quarta-feira, outubro 04, 2017

Reformas e privatização - ROBERTO CASTELLO BRANCO

Valor Econômico - 04/10

A literatura econômica sobre reformas estruturais sugere que sua realização é mais provável diante de recessões prolongadas e altas taxas de desemprego. Exemplos clássicos foram o Reino Unido nos anos 80 e a América Latina na década seguinte, ambos após períodos de sérios problemas econômicos.

Grandes recessões parecem convencer a sociedade sobre a necessidade de mudar o regime de política econômica. Ao mesmo tempo, grupos de interesse, beneficiários do status quo, tendem a se enfraquecer ao ficar claro que suas propostas não geraram prosperidade, exceto para eles próprios.

A recessão de 2014-2017 e as elevadas taxas de desemprego - tendo como pano de fundo o crescimento medíocre do PIB real per capita entre 1980 e 2016, de apenas 0,9% ao ano, e a descoberta de um processo de corrupção sistêmica - produzem ambiente propício à implementação de reformas.

Evidentemente, a venda de reformas para a sociedade não costuma ser fácil. Uma das razões é que seus benefícios, até por serem às vezes indiretos, não costumam ser tão claros quanto são para boa parte dos economistas.

A equipe econômica faz, por exemplo, grande esforço para viabilizar a reforma da Previdência Social a partir do correto argumento de que a situação atual é insustentável do ponto de vista fiscal. Contudo, isso tem esbarrado na visão predominante entre nossos políticos (e em parte da sociedade) de que os recursos são infinitos. Não reformar a Previdência é também sancionar privilégios na medida em que a aposentadoria média no setor público - defendida por corporações - varia de seis (Poder Executivo) a 23 vezes (Poder Legislativo) o valor médio recebido por dezenas de milhões de aposentados no INSS.

Todavia, mesmo um governo politicamente fraco e com integrantes acusados de corrupção tem sido capaz de promover mudanças importantes, como o teto dos gastos, a reforma trabalhista, a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), alguma flexibilização na regulação do petróleo e planos para concessões de infraestrutura e privatizações.

De maneira semelhante à "operação abafa" da Lava-Jato, a aliança entre corporações e políticos populistas/corruptos, que caracteriza a Velha Política, tenta bloquear as reformas econômicas.

A oposição à TLP refletiu essa coalizão, ao unir corporações e senadores do PSDB e PT. O anúncio de privatização da Casa da Moeda provocou entre os defensores do Estado-empresário a confusão entre o papel do Banco Central e o de uma gráfica ineficiente, enquanto que a intenção de privatizar a Eletrobras deu origem a movimentos liderados por políticos populistas em "defesa" de Furnas e Chesf.

Diferentemente de companhias privadas, as estatais possuem como objetivo a maximização de poder e não a maximização de lucros. Como consequência, não existem incentivos para que seus executivos persigam a eficiência.

O capital nelas investido é de propriedade da sociedade, porém substancial parcela do fluxo de caixa é apropriado pela Velha Política sob diversas formas - privilégios a corporações de servidores, cargos executivos por indicação de políticos, concessão de contratos sem concorrência, investimentos de baixíssimo retorno. Tudo isso dá a seus atores fortes incentivos para defender a intocabilidade das estatais, até sob o falso manto do nacionalismo. O processo de transferência de recursos para a Velha Política é justamente a principal fonte de desperdício de recursos da sociedade e de oportunidades potenciais para corrupção.

O Brasil possui enorme número de estatais, que segundo estimativas recentes chegaria a 442. Parcela majoritária desse montante é composta por firmas pequenas e médias, mas o grau de ineficiência resultante constitui-se em trava ao crescimento econômico no longo prazo.

Poucas empresas como a Embrapa se justificam como estatais. Muitas podem ser simplesmente extintas e outras tantas privatizadas. Por outro lado, devemos ter em mente que o desinvestimento de ativos, embora concorra para estabilizar a relação dívida/PIB, não é substituto de cortes permanentes do gasto público, sob pena de no futuro virmos a nos defrontar com novos desequilíbrios orçamentários.

A privatização é reforma a ser executada ao longo de vários anos a partir de diretrizes estratégicas claramente definidas. A nosso ver, deve ter três prioridades: foco nas grandes estatais, como Petrobras e Correios, e em instituições financeiras e o emprego de ofertas públicas de ações para a venda de empresas, em lugar de leilões do controle acionário para grupos de investidores, modelo adotado nos anos 90.

O sistema financeiro desempenha papel central na alocação de recursos na economia, e a evidência empírica internacional aponta correlação positiva entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. A presença de bancos públicos estabelece a ligação, produtora de distorções, entre o mundo político e as finanças. Esta deve ser quebrada se quisermos explorar o potencial do sistema financeiro como alavanca do desenvolvimento econômico.

Nossa sugestão é privatizar os grandes bancos estatais (BB e Caixa), fechar os regionais e reduzir o tamanho e o escopo das atividades do BNDES. É fundamental a devolução ao Tesouro do restante dos recursos repassados no período 2007/2015, R$ 400 bilhões, ao mesmo tempo em que o banco se restringiria ao financiamento de projetos com retorno social superior ao privado nas áreas já definidas em janeiro deste ano, com participação máxima de 50%.

Outras mudanças desejáveis são o fim do desastroso FI-FGTS e a oferta aos trabalhadores para, nos novos depósitos do FGTS, escolher entre continuar a receber TR mais 3% ao ano ou ter uma conta de investimento administrada por instituições financeiras privadas.

Finalmente, cabe perguntar sobre o que produz maiores retornos sociais: manter bilhões de reais alocados em atividades que podem ser desempenhadas de forma mais produtiva pela iniciativa privada ou em investimentos em educação, saúde e segurança pública?

Doutor em Economia pela FGV/EPGE e Post Doctoral Fellow in Economics, Departamento de Economia da Universidade de Chicago

Gestão temerária provocou a tragédia - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 04/10

A longa convivência com juros altos e inflação elevada - inclusive, depois do Plano Real, se comparados aos padrões internacionais - forjou no mercado a crença de que o Brasil está condenado a conviver de forma permanente com esses problemas. De fato, duraram pouco, desde a adoção do regime de metas, em 1999, todas as tentativas de manutenção da taxa de juros nominal abaixo de 10% ao ano. A explicação para o fenômeno é relativamente simples: os juros subiram porque o país jamais reuniu as pré-condições para operar com taxas civilizadas.

Em 2012, o Banco Central (BC) baixou a taxa básica de juros (Selic) a 7,25% ao ano, a menor do regime de metas, e anunciou que ela ficaria nesse patamar por tempo "suficientemente prolongado". O mercado não acreditou naquele movimento porque todos sabiam que a decisão era política. Na ocasião, as expectativas de inflação estavam desancoradas, isto é, os agentes econômicos não acreditavam que a inflação fosse cair, de maneira a permitir que os juros permanecessem baixos.

O governo começou a desmontar, em 2011, o arcabouço macroeconômico que vigorava desde 1999. Como o resultado esperado - mais crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) - não veio, em 2012 o novo modelo, batizado de Nova Matriz Econômica, foi levado ao limite.

No melhor estilo tentativa-e-erro, mais erro do que tentativa, a então equipe econômica, depois de reduzir o juro na marra, forçou a desvalorização do câmbio por meio do aumento da taxação dos capitais que vinham para o Brasil, com o objetivo de "aumentar" a competitividade da indústria nacional; para assegurar que a inflação ficasse comportada e o BC não tivesse motivo para elevar os juros, desatrelou os combustíveis dos preços internacionais, praticamente os congelando - decisão que causou enorme prejuízo à Petrobras e provocou quebradeira no setor de etanol -; também com a intenção de conter os preços administrados para ajudar o BC a segurar a taxa Selic, tentou forçar o setor elétrico a reduzir os preços das tarifas, medida que na prática provocou um rombo nas contas da Eletrobras, a holding das elétricas federais obrigada a aderir ao plano; acabou com a política de geração de superávits no resultado primário (que não considera a despesa com juros) das contas públicas, baseado na crença de que isso estimularia a atividade econômica; aumentou a dívida pública em quase 10 pontos percentuais do PIB para bancar empréstimos subsidiados do BNDES a empresas, em sua maioria, grandes e com acesso fácil ao mercado de capitais; procurou estimular o consumo por meio da redução de tributos - já em meio a uma acentuada queda da arrecadação federal - e da adoção de uma política que pode ser chamada de superindexação do salário mínimo (correção pela inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB de dois anos antes); desonerou de forma errática a folha de pessoal das companhias, substituindo a contribuição sobre folha por outra, sobre o faturamento, iniciativa que também deprimiu as receitas federais; liberou os Estados de cumprir com sua parte para o superávit primário do setor público consolidado, com a justificativa de que os governos estaduais aumentariam os investimentos e isso moveria o PIB - no fim, interessados apenas na própria reeleição, os governadores usaram a folga fiscal para reajustar os salários dos funcionários públicos.

Hoje, é sabido que, para financiar uma despesa primária - o acesso de estudantes carentes a cursos em faculdades privadas -, o governo Dilma Rousseff emitiu títulos, elevando a dívida pública, em vez de usar dinheiro dos impostos. A verdade é que não havia dinheiro suficiente para bancar o projeto populista da ex-presidente e, por essa razão, entre 2008 e 2015 o gasto corrente da União cresceu 50% acima da inflação, face à expansão de "apenas" 15% da arrecadação, descompasso que majorou a dívida pública no período em R$ 2,2 trilhões.

Como dinheiro não nasce em árvore, em 2012 o governo lançou mão da contabilidade criativa para "cumprir" a meta de superávit primário. Denunciado pela imprensa, no ano seguinte começou a usar o expediente das pedaladas fiscais - o uso dos bancos federais para pagar despesas correntes, artifício vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Gestão temerária: não há outra denominação possível para esse conjunto de ações governamentais que, no espaço de apenas cinco anos (de 2011 a 2015), destruíram as finanças públicas do país e jogaram a nação na mais profunda e longa recessão de sua história, colocando na rua mais de 14 milhões de desempregados, quebrando empresas, falindo Estados, elevando a dívida pública aos píncaros e fazendo o país viver mais uma década perdida - o custo de reorganização fiscal será alto.

Ao tornar opacas as contas públicas e acabar com a previsibilidade de preços como juros e câmbio, além de adotar medidas que apenas adiaram a explosão da inflação corrente (para depois da eleição de 2014, claro), o governo Dilma fez os empresários pisarem no freio. Mesmo aqueles que pegaram o dinheiro baratinho do BNDES, a custo inferior ao da TJLP, não investiram porque o risco de dar tudo errado cresceu de forma exponencial.

Naquele ambiente, não dava para acreditar na promessa do BC de manter os juros baixos por um período "suficientemente prolongado". A miragem durou menos de seis meses e os juros voltaram a escalar a montanha. Agora, o BC de Ilan Goldfajn caminha para uma taxa Selic ainda menor que os 7,25% de 2012. E o mercado? Acredita desta vez que o juro baixo é sustentável?

Os juros dos contratos do mercado futuro - a partir de 2019 - mostram que o ceticismo continua. Analistas, tesoureiros e gestores não veem nenhuma semelhança entre a atual equipe econômica e a de 2011-2015, pelo contrário, dão à gestão corrente o benefício da dúvida, uma vez os desequilíbrios na área fiscal remanescem - o fato é que o governo anterior criou tantas despesas que tem sido uma batalha reduzir, sem a realização de reformas institucionais, o déficit primário, estacionado em torno de 3% do PIB.

Apesar da confiança dos agentes econômicos na equipe de hoje, os prêmios de risco exigidos para o financiamento da dívida estão elevados porque paira sobre 2019 a grande incerteza: o vencedor da eleição dará continuidade à agenda de reformas do atual governo?

Bolsas em fogo! - FÁBIO ALVES

O Estado de S.Paulo - 04/10
Os principais índices do mercado acionário dos Estados Unidos fecharam todos em recorde histórico de alta na segunda-feira, primeira sessão de negócios do quarto trimestre, refletindo o otimismo de que os cortes de impostos propostos pelo presidente Donald Trump vão injetar um novo gás na economia americana e, por tabela, no lucro das empresas com ações negociadas em bolsas de valores.

Se para os índices de ações nos Estados Unidos a expectativa de aprovação da reforma tributária que o governo Trump quer passar no Congresso pode ser o principal gatilho para novos recordes de alta no futuro próximo, para os ativos de mercados emergentes, como as ações negociadas na Bolsa brasileira, os cortes de impostos americanos podem representar um fator negativo pesando sobre os preços.

De um lado, uma aceleração da economia americana, impulsionada por maiores gastos de consumidores com mais renda disponível após os cortes de impostos, levaria a um aumento da inflação. O resultado disso seria juros mais elevados pelo Federal Reserve (Fed) para evitar que a inflação saia da sua meta. De outro, cortes de impostos poderiam causar um aumento no déficit fiscal dos Estados Unidos no curto prazo, forçando, no fim das contas, o Fed a elevar os juros num ritmo mais acelerado.

Alta da inflação e, por tabela, dos juros básicos pelo Fed é o combustível para valorizar o dólar frente às principais moedas internacionais, em particular a de países emergentes, como o real brasileiro.

Um dólar forte torna as aplicações denominadas na moeda americana mais atrativas e diminui a rentabilidade em dólar dos ativos denominados em moedas locais nos mercados emergentes. Resultado: o dinheiro dos investidores internacionais aplicado em países emergentes migra de volta para os Estados Unidos.

Não à toa que, enquanto o Ibovespa registrou queda de 2,16% desde o dia 20 de setembro, quando a Bolsa brasileira atingiu seu fechamento recorde de alta, a 76.004,15 pontos, até o pregão da segunda-feira (encerrando a 74.359,82 pontos), o S&P 500, um dos principais índices acionários dos Estados Unidos, atingiu o patamar histórico de 2.529,12 pontos na segunda-feira, acumulando uma valorização de 0,83% no mesmo período.

Passará o mercado acionário americano a ter um comportamento descolado das bolsas emergentes, como a do Brasil?

O estrategista de ações para mercados emergentes do banco suíço UBS, Geoff Dennis, diz que isso dependerá das razões para a alta das bolsas americanas. Na visão dele, se a alta dos índices acionários americanos fizer parte de uma tendência mais ampla de valorização das bolsas mundiais, refletindo o ambiente benigno para ativos de risco em meio a uma solidez da economia global e maior liquidez nos mercados internacionais, então esse descolamento não deve ocorrer.

Mas se o motivo for um maior impulso da economia americana, levando para cima a inflação, as taxas pagas pelos títulos do Tesouro americano e a cotação do dólar, como resultado, entre outros fatores, dos cortes de impostos propostos por Trump, daí as bolsas nos Estados Unidos devem ainda apresentar um bom desempenho, enquanto seus pares nos mercados emergentes podem ficar para trás.

Para Dennis, a correção na Bolsa brasileira até segunda-feira foi um movimento temporário. “Não vejo uma grande aceleração da economia dos Estados Unidos, levando a uma alta da taxa paga pelos títulos do Tesouro americano, o que tornaria um ambiente menos benigno para os mercados emergentes”, diz Dennis. “A perspectiva de uma reforma tributária nos EUA é muito pequena.”

Os analistas do Bank of America Merrill Lynch disseram, em nota a clientes, que é improvável o Congresso americano aprovar uma mudança significativa na legislação tributária até o ano que vem, uma vez que as negociações sobre a matéria deverão ser complexas e se arrastar. Nos cálculos desses analistas, o plano tributário proposto na semana passada pelos republicanos deve custar entre US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em dez anos. Se adotado, só deve acrescentar alguns décimos à projeção deles de crescimento da economia americana em 2018, de 2,3%.

Nesse cenário, o provável é o ambiente global continuar benigno para ativos de risco e as bolsas americanas seguirem os fundamentos que alimentam o desempenho dos seus pares nos mercados emergentes mais do que se valorizarem por razões puramente da economia e política dos Estados Unidos.

Não foi à toa que o Ibovespa fechou ontem na nova pontuação histórica de 76.762,92, alta de 3,23%.

Meramente ilustrativas - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 04/10

Qualquer especialista que não seja dono de instituto de pesquisa dirá que qualquer pesquisa eleitoral feita hoje, tendo o objetivo de projetar 2018, apresenta um resultado sem registro de significado. Não são quantitativas, nem qualitativas, as pesquisas hoje são ilustrativas. Porém, são também uma atração fatal, tabuleiros lúdicos, onde não faltam os dados com os nomes de sempre a serem chacoalhados e jogados ao centro da mesa.

Como são inócuas, vale tudo, todos querem saber quem está melhor situado no ranking se fosse candidato, mesmo que candidato não seja. Não há regras eleitorais aprovadas, os partidos estão mudando de nome e de sigla, não sabem se estarão vivos ou mortos, os freios de arrumação não foram acionados. Nem para manipular eleições, como as pesquisas já foram acusadas várias vezes, servem neste momento, a uma distância de um ano do evento a ser forjado.

Quem sabe numa dessas rodadas de brincadeira não aparece uma indicação de rumo, não desponta um candidato em estágio avançado de gestação, em quem se possa votar e que não sejam os nomes sempre testados, em especial os que ganham traço na preferência do eleitorado. Na base do jogo, é possível colocar qualquer um na lista, até Deus, que deverá receber mais de 80%, embora não seja candidato. Quem se importa?

Se Alckmin e Doria se unirem, o PSDB lidera a disputa
Aí está a natureza das enquetes atuais: perguntas aleatórias, em quantidade irrespondível, ou dirigidas com objetivo certo, num momento de desestrutura da política, dos partidos, das leis, para uma eleição que ainda não se sabe como será financiada ou se vai acontecer sob quais regras. Sem falar na dramática relação entre os responsáveis por conduzi-las, Poderes Legislativo e Judiciário, em cuja função se instalou uma disputa de morte em torno de todas as atribuições, um do outro, inclusive na área da regulamentação eleitoral.

Diz-se que o eleitor brasileiro, centrista (29%) ainda não tem um candidato a presidente. Vai aparecer o dono desses votos, mas nas pesquisas de hoje eles estão em lugar incerto e não sabido. O eleitor, quando responde a uma pergunta, não fica pensando se o nome que vai apontar é de esquerda, do centro ou de direita, se não pertencer realmente a um desses espectros ou à sua militância. O PSDB é de esquerda, de centro ou de direita? Só não se diz que o PSDB é de direita porque Fernando Henrique Cardoso reclamaria e lamento de tucano dura muitas conferências. O PMDB, aliado de primeira hora do PT, está situado onde? E o PT, junto com PP, PL, PSD, PR, em 13 anos de governo, será o quê? E o Rede que, em aliança com o PSB, passou por todos os vícios tradicionais de campanhas políticas? Não se manchou, foi mágico.

Essa pergunta ideológica é inútil, como também é inútil insistir na enquete só para demonstrar que Lula está em primeiro lugar. Estará sempre. O PT acredita nisso, enquanto o ex-presidente sai por aí, literalmente viajando, com um discurso igual ao de sempre que, por inadequado ao momento, inclusive da sua carreira política, soa como cantoria sem letra nem música. Mas quem vai parar o circo ainda que os dados da realidade apontem, com todas as evidências, que Lula não será candidato?

Tem 54% de brasileiros, ouvidos pelo Datafolha, que acham que Lula devia ser preso; 35% que o elegeriam em qualquer cenário; mas 87% não querem um nome com ligação à corrupção. De qual Lula estamos tratando nessa liderança da eleição?

A não ligação com a corrupção é um dos traços que se buscam no candidato. Outros são: não precisa ser novo na política (39%), tenha experiência empresarial (59%), passado político conhecido (65%), experiência administrativa (79%), nunca se envolveu com corrupção (87%). Na lista que apresentam ao eleitorado não há candidatos possíveis. Se a maioria quer Lula preso, certamente não deseja ter um presidente atrás das grades. Como casar a subjetividade da vaga simpatia e intenção de voto com o dado concreto e objetivo da economia?

Como Lula só é candidato até não ser, é claro que a maioria dos seus votos de hoje iria para o candidato do PT, ou da vizinha Marina. Fernando Haddad, ex-prefeito do partido, no entanto, tem só 2%, mesmo apoio que consegue Henrique Meirelles (PSD). Os 2% de Meirelles são tão intrigantes quanto os 35% de Lula em todos os cenários.

Essa última pesquisa mostra que cresceu o apoio à permanência de Michel Temer no governo até o fim de seu mandato: de 30 para 37%; caiu o percentual dos que achavam que Temer sair do governo é melhor do que ficar: de 65 para 59%. Isso não combina com os 5% de popularidade e o crescimento dos que acham que o Brasil está melhorando.

O próximo pleito, a depender do desenrolar das votações sobre reforma política esta semana, na Câmara e no Senado, pode ficar exatamente como está hoje: eleição barata, sem propaganda, com dinheiro do fundo partidário de R$ 1,7 bi, pulverizado para 10 candidatos a presidente, dezenas a governador, inclusive dos nanicos que vão dar um jeito de pegar uma pontinha. O STF, seguindo no programa de usurpação de atribuições, deverá votar hoje mudanças nas regras eleitorais. De que eleições estamos falando nas pesquisas?

Os partidos dão os primeiros passos para conseguir candidatos que possam apresentar na sala. O governador Paulo Hartung é disputado por várias legendas, mas deve mesmo ir para o DEM, que será Centro? O ex-ministro Joaquim Barbosa, convidado por PSB e Rede, não quer o primeiro, mas submete-se a ser vice no segundo? O prefeito João Doria sairá ou não do PSDB? Pelo partido o candidato é Geraldo Alckmin. São equações tão distantes das pesquisas quanto as definições do processo eleitoral.

Para não dizer que deu perda total, existe uma ou outra constatação de pesquisa que pode mexer, hoje, na articulação eleitoral dos partidos. Um exemplo é o cenário 5 da última pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial. Apresentou-se ao eleitorado uma lista de candidatos em que aparecem Geraldo Alckmin e João Doria, ao mesmo tempo. Nos cenários anteriores, ora aparecia um, ora outro, e seus índices de apoio não variaram. Quando apontaram os dois na mesma relação, deu-se o seguinte resultado: Marina Silva lidera, com 20%, seguida de Bolsonaro, com 17%; em seguida aparecem os dois paulistas, Alckmin com 9% e Doria com 7%. Donde é possível concluir: se ficarem unidos no mesmo partido eles têm 16%, empatando na margem de erro com o primeiro lugar. É o recado da última enquete ao PSDB.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília

Recuperação do emprego foi mais rápida, porém de pior qualidade - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04/10

O mercado de trabalho continua a emitir sinais de vida. Após chegar a 13,7% no primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego caiu para 12,6% no trimestre encerrado em agosto, redução de 14,2 milhões para 13,1 milhões de desempregados.

Como notei na semana passada, parte disto reflete o padrão sazonal favorável, mas, corrigindo os dados para levar este fator em consideração, estimamos que o desemprego sazonalmente ajustado tenha caído de 12,9% em março para 12,5% em agosto, indicando que cerca de metade da queda resulta de melhora genuína do mercado de trabalho.

Nota-se também que isso ocorreu apesar de aumento considerável da oferta de trabalho. À parte o crescimento da população em idade ativa (PIA), fenômeno demográfico, houve também elevação da proporção de pessoas na PIA engajadas no mercado, de 61,6% para 61,8%, o maior valor da (curta) série histórica.

Não parece muito, mas considerando que a PIA representava algo como 167,5 milhões de pessoas em março (e 168,5 milhões em agosto), a elevação equivale a uma oferta adicional de 423 mil trabalhadores.

Houve, no entanto, criação de 1 milhão de postos de trabalho no período, ou 1,6 milhão em termos dessazonalizados, permitindo não só a absorção dos que ingressaram no mercado, como também a queda do desemprego, desempenho surpreendente, se levarmos em conta a recuperação modesta da atividade e a defasagem usual entre o aumento da produção e a resposta de emprego. Ainda assim, há motivos para preocupação.

Sazonalidade à parte, não houve geração de empregos com carteira assinada no período. O grande aumento veio do emprego por conta própria (pouco mais de 730 mil postos), seguido pelos trabalhadores sem carteira assinada (pouco menos de 580 mil) e, num distante terceiro lugar, pelo emprego no setor público (190 mil).

É verdade que o emprego formal tem representado pouco menos de 40% da ocupação no país, enquanto o trabalho por conta própria chega perto de 25%, e o informal, em torno de 12%, bem próximo do emprego público. Todavia, trata-se da modalidade em geral associada a salários mais elevados, não só pelo status no mercado de trabalho mas também porque está ligada a ocupações tipicamente melhores.

Nos últimos 12 meses, por exemplo, salários no setor superaram em 30% o rendimento do trabalho por conta própria e foram 65% mais altos do que os no setor informal (embora sejam 35% menores do que os no setor público, claro).

Conclui-se, pois, que a recuperação do mercado foi mais rápida do que a própria velocidade da economia indicaria, porém de pior qualidade. Talvez seja o "normal" depois de uma recessão atípica em termos de duração e profundidade, mas ilustra bem o estrago provocado pela aventura voluntarista que nos jogou nesta situação. Espero que sirva de vacina a outras tentativas, mas no fundo não acredito que o país tenha captado a lição.

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Concordo com a avaliação de Mathias Alencastro a respeito da minha coluna sobre o ajuste fiscal português, porém, confesso, não tinha notado o paralelo (em retrospecto, óbvio) com a transição FHC-Lula.

Creio que chegamos a um denominador comum: sem garantir a estabilidade, não há como programar políticas sociais, mais uma lição que eu apreciaria ver aprendida, sem, contudo, muita esperança.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

PROJETO LIVRA ACUSADO QUE DEVOLVE O QUE SURRUPIOU

Sem alarde, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou substitutivo ao projeto 513/13, que pode abrir caminho para a impunidade de políticos envolvidos na Lava Jato, por exemplo. O projeto original foi assinado por Renan Calheiros (PMDB-AL), mas o substitutivo aprovado é do aliado Jader Barbalho (PMDB-PA) e dificulta a denúncia pelo Ministério Público de quem devolver o que surrupiou.

TUTTI BUONA GENTE
O projeto beneficia acusado de crime sem violência contra a pessoa, o que incluirá políticos corruptos, em geral pessoas de “fino trato”.

SOB MEDIDA
Políticos serão beneficiados, avalia experiente magistrado, porque, “via de regra, corruptos são primários, boa conduta social, residência fixa”...

LAVOU, TÁ NOVO
O projeto prevê: quem meter a mão no alheio, vive na maciota até ser pego. Mas é só devolver o que foi descoberto e ganha o perdão legal.

SÓ POR ESCRITO
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, já avisou: o projeto só vai à votação no plenário a pedido dos líderes partidários. Por escrito.

BB FECHA AGÊNCIAS EM PORTUGAL, NÃO AS BOQUINHAS
O Banco do Brasil fechou agências nas cidades de Lisboa e Porto, referências na presença brasileira em Portugal, abandonando cerca de 8.000 correntistas convidados e fechar contas, e iniciou processo de fechamento de agências também em Paris. Mas vai manter os diretores que despachou para além mar, ganhando em euros. Em Portugal, o BB quase vai desaparecer, mas demitiu apenas 30 dos 84 funcionários.

COMEÇA COM INCHAÇO
Permanecerá em Portugal um escritório de negócios do BB voltado a “empresas com negócios no Brasil”. E com inchaço de funcionários.

ELES SE ACHAM
O BB, empresa pública, ignorou as perguntas da coluna sobre número de funcionários mantidos e demitidos, custo, economia pretendida etc.

BOLA NAS COSTAS
O BB não dá satisfações nem ao chefe, Michel Temer, que, segundo o Planalto, soube pela coluna do fechamento das agências em Portugal.

DRAMA REAL
Poucos acreditaram, mas foi genuíno o sacrifício de Romero Jucá (PMDB-RR), que, contrariando recomendações médicas, foi à sessão do Senado mesmo vivendo o drama do diagnóstico de diverticulite.

PORTA-OTIMISMO
O embaixador Alexandre Parola, porta-voz de Michel Temer, dedica-se com diligência à tarefa diária (e solitária, no Planalto) de enviar a sua vasta rede de contatos informações sobre a retomada da economia.

CORRENDO PARA O ABRAÇO
Após haver ciceroneado Lula em Alagoas, atacando Temer e criticando a reforma trabalhista, que já virou lei, ganhando palavras de admiração dos petistas, para o PMDB é só questão de tempo a filiação do “líder de massas” Renan Calheiros ao PT. Parecem feitos um para o outro.

IML SEM ESTRUTURA
Se um atentado como o de Las Vegas ocorresse em Brasília, seria o caos: o IML não tem estrutura pessoal para receber 59 corpos. Há 34 legistas já aprovados em concurso (e treinados). Falta a nomeação.

ELEITOR EM BRASÍLIA
Apontado como candidato ao governo do DF, o advogado Ibaneis Rocha fez uma coisa que confirma a expectativa: transferiu o seu domicílio eleitoral do Piauí para Brasília. Vai votar na 18ª Zona.

NEM SEQUER HÁ PROXIMIDADE
O pai do ministro Luis Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ficou viúvo quando ele já era adulto e se casou depois com a mãe da da advogada Fernanda Tórtima. O casal se separou há mais de dez anos. "Jamais convivi ou tive proximidade com a Dra. Fernanda", esclarece o ministro. "Quero bem a ela como quero bem a todas as pessoas". Ele já julgou dois habeas corpus em que ela atuou como advogada, e ambos foram denegados.

MALANDRAGEM RELIGIOSA
Marco Feliciano (PSC-SP) apareceu na sede do governo do DF, ontem, com por 40 pastores, para exigir que uma igreja construída ilegalmente em área pública não seja demolida. Mas a lei é para todos.

PRÓ-SERVIDOR, ANTI-PT
A senadora Ângela Portela (PDT-RR) criticou o projeto que pretende demitir funcionários públicos incompetentes. Ela é a mesma que deixou o PT em abril por temer não ser reeleita no partido de Lula.

PENSANDO BEM...
...do jeito que as coisas estão, criar partidos políticos no Brasil logo será considerado atentado violento ao pudor.

O presidenciável Meirelles e o salário, ó - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 04/10

Um salário mínimo vale mais do que no ano passado, tuitou Henrique Meirelles nesta terça-feira. O ministro da Fazenda escreveu que o mínimo compra mais cesta básica do que em 2017, entre outros pios de campanha eleitoral.

É verdade. Mais do que isso: o valor real do mínimo nos últimos 12 meses é o mais alto desde o Plano Real, de 1994.

Os mais pobres são, no entanto, os brasileiros mais insatisfeitos com a situação econômica e os mais pessimistas com o futuro, indica o Datafolha da semana passada. Mais pobres, neste caso, são os entrevistados que declaram renda familiar inferior a dois salários mínimos.

De onde vem a dor? Do medo de ficar sem trabalho ou do desemprego, de parentes e amigos que foram para a rua. Do receio de que o tumulto da política provoque piora na economia, um clássico nas pesquisas de opinião.

Parece esquisito dizer que o mínimo está no valor mais alto desde o Real (trata-se aqui do valor real do salário mínimo nos últimos doze meses. Em suma, do salário anual). Mas é um fato, não muito difícil de compreender.

O valor do mínimo é reajustado anualmente pela taxa de inflação (INPC) do ano anterior (além da taxa de crescimento da economia dois anos antes, quando o PIB cresce). Em 2017, o reajuste foi de 6,5%. Mas a inflação nos últimos 12 meses caiu rápido e anda pela casa de 1,7%. A alta de preços come cada vez menos o valor do salário mensal. Ou dos benefícios previdenciários e assistenciais (mais de 22 milhões de pessoas recebem benefícios que valem um mínimo).

A variação do valor do salário mínimo já foi maior em outros tempos, claro. No último ano, foi de 4,7%, em termos reais (isto é, além da inflação). Nos anos de Dilma Rousseff, chegou a 9%, reflexo ainda Pibão de 2010; de 2013 em diante, o aumento do mínimo foi ladeira abaixo, tendendo a zero. Nos anos Lula, houve alta de 13%, em 2006-07, tempo de crescimento bom e inflação em baixa.

Mas a baixa da inflação ainda não faz coceira no humor popular.

O desemprego quase dobrou em relação ao final dos anos Dilma. O salário médio voltou a crescer um tico desde meados deste 2017, mas a média do rendimento de quem trabalha sem carteira assinada ou por conta própria cai ainda em relação ao ano passado.

Para 60% daqueles que ganham até dois salários, a inflação vai aumentar (38%, no caso de rendas maiores que dez salários mínimos). Na média do país, a expectativa de alta da inflação na prática não mudou desde que Michel Temer assumiu (vai aumentar, para 56%). Isto não é bem medida de estimativa dos preços, mas de medo derivado de ambiente político tumultuado, de choques, de repulsas genéricas, sugere a análise de duas décadas de pesquisas Datafolha.

Para 53% dos mais pobres, a situação econômica pessoal piorou nos últimos meses (e para 27% daqueles com renda superior a dez mínimos). Quanto ao futuro, o pessimismo é menor e parecido entre ricos e pobres. O que no entanto não melhora a avaliação do governo.

Até agora, as microscópicas melhoras na economia e a resistência do valor do salário mínimo nem triscam no desprestígio quase absoluto de Temer. A avaliação dos presidenciáveis em geral não é muito melhor. A raiva política persiste.

A parábola do réu pródigo - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S.Paulo - 04/10


Quem é Luiz Inácio Lula da Silva? O herói que deu acesso às linhas aéreas e ao ensino superior aos pobres e por isso conta com o apoio de pelo menos 35% dos eleitores, o dobro da preferência atribuída aos dois principais adversários, de acordo com a pesquisa Datafolha – o oficial da reserva que conta com a nostalgia da ditadura militar e a militante ambiental? O bandido que já deveria ter sido preso, na opinião de 54% dos mesmos entrevistados? Ou seria os dois em um? Talvez fosse ainda o caso de acrescentar mais uma quarta opção: todas as hipóteses anteriores.

Os fatos falam por si. Em dois mandatos de quatro anos cada, o ex-líder sindical virou dono do Partido dos Trabalhadores (PT) e “messias” das esperanças salvacionistas da esquerda e de grande parcela da população, porque amealhou um prestígio avassalador. Este lhe garantiu eleição, reeleição após ter sido flagrado com a mão na botija no escândalo do mensalão e metade do mérito pela vitória da “poste”, que impôs aos companheiros petistas, eleita com a mãozinha nada desprezível do PMDB de Michel Temer e reeleita pela lei da inércia e pelo sucesso da repetição da parceria. A estratégia sensata de não se opor às conquistas dos antecessores que se lhe opunham, para depois construir sua própria fortuna, no maior assalto ao conjunto dos cofres da República, reservou-lhe o lugar mais alto no pódio dos heróis. Ainda hoje, apesar de tudo o que já se descobriu sobre ele, Lula exibe a mais bem-sucedida trajetória pessoal de uma política fragmentária e cruel como o é a nossa. Isso é suficiente para lhe garantir o apoio incondicional de um terço do eleitorado nacional, que nada cobra dele.

Muitas razões mais têm os 54% que disseram aos pesquisadores que os abordaram que o que foi descoberto de sua longa e profícua atividade fora da lei pelos policiais federais e procuradores da Operação Lava Jato já dá motivos suficientes para que o titular da operação, o juiz federal Sergio Moro, o condene a uma cela no inferno prisional brasileiro.

Lula protagoniza a parábola do réu pródigo. No âmbito da Lava Jato, foi condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, acusado de ter recebido uma cobertura triplex no Guarujá como propina da Construtora OAS, por serviços que lhe prestou no governo. Na mesma operação responde a acusações do Ministério Público Federal de ter recebido da Odebrecht o apartamento vizinho ao dele em São Bernardo e um terreno, no qual teria pretendido construir a sede do Instituto Lula. Na Justiça Federal de Brasília é acusado em processos penais que dizem respeito a tráfico de influência, negócios em Angola e obstrução de Justiça. É uma incrível via-crúcis com várias estações do Código Penal.

Ilícitos penais à parte, revelações vindas à tona ao longo desse percurso, que sua defesa chama de perseguição política, desnudaram atitudes nada condizentes com seu ícone de mártir popular. Apelidado de “amigo” de Emílio Odebrecht nas planilhas do departamento de propinas da empreiteira, teve o dissabor de ser acusado por este de ter comprado dele greves de interesse da empresa no Recôncavo Baiano. Assim como antes havia sido apontado como informante das lutas sindicais ao então diretor do Dops, Romeu Tuma, pelo filho homônimo deste no livro Assassinato de Reputações (Topbooks, Rio, 2013), nunca contestado por Lula, algum advogado ou aliado dele. No livro O que Sei de Lula (Topbooks, Rio, 2011), narrei um encontro no qual ele relatou particularidades do movimento sindical a um agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), em plena ditadura militar, que ele ajudou a derrubar ao desafiar a legislação trabalhista com as greves que liderava no ABC.

A tentativa de transferir delitos de que é acusado para sua mulher, mãe de seus filhos e avó de seus netos, Marisa Letícia, morta, revelou o hábito de manifestar esse laivo machista e covarde de seu caráter.

A carta de seu ex-lugar-tenente Antônio Palocci, que foi ministro da Fazenda em seu governo e chefe da Casa Civil na (indi)gestão de Dilma Rousseff, contém detalhes malfazejos desse caráter cheio de jaça. Pouco importa que o missivista esteja longe de ser um santo, como demonstrou o sórdido episódio da desqualificação do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que testemunhou contra ele no escândalo de certa mansão em Brasília. Os crimes de que é acusado o ex-prefeito de Ribeirão Preto foram cometidos sob a égide de Lula.

Outro episódio que expõe à luz solar sua contumácia em mentir com cinismo é o dos recibos entregues por sua defesa para “comprovar” que Marisa – sempre ela! – pagou religiosamente os aluguéis de um apartamento que o casal ocupa ao lado da própria moradia a um incerto Glaucos da Costamarques, que aparece como Pilatos no Credo. Ou como o J. Pinto Fernandes, súbito personagem do poema Quadrilha (que não se perca pelo título apropriado para o caso), de Carlos Drummond de Andrade.

Seu discípulo na arte de tergiversar, o dr. Zanin Martins apareceu com recibos que nada comprovam, pois transações comerciais rotineiras não são atestadas por eles, mas por movimentação bancária fiscalizada pelo Banco Central. E ainda reinventou o calendário gregoriano, datando dois em inexistentes 31 de junho e 31 de novembro. Os papéis inúteis poderão provocar o vexame de revelar mais uma farsa típica de Lula se a perícia da Polícia Federal atestar em laudo que foram assinados no mesmo dia.

O mito do teflon de Lula, que evita lama em seu ícone, é ajudado por pesquisas como a última em que ele surgiu como adversário do juiz que o condenou, Sergio Moro. Qualquer brasileiro com QI superior a 30 sabe que não lhe será fácil obter daqui a um ano atestado de ficha limpa e que o julgador em parte de seus processos penais não deixará a carreira para se candidatar a nenhum posto na política. Trata-se do mesmo material de ilusões de que é feita sua fama de intocável.

Dívida no limite - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/10

É espantoso que facções da política e da academia —minoritárias, mas não desprovidas de influência— ainda se apeguem à tese de que suspender os compromissos da dívida pública, ou reduzi-los drasticamente, será solução para o rombo orçamentário federal.

Propostas do gênero, com adeptos à esquerda e à direita, já se mostravam ingênuas nos tempos em que o governo separava parte considerável de suas receitas para o pagamento de juros.

Hoje, quando o Tesouro Nacional há muito não dispõe de sobras e depende de dinheiro emprestado para tarefas básicas, tais ideias revelam total desconhecimento do estado catastrófico das finanças federais —ou, na pior hipótese, mero oportunismo demagógico.

O momento atual, infelizmente, é propício para que se compreenda a extensão do colapso do Orçamento e suas consequências.

Desde 2014, a arrecadação do governo tem sido inferior aos dispêndios com pessoal, custeio e investimentos; agora, o acúmulo de deficits traz risco real de paralisação da máquina pública.

Pela primeira vez em sua história, o Tesouro se vê próximo de descumprir um dispositivo constitucional —chamado, de tão básico, "regra de ouro"— que o proíbe de se endividar para cobrir gastos cotidianos como salários, aposentadorias, benefícios assistenciais, material de consumo ou contratos de limpeza e vigilância.

Não se trata de capricho tecnocrático ou imposição draconiana: a norma tão somente zela para que o Estado seja viável.

Por ora, pretende-se contornar o problema com o expediente, um tanto vexatório e ainda incerto, de cobrar o pagamento antecipado de passivos do BNDES, banco estatal, com o governo. A alternativa, talvez insuficiente, seria fechar repartições e interromper a prestação de serviços à população.

Mais à frente, conflitos políticos serão inevitáveis, pois o mesmo texto constitucional que estabelece a "regra de ouro" também impõe despesas crescentes com a Previdência e impede a demissão de servidores públicos. Dentre as opções possíveis, suprimir o limite de endividamento seria a pior.

A política como caminho - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 04/10


Em meio ao dissabor causado pelos escândalos de corrupção, surge como boa-nova a conscientização de que, numa democracia, não há outro meio senão a boa e velha política
Os salutares efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir as doações empresariais a políticos em campanha, em 2015, começam a se fazer sentir também entre os empresários. Se antes havia empreendedores que financiavam candidatos apenas para que estes, uma vez eleitos, devolvessem esse investimento na forma de contratos e favores, há hoje no mundo empresarial quem se disponha a tentar influenciar os rumos do País não para obter ganhos particulares, mas para promover um desenvolvimento econômico que sirva a todos, e não somente a um punhado de “campeões nacionais”. E o caminho para isso, conforme mostrou recente reportagem do Estado, é a participação ativa desses empresários no debate político.

Decerto a imagem do poderoso empreiteiro Marcelo Odebrecht preso colaborou bastante para deflagrar esse processo de mudança do comportamento dos empresários em relação ao mundo político. Logo ficou claro que o País vive um novo tempo, em que a promiscuidade entre empresários e políticos passou a ser objeto de implacável escrutínio da Justiça e de grande aversão dos eleitores, sem poupar nem mesmo aqueles que, de tão poderosos, se julgavam acima da lei.

Empresas não são eleitores, conforme decidiu, sabiamente, o Supremo, mas os empresários, como cidadãos, têm todo o direito – senão o dever – de reivindicar um espaço no debate político. A visão do setor produtivo sobre o País obviamente deve ser levada em conta por aqueles que, legitimados pelo voto, tomarão as decisões que afetarão a todos.

Essa participação poderá finalmente ter o condão de renovar a política, em geral dominada pelos lobbies corporativos, inimigos, por definição, do livre mercado, da concorrência e da abertura do País. Até aqui, os empresários preferiam ficar na “moita”, expressão que o presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, usou para se referir ao hábito de esperar que o governante eleito faça o que dele se espera para favorecer este ou aquele setor, mas sem envolvimento político.

Segundo Rocha, esse ambiente criou dois tipos de empresário: o “pidão”, que suplica por ajuda, e o “empresário de conchavo”, nenhum deles realmente interessado em mudar nada. Para o executivo, “nossa competitividade teve uma queda abismal por essa omissão dos guardiães da competitividade”. Com ele concorda o executivo José Galló, da Renner: “O fato é o seguinte: todos permitimos que isso (a crise) acontecesse. Então, hoje há grupos que estão preocupados com a gestão do País, independentemente de partidos. Os grupos estão se formando, e isso é muito bom”.

Depois do choque dos escândalos de corrupção envolvendo algumas das principais empresas do País, o movimento dos empresários para criar outras formas de influenciar a política e fazer prevalecer seus interesses é natural. Assim, não surpreende que haja articulações para incentivar candidatos e partidos alinhados com o pensamento do empresariado. Conforme mostrou o Estado, essas iniciativas se dão na forma de reuniões de pequeno porte, jantares e encontros privados, fora do ambiente tradicional da Fiesp ou de outras associações e sem vinculação com partidos. Envolvem nomes de peso da indústria, do comércio e do setor de serviços, interessados em discutir maneiras de fazer suas preocupações e seus projetos se transformarem em plataforma eleitoral viável.

Se ainda não sabem muito bem como tornar realidade essa pretensão política, os empresários parecem finalmente conscientes de que não é possível mais contar apenas com a sorte – uma escolha equivocada nas eleições presidenciais de 2018 pode comprometer seriamente o futuro do País. “Há um componente de medo que impulsiona as conversas”, disse um investidor citado na reportagem. “A economia está frágil. O empresário quer ter certeza de que o próximo presidente vai dar conta do recado.”

Em meio a tanto dissabor causado pelos escândalos de corrupção, surge como boa-nova essa conscientização de que, numa democracia, não há outro meio para se fazer ouvir senão pela boa e velha política.


O STF diante do equívoco das candidaturas avulsas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/10

Julgamento pode permitir a eleição de candidatos salvacionistas, sem compromisso com partidos, que devem ser fortalecidos e não enfraquecidos, como aconteceria
Está previsto para hoje no Supremo o julgamento das candidaturas avulsas, criadas à margem dos partidos, marcado para avaliar arguição feita pelo advogado Rodrigo Mezzono, que tentou se lançar para prefeito do Rio, em 2016, sem legenda, teve a candidatura negada, recorreu, e o caso chegou às mãos do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo.

Temos, então, mais um exemplo dos estragos que podem causar espíritos criativos, até bem intencionados, que tentam resolver crises intrincadas com soluções simples, numa absoluta incongruência. Doenças graves requerem remédios adequados, de eficácia comprovada. Não terapias alternativas.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encaminhou seu voto favorável a essas candidaturas. Entre os argumentos, registra que o Pacto de São José da Costa Rica, de 1992, do qual o Brasil é signatário, estabelece que os cidadãos têm direito de participar da vida pública “diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos”. Além disso, a exigência de filiação partidária, por não ser ser uma cláusula pétrea, pode ser alterada.

Restar saber para quê. A qualidade da representação política é muito baixa, não devido à democracia representativa em si, mas pelas distorções permitidas por políticos e governos: pulverização de legendas, porta escancarada para o fisiologismo; coligações em pleitos proporcionais que escondem do eleitor o destino final de seu voto, e por aí se foi. Trata-se de males que podem começar a ser debelados mesmo pela tímida reforma em curso.

Diante deste quadro, é um engano considerar que a eleição de homens providenciais será um elixir milagroso. Na prática, sem estarem sustentados em partidos, são uma espécie de déspotas supostamente esclarecidos, numa enorme contradição com a própria democracia. O presidente eleito com essas características, por sobre partidos — Fernando Collor —, teve fim conhecido.

Correndo contra o tempo, o Congresso tem aprovado mudanças na legislação político-eleitoral e, com acerto, rejeitou o distritão, uma perigosa armadilha: aparentemente um instrumento muito democrático — vence o mais votado —, mas que privilegia candidatos já conhecidos. Impede, portanto, a necessária renovação do Legislativo e ainda dá espaço para o populismo. Agora, há o perigo da candidatura avulsa, também por privilegiar salvadores da pátria, e, portanto, grande empecilho ao fortalecimento das bases da democracia representativa, os partidos.

Parece uma reedição tropicalista do sebastianismo, sendo que este rei salvador não partiu, mas virá de algum lugar. Não há atalhos na História. Infelizmente, há no país uma cultura política de traços salvacionistas, à direita e à esquerda. O melhor a fazer é trabalhar duro para consolidar partidos, enquanto se combate a corrupção para valer, com a qual nem um rei redentor conseguiria governar em favor da sociedade.