O Estado privatizado na eleição Suely Caldas O Estado de S. Paulo |
"Ministro tem que ser ministro. Se alguém quiser fazer campanha política depois do expediente, faça, em carro particular. Façam o que quiser, mas quero eles trabalhando", avisou o presidente Lula aos seus ministros e à imprensa na segunda-feira. Aí eles obedeceram, não foram às ruas nem a comícios e trabalharam trancados em seus gabinetes... para ajudar na campanha de Dilma Rousseff, em escancarado uso eleitoral da estrutura do Estado e da máquina pública - que pertence aos brasileiros, não a partidos políticos - em defesa de um candidato. Na terça-feira o ministro Guido Mantega dispensou seu secretário de Política Econômica e decidiu ele próprio divulgar para a imprensa o rotineiro boletim Economia Brasileira em Perspectiva, que desta vez trazia uma empolgante novidade: comparava os desempenhos dos governos FHC e Lula com números (alguns errados) cuidadosamente fisgados para mostrar fracasso e sucesso de um e de outro. Assim, sem sair do gabinete, o militante Mantega socorria Dilma que, em entrevista à TV Globo na noite anterior, culpou o governo FHC pelas baixas taxas de crescimento nos sete anos do governo Lula. Horas depois os números viraram manchete no site da campanha da candidata. Não foi só Mantega. Atento à entrevista do oposicionista José Serra à TV Globo, na quarta-feira à noite, seu colega José Gomes Temporão ordenou aos funcionários imediata e urgente resposta às críticas feitas pelo tucano na entrevista. Agiu rápido: às 22h30 o Ministério da Saúde disparava e-mails para a imprensa contestando os dados apresentados por Serra e glorificando a atual administração na Saúde. Grudada e dependente de Lula nesta eleição, o maior trunfo de Dilma é a gestão do padrinho. Por isso mesmo Lula orientou os ministros a reagirem imediatamente, menos para exercer o direito de defender seu governo e mais para impedir que críticas da oposição prejudiquem sua candidata. Novamente, a versão do Ministério da Saúde foi parar no site de Dilma. O ministro dos Transportes, Paulo Sergio Passos, não foi tão rápido. Só no dia seguinte divulgou nota explicando a falta de investimento em estradas e as falhas denunciadas pelo tucano nas rodovias paulistas. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que traiu sua tradição histórica de órgão técnico para se transformar num apêndice político a serviço do governo Lula, não poderia ficar de fora da campanha eleitoral. Na quinta-feira divulgou estudo sobre a influência dos municípios no PIB, defendendo a ampliação de programas do governo Lula, incluídos nas propostas de Dilma, para reduzir desigualdades regionais. Sob o comando do petista Marcio Pochmann, seus economistas não precisam ir às ruas gritar pelo nome de Dilma. É mais eficaz usar suas horas de trabalho, funcionários de apoio, estrutura e computadores do Ipea. Com Lula à frente, seguido pelos petistas trazidos para ajudá-lo a governar, há quase oito anos o País passou a ser administrado com o bastão do interesse político-partidário-eleitoral comandando ações e decisões do governo. O PT passou 20 anos na oposição contestando todos os governantes que o antecederam, com o único e obsessivo propósito de derrotá-los. No Congresso não avaliava as propostas pelo interesse da população e do progresso do País. Era contra por pura selvageria, pela oposição "a tudo o que está aí", sem definir o quê. E pronto. Foi contra a política econômica de FHC, que depois adotou; contra o Bolsa-Escola, que preservou e rebatizou de Bolsa-Família; contra até o Plano Real, que derrubou a inflação. E, quando finalmente chegou ao poder, trouxe para o governo sua prática de 20 anos: o interesse político-partidário-eleitoral passou a comandar as decisões do governo. Para isso aparelhou o Estado com seus militantes e os de partidos aliados loteando milhares de cargos públicos. Nesse jogo de poder, e ainda mais nesta eleição, Lula e o PT misturam público e privado, abusam do uso do Estado, ofendem e desrespeitam os brasileiros. Como já disse o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga: "É preciso reestatizar o Estado." JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO |
segunda-feira, agosto 16, 2010
SUELY CALDAS
GUILHERME FIUZA
A carta que Dilma não escreveu ao Brasil
GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
Lula não tem culpa do poder político sobre-humano que adquiriu. A culpa é do Brasil. Na virada do milênio, Luiz Inácio da Silva era um problema para o PT. Derrotado em três eleições presidenciais, prisioneiro de um discurso anacrônico contra a política econômica que fundara o real, Lula se tornara um candidato de plantão, quase folclórico. Uma guinada histórica o transformou num Midas eleitoral, capaz de reeditar, com a invenção de Dilma Rousseff, o famigerado plano Celso Pitta - que parecia uma lição devidamente assimilada.
Boa parte do PT não queria Lula candidato à Presidência pela quarta vez, em 2002. Emergiam novas forças no partido, como Cristovam Buarque, que governara o Distrito Federal. Um passo adiante dos slogans genéricos contra o capitalismo ocidental, Cristovam rompera com o modelo do Estado paternal. Foi a primeira voz da esquerda a proclamar que a estabilidade monetária era boa para o povo. Governou com responsabilidade fiscal, resistindo ao bombardeio sindicalista e fisiológico de seus companheiros - que queriam, como sempre, o poder como seio materno.
Cristovam executara com sucesso o inovador programa Bolsa Escola. Apoiara o governo federal - ao qual era oposição - na luta contra a inflação e o descontrole das contas públicas. O PT tinha nele um governante moderno, potencial candidato à Presidência em 2002. Mas Lula, apesar de ultrapassado, ainda era uma lenda no partido. E conseguiu a candidatura após um arrastão comandado pelo deputado José Dirceu.
Esse Lula fraco e desgastado entrou na corrida presidencial com uma novidade. Por sensibilidade do próprio José Dirceu, a campanha dessa vez abandonaria o sectarismo estratosférico. O Brasil ia conhecer um PT mais pragmático, disposto a conversar com todos, e não apenas a rugir seus ideais imaculados - que seriam para sempre perfeitos, desde que não saíssem das assembleias partidárias e reuniões acadêmicas.
Por algum tempo, assistiu-se a um Lula híbrido, que seguia a moderação proposta por Dirceu, mas ainda vocalizava os instintos incendiários do partido: moratórias, xenofobia, ataques ao Banco Central e às metas de inflação, invasão de propriedades produtivas, intervenção na imprensa burguesa e todo aquele guevarismo de grêmio estudantil que o Brasil não queria. Lula foi então salvo por Pedro Malan.
Assistindo ao discurso totalflex do candidato da oposição - que trazia insegurança geral e uma recaída da inflação -, o ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso indagou publicamente qual dos dois era o Lula verdadeiro. Daí surgiu o documento - articulado por Dirceu e por Antônio Palocci - que elegeu o candidato do PT: a Carta ao Povo Brasileiro, na qual Lula se comprometia com princípios como a responsabilidade fiscal, o cumprimento dos contratos e as bases da estabilidade monetária. Uma transição saudável no Planalto.
O Brasil deveria estar se preparando agora para mais uma transição saudável, se o sobrenatural não tivesse entrado em cena. Lula era um presidente normal até estourar o mensalão, o maior escândalo de corrupção da história da República. Pela primeira vez, o grupo político de um presidente criava um duto sistemático entre os cofres do Estado e seu partido. O enredo foi descoberto, seus protagonistas denunciados, e o país passou a mão na cabeça de Lula - não apenas preservando-o, mas passando a conferir-lhe taxas históricas de popularidade. Acima do bem e do mal, Lula virou mito.
Um mito com um cheque em branco na mão. Nesse cheque, escreveu o nome de Dilma Rousseff. A menos de dois meses da eleição, o Brasil ainda não averiguou se o cheque tem fundos. A maioria do eleitorado está dizendo que vai descontá-lo na boca do caixa. Se der dor de cabeça, azar. Será tarde demais para pedir a Dilma - a mãe ou a madrasta - que escreva uma bela Carta ao Povo Brasileiro.
MARCO ANTONIO ROCHA
No jogo tolo dos desafios perde-se o foco do País
Marco Antonio Rocha
O Estado de S.Paulo - 16/08/10
A insistência dos colegas jornalistas em criar animosidades entre os candidatos, ou entre um candidato e um governante, em entrevistas ao vivo pode ser útil para "dar Ibope", mas estou seguro de que não tem qualquer utilidade para o público, para a melhoria do jornalismo ou do processo democrático.
De acordo com pesquisa nada científica, e muito banal, a que me dei o trabalho de proceder com várias pessoas, os únicos que apreciam esse tipo de espetáculo são os marqueteiros das campanhas, que tiram dele rebuscados raciocínios sobre o presumível benefício para o seu contratador (e assim aumentam o preço do serviço), e os "torcedores", fanáticos que se acumulam nas portas dos estúdios da mídia eletrônica para gritar "viva" e exortar o seu preferido a "bater" no oponente.
O restante do eleitorado - ouso dizer, a grande maioria - não só abomina esse tipo de coisa, mesmo quando favorece o seu escolhido, como não toma conhecimento do que os jornais publicam a respeito e, na verdade, nem acompanha os famosos "debates" que a cada eleição as TVs lutam por transmitir. O distinto público pode comprovar isso se se der ao trabalho de examinar os índices de audiência do chorrilho de entrevistas e debates entre candidatos das últimas duas semanas.
Os colegas me dirão que os meios de comunicação têm, afinal, a obrigação de promover essa chatice repetitiva para levar ao público, ao vivo e em cores, a palavra e a imagem dos candidatos, com insistência e frequência, pois isso faz parte não só do processo corrente de afirmação da democracia, como da educação para o exercício futuro da boa democracia.
É verdade. E parece que não há, de fato, outro meio de exercer a tarefa formativa e educativa que a imprensa, além da escola, também tem de assumir, a não ser esse festival de besteiras que as eleições sempre trazem de dois em dois anos. Mas bom seria talvez - já que é uma obrigação da imprensa, é inevitável e os jornalistas, mesmo entediados, a ela têm de se curvar - que se evitasse a tentação de estimular o mero bate-boca, as agressões mútuas e as frases de efeito, mas sem conteúdo.
O candidato José Serra tem sido vítima quase constante desse jogo tolo. Como principal candidato da oposição - no papel de desafiante, digamos, para usar um termo do boxe ou da luta livre -, é sempre instado, direta ou indiretamente, quando entrevistado, a "bater no Lula", o sustentáculo da candidata da situação. Isso até me parece desabonador para a ex-ministra Dilma Rousseff, pois expõe o pensamento generalizado de que ela é carta fora do baralho se o seu patrono for combatido com eficácia.
E não adianta José Serra explicar, todas as vezes, que não quer polemizar com o atual presidente porque este não é candidato e não será presidente no ano que vem e que o importante é falar do futuro, do que pode ser o próximo governo e de por que ele se acha mais qualificado para montá-lo e conduzi-lo do que a sua oponente.
Em menor proporção, mas também com insistência, Dilma Rousseff tem-se visto sob o desafio, proposto por entrevistadores, de "bater no Serra" - ao que cedeu nos primeiros tempos da campanha, com resultados que sem dúvida lhe mostraram que essa tática é boa para aumentar a pífia audiência dos programas eleitorais, mas não produz nenhum efeito, ou cai mal, na maioria do eleitorado.
O problema maior para a democracia brasileira e o seu futuro não é propriamente essa queda de braço enfadonha entre entrevistadores e candidatos, mas sim o que isso deixa de lado no tempo disponível de rádios e TVs ou no espaço da imprensa escrita. O que se está jogando fora é a oportunidade de um balanço realista, mas crítico, por exemplo, do quanto este país já andou no que se refere à suas instituições nestes poucos anos de democracia, desde a Constituição de 1988, e do que é preciso fazer, e como, para aperfeiçoar a nossa vida política.
É preciso também aprofundar a discussão sobre o modelo de desenvolvimento econômico do País, pois o que temos hoje é o improviso, um retrocesso ao pré-planejamento, anterior aos anos 50. Até o primitivo Programa de Metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek surge como um portentoso guia para a ação, diante do afogadilho, da descoordenação e da dissipação descontrolada de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O próprio nome já indicava um punhado de ideias descosidas, obras já em andamento, tudo ajuntado em cima do joelho, para o governo dizer que tinha um programa, quando o que o Brasil precisa é de um verdadeiro Plano de Desenvolvimento de Longo Prazo, com metas definidas, coordenado com as forças vivas da Nação. A China tem isso e o está seguindo sistematicamente. Os resultados estão à vista do mundo.
No Brasil, até o BNDES perde o seu foco e se põe a improvisar novas políticas industriais de conteúdo e objetivos discutíveis, mas com custos bastante visíveis para os contribuintes.
Em meio a essa governança do "crioulo doido", a infraestrutura, base de qualquer desenvolvimento, permanece na maior parte decrépita e em deterioração. Mas este não é assunto para os candidatos.
BRASIL S/A
Gato por lebre
Márcio Pacelli |
Correio Braziliense - 16/08/2010 |
Uma vez não sendo possível a prestação do serviço conforme o contratado, parece óbvia a necessidade de ajustá-lo à realidade. O debate sobre os obstáculos que impedem o acesso dos brasileiros à internet de alta velocidade chega a ser enfadonho quando colocados, frente a frente, os argumentos dos polos antagônicos: de um lado, a indisposição da iniciativa privada em abrir mão de parte de seus lucros e oferecer um serviço de qualidade e, do outro, a intransigência dos órgãos de defesa da prestação adequada do serviço ao usuário. Mas, por bom senso, é possível concluir que não há divergências de opiniões em relação ao direito absoluto do consumidor de receber em sua casa, ou no seu equipamento portátil, exatamente aquilo por que pagou. Essa discussão ganhou peso nos últimos meses, quando a Anatel, órgão que regula o assunto, finalmente decidiu colocar sobre a mesa uma proposta com parâmetros mais realistas e obrigatórios — embora ainda insuficientes — de velocidade de acesso e tráfego da conexão contratada pelo cliente. Se vingar, o contrato do que se convencionou chamar de banda larga com determinada operadora de telefonia não poderá mais ser honrado em apenas 10%, com é hoje, mas passará a patamares entre 30% e 50% nos horários de maior uso e de até 70% nos demais. Longe do padrão Parece absurdo que a agência de telecomunicações só tenha se mexido agora a respeito do assunto, quando o Brasil já deu passos maiores, em outras áreas das relações de consumo, rumo à preservação dos direitos dos usuários. Mas, a avaliar pelo poder de mobilização das empresas, o tema passará ainda por muitos rounds até que o serviço prestado no país aproxime-se dos padrões oferecidos no exterior, onde o megabit por segundo (Mbps) chega, em média, a custar R$ 8. No Brasil, a mesma velocidade de acesso não sai por menos de R$ 50 e pode chegar a absurdos R$ 250 em regiões como a Amazônia. Junte-se ao dado a informação de que apenas 8% dos brasileiros consomem internet com rapidez de 1Mbps a 2Mbps, patamar internacionalmente reconhecido como banda larga. A maioria, 66%, consome bem menos, sendo que 44% acessam apenas a velocidade de 256kilobits por segundo (Kbps). Ou seja, é atualíssima a frase cunhada por Cezar Alvarez, coordenador do Programa de Inclusão Digital do governo federal, há um ano, em um importante seminário sobre as telecomunicações: “A banda larga no Brasil só tem três problemas: é para poucos, cara e lenta”. Na semana passada, durante audiência pública promovida pela Anatel em São Paulo, pôde-se conhecer a justificativa das teles, revestida pela boa reputação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), sobre a questão. Em um trabalho contratado à instituição eminentemente técnico, porém inteligível aos mortais comuns, as operadoras explicam o porquê da resistência em atender o consumidor na totalidade do que ele contratou. Culpa é da tecnologia Segundo o estudo, que será anexado às sugestões das empresas como contribuição à Anatel, o problema mora na tecnologia, especialmente na interação entre a telefonia e os códigos do Internet Protocol (IP), a senha de entrada na rede mundial. Indo direto ao ponto, os ruídos surgem no transporte dos pacotes de dados — para usar uma terminologia do ramo — pelos meios de telecomunicações (fio de cobre, fibra óptica, rádio ou celular), operação imprecisa e pouco confiável, segundo o CPqD. O sucesso de uma conexão ou um downlowd, já desconsideradas as eventuais limitações do computador ou do celular, vai depender muito mais do caminho a ser percorrido e do sinal de transmissão de outras operadoras mundo afora do que exatamente da empresa que assinou o contrato com o cliente. Se o argumento das operadoras está correto, abre-se, então, uma outra frente na discussão. Uma vez não sendo possível a prestação do serviço conforme o contratado, parece óbvia a necessidade de ajustá-lo à realidade. Inadimissível é que as teles sintam-se à vontade para oferecer algo que não têm como garantir na totalidade. “Se a gente assume a premissa das empresas, a variação será a regra e a velocidade máxima, a exceção”, diz Estela Gerrine, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Hoje, da forma como o serviço é prestado, comprar acesso de internet é como pagar por dois litros de refrigerante e ter o direito de tomar apenas um copo. Cobrança proporcional O diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, reconhece as razões dos órgãos de defesa do consumidor e da Anatel sobre a necessidade de atender adequadamente o usuário, mas não hesita em invocar o estudo do CPqD. “Determinadas exigências esbarram na tecnologia”, reforça. A seu ver, seria até possível pensar em mudanças no modelo atual, caso se concluísse ser esse o melhor caminho. Entretanto, as teles ainda não se mostraram dispostas à empreitada. Para o Idec, enquanto não é possível o mundo ideal — a entrega do que foi efetivamente contratado —, as operadoras teriam ao menos que informar ao cliente a velocidade real que ele recebeu e cobrar proporcionalmente por isso. Estela vai além e sugere que as companhias estabeleçam tetos mínimos e máximos de velocidade de acesso e cobrem por faixas de consumo pré-definidas. “O importante é a informação clara para o consumidor”, defende. Ao deparar-se com a briga infindável, a única certeza que o usuário pode chegar é a de que continuará, por um bom tempo, a comprar banda estreita como larga, ou melhor, continuará levando gato por lebre. Márcio Pacelli é subeditor de Economia. |
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Dia dos Pais, a filha e... o custo Brasil
Carlos Alberto Sardenberg |
O Estado de S. Paulo - 16/08/2010 |
Dia desses, num shopping em São Paulo, entrei numa loja de roupas, franquia de marca internacional, à procura de uma malha de lã, tipo cardigã. Tinha uma, bem bacana. O preço, não: quase R$ 500. Desisti. Pouco depois, no Dia dos Pais, ganho de minha filha exatamente aquele cardigã. Uma alegria, claro, mas, sabe como é, um pai se preocupa se a filha é gastadeira. Saia-justa: não se pode reclamar do preço de um presente que se ganha. Mas que os R$ 500 por um casaco eram um absurdo, disso não havia dúvida. Conversa daqui, conversa dali, o dilema se resolveu. Ela comprara o cardigã em Santiago, no Chile, na mesma franquia, também num shopping chique. O preço? Na casa dos R$ 200. Agora, sim, o presente ficara melhor. De quebra, uma lição sobre o custo Brasil. A etiqueta do casaco mostra a origem - fabricado no Uruguai - e dá o endereço dos importadores no Chile, na Argentina e... no Brasil. Ou seja, é a mesmíssima malha, que sai, aqui, pelo dobro do preço chileno. Como se explica? Basicamente, impostos. Aqui, de cada R$ 100 produzidos, cerca de R$ 35 vão para o governo na forma de impostos, taxas e contribuições. No Chile a carga tributária é de apenas 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Lá, uma economia aberta, o imposto de importação, por exemplo, fica em torno dos 6%, o que eleva o grau de competição interna. Aqui, o setor têxtil é um dos protegidos com alíquotas de importação elevadas. Mas o curioso dessa história é que a etiqueta do tal casaco informa ter sido produzido no Uruguai. Ora, este país pertence ao Mercosul, de modo que pelo menos o imposto de importação não deveria existir. Ou seja, falta aqui uma apuração melhor desse comércio, que fico devendo ao leitor e à leitora. Uma hipótese: talvez o produto não seja propriamente uruguaio, mas fabricado em algum país asiático - Vietnã, por exemplo, hoje um grande centro têxtil - e apenas nacionalizado ali no Uruguai. A ver. Mas fica o registro desse enorme custo Brasil. E mais uma demonstração das consequências do protecionismo e de economias fechadas: exceto no caso de indústrias nascentes, em certas circunstâncias, a proteção à fabricação local leva a produtos de pior qualidade e mais caros. Uma conta para o consumidor. Os meus lucros. Do presidente Lula, no dia 9 de agosto: "Todo mundo se lembra da quebradeira dos bancos brasileiros e do prejuízo que eles deram aos cofres públicos. Então quero que eles tenham lucro... por isso fico feliz. Fico feliz com a Caixa também, porque 15 ou 20 anos atrás esses bancos (públicos) só apareciam nos jornais como bancos deficitários - e hoje eles estão tendo lucros." Explicando a história: grandes bancos privados brasileiros quebraram por causa do fim da inflação. Viviam de inflação. Como? Aplicando no overnight, em títulos do governo, o dinheiro que ficava parado nas contas dos clientes, um dia apenas que fosse. Ou, então, pagando juros de 10 na aplicação do cliente e recebendo 20 no mesmo dinheiro aplicado pelo banco. Era tão rentável que os bancos brasileiros nessa época nem cobravam tarifas. Eliminada a inflação, o truque acabou e muitos bancos não conseguiram se reinventar e sobreviver. Para evitar uma quebradeira generalizada dos clientes, pessoas e empresas, o governo FHC criou dois programas de resgate das instituições: o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), para os bancos privados; e o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes), para os estatais. Os donos perderam seus bancos. O governo os assumiu, liquidou alguns, passou outros para a frente e arcou com um prejuízo para sanear essas contas e impedir um colapso do sistema financeiro. No caso dos bancos estatais o problema foi ainda maior. Havia o vício da inflação, mas, acima disso, o uso político das instituições - ou seja, o governo de plantão mandando a instituição emprestar, sem cobrar, para os amigos e correligionários. E, também, com os bancos públicos financiando enormes investimentos do próprio governo, que se revelaram inviáveis. Ou pararam pelo caminho ou não deram o retorno para ressarcir o banco. Assim, por exemplo, quebrou o velho Banespa, que acabou privatizado. Mas a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil também estavam quebrados. Não apenas davam prejuízo, como disse Lula, mas davam um enorme prejuízo. Foram salvos pelo governo FHC, que, primeiro, colocou nos dois bancos um monte de dinheiro dos contribuintes para recapitalizar as instituições. E, depois, promoveu uma reforma completa no sistema de administração, preparando os bancos para a fase de expansão e de lucros. Muita gente na época - inclusive este colunista - achava que o melhor seria privatizar um maior número de bancos estatais, federais e estaduais, ficando o governo com uma ou duas instituições de fomento. A tese: bancos públicos, mais cedo ou mais tarde, acabam sendo usados politicamente. Mas prevaleceu a tese de manter aqueles gigantes financeiros estatais. É curiosa a história: apesar disso, Lula e, atualmente, Dilma Rousseff acusam o governo FHC de tentar privatizar os bancões. E mais: na época, Lula atacou os programas que sanearam os bancos. Hoje, sem nenhum constrangimento e sem nenhuma revisão, simplesmente diz que no tempo dos outros os bancos davam prejuízo; na era Lula, olha só, só lucros. Êta nóis! |
PAINEL DA FOLHA
PF para quem precisa
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/08/10
Delegados estranham a passividade com que a cúpula da Polícia Federal recebeu a ordem do governo para enxugar o orçamento deste ano. Argumentam que a asfixia financeira é, na verdade, um modo de controlar a conta-gotas as operações de inteligência e evitar surpresas incômodas ao Planalto.
A PF, vale lembrar, teve papel importante na eleição de 2006, ao desbaratar a tentativa dos "aloprados" do PT de comprar e divulgar papéis falsos contra o tucano José Serra. Agora estão bloqueadas, por prazo indefinido, verbas para operações em todo o país. Em São Paulo, falta dinheiro até para gasolina.
Dosagem 1 Segundo estimativa de quem está envolvido na finalização do programa com o qual Dilma Rousseff (PT) estreará amanhã na propaganda de televisão, a candidata terá algo como 70% do tempo de tela, e Lula, cerca de 30%.
Dosagem 2 Embora o plano de liquidar a eleição no primeiro turno seja cada vez mais vocalizado pelos petistas, há uma preocupação no QG dilmista de não exagerar na exposição do presidente na TV. "Não é prudente tentar acelerar artificialmente a decisão do eleitor", diz um coordenador.
Bedrock Comentário no Twitter de Marcelo Déda (PT), candidato à reeleição em Sergipe, a propósito do Datafolha presidencial: "Me perdoem, mas dá vontade de incorporar um Fred Flintstone e gritar: Iabadabaduuuuu, Dilmaaaaaa!".
Comentarista Marqueteiro de Lula em 2002, Duda Mendonça lançará amanhã um videoblog concebido como "making of" das várias campanhas que trazem sua assinatura neste ano. No mesmo veículo, ele dará opiniões sobre outras campanhas, a começar pela de Dilma. "Mas vou falar apenas do que eu achar bom", avisa. O endereço é www.videloblogdoduda.com.br.
Bico Veteranos, sobretudo no Senado, reclamam que até hoje a campanha de Serra não convocou nenhuma reunião para engajar as bancadas tucanas. Também é verdade, porém, que o único senador do PSDB a demonstrar no Twitter empenho pela candidatura presidencial do partido é Alvaro Dias (PR).
Silêncio 1 Desabafo de um candidato a governador alinhado à campanha nacional da oposição e bem posto nas pesquisas em seu Estado: "Consigo falar com todo mundo, menos com o meu candidato à Presidência".
Silêncio 2 O candidato ouviu o conselho de um tucano acostumado com o fuso horário de Serra: "Por que você não experimenta ligar para ele de madrugada?".
Vacilo Lula não chegou a puxar a orelha de Fernando Haddad. Mas a decisão de exortar os ministros a não deixar sem resposta nenhum ataque da oposição inspirou-se na hesitação do MEC diante das críticas de Serra ao desamparo das Apaes.
Amazona Considerada ao mesmo tempo discreta e ponderada, a recém-promovida Izabella Teixeira acumula pontos para seguir no Ministério do Meio Ambiente no eventual governo Dilma. O núcleo da campanha aposta que, se eleita, a petista incrementará a presença feminina na Esplanada.
Dupla jornada Há uma articulação em curso para que Orlando Silva (PC do B), além de comandar a Autoridade Olímpica, permaneça ministro do Esporte em caso de vitória de Dilma. Se ela vai topar ou não é outra história.
com LETÍCIA SANDER e ANDREZA MATAIS
tiroteio
Só pode ser desespero. Como Serra pode prometer a construção de 400 km de metrô no Brasil se, em quatro anos, conseguiu fazer apenas 5 km em São Paulo?
DE CÂNDIDO VACCAREZZA (PT-SP), líder do governo na Câmara, criticando promessa feita pelo candidato tucano à Presidência da República.
contraponto
Não fui eu
Na plateia da Band para assistir ao debate entre os candidatos à sucessão paulista, Paulo Maluf (PP) comentava o desempenho do representante de seu partido, Celso Russomanno, que, em dobradinha com Aloizio Mercadante (PT), atacava Geraldo Alckmin (PSDB):
-O rapaz está indo bem, me elogiando. Isso é bom...- observou ao governador Alberto Goldman (PSDB), sentado à sua frente.
Diante de olhares curiosos, Maluf completou:
- Mas não sou eu que estou pagando!
RUY CASTRO
Impossível ser criança
Ruy Castro
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/08/10
Do noticiário da semana passada. Em Araraquara, SP, um garoto de 13 anos foi acusado de chefiar outros quatro meninos que, armados com facas, assaltavam repúblicas de estudantes. O mesmo garoto dirigia o carro que, roubado para a fuga, capotou quando foram perseguidos. Eles conseguiram desvirá-lo e prosseguiram, mesmo com dois pneus furados, até serem capturados. Em Salvador, a PM deteve um adolescente acusado de assaltar uma loja e disparar os tiros que mataram Luísa, de nove anos, que passeava com a mãe pela Feira do Rolo.
Na Vila Kosmos, zona norte do Rio, quatro meninas, de três a dez anos, moradoras do morro Juramentinho, foram detidas pela polícia ao tentarem assaltar um prédio. Três delas disseram ser obrigadas pela mãe, usuária de crack, a roubar, e que eram ameaçadas a faca e espancadas quando voltavam de mãos vazias. A mãe usava o dinheiro dos assaltos para comprar droga. Outra mãe, esta em São José do Rio Preto, SP, mandava o filho de nove anos comprar cerveja na padaria. A dona da padaria vendia. A mãe e a comerciante foram presas. Em Nazaré da Mata, PE, a polícia prendeu um homem acusado de obrigar o filho de dez anos a cortar e preparar pedras de crack para venda. No momento do flagrante, o menino trabalhava em 29 pedras menores e uma grande. Acrescente a isto os casos de bebês mortos por suas mães, os relatos de alcoolismo e dependência de drogas cada vez mais precoces e a incidência de gravidez em adolescentes. Já não é possível ser criança. Elas são atiradas cada vez mais cedo para o mundo adulto, com seus horrores e misérias. Não admira que, nos EUA, uma pesquisa tenha apontado que meninas a partir de 7 anos já mostram sinais de puberdade – primeira menstruação, aparecimento dos seios, pelos pubianos. Afinal, para que esperar?
DENIS LERRER ROSENFIELD
A 'paz no campo'
Denis Lerrer Rosenfield
O Estado de S.Paulo - 16 Q08 Q10
A situação é propriamente surreal. Enquanto permanecemos discutindo sobre se as sentenças judiciais de reintegração de posse, antes e depois de proferidas, devem ou não passar por um processo de mediação estipulado pela Ouvidoria Agrária Nacional, órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário, tribunais pelo País afora decidiram recomendar a seus juízes que sigam as orientações da mesma Ouvidoria Agrária. Na verdade, ficamos centrados na questão de se essa proposta deve ou não ser retirada do 3.º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) ou do programa da candidata Dilma Rousseff, quando se trata apenas da parte visível de um grande iceberg. Ora, não estamos diante de uma proposta, mas de algo que já está operando praticamente em vários tribunais do País, graças a atos administrativos de seus respectivos corregedores. Os Estados em questão são Maranhão, Pará, Bahia, Acre, Ceará e Paraná.
Preliminarmente, observemos que os despachos dos respectivos corregedores utilizam uma mesma linguagem, estipulada no próprio ofício da Ouvidoria Agrária Nacional. Particularmente, todos se dizem preocupados com a "paz no campo" e com os "direitos das pessoas", devendo o Incra e a própria Ouvidoria ser ouvidos antes da concessão das liminares e, depois, no que diz respeito às suas condições de execução. Não é demais assinalar que, sob essas condições, as liminares de reintegração de posse, se tais recomendações forem seguidas pelos juízes, ficarão cada vez mais difíceis de ser cumpridas, algumas mesmo inexequíveis.
O que é que se entende por "paz no campo" e "direitos das pessoas", mais especificamente, dos "ocupantes"? Os invadidos não cabem bem - ou deles são excluídos - nos "direitos das pessoas", talvez por não serem "pessoas" ou "humanos". Na perspectiva dos ditos movimentos sociais, em particular do MST, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de outras organizações congêneres, a "paz" significa o direito de invadir qualquer propriedade, sequestrar, manter em cárcere privado, matar bois (de preferência com requintes de crueldade, cortando os tendões dos animais), queimar galpões, expulsar e intimidar trabalhadores, aterrorizá-los e destruir maquinários e colheitas. Ou seja, enquanto "se dialoga" com a Ouvidoria Agrária Nacional e o Incra, que reproduzem na maioria dos casos as mesmas posições dos ditos movimentos sociais, estes podem, impunemente, continuar com suas ações. A impunidade estaria assegurada em nome dos "direitos dos ocupantes".
Observe-se que a palavra utilizada é "ocupação", como se não se tratasse de uma invasão, crime juridicamente tipificado. O uso dessa palavra é revelador, porque procura fazer com que atos fora da lei caiam, por assim dizer, dentro da lei, não podendo ser objeto de sanções e punições. Os ocupados, isto é, os invadidos, ficariam, então, à mercê da violência, pois esta aparece travestida de um eufemismo, a saber, o da "ocupação pacífica". De fato, deve ser muito "pacífico" ver a sua propriedade invadida por pessoas armadas de facões e foices, com a destruição se disseminando por toda parte. Note-se, ainda, que essas invasões obedecem a uma logística preestabelecida, começando às 5 da manhã, com batalhões precursores, em muitos casos armados com armas de fogo. Horas depois, quando chegam os jornalistas, eles são substituídos por crianças e mulheres, com o intuito de convencer a opinião pública do bem fundado de suas reivindicações.
Outra expressão utilizada é "reforma agrária", como se fosse esse o objetivo dos ditos movimentos sociais. Há uma questão de monta a ser enfrentada aqui, pois diz respeito à natureza da reforma agrária e, mais especificamente, do MST e da CPT. Trata-se de organizações revolucionárias que têm como objetivo destruir a economia de mercado, o direito de propriedade, o Estado de Direito e a democracia representativa.
Todas as suas ações se inserem nessa perspectiva mais global, tendo como meta a instauração, no Brasil, de um Estado socialista/comunista. O direito de propriedade, para eles, é um roubo, devendo ser substituído pela propriedade coletiva da terra. Seguem o modelo que foi instaurando na ex-União Soviética, na China maoista e em Cuba. Os resultados, aliás, são conhecidos: mortandade de milhões de pessoas por fome, eliminação física dos que se opunham a esse modelo e ruína agrícola e econômica dessas sociedades. É claro que o discurso era - e é - apresentado como se fosse de natureza moral, visando à "solidariedade" e à "paz no campo". Nada muito diferente historicamente.
Agora, o que causa estupor é o fato de vários Tribunais de Justiça estarem apoiando esse tipo de iniciativa. Talvez alguns o façam de boa-fé, porém a questão não é essa, pois ela envolve a natureza mesma da sociedade em que vivemos. Ao apoiarem as ações da Ouvidoria Agrária Nacional, estão, de fato, apoiando organizações revolucionárias que procuram inviabilizar o próprio arcabouço constitucional do Estado brasileiro. Visam a inviabilizar o Estado de Direito, instaurando a violência em nome da "paz do campo". A questão, portanto, é se vingará no País a "paz (violenta, revolucionária) do campo" ou o Estado de Direito e uma sociedade baseada na liberdade.
Os atos normativos baixados pelas corregedorias dos tribunais mencionados se fazem sob a forma de "recomendações" administrativas, não tendo a força da obrigatoriedade. Nesse sentido, sempre se poderá arguir que a liberdade do juiz foi preservada. É, porém, forçoso reconhecer que essa liberdade começa a ser, cada vez mais, vigiada, como se pairasse sobre a decisão judicial uma recomendação que, em caso de concessão de liminar, não foi seguida. Cria-se um constrangimento para o juiz e, mais do que isso, um cerceamento possível de sua liberdade. Pior ainda, um órgão do Poder Executivo, no caso, a Ouvidoria Agrária, começa a lançar seus tentáculos para dentro do Judiciário.
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.
JOSÉ GOLDEMBERG
Clima - reflorestamento em Cancún
José Goldemberg
O Estado de S.Paulo - 16/08/10
Desde o início da civilização, cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados de florestas desapareceu e elas foram substituídas por cultivos agrícolas. Os efeitos negativos da ação predatória sobre florestas já foram detectados na Europa há mais de 200 anos e amplos programas de reflorestamento foram lá realizados no século 19.
Mais recentemente, um novo problema, decorrente da destruição das florestas - além da perda de biodiversidade e de perturbações no ciclo hidrológico -, foi detectado: a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Em um hectare de área coberta por uma floresta densa estão armazenadas cerca de 300 toneladas de CO2 (dióxido de carbono), correspondentes a dez caminhões carregados de petróleo ou carvão.
É por essa razão que o desmatamento que ainda ocorre no mundo (principalmente na Amazônia, na Indonésia e na África) contribui significativamente para o aquecimento da Terra. Há, portanto, sólidas razões para reduzi-lo e estimular o reflorestamento de áreas degradadas, e esses são dois componentes importantes do esforço que se trava hoje para evitar que o clima da Terra mude de forma desastrosa.
A necessidade de reduzir o desmatamento já foi compreendida e absorvida pela maioria dos governos, inclusive no Brasil, e esforços estão sendo feitos nesse sentido. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas prevê uma redução de 30% na área desmatada por ano na Amazônia até 2013, o que é claramente um progresso se for efetivamente posto em prática. A meta mais ambiciosa é reduzir o desmatamento em 80% até 2020.
Apesar disso, as vantagens do reflorestamento e da recuperação de áreas degradadas continuam a encontrar dificuldades, pela incompreensão de certos grupos.
A primeira delas é a ideia, que se origina na desinformação de alguns ambientalistas, de que o reflorestamento usando pinus ou eucalipto dá origem a um "deserto verde" onde nem passarinhos sobrevivem e que essas culturas perturbam o ciclo hidrológico. As técnicas florestais mais modernas superam esses problemas e por essa razão o Protocolo de Kyoto inclui o reflorestamento como uma das atividades que se podem beneficiar do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Por esse mecanismo, países em desenvolvimento que promoverem o reflorestamento podem receber pagamento pelo carbono que a floresta plantada absorve. Empresas dos países industrializados que arcarem com parte dos custos desse reflorestamento recebem "créditos" que podem ser usados nos seus países de origem para demonstrar perante o governo que estão reduzindo as suas emissões. A obrigação de reduzir as emissões nesses países decorre do Protocolo de Kyoto.
A segunda é que o Brasil poderia ser um dos grandes beneficiários desse mecanismo, mas, curiosamente, apenas um projeto de reflorestamento existe entre os mais de 5 mil projetos aprovados de MDL. Uma das razões para tal são os preconceitos dos ambientalistas europeus, que argumentam que, se os seus países promovessem o reflorestamento nos países em desenvolvimento, seriam deixados de lado os esforços internos para emitir menos carbono, via aumento da eficiência energética e mudança dos padrões de consumo. Na realidade, os países europeus estão reduzindo as suas emissões.
Por causa desses problemas, a Conferência das Partes da Convenção do Clima que se reuniu há alguns anos em Marrakesh, no Marrocos (COP-7, 2001), atribuiu às reduções de emissões resultantes do reflorestamento "créditos provisórios", com base no argumento tecnicista de que seria impossível garantir que a área reflorestada permaneceria intacta ao longo dos anos e, portanto, não seria realmente sustentável. Com isso os investidores se desinteressaram de usá-los. A solução fácil para esse problema seria cobrar, juntamente com os créditos, um seguro para garantir a sua preservação.
É tempo de corrigir essa distorção no MDL, bem como incluir benefícios para o desmatamento evitado (RED), e se espera que isso seja feito na Conferência do México, em Cancún (COP-16), em novembro próximo, o que permitirá expandir as atividades de reflorestamento e proteção de florestas em muitos países tropicais e, principalmente, no Brasil. Essa, aliás, é uma das poucas áreas em que progresso real poderia ser conseguido em Cancún, porque o Acordo de Copenhague (COP-15, 2009) reduziu as esperanças de se alcançar um acordo global de redução das emissões. Segundo esse acordo, só se pode contar com ações nacionais voluntárias nos principais países emissores (EUA, China, Índia, Brasil e uns poucos outros), que estão ocorrendo, mas não no nível necessário e desejável.
Resolvendo o problema do desmatamento se dissipariam também as "teorias conspiratórias" levantadas pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do novo projeto do Código Florestal, de que reduzir a destruição de florestas tropicais só interessa aos EUA, e não ao Brasil. Segundo essa "teoria", se o desmatamento cessar, a produção agrícola nos países em desenvolvimento - que é competitiva -, como no Brasil, deixará de crescer e os EUA continuariam a dominar o mercado de alimentos.
Essa "teoria" está errada, por duas razões: por um lado, existem amplas áreas onde a agricultura dos países em desenvolvimento se pode expandir sem destruir florestas; por outro, os EUA não têm a capacidade de produzir e vender, sozinhos, os alimentos de que o mundo necessita, e não há dúvidas de que, se o fizessem, os preços dos alimentos subiriam muito. "Fazendas nos EUA e florestas intactas nos países em desenvolvimento" (Farms here, forests there) não é uma proposta séria e os congressistas brasileiros não devem permitir que prossiga o desmatamento em nome de teorias esdrúxulas.
O Brasil é grande o suficiente para ter florestas preservadas e amplas áreas para produção agrícola, com tecnologia moderna.
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)
LUCY VEREZA
O bacharel sem carteira
LUCY VEREZA
O GLOBO - 16/08/10
As numerosas e frequentes reprovações, de que se tem ciência, nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil para o acesso à carreira jurídica retratam a situação em que se encontra o ensino de Direito no país.
Deficientes no domínio da técnica e do conteúdo jurídicos, acrescentando-se o uso desastroso da língua portuguesa, os recém-formados, provindos das faculdades de Direito, não apresentam, por suas limitações, capacidade para exercer as funções no campo de trabalho.
Há poucas décadas, atos surpreendentes praticados por novos advogados, desde erros na condução dos processos até a impossibilidade de fazer entender, por escrito e verbalmente, às autoridades judiciais, o motivo da lide que propuseram patrocinar, levaram muitos deles a cumprir sanções aplicadas pela Ordem dos Advogados do Brasil.
As restrições impostas pela Ordem dos Advogados do Brasil, cumprindo o seu objetivo de proteger e defender a prática jurídica em benefício da justiça social, desaguaram na adoção de um sistema seletivo rigoroso conferido aos novos bacharéis.
Avaliado o grau de competência e alcançada a aprovação, o bacharel faz jus à titularidade da Carteira de Advogado, passaporte para o exercício da profissão.
Configura-se uma situação educacional esdrúxula: as faculdades não atendem mais às exigências requeridas para a formação do bacharel em Direito. As informações recolhidas pelo estudante de Direito, ao longo do curso, representam uma indisfarçável escassez do conhecimento e da prática jurídica, tal prova a proliferação dos cursos de adestramento para os exames da Ordem dos Advogados do Brasil, cercados de variadas publicações de livros e de apostilas vendidas nas bancas de jornal.
A situação remete-me à lembrança um episódio do tempo em que lecionava na escola primária. Ao aconselhar um aluno que encapasse o caderno escolar, ouvi uma resposta ditada pelo ágil raciocínio infantil: “Então, vamos colocar uma capa e outra por cima desta, porque a de baixo pode estragar.” Penso que o exame da Ordem dos Advogados do Brasil é a segunda capa que cobre o ensino nas faculdades de Direito.
É de justiça assinalar que se excluem desta generalização as faculdades de Direito reconhecidas pela aptidão e idoneidade.
Na avaliação da aprendizagem promovida pelas faculdades de Direito, incidem fatores relevantes que estão aguardando a atenção dos interessados na proposta formativa dos novos profissionais. O primeiro desses fatores diz respeito aos que desejam ingressar na carreira de Direito.
Os pressupostos ao ingresso em uma faculdade de Direito estão se tornando cada vez mais inconsistentes e rarefeitos, facilitados pelos mecanismos atuais — nem sempre eficazes — de avaliação.
O inventário vestibular das qualidades do candidato não condiz, muitas vezes, com o nível do curso superior que o espera, onde a rotina didática requer o exercício constante da leitura, do raciocínio, da reflexão, sem aludir à formulação de conceitos e ideias. Não raro, os históricos escolares do candidato, vazios da aprendizagem dominante da leitura e da escrita, não o favorecem, ainda que transpostos nove anos letivos na escola fundamental e três no ensino médio.
Outro fator diz respeito ao corpo docente, o responsável pela dinamização do aprendizado e da interação com o grupo acadêmico.
O conhecimento jurídico seguro, o compromisso com a missão social que lhe incumbe, a utilização das estratégias didáticas, o interesse no aprendizado dos estudantes, obrigações conferidas ao professor, têm sido acompanhados e revistos? Da mesma forma, os conteúdos do programa de Direito, na diversidade das suas áreas e disciplinas, têm sido objeto de apreciação na correspondência do que é exigido para o exercício da profissão? O exame da Ordem dos Advogados do Brasil é uma iniciativa que visa a avaliar as lacunas e incorreções instaladas nos cursos jurídicos, ao encerramento destes.
Todavia, seria do maior brilho educacional que a Ordem dos Advogados do Brasil não só chamasse à seleção no término do curso, como vem operando, mas se determinasse a acompanhar e orientar paralelamente a evolução dos cursos jurídicos, passando pelos procedimentos de ingresso, execução docente e tratamento do conteúdo dos programas.
Será uma empresa completa de começo, meio e fim, que, seguramente, renderá bons frutos ao ensino jurídico no país.
LUCY VEREZA é professora de Direito na Faculdade Hélio Alonso, no Rio
ANCELMO GÓIS
A conquista do Brasil
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 16/08/10
O pessoal da aviação não tem dúvida. A endinheirada família chilena Cueto, que controla a Lan Chile, marcou um golaço ao botar um pé, na fusão com a TAM, no pujante mercado brasileiro, sonho de consumo de todas as voadoras estrangeiras.
A toda carga
A conquista do Brasil começou em 2007, quando a Lan Chile emprestou US$ 17,1 milhões à Varig, de olho no controle da enferma.
Não deu certo. Os chilenos voltaram a atacar o mercado doméstico pelas beiradas, através da ABSA — Aerolinhas Brasileiras, que atua no setor de carga.
Direita, volver
A Lan Chile foi privatizada por Pinochet em 1989 e comprada por um consórcio liderado por Sebastián Piñera, atual presidente direitista do Chile, cujo irmão, José Piñera, foi um importante ministro da ditadura.
Em março, como prometera na campanha, Piñera vendeu suas ações para antigos parceiros no negócio: a família Cueto.
Esperança na rede
Sábado, durante o “Criança Esperança” na TV Globo, o projeto liderou os tópicos mais populares do Twitter no mundo.
Em português, foram 23 mil citações na rede de microblogs.
Madame na favela
Acredite. Tem madame da Barra indo fazer o cabelo (principalmente pôr mega hair) num salãozinho na Gardênia Azul, favela de Jacarepaguá.
Dizem que lá não tem frescura, e as profissionais puxam o cabelo como ninguém. Ah, bom!
Fim do mundo
Ontem, no gelado fim de tarde de domingo no Leblon, Jaguar — sim, ele mesmo, o lendário e querido pinguço — encarava um iogur te, numa dessas lojas que se espalham Rio afora.
O mundo está perdido.
Cópia espanhola
Lembra aquela recente série de comerciais da OAB em que Fernanda Montenegro, Osmar Prado e outros atores interpretavam desaparecidos políticos, veiculada de graça nas TVs? A RTVE, da Espanha, está exibindo comerciais iguais, em que astros como Pedro Almodóvar e Javier Bardem falam contra a impunidade e o esquecimento dos crimes da ditadura franquista.
Segue...
O comercial espanhol, produzido pela Associação para Recuperação da Memória Histórica, é claramente inspirado na campanha da OAB pela abertura dos arquivos da ditadura no Brasil.
No fim dos depoimentos dos artistas espanhóis, eles perguntam: “Até quando?” Igual aos artistas brasileiros.
Clone
Confira o clone da campanha brasileira em rtve.es/mediateca/ videos/20100614/mundocultura-contra-impunidaddelfranquismo/799241.shtml.
ZONA FRANCA
Tânia Zagury participa hoje, às 10h, da inauguração da biblioteca com seu nome no Ciep Cyrene Costa.
“Jeito Carioca na gestão de pessoas”, livro de entrevistas do consultor LH Moura, será uma das atrações da Ediouro na Bienal Internacional do Livro.
O Enoteca Uno serve menu de camarão até Setembro.
O Sebrae Rio recebe hoje da Alerj a Medalha Tiradentes.
O e-mail da ouvidoria do Iphan do Rio é ouvidoria.rj@iphan.gov.br.
Twigg pré-lança CD no La Playa, na Ilha, às quintas de agosto, às 20h.
Custodio Coimbra faz exposição na Quinta da Prata, em Mauá.
Bandeira do Brasil
A coluna renova o apelo ao ministro Juca Ferreira e à secretaria Adriana Rattes para a conservação do prédio da Igreja Positivista do Brasil (1891), na Glória, patrimônio cultural afetado pelas chuvas no Rio.
Para piorar, em abril, alguém, provavelmente que sabe das coisas, furtou a tela de Décio Vilares (1851-1931), desenho original da bandeira do Brasil (foto).
Olho na dengue
A Secretaria municipal de Saúde está de olho em alguns imóveis na Zona Sul do Rio.
É que foram detectadas pelo menos seis casas na área nobre da cidade que apresentam risco à saúde pública, por estarem abandonadas, terem lixo acumulado ou por negarem a entrada de agentes de saúde.
Segue..
Nesses lugares, será usado o decreto que autoriza os agentes a entrar em locais fechados para realizar vistoria, após três notificações.
São mais de 30 imóveis na cidade nessas condições.
Embaixador Vinicius
Hoje, na cerimônia de promoção de Vinicius de Moraes a embaixador, no Itamaraty, em Brasília, será lembrada a poesia “Operário em construção”, recitada pelo Poetinha para Lula, numa visita ao ABC, em 1977.
A obra vai ser lida por Ricardo Cravo Albin e pelo poeta Eucanaã Ferraz.
CISSA GUIMARÃES, a atriz, recebe o abraço de Totia Meirelles, nos bastidores da peça “Doidas e santas”, no Teatro Leblon
NÍVEA STELMANN, Rafaela Mandelli e Virginia Cavendish, atrizes, inundam de beleza a plateia da peça “Não existe mulher difícil”, que estreou no Rio
XARÁS QUE brilham na produção dos filmes nacionais, Paula Lavigne e Paula Barreto posam sob o sol, durante o Festival de Cinema Brasileiro de Miami
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