FOLHA DE SP - 23/06
Sofrer de bovarismo cultural é achar que existe uma vida maravilhosa do outro lado do Atlântico
A afetação com vinhos é um sintoma clássico. Chegamos ao ponto de ser melhor não falar sobre vinhos em jantares inteligentes para que não pensem que somos gente que faz curso de enologia. Na verdade, quem entende mesmo de vinhos deve ficar calado quando os outros começam a expor seus cursos feitos por aí. Nunca se deve usar expressões como "amadeirado".
Sim, falo das afetações típicas de brasileiros e paulistanos, mais especificamente. A burguesia sempre sofreu de um complexo de vira-lata em relação à aristocracia medieval, porque esta era o que era, enquanto a burguesia é o que tem, e nada mais.
Quando atravessamos o Atlântico e chegamos ao Brasil, a agonia da burguesia com sua condição vira-lata piora. Desesperados buscam passaportes italianos para poderem, num momento de glória, pegar a fila dos passaportes europeus ao entrar na Europa. O desespero fica maior se não tiver ninguém pra ver os 15 minutos de fama na fila dos passaportes europeus. Quem viaja sozinho busca com o coração na boca algum brasileiro coitado com passaporte brasileiro para que ele veja a glória do pseudo-italiano.
Outro sintoma da mesma patologia é a tentativa de encontrar nobreza na ancestralidade. Hipótese pouco provável porque normalmente quem está bem nunca imigra para lugar nenhum. Todo imigrante é um coitado, por definição.
Mas, talvez uma das afetações mais terríveis, e muito comum nesta época de Copa do Mundo, é ficar falando mal do Brasil. Claro, o Brasil é mesmo um problema. A Copa do Mundo trouxe à tona de forma evidente, sob os holofotes do mundo, nossa incompetência em infraestrutura. E, de fato, o Brasil é levado pouco a sério por aí. O jornalismo internacional está muito mais atento à África e à Ásia do que à América Latina. Somos um continente esquecido, para o bem e para o mal. Mas, a afetação vira-lata vai muito além da consciência de nossas mazelas.
Vejamos. Ela se manifesta na mania de usar expressões (hoje um pouco fora de moda) como "coisa de primeiro mundo". A tentação de comparar o Brasil com a Europa é a mais "chique", porque inclusive mostra que o fulano é "viajado" --expressão triste por definição. Os mais ingênuos comparam o Brasil com os EUA, os mais afetados comparam com a Europa ocidental porque os EUA "eram" capitalistas selvagens. Digo "eram" porque os EUA paulatinamente se transformam em um dos países de maior invasão da vida privada pelo governo federal.
Quer um exemplo banal? A vida real é mesmo banal, quem não sabe disso e imagina que existe uma "vida chique e especial" por aí é gente que sofre de bovarismo cultural. Sofrer de bovarismo cultural é achar que existe uma vida maravilhosa do outro lado do Atlântico que só gente inteligente conhece.
Mas, voltemos ao exemplo banal. Dizer que no Brasil não se respeita fila e que na Europa se respeita é coisa de quem nunca viajou muito mesmo. Muitos europeus furam a fila na maior cara de pau, dando as mais variadas razões. Às vezes, tenho a impressão que os brasileiros respeitam fila com muito mais frequência.
Outra afetação é querer ir a restaurantes "melhores do mundo". A fila de espera pode durar meses. Restaurantes assim são aquele tipo de lugar que você vai mais pra ser visto lá do que pela comida mesmo, que às vezes é tão chique que o gosto se perde na sofisticação fake.
Claro, bons restaurantes existem, mas nada tem a ver com excessos de propaganda.
No final das contas, como sempre, toda elegância é discreta, assim como toda virtude é silenciosa. Esta é, talvez, uma das maiores contradições do mundo contemporâneo pautado pelo ridículo das redes sociais: todo mundo tem que aparecer para existir. Esta contradição aparece, por exemplo, quando reclamamos de que as pessoas invadem nossa privacidade quando a maioria de nós "posta tudo" pra ser visto.
A propósito, a entrevista de Zygmunt Bauman, "Vigilância Líquida", recém-publicada no Brasil, é uma boa reflexão sobre este desejo infantil de ser visto, desejo este que faz de todos nós reféns das informações que nós mesmos "postamos".
segunda-feira, junho 23, 2014
Num filme de terror - JOÃO LUIZ MAUAD
O GLOBO - 23/06
Qualquer novo investimento deve percorrer um labirinto sem fim de controles e processos
Prezada presidente Dilma: em entrevista a jornalistas estrangeiros, quando perguntada sobre as causas do persistente baixo crescimento de nossa economia, vossa senhoria, com saudável e corajosa sinceridade, respondeu que não sabe. Com a experiência de quem trabalha há mais de 30 anos como administrador de empresas e vivenciou várias fases da nossa história econômica, venho, humildemente, tentar ajudá-la a entender o problema.
Para começar, esqueça um pouco os agregados macroeconômicos e concentre-se no ambiente econômico que os investidores precisam enfrentar. Dê uma olhada, por exemplo, num relatório divulgado anualmente pelo Banco Mundial, chamado “doing business" (http://www.doingbusiness.org/). Esse estudo minucioso é baseado na análise quantitativa e qualitativa de dez diferentes aspectos ligados ao ambiente institucional de negócios em centenas de países, com destaque para a burocracia envolvida na abertura e fechamento de empresas, licenciamentos governamentais, contratação de mão-de-obra — principalmente os encargos relacionados à admissão e demissão de pessoal —, registros de propriedade, acesso ao crédito, segurança jurídica dos empreendedores, pagamento de impostos, facilidades (dificuldades) de comércio com o exterior e respeito aos contratos. No relatório de 2014, o Brasil ocupa a 116ª posição geral, entre 189 países.
Para abrir um novo negócio por aqui são necessários, em média, 13 procedimentos burocráticos, que podem levar até 107 dias para cumprir. Para obter as 15 diferentes licenças para erguer um prédio ode-se levar até 400 dias. Quanto aos tributos, além de arcar com um peso de impostos que consomem perto de 70% dos lucros, as empresas precisam de, no mínimo, 2.600 horas anuais para lidar com as obrigações acessórias exigidas pelo fisco.
Tocar qualquer empreendimento por estas plagas é algo comparável a um filme de suspense e terror, em que fantasmas e vorazes monstros estão sempre à espreita, ansiosos para abocanhar a maior parte dos lucros e prontos a opor obstáculos no caminho dos empreendedores.
Qualquer novo investimento deve percorrer um labirinto sem fim de controles e processos, além da má vontade de burocratas e, em certos casos, a oposição de grupos ativistas raivosos e barulhento. Cada etapa de um projeto envolve custos indiretos absurdos. Um incauto que pretenda construir um condomínio residencial, explorar uma mina, abrir uma pequena indústria ou mesmo furar um poço para precisa estar disposto a encarar uma burocracia asfixiante, uma intrincada teia de licenciamentos e um sem número de onipotentes agências reguladoras,com autoridade suficiente para paralisar por tempo indeterminado qualquer empreendimento. Recentemente, a inauguração do novo aeroporto de Natal foi adiada por conta de problemas com o canil para animais em trânsito. Pode isso, presidente? E olha que estamos em época de Copa do Mundo...
Como a senhora pode ver, é um verdadeiro milagre que alguém, à exceção daqueles poucos felizardos agraciados pelo dinheiro fácil e barato do BNDES ou beneficiados por contratos públicos superfaturados, ainda pense em investir aqui.
Qualquer novo investimento deve percorrer um labirinto sem fim de controles e processos
Prezada presidente Dilma: em entrevista a jornalistas estrangeiros, quando perguntada sobre as causas do persistente baixo crescimento de nossa economia, vossa senhoria, com saudável e corajosa sinceridade, respondeu que não sabe. Com a experiência de quem trabalha há mais de 30 anos como administrador de empresas e vivenciou várias fases da nossa história econômica, venho, humildemente, tentar ajudá-la a entender o problema.
Para começar, esqueça um pouco os agregados macroeconômicos e concentre-se no ambiente econômico que os investidores precisam enfrentar. Dê uma olhada, por exemplo, num relatório divulgado anualmente pelo Banco Mundial, chamado “doing business" (http://www.doingbusiness.org/). Esse estudo minucioso é baseado na análise quantitativa e qualitativa de dez diferentes aspectos ligados ao ambiente institucional de negócios em centenas de países, com destaque para a burocracia envolvida na abertura e fechamento de empresas, licenciamentos governamentais, contratação de mão-de-obra — principalmente os encargos relacionados à admissão e demissão de pessoal —, registros de propriedade, acesso ao crédito, segurança jurídica dos empreendedores, pagamento de impostos, facilidades (dificuldades) de comércio com o exterior e respeito aos contratos. No relatório de 2014, o Brasil ocupa a 116ª posição geral, entre 189 países.
Para abrir um novo negócio por aqui são necessários, em média, 13 procedimentos burocráticos, que podem levar até 107 dias para cumprir. Para obter as 15 diferentes licenças para erguer um prédio ode-se levar até 400 dias. Quanto aos tributos, além de arcar com um peso de impostos que consomem perto de 70% dos lucros, as empresas precisam de, no mínimo, 2.600 horas anuais para lidar com as obrigações acessórias exigidas pelo fisco.
Tocar qualquer empreendimento por estas plagas é algo comparável a um filme de suspense e terror, em que fantasmas e vorazes monstros estão sempre à espreita, ansiosos para abocanhar a maior parte dos lucros e prontos a opor obstáculos no caminho dos empreendedores.
Qualquer novo investimento deve percorrer um labirinto sem fim de controles e processos, além da má vontade de burocratas e, em certos casos, a oposição de grupos ativistas raivosos e barulhento. Cada etapa de um projeto envolve custos indiretos absurdos. Um incauto que pretenda construir um condomínio residencial, explorar uma mina, abrir uma pequena indústria ou mesmo furar um poço para precisa estar disposto a encarar uma burocracia asfixiante, uma intrincada teia de licenciamentos e um sem número de onipotentes agências reguladoras,com autoridade suficiente para paralisar por tempo indeterminado qualquer empreendimento. Recentemente, a inauguração do novo aeroporto de Natal foi adiada por conta de problemas com o canil para animais em trânsito. Pode isso, presidente? E olha que estamos em época de Copa do Mundo...
Como a senhora pode ver, é um verdadeiro milagre que alguém, à exceção daqueles poucos felizardos agraciados pelo dinheiro fácil e barato do BNDES ou beneficiados por contratos públicos superfaturados, ainda pense em investir aqui.
Solene esnobada - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 23/06
RIO DE JANEIRO - Quem imaginava que a Copa seria uma vitrine para o Brasil vender seu potencial turístico --com clipes espetaculares de paisagens brasileiras, antes e depois da transmissão dos jogos pelo pool controlado pela Fifa-- já tirou o cavalo da chuva. As vinhetas oficiais se limitam a um desenho chinfrim e a um rápido sobrevoo de cada cidade-sede, logo cortando para o estádio visto de cima e mergulhando direto no gramado. O governo, ao sentar-se com a Fifa para planejar a Copa, esqueceu-se de reservar uma cadeira para o ministro do Turismo.
Com isso, a plateia de bilhões da Copa continuará alheia à Floresta Amazônica, às cidades mineiras, às igrejas baianas, às cataratas do Iguaçu, ao Pantanal, ao Círio de Nazaré, ao bumba meu boi, ao Carnaval etc. Nem mesmo a orla do Rio mereceu um singelo take. Só há uma explicação para essa solene esnobada: a Fifa não conseguiu registrar o domínio dos nossos postais. E ela só se interessa pelos produtos e marcas que detém.
Daí que as únicas imagens oficiais da Copa são as que se passam dentro das "arenas". E nada mais parecido com uma "arena" da Fifa do que outra "arena" da Fifa. A grã-fina de Nelson Rodrigues pode ter entrado no Maracanã e perguntado quem era a bola, mas sabia que estava no Maracanã. Hoje, para identificar um estádio brasileiro, só lendo o nome da cidade na lateral à beira do gramado.
O SporTV faz bem em cobrir a Copa a partir de um cenário querido dos cariocas e, até então, nunca usado para esse fim: a ilha Fiscal. Palco do último baile do Império, com o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara ao fundo, a ilha Fiscal não tem nem sombra da visitação que merece ter. A tremenda exposição que está recebendo deverá multiplicar seu apelo no turismo interno.
Só falta algum governante em fim de mandato criar coragem e resolver dar um baile por lá.
RIO DE JANEIRO - Quem imaginava que a Copa seria uma vitrine para o Brasil vender seu potencial turístico --com clipes espetaculares de paisagens brasileiras, antes e depois da transmissão dos jogos pelo pool controlado pela Fifa-- já tirou o cavalo da chuva. As vinhetas oficiais se limitam a um desenho chinfrim e a um rápido sobrevoo de cada cidade-sede, logo cortando para o estádio visto de cima e mergulhando direto no gramado. O governo, ao sentar-se com a Fifa para planejar a Copa, esqueceu-se de reservar uma cadeira para o ministro do Turismo.
Com isso, a plateia de bilhões da Copa continuará alheia à Floresta Amazônica, às cidades mineiras, às igrejas baianas, às cataratas do Iguaçu, ao Pantanal, ao Círio de Nazaré, ao bumba meu boi, ao Carnaval etc. Nem mesmo a orla do Rio mereceu um singelo take. Só há uma explicação para essa solene esnobada: a Fifa não conseguiu registrar o domínio dos nossos postais. E ela só se interessa pelos produtos e marcas que detém.
Daí que as únicas imagens oficiais da Copa são as que se passam dentro das "arenas". E nada mais parecido com uma "arena" da Fifa do que outra "arena" da Fifa. A grã-fina de Nelson Rodrigues pode ter entrado no Maracanã e perguntado quem era a bola, mas sabia que estava no Maracanã. Hoje, para identificar um estádio brasileiro, só lendo o nome da cidade na lateral à beira do gramado.
O SporTV faz bem em cobrir a Copa a partir de um cenário querido dos cariocas e, até então, nunca usado para esse fim: a ilha Fiscal. Palco do último baile do Império, com o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara ao fundo, a ilha Fiscal não tem nem sombra da visitação que merece ter. A tremenda exposição que está recebendo deverá multiplicar seu apelo no turismo interno.
Só falta algum governante em fim de mandato criar coragem e resolver dar um baile por lá.
A revolução da lei - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 23/06
SÃO PAULO - Faz sentido o Movimento Passe Livre não querer criminalizar os chamados black blocs, que liberam energia revolucionária quebrando lojas, bens públicos e agências bancárias. Ambos, anticatraqueiros e mascarados, brincam no jardim da infância a que regrediu certa ação política de esquerda no país.
Nesse terreno fantástico, embalado em construtivismo poético, toda repressão há de ser repudiada. Toda regra de conduta que pretenda limitar o desejo original e fraterno do "coletivo" deve ser rejeitada.
Esses garotos mimados --alguns entrando na quarta década de vida-- dão valor absoluto a sua vontade. Em seu playground anticapitalista, a falta de limites para a ação, e de quem os questione com autoridade, favorece a confusão mental.
A imaturidade reflexiva os impede de enxergar que grande presente deram aos patrões, cujo vale-transporte repassado aos trabalhadores ficou congelado em razão dos protestos do ano passado. Tampouco vislumbram o golpe duradouro que isso representou na capacidade da prefeitura de investir no bem-estar urbano de milhões de paulistanos mal remediados.
Num país ainda infectado pelo patrimonialismo, cujos beneficiários atropelam os deveres legais em nome de sua vontade e seu interesse, revolucionário é submeter todos os cidadãos ao conjunto de regras da convivência civil. Isso significa responsabilizar, reprimir e criminalizar quem desrespeita esse acervo civilizatório.
Depredar patrimônio é crime. Fazer manifestação de rua sem aviso prévio às autoridades afronta a Constituição. O direito de circular na cidade é tão importante quanto o de reunir-se e o de protestar. Daí decorre a necessidade de negociar em que locais e sob quais restrições de espaço ocorrerão os atos coletivos.
A qualidade da vida civil brasileira dará um salto quando todos se sentirem responsabilizáveis por suas atitudes públicas.
SÃO PAULO - Faz sentido o Movimento Passe Livre não querer criminalizar os chamados black blocs, que liberam energia revolucionária quebrando lojas, bens públicos e agências bancárias. Ambos, anticatraqueiros e mascarados, brincam no jardim da infância a que regrediu certa ação política de esquerda no país.
Nesse terreno fantástico, embalado em construtivismo poético, toda repressão há de ser repudiada. Toda regra de conduta que pretenda limitar o desejo original e fraterno do "coletivo" deve ser rejeitada.
Esses garotos mimados --alguns entrando na quarta década de vida-- dão valor absoluto a sua vontade. Em seu playground anticapitalista, a falta de limites para a ação, e de quem os questione com autoridade, favorece a confusão mental.
A imaturidade reflexiva os impede de enxergar que grande presente deram aos patrões, cujo vale-transporte repassado aos trabalhadores ficou congelado em razão dos protestos do ano passado. Tampouco vislumbram o golpe duradouro que isso representou na capacidade da prefeitura de investir no bem-estar urbano de milhões de paulistanos mal remediados.
Num país ainda infectado pelo patrimonialismo, cujos beneficiários atropelam os deveres legais em nome de sua vontade e seu interesse, revolucionário é submeter todos os cidadãos ao conjunto de regras da convivência civil. Isso significa responsabilizar, reprimir e criminalizar quem desrespeita esse acervo civilizatório.
Depredar patrimônio é crime. Fazer manifestação de rua sem aviso prévio às autoridades afronta a Constituição. O direito de circular na cidade é tão importante quanto o de reunir-se e o de protestar. Daí decorre a necessidade de negociar em que locais e sob quais restrições de espaço ocorrerão os atos coletivos.
A qualidade da vida civil brasileira dará um salto quando todos se sentirem responsabilizáveis por suas atitudes públicas.
Ainda falta muito III - PAULO GUEDES
O GLOBO - 23/06
Os países escolhem a prosperidade ou a pobreza de acordo com as instituições que plantam. O empobrecimento da Argentina, de Cuba e da Venezuela não se deu por acidente. E as melhorias no Chile, na Colômbia e no Peru não foram obra do acaso. O Brasil precisa avançar nessa longa estrada de aperfeiçoamento institucional que conduz à Grande Sociedade Aberta. Somos uma democracia, mas ainda em construção. Uma economia de mercado emergente, embora travada por intervencionismo excessivo. Um estado de direito também em construção. Temos redes de solidariedade, ainda precárias. Uma imprensa livre, mesmo sob ameaça de controle social pelo Estado. Moeda decente, apesar de indefinições nos regimes monetário e fiscal. Marcos regulatórios ainda instáveis. Muito a construir.
O impeachment do presidente Collor, há pouco mais de 20 anos, teria sido o momento de afirmação do Congresso com a demarcação da independência do Poder Legislativo. Da mesma forma que os ministros do Supremo tribunal Federal (STF) teriam agora demarcado a independência do Poder Judiciário pela condenação da compra de apoio parlamentar por representantes do Executivo. Mas pode haver também uma interpretação bastante cética sobre tais avanços. Teria Collor caído porque era de direita e não quis repartir o butim? Teria caído por arrogância frente à esquerda hegemônica e inexperiência ante um establishment conservador e corrupto? Teria sua queda apenas revelado o lubrificante da governabilidade , essa busca disfuncional e despolitizada de sustentação parlamentar movida a corrupção, tráfico de influência e desvio de recursos públicos? Estaríamos sob a ilusão da independência do Judiciário exclusivamente pelo histórico protagonismo de Joaquim Barbosa?
O julgamento da História dirá se foram ilusões momentâneas ou episódios virtuosos de uma evolução institucional. Esta última interpretação, favorável, seria reforçada por um compromisso dos candidatos à Presidência com a reforma política. Com práticas decentes de sustentação parlamentar, como fidelidade partidária e cláusula de votação em bloco, fortalecendo os partidos, reforçando alianças partidárias no atacado e eliminando a compra de votos no varejo. Não haveria melhor celebração dos 30 anos de redemocratização.
O impeachment do presidente Collor, há pouco mais de 20 anos, teria sido o momento de afirmação do Congresso com a demarcação da independência do Poder Legislativo. Da mesma forma que os ministros do Supremo tribunal Federal (STF) teriam agora demarcado a independência do Poder Judiciário pela condenação da compra de apoio parlamentar por representantes do Executivo. Mas pode haver também uma interpretação bastante cética sobre tais avanços. Teria Collor caído porque era de direita e não quis repartir o butim? Teria caído por arrogância frente à esquerda hegemônica e inexperiência ante um establishment conservador e corrupto? Teria sua queda apenas revelado o lubrificante da governabilidade , essa busca disfuncional e despolitizada de sustentação parlamentar movida a corrupção, tráfico de influência e desvio de recursos públicos? Estaríamos sob a ilusão da independência do Judiciário exclusivamente pelo histórico protagonismo de Joaquim Barbosa?
O julgamento da História dirá se foram ilusões momentâneas ou episódios virtuosos de uma evolução institucional. Esta última interpretação, favorável, seria reforçada por um compromisso dos candidatos à Presidência com a reforma política. Com práticas decentes de sustentação parlamentar, como fidelidade partidária e cláusula de votação em bloco, fortalecendo os partidos, reforçando alianças partidárias no atacado e eliminando a compra de votos no varejo. Não haveria melhor celebração dos 30 anos de redemocratização.
Além da mediocridade - LUIS EDUARDO ASSIS
O ESTADÃO - 23/06
Nem o mais lúgubre dos ogros poderia ter antecipado este final bizarro para o mandato da presidente Dilma. Tudo parecia fácil no fim de 2010, quando o crescimento do PIB alcançou 7,3%, o mais alto em 24 anos. Muita coisa mudou desde então. Diz-se do bom goleiro que não basta ser tecnicamente qualificado; é preciso também ter sorte. Pois a política econômica dos últimos anos, ao revés, não só padeceu de equívocos lamentáveis, como também teve muito azar. Tudo indica que as eleições serão disputadas com indicadores econômicos ainda mais fracos dos que hoje temos. A julgar pela desaceleração recente, não será surpresa se no dia 29 de agosto próximo, quando o IBGE divulgar o PIB do segundo trimestre, ficar caracterizado que o Brasil está em recessão.
Como sair deste marasmo? Como desatar o nó? É preciso constatar, em primeiro lugar, que o beco em que metemos nossa jamanta é muito estreito. O raio de manobra é pequeno e não há soluções simples. Portanto, convém rechaçar três ideias encontradiças nestes tempos de embate eleitoral. A primeira é que um novo ciclo de crescimento poderia ser deflagrado se o novo governo (mesmo que ele seja velho) atenda à pauta das reivindicações populares das manifestações de junho de 2013. Tolice. Uma das características dessas marchas foi justamente o seu caráter multifacetado e contraditório ("I contradict myself, I am large, I contain multitudes", já disse W. Whitman). Como é típico de manifestações espontâneas desprovidas de liderança, nada do que foi exigido se assemelha a uma agenda de mudanças exequível e consentânea com as restrições institucionais que manietam o governo. Pedir redução da carga tributária e melhoria dos serviços públicos, por exemplo, é o mesmo que querer ir para o céu sem precisar morrer. Uma segunda falácia é acreditar que, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde, o próprio mercado imporá soluções, com o que o novo governo terá apenas que escolher se fará a "lição de casa" (como se o Brasil fosse um aluno relapso) por bem ou por mal. Ora, o mercado não tem - nem deve ter - propostas, compromissos ou soluções. O conceito de felicidade para traders e tesoureiros é apenas estar comprado quando o preço de um ativo sobe e vendido quando ele declina (e nunca ao contrário). Se o Brasil vai crescer e o brasileiro prosperar é uma questão secundária. Nem mesmo quando entendido de forma abstrata como o livre jogo das forças de oferta e demanda o mercado oferece pistas para tirar o país da estagnação, já que há instabilidades intrínsecas ao seu funcionamento, como ensinou H. Minsky. Se a expectativa de mudança for frustrada, haverá uma pressão sobre o dólar, o que dificultará o ajuste de preços represados e forçará uma nova rodada de elevação de juros, empurrando a recuperação para 2016. Mas a "lição" dos mercados se esgota aí. É uma punição não pedagógica. Nada garante que disto resulte um novo modelo que engendre um ciclo de crescimento. Por fim, há que se rechaçar a tese de que tudo não passa de uma crise de confiança e que um governo de oposição conseguiria rapidamente acelerar o crescimento. Aqui é necessário fazer a distinção entre duas agendas. É provável, necessário e talvez inevitável que o próximo governo se veja na contingência de corrigir os equívocos mais crassos que foram cometidos recentemente. O atraso dos preços administrados é um exemplo. É evidente que eles serão atualizados após as eleições, mas isto apenas repõe o País nas condições anteriores em que estávamos. Evita o colapso, mas não nos empurra para a frente. Também algo certamente será feito para recuperar, minimamente, a credibilidade das contas públicas. O governo atual abusou a tal ponto de artifícios que hoje alguns indicadores fundamentais como dívida pública e resultado primário começam a perder sentido, tamanha a lista de ressalvas para analisá-los. São medidas importantes, mas paliativas. Colocam-nos de volta à encruzilhada onde escolhemos o caminho errado, mas não definem a rota correta. Se quisermos avançar no ritmo de outros países emergentes, será preciso promover reformas estruturais que redesenhem o pacto social que, aliás, não foi criado pelo atual governo. Nós, brasileiros, escolhemos ter um Estado grande, generoso, benevolente, capaz de fazer as vezes de uma imensa câmara de distribuição de recursos onde, de um lado, entram impostos e, de outro, saem benefícios. Há méritos nisso, na medida em que nos tornamos uma sociedade mais solidária, mas a contrapartida é uma elevada carga tributária e uma pequena capacidade de investimento em projetos de grande envergadura que não atraem a iniciativa privada. Mais: como a expectativa de vida da população aumenta, os gastos com saúde, aposentadoria e pensão crescem mais que proporcionalmente ao crescimento da economia, exigindo novo aumento de impostos ou da dívida pública. Já gastamos com esses itens cerca de 15% do PIB. A tendência é de elevação nos próximos anos. Reformas estruturais, no entanto, não podem ser feitas sem acordos políticos amplos, o que é particularmente penoso neste nosso presidencialismo de coalizão em que numerosos partidos se comportam como grupos organizados que repartem o butim surrupiado do erário. De onde se conclui que o verdadeiro desafio para o novo governo é mais político que econômico. Se das urnas surgir uma liderança capaz de tecer um novo pacto que avance na modernização da economia, temos grande chance de desencadear um novo ciclo de crescimento acelerado. Caso contrário, o cumprimento de uma agenda meramente emergencial nos salvará do colapso apenas para nos colocar novamente na trilha de um crescimento medíocre.
Nem o mais lúgubre dos ogros poderia ter antecipado este final bizarro para o mandato da presidente Dilma. Tudo parecia fácil no fim de 2010, quando o crescimento do PIB alcançou 7,3%, o mais alto em 24 anos. Muita coisa mudou desde então. Diz-se do bom goleiro que não basta ser tecnicamente qualificado; é preciso também ter sorte. Pois a política econômica dos últimos anos, ao revés, não só padeceu de equívocos lamentáveis, como também teve muito azar. Tudo indica que as eleições serão disputadas com indicadores econômicos ainda mais fracos dos que hoje temos. A julgar pela desaceleração recente, não será surpresa se no dia 29 de agosto próximo, quando o IBGE divulgar o PIB do segundo trimestre, ficar caracterizado que o Brasil está em recessão.
Como sair deste marasmo? Como desatar o nó? É preciso constatar, em primeiro lugar, que o beco em que metemos nossa jamanta é muito estreito. O raio de manobra é pequeno e não há soluções simples. Portanto, convém rechaçar três ideias encontradiças nestes tempos de embate eleitoral. A primeira é que um novo ciclo de crescimento poderia ser deflagrado se o novo governo (mesmo que ele seja velho) atenda à pauta das reivindicações populares das manifestações de junho de 2013. Tolice. Uma das características dessas marchas foi justamente o seu caráter multifacetado e contraditório ("I contradict myself, I am large, I contain multitudes", já disse W. Whitman). Como é típico de manifestações espontâneas desprovidas de liderança, nada do que foi exigido se assemelha a uma agenda de mudanças exequível e consentânea com as restrições institucionais que manietam o governo. Pedir redução da carga tributária e melhoria dos serviços públicos, por exemplo, é o mesmo que querer ir para o céu sem precisar morrer. Uma segunda falácia é acreditar que, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde, o próprio mercado imporá soluções, com o que o novo governo terá apenas que escolher se fará a "lição de casa" (como se o Brasil fosse um aluno relapso) por bem ou por mal. Ora, o mercado não tem - nem deve ter - propostas, compromissos ou soluções. O conceito de felicidade para traders e tesoureiros é apenas estar comprado quando o preço de um ativo sobe e vendido quando ele declina (e nunca ao contrário). Se o Brasil vai crescer e o brasileiro prosperar é uma questão secundária. Nem mesmo quando entendido de forma abstrata como o livre jogo das forças de oferta e demanda o mercado oferece pistas para tirar o país da estagnação, já que há instabilidades intrínsecas ao seu funcionamento, como ensinou H. Minsky. Se a expectativa de mudança for frustrada, haverá uma pressão sobre o dólar, o que dificultará o ajuste de preços represados e forçará uma nova rodada de elevação de juros, empurrando a recuperação para 2016. Mas a "lição" dos mercados se esgota aí. É uma punição não pedagógica. Nada garante que disto resulte um novo modelo que engendre um ciclo de crescimento. Por fim, há que se rechaçar a tese de que tudo não passa de uma crise de confiança e que um governo de oposição conseguiria rapidamente acelerar o crescimento. Aqui é necessário fazer a distinção entre duas agendas. É provável, necessário e talvez inevitável que o próximo governo se veja na contingência de corrigir os equívocos mais crassos que foram cometidos recentemente. O atraso dos preços administrados é um exemplo. É evidente que eles serão atualizados após as eleições, mas isto apenas repõe o País nas condições anteriores em que estávamos. Evita o colapso, mas não nos empurra para a frente. Também algo certamente será feito para recuperar, minimamente, a credibilidade das contas públicas. O governo atual abusou a tal ponto de artifícios que hoje alguns indicadores fundamentais como dívida pública e resultado primário começam a perder sentido, tamanha a lista de ressalvas para analisá-los. São medidas importantes, mas paliativas. Colocam-nos de volta à encruzilhada onde escolhemos o caminho errado, mas não definem a rota correta. Se quisermos avançar no ritmo de outros países emergentes, será preciso promover reformas estruturais que redesenhem o pacto social que, aliás, não foi criado pelo atual governo. Nós, brasileiros, escolhemos ter um Estado grande, generoso, benevolente, capaz de fazer as vezes de uma imensa câmara de distribuição de recursos onde, de um lado, entram impostos e, de outro, saem benefícios. Há méritos nisso, na medida em que nos tornamos uma sociedade mais solidária, mas a contrapartida é uma elevada carga tributária e uma pequena capacidade de investimento em projetos de grande envergadura que não atraem a iniciativa privada. Mais: como a expectativa de vida da população aumenta, os gastos com saúde, aposentadoria e pensão crescem mais que proporcionalmente ao crescimento da economia, exigindo novo aumento de impostos ou da dívida pública. Já gastamos com esses itens cerca de 15% do PIB. A tendência é de elevação nos próximos anos. Reformas estruturais, no entanto, não podem ser feitas sem acordos políticos amplos, o que é particularmente penoso neste nosso presidencialismo de coalizão em que numerosos partidos se comportam como grupos organizados que repartem o butim surrupiado do erário. De onde se conclui que o verdadeiro desafio para o novo governo é mais político que econômico. Se das urnas surgir uma liderança capaz de tecer um novo pacto que avance na modernização da economia, temos grande chance de desencadear um novo ciclo de crescimento acelerado. Caso contrário, o cumprimento de uma agenda meramente emergencial nos salvará do colapso apenas para nos colocar novamente na trilha de um crescimento medíocre.
Os portos na Terra do Nunca - LEONARDO COELHO RIBEIRO
VALOR ECONÔMICO -23/06
A lei aponta um norte, mas as disposições vão no sentido oposto, produzindo paralisia ou resultados inferiores
O Brasil precisa deixar de ser inimigo de si, saber o que quer e agir de acordo com isso para obter os bons resultados que todos esperam. Do contrário, seguiremos em uma espécie de Terra do Nunca, sem futuro, nem passado, onde os recursos naturais abundam, a vida é maravilhosa e divertida, mas a principal atividade é praticar esgrima com a própria sombra.
É fundamental reafirmar isso, especialmente num ano eleitoral. E observar como essa característica nefasta influencia o desenvolvimento do país. O setor portuário é um exemplo. A recente reforma do marco regulatório dos portos foi movida por alguns grandes objetivos. O primeiro deles, o de superar as dificuldades surgidas no contexto do marco anterior, encabeçado pela Lei 8.630/1993.
A dualidade de regimes exploratórios constitucionalmente prevista fez surgir, naquelas circunstâncias, intensa disputa acerca do tipo de carga que poderia ser movimentada. A lei permitia tanto a prestação de serviços públicos por concessões de portos organizados ou arrendamentos de instalações portuárias, quanto a exploração de atividade econômica habilitada mediante autorização, ao mesmo tempo em que fomentava a concorrência entre portos.
Daí surgiu um litigioso impasse envolvendo a restrição ou o consentimento para a movimentação de cargas de terceiros pelos Terminais de Uso Privativo Misto. A polêmica girava em torno dos custos e vantagens característicos aos arrendamentos, visto que remunerados por tarifa, mas localizados dentro do porto organizado e, por isso, beneficiários de uma infraestrutura já existente. O resultado foi uma grande insegurança para a realização de novos investimentos de parte a parte.
Em atenção a isso, o novo marco regulatório, inaugurado pela Lei nº 12.815/2013, deu cabo à distinção entre carga própria e carga de terceiros, refutando-a ao não lhe prestar qualquer referência enquanto critério diretivo da assimetria regulatória que segue constando do novo arcabouço normativo setorial. Em vez disso, optou por se valer da delimitação tracejada pela poligonal da área do porto organizado para separar, exceção apenas para os casos de Terminais de Uso Privado já instalados dentro dessas áreas, os regimes públicos (das concessões e arrendamentos), do regime privado regulado (das autorizações que habilitam o particular a construir e operar Terminal de Uso Privado).
Um outro objetivo do novo marco regulatório foi o de disciplinar a prorrogação antecipada de arrendamentos em vigor, condicionando-a à concordância do poder concedente e à realização de investimentos. Além disso, a exposição de motivos da Medida Provisória nº 595/2012, convertida posteriormente na Lei 12.815/2013, revela que a reforma do marco regulatório veio para fazer frente às necessidades decorrentes da expansão econômica brasileira.
Em síntese, esse documento afirma que a nova lei busca promover eficiência, por meio da ampliação e modernização da infraestrutura, e do aumento de investimentos públicos e privados no setor. "Choque de oferta", como convencionaram dizer, por inúmeras vezes, os diretores da Antaq. Além de funcionarem como guias interpretativos, esses objetivos fornecem os parâmetros a serem seguidos na elaboração dos incentivos e desincentivos do marco regulatório dos portos, formado pela própria Lei 12.815/2013, seu decreto regulamentador 8.033/2013 e demais normas regulatórios e arranjos contratuais que venham a ser editados.
Ocorre que há uma incoerência entre a lei e alguns dispositivos subsequentes, no que diz respeito aos incentivos para aumentar os investimentos privados no setor.
São três os instrumentos habilitantes para atuar no setor, do ponto de vista de seus regimes e objeto. As concessões e os arrendamentos seguem regimes semelhantes. As primeiras são voltadas à delegação da administração de todo o porto organizado - algo que não conta com exemplos práticos, mas, possivelmente, se aproximaria de uma parceria público-privada administrativa. Ao passo que os arrendamentos dedicam-se a delegar a exploração de áreas específicas dentro do referido porto organizado. Esses dois vínculos se diferenciam do da autorização, basicamente, pelo regime privado - ainda que regulado - que a rege.
Sendo a disciplina dos Terminais de Uso Privado guiada por um regime de características privadas, suas exigências e limitações deveriam ser informadas pela liberdade de iniciativa típica da atividade empresarial. A liberdade é a regra. As exigências e restrições consistem em exceções aplicáveis tão somente quando necessárias e compatíveis aos objetivos que se quer alcançar.
Em contrário a isso, contudo, a implantação do novo marco vem sendo feita com deslizes que transparecem dificuldades em respeitar a lógica dos regimes jurídicos aplicáveis a cada um dos instrumentos habilitantes. Nota-se uma visão estatizante, que torna público o que deve ser privado e limita a concorrência a pretexto de evitar um monopólio impossível. Assim ocorre na autorização, com a falta de um adequado regime de transição para o novo modelo, a exigência de garantias de proposta e contrato, típicas do regime público, e a limitação à expansão territorial de Terminais; e no arrendamento, com o limite à participação de arrendatários em concorrências por novos arrendamentos, mesmo que as tarifas cobradas não sejam livres, mas reguladas.
Ou seja, a lei aponta um norte, mas uma série de disposições vão no sentido oposto, produzindo, invariavelmente, paralisia ou resultados inferiores aos que se poderia alcançar.
A antiutopia pelega - FERNÃO LARA MESQUITA
O ESTADO DE S.PAULO - 23/06
Volta à cena o discurso do ódio. Já não é plantação, é colheita. Nenhum ódio tem sido desprezado pelo partido do "nós" contra "eles", este que patrocina o exército de apedrejadores profissionais que patrulha a internet. Está morto o Brasil em que Gilberto Freyre viveu e há muitos outros ódios no forno. Mas o ódio por trás de todos os outros, o ódio cujo nome o PT que sobrou não ousa mencionar é o ódio ao merecimento.
Há uma boa razão para isso.
O PT não é causa, o PT é consequência. Essa corrupção toda não está no ponto de chegada, está no ponto de partida.
O que é essa "expertise" em se apropriar das bandeiras alheias e pervertê-las para sustentar a Contrarrevolução em nome da Revolução senão o velho expediente "corporativista" que Portugal inventou lá atrás para "fazer a revolução antes que o povo a fizesse" e, assim, abortar a da igualdade perante a lei, da meritocracia e dos representantes submetidos aos representados que vinha derrubando monarquia atrás de monarquia pela Europa afora?
O PT que sobrou é o resultado dessa receita na versão retemperada por Getúlio Vargas apud Benito Mussolini e Juan Domingo Perón. O produto do sindicalismo pelego que saltou do papel de "coadjuvante assalariado" para o de dono do cofre e do Poder, ele próprio.
Essa evolução de "subornado" para "subornante" a que nós todos assistimos não foi apenas natural, portanto, era inevitável.
A receita não poderia resultar em coisa muito diferente.
Junte meia dúzia de "companheiros" dispostos a tudo e funde um sindicato sem trabalhadores associados que o governo vai lhe dar uma teta eterna no grande úbere do imposto sindical. Trate, daí por diante, apenas de não perdê-la nas "eleições" por aclamação desse seu sindicatozinho do nada. É a primeira etapa do curso. Use dinheiro, use intimidação, use a imaginação: vale tudo nesse jogo sem juiz.
Como força auxiliar dessa "forja de lideranças", monte uma justiça paralela e diga a todo sujeito que trabalhou para alguém um dia que contrato, neste país, não vale nada: se ele mentir, inventar e trair, e se cabalar quem se preste a coadjuvá-lo nessa milonga depois de finda a relação, ganha um monte de dinheiro no mole.
"Seja desonesto que o governo garante!", é a mensagem que desce do Olimpo. Essa sempre próspera indústria custou R$ 51 bi aos empregadores brasileiros só no ano passado.
Repita a mesma receita para a criação de partidos do nada. Adicione ao dinheiro do Fundo Partidário o tempo de TV negociável no mercado "spot" da governabilidade e você estará selecionando a "elite" dos mais sem limites entre os que não se põem limites para disputar esse tipo de "liderança".
Cubra tudo com uma categoria de brasileiros "especiais" que, uma vez tocados pela mão que loteia o Estado, nunca mais perde o emprego, nem que não trabalhe, nem que seja pego roubando.
Decore com elementos da pornografia comportamental - essa em que todo mundo trai todo mundo dentro e fora da família; os filhos às mães e estas a eles e daí para baixo tudo, e "Tudo bem! Ai de quem disser o contrário!" - em que todo brasileirinho e toda brasileirinha é sistematicamente treinado pela televisão desde o nascimento.
Está pronto! "Reserve" e deixe fermentar.
Que tipo de país pode resultar dessa mistura? Este cuja festa nacional evoluiu da ingênua "pátria em chuteiras" de há pouco para esta Copa da corrupção com 57 mil soldados do Exército nas ruas para garantir a paz que não há, um para cada brasileiro assassinado no ano passado?
Não é um palpite absurdo...
Enquanto procura a resposta sobre se "é a arte que imita a vida ou a vida que imita a arte", vá se perguntando que argumento tem uma mãe da favela para convencer seu filho a não entrar para o tráfico e continuar estudando nas nossas escolas públicas porque este é o país onde quem se esforça vai pra frente!
Esse é o único jeito de jogar o jogo do poder que o PT entende; aquele em que o partido nasceu e foi criado. Eventualmente "lá", até por falta de qualquer outro tipo de repertório, é inevitavelmente mais do mesmo que o carregou até ali que o partido fará para manter o que conquistou.
Mas as contas, agora, são outras. Será preciso comprar 50% + 1 de todas as lealdades, o que pode custar a destruição da economia. Para que essa relação de causa e efeito não seja percebida será necessário falsificar as contas nacionais. A confiança do investidor será, porém, a primeira vítima. E então o dilema se apresentará: para que os investimentos voltem será preciso admitir a verdade; mas para admitir a verdade será preciso admitir que se estava mentindo antes. Como, então, manter "aprovada" a farsa exposta senão substituindo a regra de maioria pela do "onguismo pelego"? A lei terá de passar a ser feita na rua; no porrete. Mas isso só será possível se o jornalismo livre for substituído por um "jornalismo" também "pelego"...
Não é, portanto, uma questão de ideologia ou de coerência - e quem se importa com elas? - a progressão da antiutopia pelega do lulopetismo. É um imperativo de sobrevivência.
Há um Brasil submetido à meritocracia - se não por outra razão, porque a internacionalização do jogo econômico o impõe implacavelmente - no qual educação é a única medida do merecimento; e há um Brasil que, a um preço cada vez mais proibitivo para o outro, só subsiste se conseguir mantê-la longe dele. Esses dois Brasis são mutuamente excludentes na nova realidade globalizada. A opção hoje está em entrar nele pelo mérito ou sair do mundo e viver bolivarianamente à margem dele.
Pense nisso antes de decidir qual das alternativas de caminho postas à sua frente conduz ao beco sem saída do ódio e qual a que, com todas as dificuldades que houver, deixa aberta a porta da esperança. Sua escolha vai decidir o destino de toda uma geração.
Volta à cena o discurso do ódio. Já não é plantação, é colheita. Nenhum ódio tem sido desprezado pelo partido do "nós" contra "eles", este que patrocina o exército de apedrejadores profissionais que patrulha a internet. Está morto o Brasil em que Gilberto Freyre viveu e há muitos outros ódios no forno. Mas o ódio por trás de todos os outros, o ódio cujo nome o PT que sobrou não ousa mencionar é o ódio ao merecimento.
Há uma boa razão para isso.
O PT não é causa, o PT é consequência. Essa corrupção toda não está no ponto de chegada, está no ponto de partida.
O que é essa "expertise" em se apropriar das bandeiras alheias e pervertê-las para sustentar a Contrarrevolução em nome da Revolução senão o velho expediente "corporativista" que Portugal inventou lá atrás para "fazer a revolução antes que o povo a fizesse" e, assim, abortar a da igualdade perante a lei, da meritocracia e dos representantes submetidos aos representados que vinha derrubando monarquia atrás de monarquia pela Europa afora?
O PT que sobrou é o resultado dessa receita na versão retemperada por Getúlio Vargas apud Benito Mussolini e Juan Domingo Perón. O produto do sindicalismo pelego que saltou do papel de "coadjuvante assalariado" para o de dono do cofre e do Poder, ele próprio.
Essa evolução de "subornado" para "subornante" a que nós todos assistimos não foi apenas natural, portanto, era inevitável.
A receita não poderia resultar em coisa muito diferente.
Junte meia dúzia de "companheiros" dispostos a tudo e funde um sindicato sem trabalhadores associados que o governo vai lhe dar uma teta eterna no grande úbere do imposto sindical. Trate, daí por diante, apenas de não perdê-la nas "eleições" por aclamação desse seu sindicatozinho do nada. É a primeira etapa do curso. Use dinheiro, use intimidação, use a imaginação: vale tudo nesse jogo sem juiz.
Como força auxiliar dessa "forja de lideranças", monte uma justiça paralela e diga a todo sujeito que trabalhou para alguém um dia que contrato, neste país, não vale nada: se ele mentir, inventar e trair, e se cabalar quem se preste a coadjuvá-lo nessa milonga depois de finda a relação, ganha um monte de dinheiro no mole.
"Seja desonesto que o governo garante!", é a mensagem que desce do Olimpo. Essa sempre próspera indústria custou R$ 51 bi aos empregadores brasileiros só no ano passado.
Repita a mesma receita para a criação de partidos do nada. Adicione ao dinheiro do Fundo Partidário o tempo de TV negociável no mercado "spot" da governabilidade e você estará selecionando a "elite" dos mais sem limites entre os que não se põem limites para disputar esse tipo de "liderança".
Cubra tudo com uma categoria de brasileiros "especiais" que, uma vez tocados pela mão que loteia o Estado, nunca mais perde o emprego, nem que não trabalhe, nem que seja pego roubando.
Decore com elementos da pornografia comportamental - essa em que todo mundo trai todo mundo dentro e fora da família; os filhos às mães e estas a eles e daí para baixo tudo, e "Tudo bem! Ai de quem disser o contrário!" - em que todo brasileirinho e toda brasileirinha é sistematicamente treinado pela televisão desde o nascimento.
Está pronto! "Reserve" e deixe fermentar.
Que tipo de país pode resultar dessa mistura? Este cuja festa nacional evoluiu da ingênua "pátria em chuteiras" de há pouco para esta Copa da corrupção com 57 mil soldados do Exército nas ruas para garantir a paz que não há, um para cada brasileiro assassinado no ano passado?
Não é um palpite absurdo...
Enquanto procura a resposta sobre se "é a arte que imita a vida ou a vida que imita a arte", vá se perguntando que argumento tem uma mãe da favela para convencer seu filho a não entrar para o tráfico e continuar estudando nas nossas escolas públicas porque este é o país onde quem se esforça vai pra frente!
Esse é o único jeito de jogar o jogo do poder que o PT entende; aquele em que o partido nasceu e foi criado. Eventualmente "lá", até por falta de qualquer outro tipo de repertório, é inevitavelmente mais do mesmo que o carregou até ali que o partido fará para manter o que conquistou.
Mas as contas, agora, são outras. Será preciso comprar 50% + 1 de todas as lealdades, o que pode custar a destruição da economia. Para que essa relação de causa e efeito não seja percebida será necessário falsificar as contas nacionais. A confiança do investidor será, porém, a primeira vítima. E então o dilema se apresentará: para que os investimentos voltem será preciso admitir a verdade; mas para admitir a verdade será preciso admitir que se estava mentindo antes. Como, então, manter "aprovada" a farsa exposta senão substituindo a regra de maioria pela do "onguismo pelego"? A lei terá de passar a ser feita na rua; no porrete. Mas isso só será possível se o jornalismo livre for substituído por um "jornalismo" também "pelego"...
Não é, portanto, uma questão de ideologia ou de coerência - e quem se importa com elas? - a progressão da antiutopia pelega do lulopetismo. É um imperativo de sobrevivência.
Há um Brasil submetido à meritocracia - se não por outra razão, porque a internacionalização do jogo econômico o impõe implacavelmente - no qual educação é a única medida do merecimento; e há um Brasil que, a um preço cada vez mais proibitivo para o outro, só subsiste se conseguir mantê-la longe dele. Esses dois Brasis são mutuamente excludentes na nova realidade globalizada. A opção hoje está em entrar nele pelo mérito ou sair do mundo e viver bolivarianamente à margem dele.
Pense nisso antes de decidir qual das alternativas de caminho postas à sua frente conduz ao beco sem saída do ódio e qual a que, com todas as dificuldades que houver, deixa aberta a porta da esperança. Sua escolha vai decidir o destino de toda uma geração.
Dilma Arantes do Nascimento - VALDO CRUZ
folha de sp - 23/06
BRASÍLIA - Contestada dentro de sua própria equipe, Dilma Rousseff ganhou um voto de confiança de seu time e foi indicada novamente pelo PT, no último sábado, candidata à Presidência da República.
Agora, vai ter de mostrar serviço dentro de campo. Seu criador, Lula, ficou no banco de reservas, mas deseja que sua pupila volte a brilhar como nos velhos tempos em que era chefe da Casa Civil de sua seleção.
Numa reflexão sobre o governo de sua criatura, Lula já fez a seguinte avaliação a interlocutores. Dilma era o Pelé de sua equipe. Driblava, armava as jogadas, fazia gol, dava até canelada quando preciso, mas fazia a diferença dentro de campo.
Depois que assumiu o comando do time, porém, não manteve o mesmo rendimento. Caiu de produção. Lula teme que Dilma seja mais um caso muito comum no futebol. Nem sempre um grande craque nas quatro linhas vira um excelente treinador. Pelé nunca se tornou um.
Ameaçada de perder a posição, Dilma passou a ouvir mais as dicas de seu mentor e a treinar fundamentos em que é questionada, como dialogar mais com empresários, políticos aliados e movimentos sociais.
Terá de suar a camisa para entusiasmar a torcida que anda avaliando mal o desempenho de seu governo. Precisa, por sinal, começar o trabalho dentro de sua própria casa.
A convenção petista do último sábado em nada lembrou os eventos do passado. Tudo muito sofisticado e tecnológico, mas a empolgação soava artificial. Até Lula não estava nos melhores dias. Fez um bom discurso, mas longe dos memoráveis.
Talvez por isso ele tenha conclamado a militância petista a ir para as ruas, algo que deixou de fazer depois que o PT chegou ao poder e virou farinha do mesmo saco político.
Foi emblemático, por sinal, chegar ao local da convenção e encontrá-lo cercado por grades, com seguranças barrando a entrada até de convencionais. Era o partido do povo cercando o seu próprio povo.
BRASÍLIA - Contestada dentro de sua própria equipe, Dilma Rousseff ganhou um voto de confiança de seu time e foi indicada novamente pelo PT, no último sábado, candidata à Presidência da República.
Agora, vai ter de mostrar serviço dentro de campo. Seu criador, Lula, ficou no banco de reservas, mas deseja que sua pupila volte a brilhar como nos velhos tempos em que era chefe da Casa Civil de sua seleção.
Numa reflexão sobre o governo de sua criatura, Lula já fez a seguinte avaliação a interlocutores. Dilma era o Pelé de sua equipe. Driblava, armava as jogadas, fazia gol, dava até canelada quando preciso, mas fazia a diferença dentro de campo.
Depois que assumiu o comando do time, porém, não manteve o mesmo rendimento. Caiu de produção. Lula teme que Dilma seja mais um caso muito comum no futebol. Nem sempre um grande craque nas quatro linhas vira um excelente treinador. Pelé nunca se tornou um.
Ameaçada de perder a posição, Dilma passou a ouvir mais as dicas de seu mentor e a treinar fundamentos em que é questionada, como dialogar mais com empresários, políticos aliados e movimentos sociais.
Terá de suar a camisa para entusiasmar a torcida que anda avaliando mal o desempenho de seu governo. Precisa, por sinal, começar o trabalho dentro de sua própria casa.
A convenção petista do último sábado em nada lembrou os eventos do passado. Tudo muito sofisticado e tecnológico, mas a empolgação soava artificial. Até Lula não estava nos melhores dias. Fez um bom discurso, mas longe dos memoráveis.
Talvez por isso ele tenha conclamado a militância petista a ir para as ruas, algo que deixou de fazer depois que o PT chegou ao poder e virou farinha do mesmo saco político.
Foi emblemático, por sinal, chegar ao local da convenção e encontrá-lo cercado por grades, com seguranças barrando a entrada até de convencionais. Era o partido do povo cercando o seu próprio povo.
O problema é o elenco, estúpido! - RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 23/06
"Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca; quem não tem defende"
Neném Prancha
Neném Prancha
O que os políticos e a seleção brasileira têm em comum? Ambos se preocupam mais com a defesa. Compreende-se que os políticos procedam assim. Afinal, inocentes ou culpados, antes de tudo são suspeitos de prometerem o que não fazem, de trambicagens inimagináveis e de traírem o voto que os elege. Só há um motivo para que a seleção aposte mais na defesa: o medo que seus dirigentes têm da derrota.
O MEDO DERIVA de outra coisa que aproxima políticos e seleção: a carência de uma ideia nova. O Plano Real foi a ideia nova que marcou o período de oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso. E a inclusão social, a que marcou o período de oito anos do presidente Lula. Agradecido, o povo quer mais. E, por ora, nada surgiu capaz de satisfazê-lo. Ocorre o mesmo com a seleção. Que nova proposta sustenta o futebol que ela apresentou na Copa até aqui? Ou nos amistosos que a precederam?
O EXERCÍCIO DA POLÍTICA entre nós só tem feito se deteriorar desde o fim da ditadura militar de 1964. Nos anos 1980, por exemplo, quando se reclamava da qualidade do Congresso, o deputado Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB, respondia: "Espere o próximo". Quanto à seleção... A rigor o futebol servido por ela não surpreende o mundo desde o tri no México em 1970.
ESTA TARDE, EM BRASÍLIA, não basta que a seleção vença a dilacerada seleção de Camarões. Nem mesmo que a goleie. É preciso que exiba um futebol capaz de resgatar pelo menos parte da confiança da torcida abalada por seu desempenho mediano até aqui. Contra a Croácia, demos graças ao Senhor. Ou melhor: ao juiz japonês que viu um pênalti onde não houve. Contra o México, o medo venceu a esperança.
NA MAIORIA DAS VEZES só ganha quem não tem medo de perder. É verdade que fomos tetra na Copa de 1994 exibindo um futebol de segunda categoria. Ou de terceira. Fomos penta em 2002 quando o brilho de três ou quatro jogadores se impôs a um esquema burocrático de jogo. Mas o que é pior: a melhor lembrança do futebol de 1958, 1962 e 1970 está, hoje, nos pés e na imaginação de alguns dos nossos adversários.
SALVE A ALEMANHA do futebol compacto pontuado de estrelas que trocam de posição e que não se desesperam nem mesmo se estiverem em desvantagem no placar. Foi o que ocorreu no último sábado quando empatou com Gana. Sem falar do extravagante 4 x 0 aplicado em Portugal de Cristiano Ronaldo. Salve a Holanda que ocupa todos os espaços do campo, sobe e desce em bloco e dispõe de um contra ataque mortal.
SALVE O URUGUAI que fez contra a Inglaterra um dos melhores jogos desta Copa. Exibiu a garra que falta à seleção brasileira desde a final da Copa das Confederações. Salve a França que desencantou em cima da Suíça e que mais de uma vez já foi a nossa algoz. Cuidado com a Itália e a Argentina. Estão um degrau abaixo das que merecem ser louvadas. Em todo o caso, a Argentina tem Messi. A Itália, o maestro Andrea Pirlo.
QUE TEMOS? Temos Neymar. Que como Messi pode decidir uma parada. Mesmo ele, porém, se apagou no jogo contra o México. É tal seu apetite pela bola que com frequência não a compartilha. Tem quatro anos a mais do que tinha Pelé quando jogou uma Copa pela primeira vez. Está longe de lembrá-lo. O que se espera dele está além do que tem para dar. Corre o risco de ser esmagado pela expectativa nacional.
ASSIM, NA POLÍTICA como no futebol, o problema está no elenco, estúpido! Infelizmente, a pobreza é geral.
O MEDO DERIVA de outra coisa que aproxima políticos e seleção: a carência de uma ideia nova. O Plano Real foi a ideia nova que marcou o período de oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso. E a inclusão social, a que marcou o período de oito anos do presidente Lula. Agradecido, o povo quer mais. E, por ora, nada surgiu capaz de satisfazê-lo. Ocorre o mesmo com a seleção. Que nova proposta sustenta o futebol que ela apresentou na Copa até aqui? Ou nos amistosos que a precederam?
O EXERCÍCIO DA POLÍTICA entre nós só tem feito se deteriorar desde o fim da ditadura militar de 1964. Nos anos 1980, por exemplo, quando se reclamava da qualidade do Congresso, o deputado Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB, respondia: "Espere o próximo". Quanto à seleção... A rigor o futebol servido por ela não surpreende o mundo desde o tri no México em 1970.
ESTA TARDE, EM BRASÍLIA, não basta que a seleção vença a dilacerada seleção de Camarões. Nem mesmo que a goleie. É preciso que exiba um futebol capaz de resgatar pelo menos parte da confiança da torcida abalada por seu desempenho mediano até aqui. Contra a Croácia, demos graças ao Senhor. Ou melhor: ao juiz japonês que viu um pênalti onde não houve. Contra o México, o medo venceu a esperança.
NA MAIORIA DAS VEZES só ganha quem não tem medo de perder. É verdade que fomos tetra na Copa de 1994 exibindo um futebol de segunda categoria. Ou de terceira. Fomos penta em 2002 quando o brilho de três ou quatro jogadores se impôs a um esquema burocrático de jogo. Mas o que é pior: a melhor lembrança do futebol de 1958, 1962 e 1970 está, hoje, nos pés e na imaginação de alguns dos nossos adversários.
SALVE A ALEMANHA do futebol compacto pontuado de estrelas que trocam de posição e que não se desesperam nem mesmo se estiverem em desvantagem no placar. Foi o que ocorreu no último sábado quando empatou com Gana. Sem falar do extravagante 4 x 0 aplicado em Portugal de Cristiano Ronaldo. Salve a Holanda que ocupa todos os espaços do campo, sobe e desce em bloco e dispõe de um contra ataque mortal.
SALVE O URUGUAI que fez contra a Inglaterra um dos melhores jogos desta Copa. Exibiu a garra que falta à seleção brasileira desde a final da Copa das Confederações. Salve a França que desencantou em cima da Suíça e que mais de uma vez já foi a nossa algoz. Cuidado com a Itália e a Argentina. Estão um degrau abaixo das que merecem ser louvadas. Em todo o caso, a Argentina tem Messi. A Itália, o maestro Andrea Pirlo.
QUE TEMOS? Temos Neymar. Que como Messi pode decidir uma parada. Mesmo ele, porém, se apagou no jogo contra o México. É tal seu apetite pela bola que com frequência não a compartilha. Tem quatro anos a mais do que tinha Pelé quando jogou uma Copa pela primeira vez. Está longe de lembrá-lo. O que se espera dele está além do que tem para dar. Corre o risco de ser esmagado pela expectativa nacional.
ASSIM, NA POLÍTICA como no futebol, o problema está no elenco, estúpido! Infelizmente, a pobreza é geral.
A ética dos invasores - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 23/06
Embora independentes e ocorridos a uma distância de mais de 2,1 mil quilômetros entre eles, dois acontecimentos mostram como a escalada de invasões de propriedades públicas e privadas nas grandes capitais e a execução de ações de reintegração de posse determinada pela Justiça vêm comprometendo a segurança pública e pondo em risco a integridade física dos cidadãos.
O primeiro acontecimento - que teve ampla cobertura da imprensa - foi o confronto, no Cais José Estelita, no Recife, entre os invasores de um terreno de 100 mil metros quadrados no centro histórico da cidade e a tropa de choque da Polícia Militar (PM), que havia recebido ordem expedida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para retirá-los do local. A área estava deteriorada e foi adquirida por um consórcio de construtoras que lançou um programa para recuperá-la, com a construção de torres empresariais, edifícios residenciais, hotéis, biblioteca, jardins e ciclovias.
Alegando que o projeto descaracterizará o centro histórico, ativistas de movimentos sociais, ONGs e "coletivos" a ocuparam há um mês. E, além de impedir a entrada de máquinas e equipamentos, não acataram a ordem judicial para deixar a área. O resultado foi uma batalha campal, com ônibus e automóveis apedrejados, da qual saíram feridos vários manifestantes e turistas que passavam pelo local, para participar de um evento da Copa do Mundo. Em nota, o governo pernambucano alegou que a ação da PM teve amparo legal e a tropa de choque foi obrigada a responder, com energia, às agressões dos manifestantes. Já os micropartidos de esquerda radical e os movimentos sociais conseguiram as fotos de que precisavam para "denunciar" a violência policial e acusar o Executivo e o Judiciário de estarem a serviço da iniciativa privada.
O segundo acontecimento - que mereceu pouco destaque por parte da imprensa - ocorreu no centro de São Paulo, no antigo prédio do Othon Palace Hotel, situado ao lado da sede da Prefeitura. O edifício, que tem 24 andares e vinha sendo reformado para abrigar a Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, foi invadido há algumas semanas pelo Movimento da Luta pela Moradia Digna (MLMD). A iniciativa foi tomada com o objetivo de pressionar a Prefeitura a passar os integrantes da entidade na frente das pessoas que já estão cadastradas na lista de espera dos programas de habitação.
Apesar de as autoridades municipais terem impetrado um pedido de reintegração de posse no Tribunal de Justiça, os invasores estão procurando criar uma situação de fato. A ideia é dificultar ao máximo a execução de uma ordem judicial e gerar outro desgastante confronto com a PM, possibilitando mais fotos que possam ser utilizadas para denunciar a "violência policial". Para tanto, os coordenadores do MLMD instalaram cerca de 500 famílias no local, ignorando os riscos à saúde, já que o prédio havia passado por dedetização e desratização dias antes da invasão. E também tentaram entrar com móveis, eletrodomésticos e botijões de gás. Se não fossem impedidos pela Guarda Civil Metropolitana, a área teria se convertido num potencial foco de incêndio, potencializado pela antiguidade da fiação, numa área com muitos prédios carentes de manutenção.
A exemplo do que ocorreu na desocupação do Cais José Estelita, no Recife, os invasores do prédio do antigo Othon Palace Hotel também recorreram ao surrado argumento invocado pelos movimentos sociais nessas ocasiões, alegando que as autoridades policiais se recusaram a negociar. "Eles dizem que tem risco lá dentro. Mas, e na rua, não tem? Na rua acontece de tudo", disse, alheia às graves consequências que um eventual incêndio ou explosão poderia causar, uma invasora que mora no local com o marido e um filho de apenas cinco anos.
Para os coordenadores desses movimentos sociais, os fins justificam quaisquer meios. Além de afrontar acintosamente a ordem pública e o império da lei, eles põem em risco a vida das pessoas que manipulam como marionetes, ameaçando a segurança da população. Essa é a ética dos líderes de invasões.
Embora independentes e ocorridos a uma distância de mais de 2,1 mil quilômetros entre eles, dois acontecimentos mostram como a escalada de invasões de propriedades públicas e privadas nas grandes capitais e a execução de ações de reintegração de posse determinada pela Justiça vêm comprometendo a segurança pública e pondo em risco a integridade física dos cidadãos.
O primeiro acontecimento - que teve ampla cobertura da imprensa - foi o confronto, no Cais José Estelita, no Recife, entre os invasores de um terreno de 100 mil metros quadrados no centro histórico da cidade e a tropa de choque da Polícia Militar (PM), que havia recebido ordem expedida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para retirá-los do local. A área estava deteriorada e foi adquirida por um consórcio de construtoras que lançou um programa para recuperá-la, com a construção de torres empresariais, edifícios residenciais, hotéis, biblioteca, jardins e ciclovias.
Alegando que o projeto descaracterizará o centro histórico, ativistas de movimentos sociais, ONGs e "coletivos" a ocuparam há um mês. E, além de impedir a entrada de máquinas e equipamentos, não acataram a ordem judicial para deixar a área. O resultado foi uma batalha campal, com ônibus e automóveis apedrejados, da qual saíram feridos vários manifestantes e turistas que passavam pelo local, para participar de um evento da Copa do Mundo. Em nota, o governo pernambucano alegou que a ação da PM teve amparo legal e a tropa de choque foi obrigada a responder, com energia, às agressões dos manifestantes. Já os micropartidos de esquerda radical e os movimentos sociais conseguiram as fotos de que precisavam para "denunciar" a violência policial e acusar o Executivo e o Judiciário de estarem a serviço da iniciativa privada.
O segundo acontecimento - que mereceu pouco destaque por parte da imprensa - ocorreu no centro de São Paulo, no antigo prédio do Othon Palace Hotel, situado ao lado da sede da Prefeitura. O edifício, que tem 24 andares e vinha sendo reformado para abrigar a Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, foi invadido há algumas semanas pelo Movimento da Luta pela Moradia Digna (MLMD). A iniciativa foi tomada com o objetivo de pressionar a Prefeitura a passar os integrantes da entidade na frente das pessoas que já estão cadastradas na lista de espera dos programas de habitação.
Apesar de as autoridades municipais terem impetrado um pedido de reintegração de posse no Tribunal de Justiça, os invasores estão procurando criar uma situação de fato. A ideia é dificultar ao máximo a execução de uma ordem judicial e gerar outro desgastante confronto com a PM, possibilitando mais fotos que possam ser utilizadas para denunciar a "violência policial". Para tanto, os coordenadores do MLMD instalaram cerca de 500 famílias no local, ignorando os riscos à saúde, já que o prédio havia passado por dedetização e desratização dias antes da invasão. E também tentaram entrar com móveis, eletrodomésticos e botijões de gás. Se não fossem impedidos pela Guarda Civil Metropolitana, a área teria se convertido num potencial foco de incêndio, potencializado pela antiguidade da fiação, numa área com muitos prédios carentes de manutenção.
A exemplo do que ocorreu na desocupação do Cais José Estelita, no Recife, os invasores do prédio do antigo Othon Palace Hotel também recorreram ao surrado argumento invocado pelos movimentos sociais nessas ocasiões, alegando que as autoridades policiais se recusaram a negociar. "Eles dizem que tem risco lá dentro. Mas, e na rua, não tem? Na rua acontece de tudo", disse, alheia às graves consequências que um eventual incêndio ou explosão poderia causar, uma invasora que mora no local com o marido e um filho de apenas cinco anos.
Para os coordenadores desses movimentos sociais, os fins justificam quaisquer meios. Além de afrontar acintosamente a ordem pública e o império da lei, eles põem em risco a vida das pessoas que manipulam como marionetes, ameaçando a segurança da população. Essa é a ética dos líderes de invasões.
Honestidade ao negociar - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 23/06
A crise da dívida da Argentina ganhou um novo e emocionante capítulo na semana passada, mas está longe do epílogo. Norte-americanos que detêm títulos da nação do Cone Sul foram favorecidos por decisão da Justiça que lhes proporcionará US$ 1,33 bilhão. Estima-se que o montante devido a esses fundos seja de US$ 15 bilhões.
Os investidores sabem, porém, que não conseguirão obter tudo a que têm direito legalmente. Isso significaria receber dos argentinos o valor de face dos papéis, sobre o qual foram aplicados descontos que chegaram a 70% na reestruturação dos débitos do país após o calote de 2001.
O problema não está tanto no desembolso em questão, mas no que ele representa para o restante dos credores. Voltar atrás no que foi pactuado envolve algo superior a US$ 200 bilhões, em um país que tem hoje reservas de US$ 28 bilhões.
Representantes dos fundos têm dito que se dispõem a discutir. Afinal, eles não pagaram o valor integral dos títulos, comprados com o desconto posterior à reestruturação. Querem receber mais do que desembolsaram, e quanto mais conseguirem, melhor. Mas não se pode esquecer de que no mundo das finanças impera o pragmatismo. Os fundos, chamados abutres por mirarem a escória dos papéis do mercado, querem é lucrar, se possível rapidamente.
Por outro lado, o governo argentino sabe que não pode ignorar a decisão da Justiça norte-americana. Terá de dar alguma demonstração de boa vontade, na forma de pagamentos maiores do que os previstos no acordo que já havia sido pactuado.
O sucesso dessa nova etapa é, porém, altamente incerto, tanto no que se refere ao tempo quanto ao resultado. O governo argentino tem dado poucos sinais de que pretende usar transparência e objetividade no processo, algo que poderia melhorar suas chances. Na semana passada, o Ministério da Economia negou que estava enviando aos Estados Unidos uma missão para tratar do assunto. Depois voltou atrás e confirmou a viagem.
No fim de semana, a presidente Cristina Kirchner publicou na imprensa norte-americana um anúncio em que diz que os fundos "investiram milhões em lobby e propaganda, tentando fazer o mundo todo acreditar que a Argentina não paga suas dívidas e se recusa a negociar".
É ingênuo acreditar que será possível convencer a opinião pública dos Estados Unidos e, desse modo, fazer com que juízes e investidores mudem de ideia. Mesmo que gastasse toda a reserva cambial do país, a Casa Rosada talvez não conseguisse tal objetivo.
Pautar-se pela razão é algo necessário não só aos líderes do país vizinho, mas também ao governo brasileiro. Pode custar caro, do ponto de vista político, ajudar o aliado do Mercosul com recursos ou com apoio formal neste momento.
Ao prejudicar um de nossos principais parceiros econômicos, a crise terá impactos aqui, ainda que limitados. Mas proporciona também efeito benéfico do lado de cá da fronteira. Cala, ao menos por ora, as vozes que viam no calote e no desconto com a restruturação da década passada algo invejável, uma referência a ser replicada. Como na natureza, nas finanças os abutres podem ser desagradáveis, mas têm sua função.
Os investidores sabem, porém, que não conseguirão obter tudo a que têm direito legalmente. Isso significaria receber dos argentinos o valor de face dos papéis, sobre o qual foram aplicados descontos que chegaram a 70% na reestruturação dos débitos do país após o calote de 2001.
O problema não está tanto no desembolso em questão, mas no que ele representa para o restante dos credores. Voltar atrás no que foi pactuado envolve algo superior a US$ 200 bilhões, em um país que tem hoje reservas de US$ 28 bilhões.
Representantes dos fundos têm dito que se dispõem a discutir. Afinal, eles não pagaram o valor integral dos títulos, comprados com o desconto posterior à reestruturação. Querem receber mais do que desembolsaram, e quanto mais conseguirem, melhor. Mas não se pode esquecer de que no mundo das finanças impera o pragmatismo. Os fundos, chamados abutres por mirarem a escória dos papéis do mercado, querem é lucrar, se possível rapidamente.
Por outro lado, o governo argentino sabe que não pode ignorar a decisão da Justiça norte-americana. Terá de dar alguma demonstração de boa vontade, na forma de pagamentos maiores do que os previstos no acordo que já havia sido pactuado.
O sucesso dessa nova etapa é, porém, altamente incerto, tanto no que se refere ao tempo quanto ao resultado. O governo argentino tem dado poucos sinais de que pretende usar transparência e objetividade no processo, algo que poderia melhorar suas chances. Na semana passada, o Ministério da Economia negou que estava enviando aos Estados Unidos uma missão para tratar do assunto. Depois voltou atrás e confirmou a viagem.
No fim de semana, a presidente Cristina Kirchner publicou na imprensa norte-americana um anúncio em que diz que os fundos "investiram milhões em lobby e propaganda, tentando fazer o mundo todo acreditar que a Argentina não paga suas dívidas e se recusa a negociar".
É ingênuo acreditar que será possível convencer a opinião pública dos Estados Unidos e, desse modo, fazer com que juízes e investidores mudem de ideia. Mesmo que gastasse toda a reserva cambial do país, a Casa Rosada talvez não conseguisse tal objetivo.
Pautar-se pela razão é algo necessário não só aos líderes do país vizinho, mas também ao governo brasileiro. Pode custar caro, do ponto de vista político, ajudar o aliado do Mercosul com recursos ou com apoio formal neste momento.
Ao prejudicar um de nossos principais parceiros econômicos, a crise terá impactos aqui, ainda que limitados. Mas proporciona também efeito benéfico do lado de cá da fronteira. Cala, ao menos por ora, as vozes que viam no calote e no desconto com a restruturação da década passada algo invejável, uma referência a ser replicada. Como na natureza, nas finanças os abutres podem ser desagradáveis, mas têm sua função.
Pouca mudança - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 23/06
Discursos na convenção do PT não ocultam contradições do partido e repetem visão estereotipada sobre o debate político brasileiro
Continuidade e mudança: este seria o eixo que, nominalmente, orienta a campanha pela reeleição de Dilma Rousseff à Presidência da República. Não sem habilidade, o lema procura dar conotação positiva às atuais dificuldades da postulação petista.
Com a popularidade em baixa, num clima de pessimismo econômico, Dilma não tem como se apresentar ao eleitorado sem acenar com alguma correção de rumos.
Ao mesmo tempo, busca reassegurar os que a apoiam --e a manutenção das políticas sociais aprofundadas a partir do governo Lula constitui, por assim dizer, o marco mínimo a partir do qual traçar o discurso de campanha.
Embora o binômio da continuidade e da mudança expresse um equilíbrio retórico delicado, não se trata, em tese, de nenhuma quadratura do círculo. Mas os problemas dessa formulação se amplificam quando se tenta concretizá-la.
Vieram acrescidos de sérias contradições, aliás, na cerimônia de oficialização da candidatura Dilma, ocorrida neste sábado (21).
Mudanças, por certo, são necessárias; mas quais? Além de promessas requentadas sobre desburocratização, universalização da banda larga e reforma política, em torno de que prioridades se aglutina o heterogêneo espectro de alianças partidárias que, agora com a exceção do PTB, supostamente daria base parlamentar aos projetos legislativos de Dilma?
Quanto à "continuidade", tampouco é claro o que significa. Até mesmo os setores mais entusiastas do petismo sabem que a lista das demandas sociais tende a ser inesgotável, e que a pauta de benefícios agora colocada pela sociedade é de outra natureza.
A bandeira da continuidade só se sustenta, em termos eleitorais, por meio de outro recurso: o da demonização do adversário. Seria para evitar uma "volta ao passado" --com o fantasma de um declínio no nível de renda dos mais pobres-- que valeria a pena manter tudo como está.
Surge a partir daí um outro binômio, este sim perverso, na orientação da campanha petista. Enquanto a candidata Dilma Rousseff aposta num perfil mais simpático e aberto ao diálogo com outros setores da sociedade, em especial o empresariado, Lula e outras figuras do PT alimentam a sede de maniqueísmo da militância.
Na convenção de sábado, alternou-se a atitude vitimizante que atribui a conspirações de direita o "ódio" contra o PT e o discurso inverso, o do ataque indiscriminado. Nesse mar de contradições em que o partido navega, o dedo apontado contra as "elites brancas" não impede a mão estendida a antigos defensores do regime militar.
Discursos na convenção do PT não ocultam contradições do partido e repetem visão estereotipada sobre o debate político brasileiro
Continuidade e mudança: este seria o eixo que, nominalmente, orienta a campanha pela reeleição de Dilma Rousseff à Presidência da República. Não sem habilidade, o lema procura dar conotação positiva às atuais dificuldades da postulação petista.
Com a popularidade em baixa, num clima de pessimismo econômico, Dilma não tem como se apresentar ao eleitorado sem acenar com alguma correção de rumos.
Ao mesmo tempo, busca reassegurar os que a apoiam --e a manutenção das políticas sociais aprofundadas a partir do governo Lula constitui, por assim dizer, o marco mínimo a partir do qual traçar o discurso de campanha.
Embora o binômio da continuidade e da mudança expresse um equilíbrio retórico delicado, não se trata, em tese, de nenhuma quadratura do círculo. Mas os problemas dessa formulação se amplificam quando se tenta concretizá-la.
Vieram acrescidos de sérias contradições, aliás, na cerimônia de oficialização da candidatura Dilma, ocorrida neste sábado (21).
Mudanças, por certo, são necessárias; mas quais? Além de promessas requentadas sobre desburocratização, universalização da banda larga e reforma política, em torno de que prioridades se aglutina o heterogêneo espectro de alianças partidárias que, agora com a exceção do PTB, supostamente daria base parlamentar aos projetos legislativos de Dilma?
Quanto à "continuidade", tampouco é claro o que significa. Até mesmo os setores mais entusiastas do petismo sabem que a lista das demandas sociais tende a ser inesgotável, e que a pauta de benefícios agora colocada pela sociedade é de outra natureza.
A bandeira da continuidade só se sustenta, em termos eleitorais, por meio de outro recurso: o da demonização do adversário. Seria para evitar uma "volta ao passado" --com o fantasma de um declínio no nível de renda dos mais pobres-- que valeria a pena manter tudo como está.
Surge a partir daí um outro binômio, este sim perverso, na orientação da campanha petista. Enquanto a candidata Dilma Rousseff aposta num perfil mais simpático e aberto ao diálogo com outros setores da sociedade, em especial o empresariado, Lula e outras figuras do PT alimentam a sede de maniqueísmo da militância.
Na convenção de sábado, alternou-se a atitude vitimizante que atribui a conspirações de direita o "ódio" contra o PT e o discurso inverso, o do ataque indiscriminado. Nesse mar de contradições em que o partido navega, o dedo apontado contra as "elites brancas" não impede a mão estendida a antigos defensores do regime militar.
Melhor fórmula - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 23/06
A sociedade brasileira iniciou o processo de redemocratização em 1985 com enormes anseios de participação política, e não poderia ser diferente. A última eleição direta para presidente havia sido em 1960, quando Jânio Quadros chegou ao Planalto. Quatro anos depois, o Brasil mergulharia numa ditadura militar, para emergir apenas após duas décadas de interdição da democracia. E mesmo assim o último ato do regime militar foi encerrado num pleito indireto, quando Tancredo Neves e José Sarney venceram no colégio eleitoral do Congresso, mas com apoio nas ruas. A escolha de um presidente pelo voto popular só ocorreria em 1989.
Jejum tão longo, tornado ainda mais frustrante pela derrota da Emenda das Diretas, em abril de 1984, por pequena margem de votos, pode explicar a multiplicidade de movimentos de reivindicação do preenchimento pelo voto direto de cargos na máquina do Estado.
Na rede pública de ensino há alguns casos. Em determinados estados, diretores de escolas são nomeados a partir do voto direto. Reitores também. Há uma pressão constante, em algumas universidades, para a inclusão de alunos e funcionários nos colégios eleitorais, algo desaconselhável, por escapar do melhor entendimento do que é uma comunidade acadêmica. O entendimento é o mesmo no caso de qualquer estabelecimento escolar, onde o balizamento para nomeações deve ser a competência pedagógica, no sentido amplo.
O voto direto, o melhor método no universo da representação política, no Executivo e Legislativo, não tem a mesma eficácia quando aplicado de maneira segmentada. Uma importante questão é a influência negativa dos interesses corporativistas nesse tipo de pleito, nem sempre coincidentes com os da sociedade, responsável por arcar com os custos da burocracia pública e eleger os governantes.
É neste contexto que se deve debater propostas de indicação de ministros das últimas instâncias da Justiça pelo próprio Poder Judiciário, cabendo a palavra final ao Congresso e/ou ao presidente da República.
O Brasil abandonaria, assim, o método americano de o presidente indicar o candidato, o Senado sabatinar e ter a palavra final na nomeação. Um dos grandes méritos do sistema é circunscrever o poder de escolha e nomeação a representantes diretos do povo, distante de corporações.
A falha, no Brasil, é que, ao contrário do que acontece no Congresso americano, o Senado brasileiro apenas carimba a indicação presidencial. Mas a falta de uma avaliação séria de candidatos a ministros não justifica fazer uma mudança radical de método. Melhor é pressionar o Legislativo para fazer o seu trabalho como deve ser, e a sociedade ser vigilante a fim de evitar ao máximo a influência político-partidária na escolha.
Mais ainda se considerarmos que o Poder Judiciário, por características próprias, tem um sentimento de corporação muito arraigado.
A sociedade brasileira iniciou o processo de redemocratização em 1985 com enormes anseios de participação política, e não poderia ser diferente. A última eleição direta para presidente havia sido em 1960, quando Jânio Quadros chegou ao Planalto. Quatro anos depois, o Brasil mergulharia numa ditadura militar, para emergir apenas após duas décadas de interdição da democracia. E mesmo assim o último ato do regime militar foi encerrado num pleito indireto, quando Tancredo Neves e José Sarney venceram no colégio eleitoral do Congresso, mas com apoio nas ruas. A escolha de um presidente pelo voto popular só ocorreria em 1989.
Jejum tão longo, tornado ainda mais frustrante pela derrota da Emenda das Diretas, em abril de 1984, por pequena margem de votos, pode explicar a multiplicidade de movimentos de reivindicação do preenchimento pelo voto direto de cargos na máquina do Estado.
Na rede pública de ensino há alguns casos. Em determinados estados, diretores de escolas são nomeados a partir do voto direto. Reitores também. Há uma pressão constante, em algumas universidades, para a inclusão de alunos e funcionários nos colégios eleitorais, algo desaconselhável, por escapar do melhor entendimento do que é uma comunidade acadêmica. O entendimento é o mesmo no caso de qualquer estabelecimento escolar, onde o balizamento para nomeações deve ser a competência pedagógica, no sentido amplo.
O voto direto, o melhor método no universo da representação política, no Executivo e Legislativo, não tem a mesma eficácia quando aplicado de maneira segmentada. Uma importante questão é a influência negativa dos interesses corporativistas nesse tipo de pleito, nem sempre coincidentes com os da sociedade, responsável por arcar com os custos da burocracia pública e eleger os governantes.
É neste contexto que se deve debater propostas de indicação de ministros das últimas instâncias da Justiça pelo próprio Poder Judiciário, cabendo a palavra final ao Congresso e/ou ao presidente da República.
O Brasil abandonaria, assim, o método americano de o presidente indicar o candidato, o Senado sabatinar e ter a palavra final na nomeação. Um dos grandes méritos do sistema é circunscrever o poder de escolha e nomeação a representantes diretos do povo, distante de corporações.
A falha, no Brasil, é que, ao contrário do que acontece no Congresso americano, o Senado brasileiro apenas carimba a indicação presidencial. Mas a falta de uma avaliação séria de candidatos a ministros não justifica fazer uma mudança radical de método. Melhor é pressionar o Legislativo para fazer o seu trabalho como deve ser, e a sociedade ser vigilante a fim de evitar ao máximo a influência político-partidária na escolha.
Mais ainda se considerarmos que o Poder Judiciário, por características próprias, tem um sentimento de corporação muito arraigado.
Descrença no voto - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 23/06
O crescente desinteresse dos jovens brasileiros pela política tradicional, reafirmado de forma enfática nos cartazes das manifestações de rua a partir de junho do ano passado, desafia o país a encontrar formas de ver essa importante faixa etária se sentir representada. Levantamento com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirma uma redução acelerada no número de eleitores com menos de 18 anos, entre os quais votar é opcional. A questão preocupa, pois uma democracia, por mais que tenha problemas, não pode prescindir de políticos eleitos para defender os interesses da sociedade.
De 2006 até agora, o percentual de brasileiros entre 16 e 17 anos com título eleitoral caiu de 39% para apenas 25%. A queda é preocupante, levando em conta tanto o fato de essa parcela envolver um contingente numeroso quanto o de desfraldar bandeiras importantes que o poder público não pode ignorar. As estatísticas oficiais mostram que há cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a um quarto da população total, na faixa entre 15 e 29 anos, na qual se situa o grupo de eleitores facultativos. E é justamente nesse contingente que apenas um quarto do total se dispôs a enfrentar as filas para obter seu documento da cidadania, assegurando o direito de escolher quem quer ver como seu representante.
Há razões de sobra para a juventude desconfiar da política tradicional, e elas não se limitam aos sucessivos casos de denúncias de corrupção. A democracia brasileira avança de forma acelerada, mas ainda não dispõe de partidos que, de maneira geral, se movimentem mais pelas disposições de seus estatutos e menos por interesses em ganhos na partilha da máquina pública. Isso ajuda a explicar o fato de os políticos, em sua maioria, se preocuparem mais com os seus próprios ganhos pessoais e os de familiares e amigos do que com os compromissos assumidos quando pediram voto para potenciais eleitores.
Por maiores que sejam as suas deformações, uma democracia como a brasileira só pode ser aperfeiçoada pelo voto _ a começar pelo dos jovens. Por isso, é a partir da família, estendendo-se aos estabelecimentos de ensino e instituições de maneira geral, que os jovens precisar ser incentivados a acreditar no seu poder de promover mudanças, não apenas nas ruas, mas também nas urnas.
O crescente desinteresse dos jovens brasileiros pela política tradicional, reafirmado de forma enfática nos cartazes das manifestações de rua a partir de junho do ano passado, desafia o país a encontrar formas de ver essa importante faixa etária se sentir representada. Levantamento com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirma uma redução acelerada no número de eleitores com menos de 18 anos, entre os quais votar é opcional. A questão preocupa, pois uma democracia, por mais que tenha problemas, não pode prescindir de políticos eleitos para defender os interesses da sociedade.
De 2006 até agora, o percentual de brasileiros entre 16 e 17 anos com título eleitoral caiu de 39% para apenas 25%. A queda é preocupante, levando em conta tanto o fato de essa parcela envolver um contingente numeroso quanto o de desfraldar bandeiras importantes que o poder público não pode ignorar. As estatísticas oficiais mostram que há cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a um quarto da população total, na faixa entre 15 e 29 anos, na qual se situa o grupo de eleitores facultativos. E é justamente nesse contingente que apenas um quarto do total se dispôs a enfrentar as filas para obter seu documento da cidadania, assegurando o direito de escolher quem quer ver como seu representante.
Há razões de sobra para a juventude desconfiar da política tradicional, e elas não se limitam aos sucessivos casos de denúncias de corrupção. A democracia brasileira avança de forma acelerada, mas ainda não dispõe de partidos que, de maneira geral, se movimentem mais pelas disposições de seus estatutos e menos por interesses em ganhos na partilha da máquina pública. Isso ajuda a explicar o fato de os políticos, em sua maioria, se preocuparem mais com os seus próprios ganhos pessoais e os de familiares e amigos do que com os compromissos assumidos quando pediram voto para potenciais eleitores.
Por maiores que sejam as suas deformações, uma democracia como a brasileira só pode ser aperfeiçoada pelo voto _ a começar pelo dos jovens. Por isso, é a partir da família, estendendo-se aos estabelecimentos de ensino e instituições de maneira geral, que os jovens precisar ser incentivados a acreditar no seu poder de promover mudanças, não apenas nas ruas, mas também nas urnas.
O pacto furado de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 23/06
Se o pacto fiscal solenemente anunciado em 24 de junho de 2013, diante de todos os governadores e prefeitos de capitais pela presidente Dilma Rousseff - como sua resposta mais efetiva aos clamores da massa que ocupara as ruas das principais cidade exigindo melhores serviços públicos -, tinha algo além de palavras e vento, um ano depois dele só restam palavras. Se dúvidas ainda havia quanto ao caráter meramente demagógico do anúncio, elas desaparecem diante da piora das contas públicas nos últimos 12 meses em razão de decisões livremente tomadas pelas autoridades federais, como mostrou o Estado (15/6).
Levantamento feito pela reportagem do jornal constatou que só as medidas provisórias editadas de junho do ano passado para cá criaram despesas, provocaram renúncia fiscal ou ampliaram a dívida pública no valor de R$ 58,2 bilhões. Os efeitos se estenderão por vários exercícios, mas já em 2014 o impacto será de R$ 27,9 bilhões.
Também considerado parte do pacto, o Congresso até que o cumpriu em parte, ao rejeitar medidas ou adiar decisões que resultariam em mais despesas. Mas aprovou outras que as ampliam, como a que cria a Defensoria Pública da União e a que inclui no quadro de servidores da União funcionários dos antigos territórios.
O resultado não poderia ser outro. O superávit primário (que exclui das contas o custo da dívida pública) apurado nos 12 meses encerrados em abril último foi inferior, como porcentagem do PIB, ao registrado 12 meses antes.
E isso ocorreu a despeito das medidas do governo para melhorar o saldo das contas públicas, como a antecipação do pagamento de dividendos das estatais, adiamento de despesas obrigatórias e a não contabilização de determinados investimentos. Embora legais, medidas como essas dificultam a comparação dos resultados fiscais ao longo do tempo.
Não era o que se prometia em junho do ano passado.
Convocados então pelo Palácio do Planalto, ali compareceram 27 governadores e 26 prefeitos de capitais, para, junto com a presidente, apresentar à população, assustada com a extensão e os rumos das manifestações de rua, uma resposta que a tranquilizasse. Embora não tivesse discutido previamente com governadores e prefeitos o que anunciaria naquele dia, Dilma falou em pactos.
Foram cinco, ao todo: um político (a convocação de um plebiscito para a formação de uma Constituinte para a reforma política), um para a saúde, outro para a educação e outro para os transportes, além daquele voltado para a área fiscal. Parecia que, desse modo, se buscariam respostas para as principais reivindicações dos manifestantes.
Espertamente, porém, Dilma não anunciou metas nem se referiu a outros pontos do que chamara de pacto. Na área fiscal, apenas garantiu que "este é um pacto perene para todos nós", pois, diria em seguida, a preservação dos fundamentos da economia "é uma dimensão especialmente importante no momento atual, quando a prolongada crise econômica mundial ainda castiga as nações".
Nada a discordar do palavrório presidencial. A preservação de uma política fiscal responsável, que aponte para a eliminação do déficit nominal, e não apenas para a geração do superávit primário prometido, é essencial para assegurar a estabilidade econômica a longo prazo. Se o governo Dilma assumisse, efetivamente, compromisso com uma política fiscal com essas características e a colocasse em prática, o pacto teria tido algum sentido.
Em novembro, quando já eram claras as indicações de que o pacto fiscal, como os demais anunciados por ela, eram apenas tentativas demagógicas de conter as manifestações de rua, a presidente Dilma Rousseff voltou a insistir no tema. "O governo tem perfeita consciência da importância da estabilidade fiscal. A estabilidade fiscal é o alicerce de tudo o que conquistamos", afirmou em reunião de seu Conselho Político, realizada no momento em que seu governo era intensamente criticado pela má qualidade da política fiscal. O resultado dessa política é um alicerce tão frágil que ameaça a estabilidade econômica.
Se o pacto fiscal solenemente anunciado em 24 de junho de 2013, diante de todos os governadores e prefeitos de capitais pela presidente Dilma Rousseff - como sua resposta mais efetiva aos clamores da massa que ocupara as ruas das principais cidade exigindo melhores serviços públicos -, tinha algo além de palavras e vento, um ano depois dele só restam palavras. Se dúvidas ainda havia quanto ao caráter meramente demagógico do anúncio, elas desaparecem diante da piora das contas públicas nos últimos 12 meses em razão de decisões livremente tomadas pelas autoridades federais, como mostrou o Estado (15/6).
Levantamento feito pela reportagem do jornal constatou que só as medidas provisórias editadas de junho do ano passado para cá criaram despesas, provocaram renúncia fiscal ou ampliaram a dívida pública no valor de R$ 58,2 bilhões. Os efeitos se estenderão por vários exercícios, mas já em 2014 o impacto será de R$ 27,9 bilhões.
Também considerado parte do pacto, o Congresso até que o cumpriu em parte, ao rejeitar medidas ou adiar decisões que resultariam em mais despesas. Mas aprovou outras que as ampliam, como a que cria a Defensoria Pública da União e a que inclui no quadro de servidores da União funcionários dos antigos territórios.
O resultado não poderia ser outro. O superávit primário (que exclui das contas o custo da dívida pública) apurado nos 12 meses encerrados em abril último foi inferior, como porcentagem do PIB, ao registrado 12 meses antes.
E isso ocorreu a despeito das medidas do governo para melhorar o saldo das contas públicas, como a antecipação do pagamento de dividendos das estatais, adiamento de despesas obrigatórias e a não contabilização de determinados investimentos. Embora legais, medidas como essas dificultam a comparação dos resultados fiscais ao longo do tempo.
Não era o que se prometia em junho do ano passado.
Convocados então pelo Palácio do Planalto, ali compareceram 27 governadores e 26 prefeitos de capitais, para, junto com a presidente, apresentar à população, assustada com a extensão e os rumos das manifestações de rua, uma resposta que a tranquilizasse. Embora não tivesse discutido previamente com governadores e prefeitos o que anunciaria naquele dia, Dilma falou em pactos.
Foram cinco, ao todo: um político (a convocação de um plebiscito para a formação de uma Constituinte para a reforma política), um para a saúde, outro para a educação e outro para os transportes, além daquele voltado para a área fiscal. Parecia que, desse modo, se buscariam respostas para as principais reivindicações dos manifestantes.
Espertamente, porém, Dilma não anunciou metas nem se referiu a outros pontos do que chamara de pacto. Na área fiscal, apenas garantiu que "este é um pacto perene para todos nós", pois, diria em seguida, a preservação dos fundamentos da economia "é uma dimensão especialmente importante no momento atual, quando a prolongada crise econômica mundial ainda castiga as nações".
Nada a discordar do palavrório presidencial. A preservação de uma política fiscal responsável, que aponte para a eliminação do déficit nominal, e não apenas para a geração do superávit primário prometido, é essencial para assegurar a estabilidade econômica a longo prazo. Se o governo Dilma assumisse, efetivamente, compromisso com uma política fiscal com essas características e a colocasse em prática, o pacto teria tido algum sentido.
Em novembro, quando já eram claras as indicações de que o pacto fiscal, como os demais anunciados por ela, eram apenas tentativas demagógicas de conter as manifestações de rua, a presidente Dilma Rousseff voltou a insistir no tema. "O governo tem perfeita consciência da importância da estabilidade fiscal. A estabilidade fiscal é o alicerce de tudo o que conquistamos", afirmou em reunião de seu Conselho Político, realizada no momento em que seu governo era intensamente criticado pela má qualidade da política fiscal. O resultado dessa política é um alicerce tão frágil que ameaça a estabilidade econômica.
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