Americanismo e antiamericanismo
HUMBERTO BRAGA
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/08/10
A principal afinidade entre Brasil e EUA consiste em ambos serem bem integrados à civilização ocidental e terem regime democrático
Do ponto de vista político, o americanismo era compreensível durante a Guerra Fria. Tratava-se de enfrentar a ameaça de expansão do comunismo e por isso o alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos era inevitável. O antiamericanismo, hoje, tem seus principais defensores em nostálgicos radicais de esquerda que viam naquela superpotência o bastião do detestado capitalismo.
Sob o aspecto cultural, poucas são as afinidades entre os povos brasileiro e americano. Esta é uma nação predominantemente de brancos e protestantes cuja matriz civilizatória foi anglo-saxônia.
O Estado lusitano, sob o signo da Contrarreforma, na qual os jesuítas tiveram um grande desempenho, formou o Brasil, ao passo que os Estados Unidos nasceram da ação de imigrantes puritanos insubmissos ao Estado britânico e à sua Igreja.
Já em 1824, o maior dos latino-americanos, Simon Bolívar (hoje objeto de muitas desfigurações), advertia que o destino histórico dos povos que ele libertara não poderia se confundir com o da América do Norte, que ainda não era poderosa militar e economicamente.
E é sabido que, de um modo geral, o americano médio tem escasso apreço pelos naturais da América Latina. A principal afinidade entre Brasil e Estados Unidos consiste em ambos serem bem integrados à civilização ocidental e praticarem o regime democrático, apesar de nossos graves acidentes de percurso.
Em 1940, quando a vitória na guerra parecia pender para a Alemanha nazista, o ditador Getulio Vargas, que pessoalmente nada tinha de germanófilo (ao contrário de vários de seus auxiliares), pronunciou rumoroso discurso, interpretado como de solidariedade ideológica ao eixo Berlim-Roma.
Os Estados Unidos, que se preparavam para intervir militarmente contra o Terceiro Reich, precisavam dos nossos portos do Nordeste como bases para a projetada invasão da África do Norte. Entabularam-se imediatas negociações e, como resultado delas, o governo americano deu o necessário apoio para a instalação da indústria pesada no nosso país. E uma força expedicionária brasileira partiu a combater os nazistas.
Para alguns, essa foi a maior "chantagem" patriótica da nossa história. Vargas certamente acreditava que, na política, o aliado incondicional vai para a última mesa.
O Brasil, hoje, pleiteia um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. Até agora não obteve explícito apoio americano a essa pretensão. Por outro lado, não deve incomodar o presidente Lula a existência de governos latino-americanos refratários à hegemonia norte-americana, pois é precisamente isso que lhe permite espaço para mediar, negociar.
Se toda a América Latina desse irrestrita adesão aos Estados Unidos, o Brasil não seria mais que uma ovelha na carneirada. Será o caso de indagar agora: Lula, o pragmático, que não tem quaisquer vínculos ideológicos ou religiosos com o Irã, estaria tentando (sem saber) reproduzir a tática de Vargas? E poderá ter êxito semelhante ao do seu grande antecessor? É o que o futuro irá dizer.
HUMBERTO BRAGA é conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e professor aposentado de história do pensamento econômico da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Nenhum comentário:
Postar um comentário