, num raro lampejo de lucidez e genuína altivez, Dilma Rousseff decidisse poupar os brasileiros, e a si mesma, do prolongamento de uma agonia da qual ela se declara cansada, renunciando à Presidência. Seria o seu gesto mais apreciado, em mais de cinco anos de governo.

Ensino médio flexível - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 06/08

Causou certa surpresa a notícia de que o Ministério da Educação (MEC) vai adiar a entrega da parte relativa ao ensino médio (EM) da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) até que seja aprovada uma reforma dessa etapa de ensino.

A reação inicial de alguns educadores foi de desconfiança. Temiam que a nova administração estivesse descartando todo o trabalho até aqui realizado.

A preocupação não é sem fundamento. Autoridades educacionais, afinal, estão cientes de que o Congresso discute mudanças no EM desde 2013 e de que a necessidade de reforma é diagnóstico quase consensual entre os especialistas.

Parece sensato definir a "arquitetura" do EM antes do "recheio", como ponderou Priscila Cruz, do Movimento Todos Pela Educação. Nesse sentido, o MEC assumiu a missão de agilizar a aprovação pelo Parlamento do PL 6840, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que reorganiza o EM e o flexibiliza.

Com essa definição, a BNCC para o ensino médio, que estava ficando mesmo muito extensa, poderá ser adequada à nova arquitetura e só então enviada ao Legislativo para aprovação.

É fundamental, entretanto, que o MEC se mobilize para assegurar que a reforma não feneça nos escaninhos do Congresso, como muitas vezes acontece. Nesse cenário, as vítimas se contariam em dobro: a flexibilização do EM e a BNCC.

Se existem motivos para acreditar que a simples definição de um currículo mais detalhado já representará uma grande ajuda para o ensino fundamental, que encontrará na BNCC uma ferramenta para organizar-se melhor, a percepção em relação ao ensino médio é a de que se faz necessária uma intervenção mais radical.

Essa fase é o grande gargalo do ensino brasileiro. Os índices de evasão dão uma boa ideia da dimensão do problema. A taxa anual de abandono no médio flutua um pouco abaixo dos 7%, contra menos de 2% no fundamental. Os números relativos a desempenho são ainda piores que esses.

O país precisa de uma escola que faça mais sentido para o jovem, na qual ele tenha a possibilidade de moldar sua formação a seus planos para o futuro.

Há os que pretendem ir para a universidade e os que desejam seguir uma carreira técnica. Há os que apostam em aptidões artísticas e os que se deliciam com problemas de álgebra.

Enquanto não se der ao jovem a opção de definir seu próprio percurso, a evasão seguirá com impactos deletérios na educação, na economia e na própria vida do jovem.