Gato por lebre
Márcio Pacelli |
Correio Braziliense - 16/08/2010 |
Uma vez não sendo possível a prestação do serviço conforme o contratado, parece óbvia a necessidade de ajustá-lo à realidade. O debate sobre os obstáculos que impedem o acesso dos brasileiros à internet de alta velocidade chega a ser enfadonho quando colocados, frente a frente, os argumentos dos polos antagônicos: de um lado, a indisposição da iniciativa privada em abrir mão de parte de seus lucros e oferecer um serviço de qualidade e, do outro, a intransigência dos órgãos de defesa da prestação adequada do serviço ao usuário. Mas, por bom senso, é possível concluir que não há divergências de opiniões em relação ao direito absoluto do consumidor de receber em sua casa, ou no seu equipamento portátil, exatamente aquilo por que pagou. Essa discussão ganhou peso nos últimos meses, quando a Anatel, órgão que regula o assunto, finalmente decidiu colocar sobre a mesa uma proposta com parâmetros mais realistas e obrigatórios — embora ainda insuficientes — de velocidade de acesso e tráfego da conexão contratada pelo cliente. Se vingar, o contrato do que se convencionou chamar de banda larga com determinada operadora de telefonia não poderá mais ser honrado em apenas 10%, com é hoje, mas passará a patamares entre 30% e 50% nos horários de maior uso e de até 70% nos demais. Longe do padrão Parece absurdo que a agência de telecomunicações só tenha se mexido agora a respeito do assunto, quando o Brasil já deu passos maiores, em outras áreas das relações de consumo, rumo à preservação dos direitos dos usuários. Mas, a avaliar pelo poder de mobilização das empresas, o tema passará ainda por muitos rounds até que o serviço prestado no país aproxime-se dos padrões oferecidos no exterior, onde o megabit por segundo (Mbps) chega, em média, a custar R$ 8. No Brasil, a mesma velocidade de acesso não sai por menos de R$ 50 e pode chegar a absurdos R$ 250 em regiões como a Amazônia. Junte-se ao dado a informação de que apenas 8% dos brasileiros consomem internet com rapidez de 1Mbps a 2Mbps, patamar internacionalmente reconhecido como banda larga. A maioria, 66%, consome bem menos, sendo que 44% acessam apenas a velocidade de 256kilobits por segundo (Kbps). Ou seja, é atualíssima a frase cunhada por Cezar Alvarez, coordenador do Programa de Inclusão Digital do governo federal, há um ano, em um importante seminário sobre as telecomunicações: “A banda larga no Brasil só tem três problemas: é para poucos, cara e lenta”. Na semana passada, durante audiência pública promovida pela Anatel em São Paulo, pôde-se conhecer a justificativa das teles, revestida pela boa reputação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), sobre a questão. Em um trabalho contratado à instituição eminentemente técnico, porém inteligível aos mortais comuns, as operadoras explicam o porquê da resistência em atender o consumidor na totalidade do que ele contratou. Culpa é da tecnologia Segundo o estudo, que será anexado às sugestões das empresas como contribuição à Anatel, o problema mora na tecnologia, especialmente na interação entre a telefonia e os códigos do Internet Protocol (IP), a senha de entrada na rede mundial. Indo direto ao ponto, os ruídos surgem no transporte dos pacotes de dados — para usar uma terminologia do ramo — pelos meios de telecomunicações (fio de cobre, fibra óptica, rádio ou celular), operação imprecisa e pouco confiável, segundo o CPqD. O sucesso de uma conexão ou um downlowd, já desconsideradas as eventuais limitações do computador ou do celular, vai depender muito mais do caminho a ser percorrido e do sinal de transmissão de outras operadoras mundo afora do que exatamente da empresa que assinou o contrato com o cliente. Se o argumento das operadoras está correto, abre-se, então, uma outra frente na discussão. Uma vez não sendo possível a prestação do serviço conforme o contratado, parece óbvia a necessidade de ajustá-lo à realidade. Inadimissível é que as teles sintam-se à vontade para oferecer algo que não têm como garantir na totalidade. “Se a gente assume a premissa das empresas, a variação será a regra e a velocidade máxima, a exceção”, diz Estela Gerrine, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Hoje, da forma como o serviço é prestado, comprar acesso de internet é como pagar por dois litros de refrigerante e ter o direito de tomar apenas um copo. Cobrança proporcional O diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, reconhece as razões dos órgãos de defesa do consumidor e da Anatel sobre a necessidade de atender adequadamente o usuário, mas não hesita em invocar o estudo do CPqD. “Determinadas exigências esbarram na tecnologia”, reforça. A seu ver, seria até possível pensar em mudanças no modelo atual, caso se concluísse ser esse o melhor caminho. Entretanto, as teles ainda não se mostraram dispostas à empreitada. Para o Idec, enquanto não é possível o mundo ideal — a entrega do que foi efetivamente contratado —, as operadoras teriam ao menos que informar ao cliente a velocidade real que ele recebeu e cobrar proporcionalmente por isso. Estela vai além e sugere que as companhias estabeleçam tetos mínimos e máximos de velocidade de acesso e cobrem por faixas de consumo pré-definidas. “O importante é a informação clara para o consumidor”, defende. Ao deparar-se com a briga infindável, a única certeza que o usuário pode chegar é a de que continuará, por um bom tempo, a comprar banda estreita como larga, ou melhor, continuará levando gato por lebre. Márcio Pacelli é subeditor de Economia. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário