No jogo tolo dos desafios perde-se o foco do País
Marco Antonio Rocha
O Estado de S.Paulo - 16/08/10
A insistência dos colegas jornalistas em criar animosidades entre os candidatos, ou entre um candidato e um governante, em entrevistas ao vivo pode ser útil para "dar Ibope", mas estou seguro de que não tem qualquer utilidade para o público, para a melhoria do jornalismo ou do processo democrático.
De acordo com pesquisa nada científica, e muito banal, a que me dei o trabalho de proceder com várias pessoas, os únicos que apreciam esse tipo de espetáculo são os marqueteiros das campanhas, que tiram dele rebuscados raciocínios sobre o presumível benefício para o seu contratador (e assim aumentam o preço do serviço), e os "torcedores", fanáticos que se acumulam nas portas dos estúdios da mídia eletrônica para gritar "viva" e exortar o seu preferido a "bater" no oponente.
O restante do eleitorado - ouso dizer, a grande maioria - não só abomina esse tipo de coisa, mesmo quando favorece o seu escolhido, como não toma conhecimento do que os jornais publicam a respeito e, na verdade, nem acompanha os famosos "debates" que a cada eleição as TVs lutam por transmitir. O distinto público pode comprovar isso se se der ao trabalho de examinar os índices de audiência do chorrilho de entrevistas e debates entre candidatos das últimas duas semanas.
Os colegas me dirão que os meios de comunicação têm, afinal, a obrigação de promover essa chatice repetitiva para levar ao público, ao vivo e em cores, a palavra e a imagem dos candidatos, com insistência e frequência, pois isso faz parte não só do processo corrente de afirmação da democracia, como da educação para o exercício futuro da boa democracia.
É verdade. E parece que não há, de fato, outro meio de exercer a tarefa formativa e educativa que a imprensa, além da escola, também tem de assumir, a não ser esse festival de besteiras que as eleições sempre trazem de dois em dois anos. Mas bom seria talvez - já que é uma obrigação da imprensa, é inevitável e os jornalistas, mesmo entediados, a ela têm de se curvar - que se evitasse a tentação de estimular o mero bate-boca, as agressões mútuas e as frases de efeito, mas sem conteúdo.
O candidato José Serra tem sido vítima quase constante desse jogo tolo. Como principal candidato da oposição - no papel de desafiante, digamos, para usar um termo do boxe ou da luta livre -, é sempre instado, direta ou indiretamente, quando entrevistado, a "bater no Lula", o sustentáculo da candidata da situação. Isso até me parece desabonador para a ex-ministra Dilma Rousseff, pois expõe o pensamento generalizado de que ela é carta fora do baralho se o seu patrono for combatido com eficácia.
E não adianta José Serra explicar, todas as vezes, que não quer polemizar com o atual presidente porque este não é candidato e não será presidente no ano que vem e que o importante é falar do futuro, do que pode ser o próximo governo e de por que ele se acha mais qualificado para montá-lo e conduzi-lo do que a sua oponente.
Em menor proporção, mas também com insistência, Dilma Rousseff tem-se visto sob o desafio, proposto por entrevistadores, de "bater no Serra" - ao que cedeu nos primeiros tempos da campanha, com resultados que sem dúvida lhe mostraram que essa tática é boa para aumentar a pífia audiência dos programas eleitorais, mas não produz nenhum efeito, ou cai mal, na maioria do eleitorado.
O problema maior para a democracia brasileira e o seu futuro não é propriamente essa queda de braço enfadonha entre entrevistadores e candidatos, mas sim o que isso deixa de lado no tempo disponível de rádios e TVs ou no espaço da imprensa escrita. O que se está jogando fora é a oportunidade de um balanço realista, mas crítico, por exemplo, do quanto este país já andou no que se refere à suas instituições nestes poucos anos de democracia, desde a Constituição de 1988, e do que é preciso fazer, e como, para aperfeiçoar a nossa vida política.
É preciso também aprofundar a discussão sobre o modelo de desenvolvimento econômico do País, pois o que temos hoje é o improviso, um retrocesso ao pré-planejamento, anterior aos anos 50. Até o primitivo Programa de Metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek surge como um portentoso guia para a ação, diante do afogadilho, da descoordenação e da dissipação descontrolada de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O próprio nome já indicava um punhado de ideias descosidas, obras já em andamento, tudo ajuntado em cima do joelho, para o governo dizer que tinha um programa, quando o que o Brasil precisa é de um verdadeiro Plano de Desenvolvimento de Longo Prazo, com metas definidas, coordenado com as forças vivas da Nação. A China tem isso e o está seguindo sistematicamente. Os resultados estão à vista do mundo.
No Brasil, até o BNDES perde o seu foco e se põe a improvisar novas políticas industriais de conteúdo e objetivos discutíveis, mas com custos bastante visíveis para os contribuintes.
Em meio a essa governança do "crioulo doido", a infraestrutura, base de qualquer desenvolvimento, permanece na maior parte decrépita e em deterioração. Mas este não é assunto para os candidatos.
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