ESTADÃO - 06/08
Primeiro convidado a participar das audiências da comissão especial da Câmara que trata das medidas de combate à corrupção, o juiz Sérgio Moro abriu sua fala, anteontem, com uma constatação: até o momento, o Poder Judiciário “era uma voz sozinha no deserto” no enfrentamento a esse tipo de crime.
Com a instalação do colegiado que vai sistematizar as propostas entregues ao Congresso pelo Ministério Público, com o apoio de 2,2 milhões de pessoas, o Legislativo também começa a ser envolver, completou o juiz que conduz a Lava Jato.
“Nos perguntávamos: onde está o Congresso? Onde está o Executivo?”, continuou Moro.
Congresso e Executivo estavam onde sempre estiveram. Receosos de que a Lava Jato chegasse aonde chegou, começaram a urdir planos para impedi-la de avançar. Talvez nenhuma operação da Justiça, Ministério Público e Polícia Federal tenha ido tão longe quanto foi a Lava Jato. E talvez nenhuma operação tenha sofrido tamanho combate político quanto a Lava Jato.
Mesmo com todos os problemas, a Lava Jato chegou aonde chegou. O resultado é o que todo o Brasil e o mundo conhecem: boa parte dos grandes empresários, dirigentes partidários, ex-presidentes da República, senadores, deputados e governadores foi apanhada por envolvimento no maior esquema de corrupção e desvio de dinheiro de uma estatal já descoberto no País.
Moro declarou na audiência que o que mais o “perturbou” na condução da Lava Jato foi a “naturalidade” com que os envolvidos admitiam receber ou pagar propina. Tal naturalidade, acrescentou Moro, levou os condenados na operação a admitir que participavam do esquema de desvio de verbas porque fazia parte da “regra do jogo”.
Essa regra do jogo é difícil de mudar. Durante sua participação na audiência da comissão que trata dos projetos anticorrupção, Moro foi atacado pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos mais ferozes críticos da Lava Jato. Para ele, o juiz defende projetos que cheiram a fascismo. A direção do PT acha que Sérgio Moro, juntamente com parte do Ministério Público, da Polícia Federal e dos meios de comunicação participam de um conluio para destruir o estado democrático de direito, desmoralizar o partido e criminalizar de tal forma o ex-presidente Lula que o impeça de ser candidato a presidente da República em 2018.
Do ponto de vista da luta política, trata-se de um argumento com força para animar a militância. Principalmente quando o PT está em vias de ver afundar seu projeto de poder com o impeachment de Dilma Rousseff.
Mas, no partido, há os que acham, sinceramente, que o juiz Sérgio Moro é um agente da CIA, a agência de inteligência norte-americana, e sua missão, depois de ajudar a destruir o PT, é entregar o petróleo do pré-sal aos Estados Unidos. Mesmo na mais aguda teoria da conspiração, impossível crer em tal bobagem.
Moro falou que a naturalidade com que os envolvidos admitiam receber ou pagar propina foi o que mais o assustou na Operação Lava Jato. Essa naturalidade às vezes assusta de fato quando revelada. Na Lava Jato, a naturalidade era a propina. Na política, é o patrimonialismo descarado.
Mesmo quem convive com o dia a dia da política não pode deixar de se surpreender com o que confessou o senador Hélio José (PMDB-DF), que se declarou “dono” da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), um órgão do Ministério do Planejamento, conforme gravação que circula na internet e se tornou notícia: “Isso aqui é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser, a melancia que eu quiser aqui, eu vou colocar”. Outro trecho: “A partir de hoje, a SPU é responsabilidade minha, do senador Hélio José, gabinete 19 da (Ala) Teotônio Vilela”.
Do presidente em exercício Michel Temer, que, tudo indica, se tornará efetivo, espera-se que apoie as ações de combate à corrupção. E que demita a melancia.
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